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A perda do direito de punir o servidor após a instauração do processo administrativo disciplinar - a prescrição intercorrente quanto às infrações disciplinares na legislação federal e na legislação estadual e o caso específico do Estado de Minas Gerais

09/09/2011 às 14:58
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Há a perda do direito de punir em virtude do decurso do prazo prescricional, seja antes da instauração da sindicância ou processo disciplinar, seja durante a tramitação dos mesmos.

I. Introdução

A inércia dos entes públicos na apuração das infrações disciplinares é recorrente nas várias esferas do governo brasileiro. O decurso do tempo, contudo, é elemento importante na responsabilização daquele que, mediante ação ou omissão, cometeu infração aos deveres disciplinares.

Tanto no que se refere à instauração do processo administrativo para apuração da infração, quanto no que tange à sua finalização, com a prolação de uma decisão definitiva pelo ente admistrativo, a celeridade e a eficiência são elementos imprescindíveis, uma vez que, conforme determina a legislação e de acordo com o entendimento jurisprudencial, há a perda do direito de punir em virtude do decurso do prazo prescricional, seja antes da instauração da sindicância ou processo disciplinar, seja durante a tramitação dos mesmos.


II. Da prescrição comum no processo administrativo disciplinar federal

Conforme determina a Lei 8.112/90, aplicável à administração federal, a prescrição para a apuração das infrações disciplinares tem os seguintes prazos, definidos pelo art. 142 do referido diploma:

- 5 (cinco) anos, para as infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

- 2 (dois) anos, para as infrações puníveis com suspensão; e

- 180 (cento e oitenta), dias para as infrações puníveis com advertência.

Tal prazo começa a correr da data em que o fato se tornar conhecido, ainda que a prática tenha se dado anteriormente. Em outras palavras, é apenas a partir do momento em que a administração toma conhecimento da prática da infração disciplinar que começa a correr o prazo para a abertura do processo administrativo disciplinar objetivando responsabilizar o agente.

Decorrido, porém, o prazo sem a instauração do processo, há a prescrição do direito do ente público de punir o agente. É a chamada "prescrição comum", que fulmina o direito punitivo em virtude da inércia do ente público em apurar a infração disciplinar.


III. Da prescrição intercorrente no processo administrativo disciplinar

Nos casos em que há instauração tempestiva do processo, o prazo prescricional é interrompido por este ato, conforme determina o § 3o do art. 142 da Lei 8.112.

O prazo prescricional, interrompido no dia da abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar, assim permanece até a decisão final proferida por autoridade competente. Em regra, pois, o prazo prescricional não corre durante a tramitação do processo administrativo disciplinar. Tal assertiva, contudo, não implica na imprescritibilidade do direito estatal.

Nos casos em que, apesar da instauração tempestiva do processo administrativo, há demora injustificada na prolação da decisão final pelo ente público, é possível o reconhecimento da prescrição, chamada de "intercorrente".

Se o processo administrativo fica paralisado sem que haja decisão final, condenatória ou absolutória, acerca da conduta investigada por prazo superior ao prazo prescricional estabelecido pelo art. 142 da Lei 8.112, a jurisprudência do país tem sido unânime ao reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente.

A prescrição intercorrente, assim denominada por ser caracterizada durante a tramitação do processo, não tem expressa previsão legal referente aos processos administrativos disciplinares, contudo, tanto o STF, quanto o STJ e os tribunais locais, tem diversos acórdãos sobre o tema admitindo a ocorrência da prescrição após a instauração do processo administrativo, e antes da prolação da decisão relativa à aplicação da penalidade ao servidor.

Não só no que se refere à Lei 8.112, aplicável aos servidores federais, mas também quanto à legislação dos Estados, tem sido reconhecida a prescrição intercorrente. Conforme o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 78.917, a regra da prescrição é aplicável ainda que a legislação estadual não disponha expressamente sobre o tema.

Neste aspecto, importante frisar que a questão encontra regulamentação variável conforme a esfera da administração pública ao qual o servidor é vinculado. A Lei 8.112 é aplicável aos servidores da administração federal. Quanto aos Estados e Municípios, a legislação, e consequentemente os prazos prescricionais aplicáveis, são aqueles definidos pelo próprio ente.

A Lei 8.112, referente aos servidores públicos federais, é a mais abrangente e a que, por isso, possui maior número de precedentes, sendo o objeto primário da análise neste artigo.


IV. A prescrição intercorrente na Lei 8.112/90 – servidores federais

Segundo o diploma legal, a prescrição para a aplicação da penalidade disciplinar é interrompida com a abertura de sindicância ou instauração de processo disciplinar, prevalecendo a interrupção até a decisão final do processo (arts. 142, § 1o  e § 3o ). Entende a jurisprudência, contudo, que a interrupção não pode ser eterna, qualquer que seja a duração do processo administrativo.

Segundo a posição do STF, o prazo prescricional, estabelecido conforme a natureza da infração e da respectiva punição pelos incisos I, II e III do art. 142, volta a correr, contado a partir do zero, depois de decorrido o prazo de conclusão do processo administrativo estabelecido pela Lei, sem que tenha havido julgamento final pela autoridade administrativa. Para ilustrar, trazemos os seguintes leading cases:

EMENTA: I. Cassação de aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível com demissão (L. 8.112/90, art. 134): constitucionalidade, sendo irrelevante que não a preveja a Constituição e improcedente a alegação de ofensa do ato jurídico perfeito. II. Presidente da República: competência para a demissão de servidor de autarquia federal ou a cassação de sua aposentadoria. III. Punição disciplinar: prescrição: a instauração do processo disciplinar interrompe o fluxo da prescrição, que volta a correr por inteiro se não decidido no prazo legal de 140 dias, a partir do termo final desse último. IV. Processo administrativo-disciplinar: congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos fatos imputados e não de sua capitulação legal. (MS 23299, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2002, DJ 12-04-2002 PP-00055 EMENT VOL-02064-02 PP-00302)

PRESCRIÇÃO - PROCESSO ADMINISTRATIVO - INTERRUPÇÃO. A interrupção prevista no § 3º do artigo 142 da Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, cessa uma vez ultrapassado o período de 140 dias alusivo à conclusão do processo disciplinar e à imposição de pena - artigos 152 e 167 da referida Lei - voltando a ter curso, na integralidade, o prazo prescricional. Precedente: Mandado de Segurança nº. 22.728-1/PR, Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, acórdão publicado no Diário da Justiça de 13 de novembro de 1998.(RMS 23436, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 24/08/1999, DJ 15-10-1999 PP-00028 EMENT VOL-01967-01 PP-00035)

Entende-se que, se o processo administrativo não é concluído dentro do prazo 140 dias a partir de sua instauração, o prazo prescricional volta a correr, havendo a prescrição da pretensão punitiva se o julgamento não se ultimar dentro do lapso prescricional previsto para a infração em comento.

Conforme a fundamentação dos acórdãos, o prazo de 140, referente aos processos administrativos regidos pela Lei 8.112, é obtido mediante a soma dos prazos dos artigos 152, "caput", combinado com o artigo 167 (para sindicância, o prazo é de 80 dias):

Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.

Art. 167. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão.

O mesmo raciocínio também é aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENALIDADE DE SUSPENSÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. NÃO-OCORRÊNCIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DO PRAZO DE 140 DIAS PARA CONCLUSÃO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL.

1. De acordo com jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o prazo legal para término do processo administrativo disciplinar é de 140 (cento e quarenta) dias.

2. A contagem do prazo prescricional, após a interrupção prevista no art. 142, § 3º, da Lei nº. 8.112/90, deve ser retomada, por inteiro, a partir do término do prazo de interrupção, e não a partir da ciência do fato pela Administração, conforme pretende o impetrante.

3. Afasta-se a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva estatal se, no momento da aplicação da pena de suspensão, ainda não tiverem transcorridos dois anos, contados a partir do fim do prazo de interrupção previsto no 142, § 3º, da Lei nº. 8.112/90.

3. Segurança denegada. (MS 12767 / DF, 2007/0085663-5, Relator(a) Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, Data da Publicação/Fonte DJe 20/05/2010)

Em resumo, vejamos o diagrama a seguir:

- Entre a data do fato e a data em que o mesmo se tornou conhecido pela administração, não tem início o prazo prescricional (momento A do diagrama);

- Conhecido o fato, tem início o prazo prescricional para instauração do processo administrativo disciplinar (momento B);

- Instaurado o processo, a prescrição é interrompida, permanecendo assim até o 140 dia de tramitação (momento C);

- Passada tal data sem decisão final, tem-se o início do prazo de prescrição intercorrente (momento D).

- A partir de então, passado prazo análogo ao definido para a prescrição comum referente à infração apurada sem que tenha sido proferida decisão final pela administração, está consumada a prescrição intercorrente, que impede o ente público de aplicar a penalidade ao agente (momento E).


V. A prescrição intercorrente quanto aos servidores estaduais

No caso dos servidores do estaduais, são poucas as decisões relacionadas à legislação específica de cada Estado. Contudo, a posição adotada pelo STF, no sentido de haver prescrição intercorrente no caso de inércia do poder público na conclusão do processo, é aplicável também aos servidores estaduais, adaptando-se a tese conforme o Estatuto do Estado.

Conforme mencionado, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 78.917, a regra da prescrição é aplicável ainda que a legislação estadual não disponha expressamente sobre o tema. Por isso, a inexistência de legislação estadual específica, bem como de orientação jurisprudencial sobre o tema, não são óbices ao reconhecimento da prescrição intercorrente.


VI. A prescrição intercorrente quanto aos servidores do Estado de Minas Gerais – um estudo específico

Ilustrativamente, e considerando a inexistência de leading cases acerca da legislação mineira, nos termos do Estatuto dos Servidores Públicos de Minas Gerais procedemos à seguinte adaptação:

Conforme a Lei Estadual 869, de 5 de julho de 1952, os prazos relativamente aos servidores estaduais são um pouco diferentes, contudo, o procedimento é análogo aquele estabelecido pela Lei 8.112. As disposições são muito semelhantes. Vejamos:

Art. 223 - O processo administrativo deverá ser iniciado dentro do prazo, improrrogável, de três dias contados da data da designação dos membros da comissão e concluído no de sessenta dias, a contar da data de seu início.

Parágrafo único - Por motivo de força-maior, poderá a autoridade competente prorrogar os trabalhos da comissão pelo máximo de 30 dias.

Art. 229 - Entregue o relatório da comissão, acompanhado do processo, à autoridade que houver determinado à sua instauração, essa autoridade deverá proferir o julgamento dentro do prazo improrrogável de sessenta dias.

Parágrafo único - Se o processo não for julgado no prazo indicado neste artigo, o indiciado reassumirá, automaticamente, o exercício de seu cargo ou função, e aguardará em exercício o julgamento, salvo o caso de prisão administrativa que ainda perdure.

Conforme os dispositivos supra, o prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar, somando-se os dispositivos de mesma natureza daqueles somados pelo STF para o cálculo do prazo no caso dos servidores públicos federais, seria de 150 dias (60 da apuração + 30 da prorrogação + 60 do julgamento).

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Em raciocínio análogo ao aplicado pelo STF relativamente aos servidores federais, pode-se dizer que o prazo prescricional relativamente aos servidores do Estado de Minas Gerais volta a correr após 150 dias contados da instauração do processo administrativo. Após o 151º dia, o prazo prescricional tem seu reinício, havendo prescrição da pretensão punitiva se o julgamento não se ultimar antes do decurso do prazo estabelecido pelo art. 258 do Estatuto (note-se que o prazo é diferente daqueles estabelecidos para os servidores federais):

Art. 258 - As penas de repreensão, multa e suspensão prescrevem no prazo de dois anos e a de demissão, por abandono do cargo, no prazo de quatro anos.

A tese, apesar da aparente complexidade, representa apenas a aplicação da posição do STF e do STJ à legislação do Estado de Minas Gerais. Apesar da diversidade de prazo, a essência da operação é a mesma: aplicar a legislação de forma preservar o direito do servidor à razoável duração do processo e à segurança jurídica, direitos garantidos pela Constituição Federal, se houver decurso de prazo excessivo após a instauração do processo administrativo disciplinar.

Assim, no caso dos servidores públicos do Estado de Minas Gerais, se tiver decorrido tempo superior ao prazo prescricional referente à infração, conforme art. 258 da Lei Estadual 869/52, contado a partir do 151º dia do processo administrativo disciplinar, há prescrição intercorrente, que impede o Estado de aplicar punição ao servidor.


VII. Conclusão

Tanto no âmbito federal, quanto estadual ou municipal, negar a ocorrência da prescrição intercorrente é uma intolerável afronta aos princípios constitucionais da eficiência, da segurança jurídica, do estado democrático de direito, e da razoável duração do processo.

Assim, havendo decurso do prazo suficiente para a consumação da prescrição durante a tramitação do processo administrativo disciplinar, é lícito ao servidor requerer o arquivamento do processo punitivo e, no caso de ter sua pretensão negada pelo ente da administração, ter seu direito acolhido pelo Poder Judiciário, mediante Mandado de Segurança ou ação ordinária cabível, para determinar a extinção do processo administrativo disciplinar.


BIBLIOGRAFIA

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo.24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

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Sobre a autora
Stéphani Gaeta Sanches

Advogada atuante em Belo Horizonte/MG, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, com escritório profissinal no Bairro Lourdes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES, Stéphani Gaeta. A perda do direito de punir o servidor após a instauração do processo administrativo disciplinar - a prescrição intercorrente quanto às infrações disciplinares na legislação federal e na legislação estadual e o caso específico do Estado de Minas Gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2991, 9 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19957. Acesso em: 18 abr. 2024.

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