Capa da publicação Atuação de OSCIP na fiscalização ambiental
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Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: possibilidade da participação do Terceiro Setor na fiscalização ambiental

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07/09/2011 às 16:22

Resumo:


  • A fiscalização ambiental por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) é uma possibilidade analisada em pesquisa que examina a viabilidade dessa atuação. A investigação inclui a revisão de leis, doutrinas e publicações midiáticas para fundamentar a participação dessas organizações na proteção ambiental.

  • O estudo considera a constituição brasileira, a Política Nacional do Meio Ambiente, o papel do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e do Instituto Brasileiro Do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), bem como a atuação do Terceiro Setor e a estrutura das OSCIPs. Avalia-se a hipótese de que essas entidades colaborem com a fiscalização ambiental sob diferentes perspectivas.

  • As OSCIPs, devido à sua natureza e qualificação, têm potencial para atuar na fiscalização ambiental, seja de forma independente ou em parceria com o poder público. A pesquisa sugere que essa participação poderia auxiliar na execução de políticas de proteção ambiental, considerando a necessidade de ações efetivas e a limitação de recursos do Estado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 O TERCEIRO SETOR

A fim de conceituar o "Terceiro Setor" de forma clara e concisa sem, contudo, descrever pormenorizadamente os diferentes conceitos existentes, adotar-se-á o conceito criado por Miguel Arantes Normanha Filho [48], exposto nas seguintes palavras:

São organizações constituídas, estruturadas, geridas e mantidas pela iniciativa privada, de interesse público, notadamente de cunho social, suprindo em muitas de suas ações, a ausência ou a deficiência do Estado, sem necessariamente depender dele em termos de recursos, assim como, por não estar atrelado às políticas de governo. Não sendo empresas mercantis, portanto, o processo de troca (da organização para a sociedade) não objetiva o lucro e são regulamentadas pela legislação vigente.

O Terceiro Setor compõe-se de entidades que prestam serviços de caráter público sem, no entanto, integrar o setor público. Apesar de serem pessoas jurídicas de direito privado, não agem com finalidade de obterem lucro. Assim, fazem parte do Terceiro Setor as Organizações Não Governamentais (ONGs) (independentemente da qualificação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público).

3.1 AS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS (ONGS)

No que se refere às ONGs integrantes do Terceiro Setor, por sua vez, não tem uma Lei específica regulamentando-as. Na verdade, é o termo genérico cujas espécies, essas sim regulamentadas pelo Código Civil [49], são, em maioria, as associações e fundações.

No mesmo sentido, versa sobre o assunto o autor Mânica (2005), nos seguintes termos:

[...] lícito sustentar que fazem parte do terceiro setor as pessoas jurídicas de direito privado, constituídas de acordo com a legislação civil sob a forma de associações ou fundações, as quais desenvolvam (i) atividades de defesa e promoção de quaisquer direitos previstos pela Constituição ou (ii) prestem serviços de interesse público. [50]

Atenta-se ao destaque das associações e fundações visto que, embora outras pessoas jurídicas de direito privado façam parte das ONGs, são essas que se fazem mais presentes na prática. Por exemplo, sabe-se que não há discriminação legal das ONGs que podem adquirir a qualificação de OSCIP. No entanto, no sítio do Ministério da Justiça [51], foi disponibilizado modelo para elaboração de requerimento para aquisição da qualificação como OSCIP, onde presume que a pessoa jurídica requerente, ou é associação, ou fundação, transcrevendo-o, em parte:

ESTATUTO

Modelo de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP

CAPÍTULO I

DA DENOMINAÇÃO, SEDE E FINS

Art 1º A(O) .......... (nome da entidade) também designada (o) pela sigla,

.......... (se usar sigla), constituída(o) em ..........de ..........de .......... (data) sob a forma de.......... (Associação ou Fundação), é uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e duração por tempo indeterminado, com sede no Município de.......... Estado de .......... e foro em.......... .

(Sem grifos no original)

A fim de melhor detalhar as titulações jurídicas que revestem as ONGs, colaciona-se a discriminação fornecida por Ferrarezi [52], que segue:

Não existe na legislação brasileira a expressão ONGs. O que existe são as Pessoas Jurídicas de Direito Privado Sem Fins Lucrativos: associações, sociedades, fundações, organizações religiosas e partidos políticos. Sob a forma de associação podem estar abrigados: federação, confederação, consórcio público, sindicato, serviço social autônomo. Pessoas Jurídicas de direito privado que se revestem sob a forma de fundação podem ser instituídas por: pessoas físicas ou jurídicas; por empresas; por partido político, pelo poder público, de apoio à instituições de ensino superior, de previdência privada ou complementar. (Sabo Paes, 2006). Como se percebe há complexidade nos tipos que, todavia, não são demarcados o suficiente pela legislação.

São essas as pessoas jurídicas de direito privado que não visam lucro e têm objetivos que se coadunam com as finalidades do Terceiro Setor, sendo, por essa razão, as pessoas jurídicas que formam as chamadas ONGs. Sobre o tema, por fins didáticos, analisar-se-á com mais detalhes as formas de registro das ONGs no capítulo 3.3, sobre "A minuta de anteprojeto do Terceiro Setor".

Por ora, observa-se que são variadas as opções de "roupagens jurídicas" para as organizações que visem o bem coletivo ou difuso. Destacam-se, todavia, as associações e fundações, por serem mais comuns. Dentre essas, as associações assumem a liderança nas opções que estão à disposição. Decorre da maior facilidade de se constituir, posto que ausente a necessidade da existência de patrimônio prévio.

Nesse sentido, transcreve-se trecho da obra de Tachizawa, in verbis:

[...] por serem entidades civis sem fins lucrativos, as ONGs, para efeitos de enquadramento legal, podem constituir-se quer como associações, quer como fundações (at. 16 do Código Civil Brasileiro). Preferem, no entanto, a primeira forma, a qual não implica a existência de um patrimônio prévio, nem de um instituidor: 95% das ONGs são registradas como associações civis sem fins lucrativos, sendo apenas 5 as fundações, ou sejam 3,4%do universo. [53]

Destarte, analisada as formas mais comuns de instituição das ONGs atuantes no Brasil, estão postas as bases para o prosseguimento do estudo, eis que após a análise do contexto jurídico no qual estão inseridas ONGs, melhor frisar-se-ão as peculiaridades necessárias para que adquiram a qualificação de OSCIPs, analisando-as no próximo tópico.

3.2 a qualificação de ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP)

O Estado não tem condições de suprir sozinho às necessidades da sociedade. Como conseqüência, objetivando o bem social, ele permite que organizações da própria sociedade civil auxiliem, prestem serviços, seja de interesse de uma coletividade específica, seja de interesse público geral.

Embora não exista legislação regulamentando as ONGs, existe Lei específica regendo a da qualificação de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos como OSCIP. Em breve síntese, a OSCIP é uma ONG, por ser formada por pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, no entanto preenche alguns requisitos que não são todas as ONGs que preenchem. As vantagens básicas que impulsionam as ONGs à aquisição da qualificação de OSCIP são a previsão legal que essa possui de firmar parcerias com os entes governamentais, bem como de remunerar seus diretores.

Em 24/03/1999, foi publicada a Lei 9.790 [54], que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Dentre suas finalidades, destaca-se a defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável (artigo 3º, VI). Desde a publicação da mencionada Lei até maio do ano de 2011, 565 (quinhentos e sessenta e cinco) [55] entidades ambientalista adquiriram qualificação de OSCIP no Brasil. Dessas OSCIPs, apenas 30 estão situadas no Rio Grande do Sul, um número muito baixo se comparado com o Estado de São Paulo, onde 143 entidades adquiriram essa qualificação.

Alguns tipos de organizações são impossibilitadas de adquirirem a qualificação de OSCIP, tais como sociedades comerciais, cooperativas, sindicatos, organizações partidárias, etc.

Essas peculiaridades denotam uma significativa diferença das OSCIPs face as ONGs em geral (embora sejam ambas integrantes do Terceiro Setor). Enquanto essa engloba a maioria das organizações civis, aquela é específica para as organizações que visam o benefício da sociedade em geral (interesse público). O Ministério da Justiça é o responsável pelo registro dessas organizações (outra característica marcante).

Sobre o tema, abordou Ferrarezi [56] em sua tese o que segue:

Assim, a partir da qualificação de OSCCP, as OSC têm a possibilidade de ter um título que reconhece seu caráter público. Uma vez que desde a década de 1930 o Estado já declarava como de utilidade pública as associações civis que prestam serviços "desinteressadamente à coletividade", a novidade do reconhecimento da lei das OSCCP é justamente a finalidade, voltada à sociedade como um todo, e não somente a um coletivo restrito e específico. Embora todas as organizações do terceiro setor, de acordo com o Código Civil 174, sejam pessoas jurídicas de direito privado que têm em comum o fato de não visarem lucro, nem todas são de interesse público. Portanto, com essa Lei, o Estado passaria a reconhecer que existe um espaço de atuação da sociedade que é pública não estatal.

A parceria entre entes públicos e as OSCIPs, prevista na aludida Lei, torna-se ícone do objetivo de integração do público com o Terceiro Setor na busca de objetivos comuns, dentre eles, a defesa do meio ambiente.

O interesse estatal na proliferação das OSCIPs decorre do fato de serem consideráveis as vantagens proporcionadas com a expansão do Terceiro Setor no Brasil. Ademais, a comunhão de esforços entre o poder legislativo e executivo para viabilizar a criação dessas organizações é latente. Um exemplo que demonstra claramente essa comunhão é o tempo transcorrido entre a Lei das OSCIPs [57] e seu Decreto regulamentar (Decreto nº 3.100/99 [58]), que foi inferior a três meses, uma exceção no meio jurídico.

3.2.1 Incentivos

Há incentivo governamental para a criação das OSCIP (e entidades sem fins lucrativos em geral), como imunidade tributária e, no caso da OSCIP, a previsão de remuneração de seus dirigentes (novidade às pessoas jurídicas sem fins lucrativos, que não tinham essa previsão expressa). Quanto à imunidade tributária, decorre de proteção oferecida pela Constituição Federal [59], cuja previsão encontra-se nos artigos 150, VI, e art. 195, § 7º, regulamentados pelos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional [60], bem como o artigo 12 da Lei nº 9.532/97 [61] e o artigo 55 da Lei 8.212/91 [62].

Outro estímulo interessante aos integrantes do Terceiro Setor, concedido pela Lei 9.249/96 [63] (art. 395, VI, e § 2º, II e III), regulamentada pelo Decreto nº 3.000/99 [64], é a possibilidade de receber doações de pessoas jurídicas, podendo estas descontarem as doações do imposto de renda (até dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica, antes de computada sua dedução).

Como visto, nota-se, pela análise da legislação supracitada, a intenção do legislador, não só de incentivar a criação das OSCIP, mas também facilitar sua captação de recursos, possibilitando a atuação das pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos interessadas junto aos entes públicos, para o exercício de funções sociais cujo objetivo é o benefício público.

Deste modo, a sociedade não precisa mais esperar que o corpo político alcance aos cidadãos as garantias que lhes são asseguradas legalmente, podendo se organizar e buscar os benefícios sociais que não são alcançados (ou a execução é de forma deficitária) pelo Estado.

Em contrapartida, as entidades públicas ganham uma importante aliada para a conquista de suas finalidades, visto que a atuação dessas entidades privadas é muito mais livre (por não ser dependente da burocracia estatal para atuar) bem como se especializam em uma determinada matéria (diversamente do setor público que é sobrecarregado de diferentes obrigações, geralmente maiores do que a capacidade de atuação).

3.2.2.Controle social das OSCIPs

Em que pese, como visto, facilitada a criação das OSCIPs, o cidadão recebeu ferramentas jurídicas para o controle dessas organizações, a fim de evitar o desvio de suas finalidades. Por certo, quaisquer interessados poderão ter acesso à prestação de contas dessas organizações. Essa garantia serve para viabilizar o direito dos interessados em requerer a perda da qualificação, caso percebam, ao analisar a prestação de contas, a ocorrência de fraude.

Interessante transcrever o que expõe a Lei 9.790/99 [65], em seu artigo 4º, sobre o controle das OSCIPs, transcrevendo-se a seguir:

Art. 4º Atendido o disposto no art. 3º, exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre:

I - a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência;

II - a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório;

III - a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;

[...]

VII - as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão, no mínimo:

a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade;

b) que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão;

c) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto em regulamento;

d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal.

[...]

A vista do exposto, ressalta-se a preocupação do legislador em impedir a utilização da OSCIP com fins de obtenção ilícita de rendimentos, principalmente pela disposição da alínea b do inciso VII do referido artigo, que possibilita a qualquer cidadão o exercício da atividade de fiscalização. Com fito de complementar as disposições citadas, o Decreto 3.100/99 [66], em seu artigo 4º, igualmente oferece uma ferramenta de controle, eis que possibilita a qualquer do povo a legitimidade para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação de OSCIP, conforme segue transcrito:

Art. 4o Qualquer cidadão, vedado o anonimato e respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, desde que amparado por evidências de erro ou fraude, é parte legítima para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

Parágrafo único. A perda da qualificação dar-se-á mediante decisão proferida em processo administrativo, instaurado no Ministério da Justiça, de ofício ou a pedido do interessado, ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, nos quais serão assegurados a ampla defesa e o contraditório.

Portanto, estão postas as normas jurídicas que fundamentam a fiscalização social das OSCIPs, em razão de ser uma organização cuja finalidade é de benefício público (inclusive, devendo adotar os mesmos princípios que regem a administração pública, como o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência).

3.3 LEGISLAÇÃO DO TERCEIRO SETOR

Tratando-se do Terceiro Setor, não há legislação específica regulamentando-o. O que existe são diferentes organizações (pessoas jurídicas de direito privado) atuando em benefício da sociedade, sem fins lucrativos. Por essas características, estão abrigadas pelo(s) conceito(s) de Terceiro Setor.

3.3.1 O projeto "Democratização de Informações no Processo de Elaboração Normativa"

O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL), e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), firmaram, no ano de 2007, projeto denominado Democratização de Informações no Processo de Elaboração Normativa [67], com objetivo de garantir mais eficiência na elaboração das leis através de financiamento à pesquisa de assuntos jurídicos que necessitam de legislação.

A execução desse projeto consistia em selecionar grupos temáticos de pesquisa para atuar nas áreas onde há necessidade de legislação. O resultado do trabalho constitui uma minuta de anteprojeto de lei, que, sendo elaborado por um grupo técnico não partidário, é um avanço para as elaborações de leis que se fazem necessárias.

Para ilustrar, transcreve-se trecho da forma de execução do projeto, que segue:

O projeto prevê a seleção de agências implementadoras que serão responsáveis pela constituição de grupos temáticos de pesquisa nas áreas de maior relevância para a atuação da Secretaria de Assuntos Legislativos. As agências implementadoras serão selecionadas por meio de concurso público. O edital para seleção das agências será elaborado pela SAL, em parceria com o PNUD. As agências implementadoras serão escolhidas entre instituições de ensino superior, centros de pesquisa, organizações não-governamentais e outras instituições de atuação relevante na temática escolhida, a partir de critérios técnicos previamente definidos no edital. [68]

Assim, nesse contexto, foi publicado o primeiro edital [69] em 23 de maio de 2007 para selecionar agências implementadoras (instituições de ensino superior, centros de pesquisa, ONGs, etc.) para atuar nas pesquisas para elaboração de minuta de projeto de lei.

Na terceira convocação (convocação 02/2008 [70]), à área temática "Estado democrático de direito e terceiro setor" foi aprovado o projeto "Estatuto Jurídico do Terceiro Setor – pertinência, conteúdo e possibilidades de configuração normativa" do Instituto Pro Bono, que concluiu a pesquisa apresentando uma minuta de anteprojeto de Lei, expressando não só a pertinência, mas também a necessidade e viabilidade da edição de uma Lei Geral do Terceiro Setor.

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3.3.2 A minuta de anteprojeto de lei do Terceiro Setor

Assim, colaciona-se a sugestão resultante da pesquisa citada sobre o conceito de Terceiro Setor, transcrevendo-o no que importa:

Art. 2º Para os fins previstos nesta Lei, considera-se Terceiro Setor o conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, que:

I - desenvolvam atividades de promoção e defesa de direitos, principalmente os coletivos e difusos;

II - realizem atividades de interesse público, assistência social ou utilidade pública, nos termos definidos em lei; ou

III - prestem serviços sociais diretamente à população, em caráter complementar ou suplementar aos serviços prestados pelo Estado.

Nota: O conceito de Terceiro Setor não é unívoco na doutrina brasileira (cf. MÂNICA, Fernando Borges. Panorama histórico-legislativo do Terceiro Setor no Brasil: do conceito de terceiro setor à Lei das OSCIP. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Terceiro Setor, empresas e Estado: novas fronteiras entre o público e o privado. BH: Fórum, 2007. p. 163-194). A despeito disso, para a boa aplicação do ETS, importa estabelecer um conceito normativo de

Terceiro Setor. O conceito ora proposto encontra-se alinhado com os elementos conceituais e classificação do Terceiro Setor, propostos pela Divisão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas-ONU e pela Universidade John Hopkins, expressados no Manual sobre Instituições sem fins lucrativos no Sistema de Contas Nacionais (2002) e na Classificação dos Objetivos das Instituições sem Fins Lucrativos ao Serviço das Famílias-COPNI. É uma tentativa de tornar o conceito de Terceiro Setor mais homogêneo, naqueles países que o adotam. Ademais disso, o IBGE vem adotando essa metodologia na divulgação de estatísticas sobre o Terceiro Setor no Brasil (BRASIL. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil 2005 /IBGE, Rio de Janeiro: IBGE, 2008). Obviamente, o conceito normativo proposto encontra-se harmonizado com a Constituição de 1988 e com a tradição histórico-legislativa do Terceiro Setor no Brasil. [71]

Nota-se que o conceito supracitado sugerido estabelece algumas características básicas, tais como: a) pessoa jurídica de direito privado; b) atuação de caráter voluntária e sem fins lucrativos; c) defesa de, principalmente, direitos difusos e coletivos; d) exerça atividade de interesse/utilidade público(a); prestem serviço diretamente à população.

Em que pese tenha-se grande consideração pela pesquisa que gerou a minuta de anteprojeto do estatuto do Terceiro Setor, tem-se que tomar algumas precauções a respeito do resultado. Dentre as características apontadas pelo estudo, consta no citado inciso III [72] o seguinte:

Art. 2º Para os fins previstos nesta Lei, considera-se Terceiro Setor o conjunto de pessoas jurídicas de direito privado, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, que:

[...]

III - prestem serviços sociais diretamente à população, em caráter complementar ou suplementar aos serviços prestados pelo Estado.

Aponta-se aqui uma breve observação. Caso o serviço tenha que ser prestado diretamente à população, limitar-se-á a atuação do Terceiro Setor, pois ficará impossibilitado de prestar serviços que beneficiassem indiretamente a população, como pesquisas elaboradas às instituições públicas.

Feita a breve observação, segue-se na análise das organizações que compõem o Terceiro Setor. Na lição de Milaré e Loures (2005) [73], compõem o Terceiro Setor as organizações não-governamentais e outras entidades, conforme segue:

[…] a expressão Terceiro Setor foi cunhada para identificar esse nicho que emergiu em velocidade impressionante nas sociedades modernas, sendo composto, por exemplo, por organizações não-governamentais (sob a forma de institutos, fundações e associações com fins sociais), entidades de classe, associações profissionais, sindicatos, movimentos sociais (estes últimos não dotados de personalidade jurídica própria), enfim, Organizações da Sociedade Civil – OSCs em sentido amplo.

Nesse sentido, a minuta de anteprojeto [74] já referida, em seu Capítulo II trata das entidades que fazem parte do Terceiro Setor, trazendo um catálogo exemplificativo, transcrevendo-o:

Capítulo II

DAS ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR

Art. 3º Respeitadas as formas de organização das pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, nos termos disciplinados no Código Civil e na legislação especial, podem ser enquadradas como entidades do Terceiro Setor:

I - As associações de moradores;

II - Os centros e associações comunitárias;

III - As Santas Casas de Misericórdia e os hospitais;

IV - Associações e fundações filantrópicas e de caridade;

V - As instituições de ensino ou de educação profissional;

VI - As associações e fundações que atuem nas áreas elencadas no art. 203 da Constituição Federal, qualificadas ou não como entidade beneficente de assistência social nos termos da Lei Federal n. 8.742/93 e do Decreto n. 2.536/98;

VII - As associações e fundações qualificadas como entidade de utilidade pública, nos termos da Lei n. 91/35 e do Decreto n. 50.517/61;

VIII - As associações e fundações que atuem nas áreas definidas no art. 3º da Lei Federal n. 9.790/99, qualificadas ou não como OSCIP;

IX - As organizações religiosas;

X - Organizações de economia social e solidária;

XI - As associações, institutos e fundações de origem empresarial;

XII - As cooperativas sociais, nos termos da Lei Federal n. 9.867/99;

XIII - Os institutos e fundações de pesquisa;

XIV - As associações e fundações de fins culturais, artísticos, esportivos, recreativos e de lazer;

XV - As organizações estrangeiras destinadas a fins de interesse coletivo, cujo funcionamento no Brasil tenha sido autorizado pelo Ministério da Justiça, nos termos do Decreto-lei n. 4.657/42; e

XVI - Outras pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, cuja atuação encaixe-se em ao menos um dos incisos do art. 2º desta Lei.

Nota: A enumeração das entidades do Terceiro Setor neste artigo é meramente exemplificativa, porém procurando abranger as principais espécies de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, tradicionalmente presentes no universo social brasileiro.

O eventual enquadramento de outras entidades não é impossibilitado, haja vista o teor do inc. XVI do artigo 3º do ETS.

Como a nota explicativa expõe, a sugestão foi de elencar um rol exemplificativo (nota-se que a OSCIP, uma das figuras mais importantes do Terceiro Setor, não foi elencada, no entanto indubitavelmente integra o Terceiro Setor).

3.4 a VIABILIDADE DA PARTICIPAÇÃO DAs entidades qualificadas como OSCIP NA FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL

Busca-se analisar a viabilidade da participação da OSCIP na fiscalização ambiental. O conceito "fiscalização", por vezes, pode ser confundido com o conceito de "Poder de Polícia". Cabe aqui fazer uma importante distinção entre ambos. O Poder de Polícia tem seu conceito expresso no artigo 78 do Código Tributário Nacional [75], transcrevendo-o:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. (Sem grifos no original).

Como visto, o poder de polícia é privativo da administração pública, sendo descabida a prática desse poder por qualquer pessoa (ou entidade) que não a integre. Assim, as ONGs, mesmo as qualificadas como OSCIPs, por não fazerem parte da administração pública, não estão legitimadas a exercer o poder de polícia. Isso impede que pessoas jurídicas de direito privado possam multar ou interferir de qualquer forma na liberdade de outras pessoas (jurídicas ou físicas).

No entanto, a fiscalização ambiental, em que pese seja exercida pelos entes que detêm o poder de polícia, com esse não se confunde. Em verdade, diversas razões, sejam de ordem legal, sejam de ordem prática, orientam à possibilidade de qualquer pessoa interessada promover a fiscalização ambiental.

3.4.1 Princípio da participação popular

O princípio da participação popular vem ganhando força com o transcorrer dos anos. Decorre da evolução da sociedade e, por conseqüência, da própria democracia. O cidadão (ou povo), à medida que adquire mais instrução e conhecimento, eleva sua consciência social e, por essa razão, tende a participar com maior efetividade das políticas públicas.

Morato Leite traça claramente em sua doutrina o dever de participação popular, ressaltando a postura ativa que o cidadão deve assumir:

Estado criar instrumentos normativos e política ambiental preventiva[…]. Outrossim, cabe a todos os cidadãos o dever de participar, de forma próativa, influir nas políticas ambientais, evitar comportamentos nocivos ao ambiente e aditar outras medidas preventivas, visando a não prejudicar o direito ao meio ambiente saudável. [76]

Nos capítulos anteriores, observamos a importância e a proteção da participação da sociedade organizada em setores que outrora eram exclusivos do corpo político. Agora, como já visto, a participação popular está presente até mesmo em órgãos colegiados dotados de poderes normativos. Quanto às normatizações esparsas não incluídas nos capítulos anteriores, destacam-se o Decreto de 15 de dezembro de 2003 [77] e Decreto de 8 de dezembro de 2010 [78], uma vez que neles nitidamente transparece a intenção e tendência da participação social tanto na elaboração quanto execução de políticas públicas.

Importante se faz trazer à baila os ensinamentos de Marcelo Abelha Rodrigues [79]:

O princípio da participação constitui um dos postulados fundamentais do direito ambiental. Embora ainda pouco difundido em nosso País, a verdade é que tal postulado se apresenta na atualidade como sendo uma das principais armas, senão a mais eficiente e promissora, na luta por um ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, é um princípio cujas diretrizes atuam esperando um resultado a longo prazo, porém com a vantagem inescondível de atacarem as bases dos problemas ambientais: a consciência ambiental. Isso faz desse postulado algo extremamente sólido e com perspectivas altamente promissoras em relação ao meio ambiente.

[...]

Isso representa dizer que cada um de nós deve fazer a sua parte em relação aos bens e valores ambientais, e mais do que isso, exigir que todos façam a sua parte. Esse último matiz é que dá o colorido do princípio da participação ambiental, na exata medida em que, vivendo-se em um Estado Democrático de Direito, sob os princípios e objetivos referidos anteriormente, o que se espera da sociedade é justamente uma tomada de posição, altiva, altruísta, ética e participativa, mormente quando estamos diante de valores sagrados e essenciais à preservação da vida

Nesse sentido, também leciona Edis Milaré [80]:

O princípio da participação popular, enquanto cerne do direito ambiental e inerente ao sistema democrático adotado pela Constituição de 1988, deve ser sempre considerado nas atividades de elaboração, de hermenêutica e de aplicação das normas que compõem esse campo do sistema jurídico pátrio. Afinal, o Direito deve refletir as relações e os conflitos estabelecidos no seio da sociedade e as necessidades daqueles que são, ao mesmo tempo, criadores e destinatários do ordenamento jurídico. Como propugna a Carta de 1988, "todo o Poder emana do povo".

Assim sendo, a resolução dos problemas do ambiente pressupõe a cooperação entre o estado, o setor empresarial e a sociedade, por meio da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e na execução da política ambiental.

Pelo princípio da participação popular podemos concluir que a participação, muito mais do que apenas escolher os representantes do povo, legitima o cidadão a efetivamente atuar juntamente com o Estado, no caso, deliberando e executando atividades que promovam a proteção ambiental, incluindo a fiscalização.

3.4.2 Legislação geral

Vejamos algumas disposições legais sobre o assunto.

Conforme o artigo 5º, II, § 3º, do Código de Processo Penal [81], qualquer pessoa do povo poderá informar às autoridades policiais sobre a existência de delito cuja existência tenha conhecimento, transcrevendo-o no que importa:

Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

[...]

II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

[...]

§ 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

Como visto, caso uma pessoa tenha conhecimento de infração em que caiba ação penal pública (tratando-se de meio ambiente, os crimes ambientais estão previstos na Lei nº 9.605/98 [82]), poderá informar às autoridades. De fato, a informação de ocorrência de crime é de grande ajuda às autoridades, visto que facilita a investigação.

Todavia, embora os cidadãos possam informar às autoridades competentes sobre a ocorrência de delito, sabe-se que delitos (principalmente ambientais) são, de regra, cometidos de forma a dificultar seu conhecimento. Assim, dificilmente uma pessoa se deparará por acaso com esses delitos, razão pela qual se torna interessante a participação do Terceiro Setor nessa atividade (vigiar, fiscalizar).

Ademais, deve-se sempre observar as finalidades visadas, seja pela Lei, seja pelas políticas públicas. A disposição legal sobre a possibilidade de qualquer pessoa informar as autoridades sobre existência de crime tem por finalidade a repressão dos crimes, que não podem ficar impunes. Ainda, mais do que possibilidade de informar, considera-se um dever do cidadão, posto que sua omissão em delatar crime de que tenha ciência é prejudicial à sociedade, ante a proliferação dos crimes em face da impunidade.

O Código de Processo Penal [83] prevê que qualquer pessoa, além da possibilidade de informar às autoridades policiais, provocar a iniciativa do Ministério Público, caso saiba da ocorrência de crime, podendo até mesmo prender o infrator, conforme os artigos 27 e 301, que seguem:

Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

[...]

Art.301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

A figura do cidadão fiscalizador está presente no ordenamento jurídico pátrio, não só como um útil observador ao Estado, mas também legitimado a fiscalizar a própria administração pública. Nesse caso, mesmo que seja alguma instituição governamental a responsável pela lesão ao meio ambiente, o constituinte disponibilizou ferramenta jurídica para que qualquer pessoa possa inibir o ato lesivo, presente no artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal [84], abaixo transcrito:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Observa-se que a proteção ambiental possui forte amparo legal, possibilitando a atuação das pessoas (físicas ou jurídicas) na fiscalização do cumprimento da legislação (e normatização em geral) de proteção do meio ambiente. Salienta-se que quaisquer interessados podem (e devem) auxiliar na preservação do sistema ecológico, sendo de suma importância a atuação na fiscalização, eis que inibe a prática de infrações administrativas, bem como delitos criminais.

Nesse sentido, o governo estadual do amazonas firmou acordo com grupo de pescadores para, entre outras finalidades, fosse aumentada a fiscalização ambiental (no caso, esses pescadores passaram a fiscalizar a pesca ilegal). Esse fato recente foi noticiado [85] no sítio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, conforme infra transcrito:

Na década de 1960, os pescadores de Tefé, cidade da região central do Amazonas que conta atualmente com 65 mil habitantes, enfrentavam o seguinte dilema: com o crescimento das reservas sob proteção ambiental do lago Tefé, eles viram a área em que a atividade era permitida ser drasticamente reduzida. A situação piorou ainda mais quando passaram a disputar o pescado desses locais com moradores de cidades vizinhas.

Como resultado, as espécies começaram a desaparecer do lago, já que eram capturadas nos primeiros estágios de vida, e não atingiam o desenvolvimento necessário para se reproduzir. Com isso, a quantidade de peixes passou a ser insuficiente para abastecer a cidade, e os habitantes locais tiveram de buscar outras áreas para exercer a atividade e atender à demanda. Para organizar essa tarefa, eles se uniram e formaram a Colônia de Pescadores de Tefé – Z4, um dos 20 ganhadores dos prêmios ODM Brasil.

O objetivo inicial do grupo era promover acordos - com os governos municipal, estadual e federal - que permitissem a criação de áreas de pesca dentro das reservas sob proteção ambiental. Esse esforço se intensificou nos últimos oito anos e, em 2005, rendeu seu primeiro fruto: o chamado pacto do Pantaleão, que permite que os moradores possam atuar no sistema pesqueiro do Pantaleão, região que faz parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, próxima a Tefé.

Pelo tratado assinado com o governo estadual, os pescadores podem exercer a atividade no local somente fora do período de defeso, durante o qual algumas espécies não podem ser capturadas por estarem em desova ou migração.

"Antes do acordo, era preciso trabalhar em Maraã e Coari, municípios vizinhos e que tinham mais disponibilidade de peixe", explica Walter Luiz Ferreira de Araújo, tesoureiro da Colônia Z4. No entanto, a cessão de parte do Pantaleão para a atividade exigiu uma contrapartida dos pescadores, que tiveram de organizar escalas de vigílias de dez em dez dias para garantir a proteção do sistema contra invasores e a pesca clandestina.

Para estimular a participação dos membros da colônia nessa fiscalização, foi criado um programa de cotas que, entre agosto e novembro do ano passado, deu um bônus de R$ 271 ao pescador cada vez que ele fazia a vigilância.

Mas há outros subsídios para os 302 integrantes do acordo do Pantaleão, entre eles cotas pela participação no volume de pescados retirado, na contagem dos peixes da reserva e pela presença nas assembleias durante as quais são discutidas questões da colônia.

"Eles recebem de acordo com o trabalho que realizam. Quanto mais participam, maior a cota", explica Araújo, que cita como exemplo o caso de um associado que, entre agosto e novembro do ano passado, recebeu R$ 13 mil só de "extras".

Ganhar o prêmio ODM Brasil foi só mais uma conquista desse grupo de pescadores. "Ficamos muito orgulhosos, pois isso comprova a organização que tivemos ao longo dos anos", complementa.

[...]

(Grifamos)

O IBAMA, como já se analisou em capítulo próprio, é um bom ícone a se utilizar no que tange ao incentivo do terceiro setor para atuar na fiscalização ambiental. Demonstra, assim, seu objetivo de aproximar a sociedade civil para, entre outras atividades, atuar na fiscalização ambiental. Observa-se que além de ser viável legalmente a participação da sociedade civil como fiscal do meio ambiente, tal prática mostra-se produtiva e digna de elogios. Sobre o tema, é válida a transcrição de reportagem de Marília Juste [86], subscrevendo-se:

IBAMA transforma voluntários em fiscais

Instituto recruta colaboradores em todos os Estados do país para dividir com eles a responsabilidade pela proteção do meio ambiente

Em um país tão extenso e com tanta biodiversidade como o Brasil, cuidar do meio ambiente é tarefa trabalhosa. Por isso, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) criou um programa que capacita pessoas em todos os Estados parar compartilhar a tarefa de fiscalização e proteção dos recursos naturais brasileiros.

"Nosso objetivo é levar a sociedade civil para perto da gestão ambiental", afirma Juliana Simões, coordenadora do projeto, chamado Agentes Ambientais Voluntários, implantado em maio deste ano. "Queremos dividir essa responsabilidade, mostrar que cuidar do meio ambiente não é só tarefa do IBAMA, mas de todos os cidadãos", explica. A idéia, afirma ela, é que os agentes ambientais voluntários se tornem uma verdadeira divisão do IBAMA. "Estamos estruturando essa iniciativa, com levantamentos do que cada Estado precisa, para que ela seja realmente duradoura", completa.

Os voluntários são apresentados ao IBAMA por entidades como organizações não-governamentais e grupos de moradores. Junto com a lista de colaboradores, é preciso apresentar um plano de trabalho, listando quais são os problemas da região e quais atividades pode ser realizadas.

Os projetos selecionados recebem um curso de capacitação de 40 horas. Os voluntários aprendem legislação, educação ambiental e outras informações relacionadas ao trabalho que vão realizar (comunidades pesqueiras, por exemplo, aprendem sobre gestão e acordos de pesca).

A partir daí, essas pessoas passam a trabalhar ao lado do IBAMA. O serviço inclui ajudar na formulação de acordos ambientais, fiscalizar se esses acordos estão sendo cumpridos e dar cursos de educação ambiental para jovens. Na Paraíba, por exemplo, os agentes ambientais voluntários auxiliam na proteção dos manguezais e monitoram como estão as tartarugas marinhas e os peixes-boi, espécies ameaçadas de extinção.

Três meses depois do curso, o IBAMA volta ao local para avaliar o que foi feito no período e quais voluntários continuaram o trabalho. "É um período de experiência para vermos quais trabalhos estão sendo bem feitos e quais pessoas realmente têm vocação para o trabalho voluntário", afirma Juliana. Quem permaneceu é credenciado como colaborador do IBAMA, com direito a um documento de identificação pessoal. Após outros seis meses, o instituto faz uma nova avaliação do projeto. A partir daí, as visitas passam a ser anuais.

O objetivo do IBAMA é instalar agentes voluntários em todos os Estados brasileiros. Muitos, como Paraná e Piauí, já têm projetos em andamento avançado. No Nordeste, praticamente todos os Estados já tiveram ao menos um curso de capacitação, com a exceção de Rio Grande do Norte e Alagoas, que devem ter os seus em breve, segundo Juliana.

A maioria dos agentes (mais de 70%) está no Amazonas. Lá, quem cuida da seleção e capacitação dos voluntários é um projeto do IBAMA em parceria com o PNUD, o PROVÁRZEA (Programa de Apoio ao Manejo dos Recursos Naturais da Várzea). A maioria dos colaboradores vem de comunidades pesqueiras; seu trabalho consiste, principalmente, em vigiar lagos e fiscalizar o cumprimento de acordos de pesca. "O agente ambiental voluntário é o braço do IBAMA dentro da comunidade", afirma o técnico do PROVÁRZEA Flávio Bocarde.

As OSCIPs devem atuar, também, na área da fiscalização ambiental. Embora a atuação nas áreas da educação, conscientização, proteção de espécies em extinção e regeneração ambientais sejam de elevada importância, não pode se resumir apenas a esses focos. Se de um lado deve-se restaurar o que foi poluído e desmatado, de outro, evitar essas ocorrências é igualmente importante. Necessita-se incentivar a criação de ONGs e OSCIPs que atuem na fiscalização das fontes poluidoras (pessoas jurídicas, etc.). Outra necessidade é a fiscalização de áreas de proteção ambiental, posto que se trata de imensa extensão de terras onde atuam pouquíssimos fiscais.

A situação da fiscalização ambiental praticada pelo Estado no Brasil, não se mostra otimista. Importante se faz aqui citar o Mestre Carlos Sérgio Gurgel da Silva [87]:

Infelizmente no Brasil verifica-se uma enorme lacuna entre a previsão legal e a realidade social, devido principalmente a fatores sociológicos. A lei brasileira, em muitos casos, está bem à frente da realidade brasileira. Ela se adianta ao contexto social atual tornando-se algo distante de ser concretizado. Soma-se a isso o fato de que, em termos de infra-estrutura (física e de pessoal), o Estado não está munido dos meios necessários a uma eficiente fiscalização, e ainda pelo fato de que, historicamente, este país tem uma tradição em frear a apuração de fatos ilícitos movidos por interesses escusos (corrupção). Esta prática, infelizmente, é ainda mais comum nos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental, que, se quisessem, poderiam impor medidas extremamente drásticas ao exercício de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

Doutrinariamente, Machado [88] é vanguarda no que tange à fiscalização ambiental por parte das ONGs. Em sua lição, sustenta intensamente a quebra de preconceitos nessa área, bem como o dever de participação dessas organizações na inspeção e monitoramento de fontes poluidoras, colacionando-se a seguir importante trecho de sua obra sobre o tema:

"As ONGS devem poder participar da tarefa pública de inspeção e monitoramento das fontes poluidoras. Não basta o Poder Público executar essa função – que deve continuar a ser sua obrigação – de forma solitária. Chegou o momento de haver participação numa parte do exercício do poder de polícia, derrubando-se preconceitos não razoáveis. É saudável aceitar-se a colaboração cívica das pessoas e das ONGS na parte que não implicar atuação no campo da segurança nacional ou quebra do sigilo legalmente protegido."

[...]

"As ONGS devem poder agir como assistentes do Ministério Público no processo penal. A defesa dos interesses difusos precisa ser alargada no campo penal, e a atuação das ONGS, desde o inquérito policial, poderia diminuir a impunidade penal nos crimes ambientais."

Mostra-se necessária e viável, portanto, a ação de OSCIPs na fiscalização ambiental. Embora o desempenho dessa atividade independa da ajuda dos entes estatais, indubitavelmente o auxílio desses, através de parceria com as OSCIPs para atuarem em conjunto, revela-se importante estrategicamente, já que o Estado goza de importantes privilégios e conta com riquíssimas fontes de informações. Em contrapartida, as OSCIPs especializam-se em suas atuações, não necessitam manter um aparelhamento burocrático que o Estado mantém, podem captar recursos financeiros da sociedade civil, contar com trabalho voluntário e atuar com maior liberdade, visando a proteção ambiental.

3.5 MECANISMOS QUE PODEM SER UTILIZADOS PELA OSCIP PARA PROTEÇÃO AMBIENTAL

Superada a análise sobre a viabilidade da atuação das OSCIPs na fiscalização ambiental, passa-se a versar sobre as formas juridicamente possíveis para a realização dessa atividade. Vê-se agora o caminho que pode ser transcorrido por entidades ambientalistas que tenham interesse em fiscalizar os potenciais poluidores, áreas de preservação ou até mesmo o cumprimento das sanções sofridas pelos infratores. Desconhece-se OSCIP que atue na fiscalização ambiental. Segue-se o presente trabalho levantando algumas hipóteses de atuação.

3.5.1 Atuação independente

Constituída a ONG (ou OSCIP), está apta a iniciar as tarefas a que se propôs. Pergunta-se: sem o auxílio do Estado, como a sociedade civil fiscalizaria? Como já visto, não há impedimento ou ilegalidade nessa atuação independente. Depois de constituída, deve traçar uma estratégia de atuação. Não se tem a pretensão de se esgotar todas as possíveis maneiras de fiscalizar (poder-se-ia elaborar uma monografia extensa apenas sobre as possíveis maneiras de atuação), mas apenas trazer à baila alguns exemplos, como:

a) fiscalização dos potenciais poluidores

Sabe-se que algumas empresas necessitam de licenciamento ambiental. A Resolução do CONAMA nº 237 [89] elenca boa parte dos empreendimentos e atividades efetivas ou potencialmente poluidoras. Uma boa maneira de uma OSCIP exercer fiscalização efetiva (e sem utilizar poder de polícia) é formar fiscais qualificados para visitar essas empresas, questionando se essa está licenciada.

É uma maneira efetiva de fiscalizar. Ora, não há necessidade de poder de polícia para visitar empresas e fazer um questionário. Frisa-se aqui que essa atitude não obrigaria a apresentação da licença ao fiscal. No entanto, nesse caso, o fiscal da OSCIP pode consultar o órgão ambiental responsável para licenciar a atividade em questão para saber se a empresa visitada está licenciada ou não. Caso negativo, o fiscal terá levado ao conhecimento público a irregularidade

b) fiscalização das áreas de preservação

Aqui, a fiscalização parece ainda mais simples. Os fiscais da OSCIP necessitam circular pelos locais de preservação e observar se há alguma atividade exploratória. Caso positivo, deve informar às autoridades competentes.

c) análises técnicas

Mais uma forma de fiscalizar e proteger a natureza. Nesse caso os fiscais ambientais recolhem amostras em locais que maior risco ambiental, como água dos rios próximos às indústrias, ar, solo, etc., para analisá-las e constatar a presença indevida de algum elemento poluente

Assim, são lançados alguns exemplos das formas de fiscalização ambiental a serem executadas por OSCIPs (ou ONGs). São legítimas, atingem a finalidade exposta no ordenamento estudado, auxiliam na proteção ambiental e não necessitam do poder de polícia.

3.5.2 Parcerias com Poder Público

Nesse aspecto, a qualificação de OSCIP adquire maior relevância. Ocorre que a essa qualificação existe previsão das parcerias com o Poder Público. A união entre sociedade civil e Estado mostra-se como a melhor maneira de efetivar a proteção ambiental. Vejamos as vantagens dessa parceria (alguns exemplos, apenas, em face de inúmeras possibilidades):

a) Fiscalização do cumprimento dos Termos de Ajustamento de Conduta

Ao praticar um ilícito administrativo ou penal, dependendo da gravidade da infração ambiental, é possível firmar Termo de Compromisso para reparar o dano. A carência de técnicos do Poder Público atuando na fiscalização desses termos é uma realidade em determinadas regiões. A parceria com a OSCIP reforça essa fiscalização e aumenta as possibilidades de descoberta de irregularidades. Nesse caso, a OSCIP auxilia a administração pública, desafogando-a de tantas demandas e, principalmente, oferece ajuda (sempre bem-vinda) para proteção do meio ambiente.

b) A capacitação da OSCIP pela Administração Pública

A Administração Pública tem excelente corpo técnico à disposição. Conta com a integração das diferentes instituições e, com a troca de informações, pode elaborar planos estratégicos de atuação. Consegue definir com maior precisão quais são os locais mais vulneráveis à degradação e quais são os de maior risco ambiental. Apesar desse aparato, é sobrecarregada de demandas, o que limita a abrangência do seu trabalho. Uma parceria com fim de capacitar a OSCIP para fiscalizar resultaria em grandes benefícios. A OSCIP poderia colocar seu corpo técnico com fiscais, estudantes, cientistas, etc., nas rotas de maior urgência de atuação.

c) Elaboração de pesquisas

Estudos de ambientes, situação ecológica de uma determinada região ou de potenciais poluidores é um poderoso auxílio para a elaboração de estratégias de fiscalização. Nesse caso não se trata de atuação de fiscalização propriamente dita, mas é relevante que estudos direcionados às estratégias de combate aos danos ambientais sejam elaborados. Aqui se atua elaborando pesquisa à Instituição Fiscalizadora, ou seja, indiretamente auxilia na fiscalização.

A OSCIP é útil à proteção ambiental. Sua liberdade de atuação deve ser explorada e expandida. O Terceiro Setor, em especial a OSCIP, é uma ferramenta que nasce da sociedade, é atuante, não por lucro, mas por ideal. Ela deve visar novos horizontes, novas formas de colaborar com a proteção ambiental.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Daniel Santos. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: possibilidade da participação do Terceiro Setor na fiscalização ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2989, 7 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19944. Acesso em: 29 dez. 2024.

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