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A adoção do postulado "in dubio pro societate" em ações civis públicas frente ao princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos

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13/08/2011 às 10:18
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4.CONCLUSÃO.

A profunda gravidade da intenção sancionadora que se levanta contra o servidor público sujeito a Ações Civis Públicas por vezes desprovidas de qualquer demonstração de irregularidades nos atos praticados, mormente em sendo este servidor advogado público, nos obriga a repensar a adoção do in dubio pro societate na recepção da Ação Civil Pública por ato de improbidade, frente ao temor de que, como bem aduzem os Ministros do Egrégio STF [20] Carlos Velloso, Nelson Jobim, Gilmar Mendes, Maurício Corrêa e Sepúlveda Pertence, estabeleça-se a cultura de persecução a agentes públicos pela simples discordância dos órgãos de controle em relação a seus posicionamentos.

Cabe, portanto, formular as seguintes conclusões:

i. a presunção de ilegalidade da atuação de agentes públicos posta-se de encontro a todos os princípios que orientam a responsabilização dos servidores públicos, mormente a presunção de legalidade dos atos administrativos e a vedação à responsabilização objetiva dos agentes públicos;

ii. nos termos do art. 17, § 6º, da Lei nº 8.429/1992, a petição inicial da Ação Civil Pública deve contemplar obrigatoriamente a demonstração da irregularidade por sólidos indícios, apesar de não exigir-se prova pré-constituída;

iii. nos casos em que a exordial da Ação Civil Pública não demonstre a alegada irregularidade dos atos combatidos, faz-se forçosa a rejeição da ação, em homenagem à presunção de legitimidade dos atos administrativos, nos termos do § 8º do mesmo artigo;

iv. ainda no caso de estarem ausentes provas da culpa grave ou dolo do servidor, sói rejeitar-se a Ação Civil Pública, já que a irregularidade só se configura como improbidade havendo prova cabal da má-fé do agente combinada com a afronta intencional aos princípios da administração e o dano ao patrimônio público, pois "em sede de ação de improbidade administrativa da qual exsurgem severas sanções o dolo não se presume" [21], visto que "o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil" [22].

Ressalte-se que não há a pretensão de reduzir a incidência de Ações Civis Públicas procedentes, que são instrumento legítimo à defesa do patrimônio público pelos órgãos de controle da administração – no entanto, todo instituto de que se abuse se torna injusto, motivo pelo qual cabe à comunidade jurídica repensar o seu verdadeiro objetivo.

Diante destas indiscutíveis conclusões, tendo em vista as gravíssimas sanções e as nefastas conseqüências da Ação Civil Pública injusta contra servidor público, na ausência de provas da irregularidade a rejeição da ação é medida forçosa, principalmente diante do risco de instituir-se uma cultura do medo que leve à crescente burocracia desmedida e rigidez por temor no serviço público:

TJPR [23]: DENÚNCIA-CRIME - CRIME DE RESPONSABILIDADE - PREFEITO MUNICIPAL - CONCURSO DE PESSOAS - FRAUDE EM CERTAME LICITATÓRIO COM PARTICIPAÇÃO DA ASSESSORA JURÍDICA MUNICIPAL, MEMBROS DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO E SÓCIOS DA EMPRESA VENCEDORA - FATOS NARRADOS QUE CONSTITUEM CRIME, EM TESE - ADVOGADO QUE EMITE PARECER EM PROCESSO DE LICITAÇÃO NÃO INCORRE NA CENSURA DA ESFERA CRIMINAL - ALEGAÇÕES PRELIMINARES NÃO AFASTARAM, DE FORMA CABAL, AS ACUSAÇÕES QUANTO AOS DEMAIS DENUNCIADOS - EM APRECIAÇÃO OBRIGATÓRIA, ACERCA DO AFASTAMENTO DO ALCAIDE DE SEU CARGO, NÃO ESTÃO PRESENTES OS PRESSUPOSTOS CAUTELARES PARA AS MEDIDAS PREVENTIVAS - DESNECESSIDADE DE SUA ADOÇÃO, DIANTE DOS FATOS E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS - RECEBIMENTO PARCIAL DA DENÚNCIA.

I - A autonomia de advogado que presta serviço de assessoramento a órgãos públicos não pode restar engessada pela ameaça constante de que suas idéias e pareceres possam lhe render denúncias-crime futuras.

[...]

III - O afastamento de Prefeito, do cargo a que foi eleito pela soberania da vontade popular, é medida drástica que somente deve ser tomada diante de fatos de grande robustez probatória e evidente necessidade de acautelamento e preservação da prova a ser colhida e do próprio erário público municipal.

A recepção de Ações de Improbidade Administrativa deve ser apreciada cum granu salis, frente às gravíssimas conseqüências de seu processamento ao servidor público, principalmente aquele que opera o Direito, motivo pelo qual o Legislador Pátrio instituiu o procedimento prévio do art. 17, §§ 7º e 8º, da Lei de Improbidade Administrativa.

Afinal, conclui-se pela absoluta impropriedade da adoção do in dubio pro societate no juízo de admissibilidade da Ação Civil Pública, sob pena de institucionalizar-se o nefasto preconceito consistente na presunção de que todo funcionário público é desonesto.


REFERÊNCIAS.

BALESTRA NETO, Otávio. Responsabilidade do advogado público no exercício da função consultiva. Goiânia: ALGO, 2008.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

BÍBLIA SAGRADA. Evangelho Segundo São João, cap. 18, vers. 23. São Paulo: Loyola, 1994.

CUNHA, José Sebastião Fagundes. Improbidade administrativa se caracteriza somente se houver dolo na conduta do agente público. Diário dos Campos, Ponta Grossa, caderno Direito em Debate, pág. 11, 14 jun. 2009.

FUX, Luiz. O 11º Integrante: Dilma escolhe o ministro Luiz Fux para o Supremo. Entrevistador: Rodrigo Haidar. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 1º fev. 2011.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006.

OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. São Paulo: RT, 2007, pág. 291.

PEREIRA, Márcio Ferreira Rodrigues. Acusar ou não acusar? Eis a questão...: O "in dubio pro societate" como forma perversa de lidar com a dúvida no processo penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2775, 5 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18424>. Acesso em: 10 jun. 2011.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.190.244/RJ. Rel. Min. Castro Meira. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 12 mai. 2011.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Agravo Regimento no Agravo no Recurso Especial 3.030/MS. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 9 mai. 2011.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.163.499/MT. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 8 out. 2010.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.073.233/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 4 nov. 2009.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial 901.886/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 29 abr. 2010.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 807.551/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça da União, Brasília, pág. 226, 5 nov. 2007.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 939.119/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 1º mar. 2011.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 734.984/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 16 jun. 2008.

SUPREMO Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.073. Rel. Min. Carlos Velloso. Diário de Justiça da União, Brasília, pág. 15, 31 out. 2003.

TRIBUNAL de Justiça do Estado do Paraná. Denúncia-Crime nº 138.578-6. Rel. Des. Clotário Portugal Neto. Diário de Justiça do Paraná, Curitiba, nº 6.594, 25 mar. 2004.

TRIBUNAL de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 7750935900. Rel. Des. Israel Góes dos Anjos. Diário de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo, 2 fev. 2009.


Notas

No mesmo sentido:

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 980.706/RS. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 23 fev. 2011.

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.038.777/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 16 mar. 2011.

  1. PEREIRA, Márcio Ferreira Rodrigues. Acusar ou não acusar? Eis a questão...: O "in dubio pro societate" como forma perversa de lidar com a dúvida no processo penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2775, 5 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18424>. Acesso em: 10 jun. 2011.
  2. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007. Passim.
  3. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.190.244/RJ. Rel. Min. Castro Meira. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 12 mai. 2011.
  4. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Agravo Regimento no Agravo no Recurso Especial 3.030/MS. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 9 mai. 2011.
  5. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.163.499/MT. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 8 out. 2010.
  6. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.073.233/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 4 nov. 2009.
  7. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial 901.886/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 29 abr. 2010.
  8. BÍBLIA SAGRADA. Evangelho Segundo São João, cap. 18, vers. 23. São Paulo: Loyola, 1994.
  9. BALESTRA NETO, Otávio. Responsabilidade do advogado público no exercício da função consultiva. Goiânia: ALGO, 2008. Disponível em: < http://www.assembleia.go.gov.br/procuradoria/ conteudo_estudos_artigo_00001.htm#_ftn3 >. Acesso em: 12 mai. 2011.
  10. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. Pág. 118.
  11. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006. Pág. 373.
  12. TRIBUNAL de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 7750935900. Rel. Des. Israel Góes dos Anjos. Diário de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo, 2 fev. 2009.
  13. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.073.233/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 4 nov. 2009.
  14. FUX, Luiz. O 11º Integrante: Dilma escolhe o ministro Luiz Fux para o Supremo. Entrevistador: Rodrigo Haidar. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 1º fev. 2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-fev-01/presidente-dilma-rousseff-indica-ministro-luiz-fux-supremo>. Acesso em: 24 mai. 2011.
  15. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 734.984/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 16 jun. 2008.
  16. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 939.119/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 1º mar. 2011.
  17. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 807.551/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça da União, Brasília, pág. 226, 5 nov. 2007.
  18. CUNHA, José Sebastião Fagundes. Improbidade administrativa se caracteriza somente se houver dolo na conduta do agente público. Diário dos Campos, Ponta Grossa, caderno Direito em Debate, pág. 11, 14 jun. 2009.
  19. OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. São Paulo: RT, 2007, pág. 291.
  20. SUPREMO Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.073. Rel. Min. Carlos Velloso. Diário de Justiça da União, Brasília, pág. 15, 31 out. 2003.
  21. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 939.119/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 1º mar. 2011.
  22. SUPERIOR Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 734.984/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 16 jun. 2008.

23.TRIBUNAL de Justiça do Estado do Paraná. Denúncia-Crime nº 138.578-6. Rel. Des. Clotário Portugal Neto. Diário de Justiça do Paraná, Curitiba, nº 6.594, 25 mar. 2004.

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Sobre o autor
Bruno Grego Santos

Mestrando em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2007). Atualmente é Procurador Jurídico e Diretor do Departamento Jurídico do Município de Marialva, Assessor Jurídico delegado do Serviço de Água e Esgoto de Marialva, membro da Comissão de Advocacia Pública da OAB Paraná, diretor da Comissão de Advocacia Pública da OAB Maringá e membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. É pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito Administrativo Democrático da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - NEPAD-USP. Venceu o VII Prêmio Innovare na categoria Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GREGO SANTOS, Bruno. A adoção do postulado "in dubio pro societate" em ações civis públicas frente ao princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2964, 13 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19773. Acesso em: 19 abr. 2024.

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