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Usucapião conjugal: requisitos e críticas da nova modalidade de usucapião

28/07/2011 às 16:22
Leia nesta página:

1 – Panorama Geral

Publicada em 17 de junho de 2011, a Lei 12.424, dispondo sobre Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV e a Regularização Fundiária de Assentamentos Localizados em Áreas Urbanas, entrou em vigor na data de sua publicação.

Dispõe o art. 9º da referida lei, acrescentando o art. 1.240-A no Código Civil:

"Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 

§ 1º  O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 

§ 2º  (VETADO)." (NR)

Cria-se nova modalidade de usucapião de bem imóvel, acrescentada às usucapião ordinária (art. 1.242 CC), extraordinária (art. 1.238 CC), especial rural (art. 191 CG, 1.239 CC e Lei 6.969/1981), especial urbana (art. 183 CF, 1.240 CC e art. 9º Lei 10.257/2001), especial urbana coletiva (art. 10 Lei 10.257/2001) e especial indígena (art. 33 Lei 6.001/1973).

Primeiramente é preciso destacar que ainda a doutrina, até mesmo pela recente alteração, não firmou entendimento uníssono acerca do assunto. Mesmo assim, dada a circunstância da criação de nova forma de usucapião em face de outro cônjuge, denominamos de Usucapião Conjugal, mas tantas outras nomenclaturas caberiam, como usucapião familiar, usucapião especial do cônjuge etc.

Destacarei aqui os pontos importantes que deverão ser levados em conta não só para concursos e exames da Ordem, mas também para eventuais críticas a serem levantadas.


2 – Requisitos e apontamentos

Com a simples análise do novel artigo, extraímos alguns requisitos que merecem atenção e também alguns apontamentos:

a) Imóvel urbano de 250 m²;

Podemos observar que a presente lei determinou área idêntica à usucapião urbana, prevista no art. 183 CF e 1.240 CC. Porém vale destacar que a lei em comento foi promulgada, teoricamente, para favorecer população de baixa renda.

Ocorre que poderá gerar efeito contrário. Isso porque não raro imóveis em grandes centros urbanos, mormente em tempos de boom imobiliário, até menores que 250 m² tenham alto valor econômico, ultrapassando R$2.600.000,00 [01] em bairros luxuosos. Estaríamos legalizando o enriquecimento sem causa de um indivíduo em razão de um simples abandono do lar.

Seria possível a aplicação analógica aqui, do Enunciado nº 314 da IV Jornada de Direito Civil [02] dispondo que "Para os efeitos do art. 1.240, não se deve computar, para fins de limite de metragem máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum".

b) Propriedade anterior por duas pessoas casadas ou em união estável;

É necessário prestar muita atenção hoje, após a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de união estável entre casais homossexuais (ADPF 132-RJ e ADI 4.277-DF).

Assim, quando se falar em união estável, inclui-se a união homoafetiva também.

Outro ponto, a lei menciona uma propriedade dividida por ex-cônjuge ou ex-companheiro. Ora, se se trata daquele que não é mais consorte ou convivente, então já estariam divorciados ou dissolvida a união estável. E se assim ocorreu, a partilha já foi realizada, não havendo direito superveniente.

Trata-se de um erro material, na verdade a lei quis dizer separação de fato.

c) Abandono do lar por uma delas;

Tal requisito tem nítido caráter culposo, o que deverá ser analisado com ressalvas pelo aplicador do direito.

Como se sabe, mesmo após a extinção da separação judicial (maioria da doutrina), a culpa de um dos cônjuges nunca autorizou a desigualdade na parte patrimonial do casal, vale dizer, partilha de seus bens.

Ainda, sempre foi muito difícil verificar e provar a culpa nas relações afetivas. E pior, o abandono em si não quer dizer que é o culpado, muito pelo contrário, é possível que um dos consortes saia do lar justamente para conferir ao outro e à sua prole maiores condições de vida.

O mais difícil será visualizar uma realidade de embate entre cônjuges para provar quem foi o real culpado a fim de que um deles se torne proprietário do bem do casal. Creio que uma lei não pode estimular a desagregação familiar.

Desta forma, quando um dos cônjuges ou companheiros desejarem ausentar-se do lar comum, melhor será buscar uma providencia judicial, como a ação cautelar de separação de corpos.

Portanto, o ideal será o juiz, ao verificar tal requisito, avaliar a real má-fé daquele que abandonou o lar, isto é, tenha realmente se desligado de seu lar ignorando tanto seu consorte, quanto seus filhos, a ponto de merecer ser punido com a perda de sua propriedade pela usucapião.

d) Posse mansa e pacífica, exclusiva e direta por 2 anos;

Estes requisitos são os mais polêmicos e merecem maior atenção.

Posse mansa e pacífica não é novidade para usucapião, tratando-se daquela sem manifestação contraria de outra pessoa que tenha interesse jurídico, isto é, d o proprietário do bem durante todo o tempo aquisitivo de usucapião. Vale lembrar que litígio judicial com terceiro não impede a usucapião, até porque entendimento diverso premiaria a inércia do proprietário.

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Contudo posse direta com requisito é uma novidade. Sabemos que a posse pode desdobrar-se, em direta e indireta, permitindo-se a qualquer delas a aquisição de propriedade pela usucapião.

Posse direta, segundo o art. 1.197 CC é aquela "de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real..." que não anula a indireta. São exemplos o comodatário, depositário, locatário e usufruturário.

Por outro lado posse indireta é aquela exercida por meio de outra pessoa, como o comodante, depositante, locador e nu-proprietário.

Perceba que uma separação de fato, ou o simples abandono do lar, não gera desmembramento da posse. Estaríamos permitindo a usucapião pelo possuidor direto contra o possuidor indireto, o que a lei não permitia até então. Imagine só o locatário requerendo usucapião do locador!

Isso porque é requisito da usucapião o animus domini, ou seja, o usucapiente somente adquirirá a propriedade caso possua intenção de ser dono (conceito defendido por Savigny [03]). A nova lei não prevê tal requisito.

Assim, a despeito de toda sistemática legal impedir a usucapião entre possuidores direto e indireto, pela falta do animus domini, a nova lei o dispensa.

Além da posse direta, prevê a lei o lapso temporal de 2 anos, sim, apenas 2 anos de sem oposição ao exercício da posse.

Este prazo, se formos comparar com outras modalidades de usucapião, é extremamente curto. Tão curto a ponto de adquirir-se a propriedade de um imóvel mais rápido que um bem móvel ao possuidor com justo título e boa-fé, cujo prazo é de 3 anos (art. 1.260 CC). Seria isso razoável?

e) Cônjuge abandonado não ser proprietário de outro imóvel; e

O requisito negativo também é previsto para outras formas de usucapião, como o urbano [04], rural [05] e coletivo [06].

f) Utilização como moradia

Também não há nada de novo neste requisito.


3- Inconveniências da lei

À usucapião aplicam-se as mesmas normas que impedem, suspendem e interrompem a prescrição. Assim determina o art. Art. 1.244 [07]. Por isso que é denominada prescrição aquisitiva.

Atente-se para o teor do art. 197, I CC preconizando que não corre a prescrição entre os cônjuges na constância da sociedade conjugal.

Ocorre que o art.1571 prevê os casos de dissolução da sociedade conjugal:

" 1.571. A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio."

Diante destes dispositivos, verifica-se que o mero abandono do lar não dissolve a sociedade conjugal. E o Código prevê que não corre a prescrição na constância do casamento.

Infere-se, portanto, que a nova lei contraria o próprio Código Civil, permitindo a prescrição aquisitiva em relação a cônjuges e companheiros sem que esta sociedade tenha de desfeito.

Desta forma, teremos que tomar cuidado na aplicação tendo-se em vista o conflito de normas.


Conclusões

A Lei 12.424/2011 criou uma nova modalidade de usucapião, com requisitos próprios e, como afirmado neste artigo, exclusivos e merecem atenção dos estudantes e aplicadores do direito.

É importante afirmar, ainda, a importância da usucapião como meio de conferir função social à propriedade em detrimento ao proprietário que não confere completa utilidade ao bem.

Porém não se pode esquecer que a propriedade é constitucionalmente protegida (art. 5º XXII, CF), e, não pode ela servir como argumento de punição daquele proprietário que muitas vezes não diminuiu a utilização de sua propriedade, mas, em decorrência de uma problemática familiar, ausentou-se de seu lar e viu escoar direito seu por pessoa que não teve sequer ânimo de dono.

Além disso, este autor critica veementemente a forma em que legislador inseriu as novas regras de aquisição de propriedade.

Primeiro por uma lei que sequer será aplicada em seus próprios fundamentos, pois, como demonstrado alhures, beneficiará e muito classes sociais mais abastadas que possuem imóvel milionário, mas dentro dos parâmetros de 250m².

Ademais, o novo regramento torna ainda mais doloroso e difícil o processo de divórcio, acrescentando armas para o embate familiar em busca da aquisição da propriedade imóvel pertencente ao casal, dificultando as chances de restauração do casamento ou união estável. Esta teria sido a intenção do legislador?


Notas

  1. http://www.zap.com.br/imoveis/sao-paulo+sao-paulo+jardins/imovel/tr/area-210---240/?gclid=CLrW95HW_KkCFQFZ7AodWGO2YA
  2. Disponível no site da Justiça Federal: www.jf.jus.br
  3. Lembre-se de que Ihering e Savigny possuem conceitos diferentes sobre posse. Para Savigny é preciso ter o corpus (poder físico sobre a coisa) e animus domini (intenção de ter a coisa, de ser proprietário). Para Ihering basta o corpus (comportamento de dono). Para a posse o art. 1.196 CC prestigiou a teoria de Ihering, porém, como se pode observar, para a usucapião, prestigiou-se a teoria de Savigny.
  4. Arts. 183 CF, 1.240 CC e 9º Estatuto da Cidade
  5. Art. 194 CF
  6. Art. 10 Estatuto da Cidade
  7. "Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião."
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Sobre o autor
Roberto Rosio Figueredo

Procurador da Fundação CASA/SP, Professor de Direito Civil e Processual Civil do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Pós Graduado em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEREDO, Roberto Rosio. Usucapião conjugal: requisitos e críticas da nova modalidade de usucapião. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2948, 28 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19663. Acesso em: 21 nov. 2024.

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