INTRODUÇÃO
Importante instrumento de uniformização dos procedimentos adotados pelos Juízos da Infância e da Juventude dos Estados-membros da Federação e do Distrito Federal, relativos às autorizações judiciais para a saída de crianças e adolescentes do território nacional, a Resolução nº 131, de 26 de maio de 2011, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, aparentemente, não se harmoniza com dispositivo da Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, alusivo a procedimento sobre viagem nacional de crianças.
Esta breve incursão sobre o conteúdo de um dos dispositivos da Resolução nº 131 do CNJ e suas possíveis implicações com uma das disposições do ECA que trata da autorização de viagem para criança dentro do território nacional, tem como propósito não apenas despertar a atenção para a problemática suscitada, como também estimular a promoção de possíveis aperfeiçoamentos em relação ao tema, por meio de instrumentos legislativos ou normativos.
1 O DISCIPLINAMENTO LEGAL SOBRE VIAGEM DE CRIANÇA DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL
Embora a viagem de criança dentro do território nacional, desacompanhada dos pais ou responsável, não se submeta aos mesmos requisitos exigidos para a viagem ao exterior, em alguns pontos as duas apresentam aspectos que se semelham. Não poderia ser diferente, pois em ambos os casos cuida-se de disposições inseridas nas normas de prevenção à possível violação de direitos da criança e do adolescente.
De acordo com o artigo 83, parágrafos e alíneas, da Lei nº 8.069/90, tem-se como regra a vedação da viagem de criança (pessoa menor de 12 anos de idade) para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável (guardião ou tutor), sem expressa autorização judicial. Contudo, tratando-se de viagem para comarca contígua à da residência da criança, ou de viagem dentro do mesmo Estado Federado, ou, ainda, dentro da mesma região metropolitana, não será exigida autorização judicial. É óbvio que nessas situações os pais ou o responsável pela criança cuidarão para que ela viaje em segurança e sob os cuidados de alguma pessoa idônea, sobretudo se a criança ainda for de pouca idade e o deslocamento envolver município ou localidade distante.
O provimento jurisdicional também não será necessário quando a criança viajar acompanhada por ascendente (avós, bisavós), ou colateral maior de 18 anos (tio, irmão ou sobrinho), comprovado documentalmente o parentesco.
Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente não exige autorização judicial quando a criança viajar acompanhada de pessoa maior de 18 anos, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável. Essa autorização do pai, da mãe ou do responsável legal pela criança é um documento escrito, que pode ser particular e que, geralmente, está disponível nas Varas da Infância e da Juventude. É um documento que deverá ser assinado pelos pais ou responsável legal pela criança, com o reconhecimento de firma, por autenticidade ou semelhança.
De acordo com o acima exposto, na maioria dos casos ou não haverá a necessidade de autorização ou os pais ou responsável legal poderão autorizar a viagem da criança que venha a ser realizada dentro do território nacional, sem que para isso intervenha o Poder Judiciário. Somente em algumas situações haverá a exigência de autorização judicial para a viagem de criança no âmbito do território brasileiro.
Além da hipótese em que a criança, viajando desacompanhada dos pais ou responsável, não se insira em nenhuma das situações anteriormente elencadas, os casos seguintes podem requerer autorização judicial:
a) discordância dos pais ou responsável legal com relação à conveniência da viagem, fator esse capaz de justificar a necessidade da intervenção judicial;
b) morte ou ausência de ambos os pais ou responsável legal pela criança;
c) algum motivo de força maior devidamente comprovado.
Vê-se que a intervenção judicial para a viagem da criança poderá ser necessária como forma de suprimento da outorga de consentimento que comumente é exercida pelos pais ou pelo responsável legal pela criança.
2 O DISCIPLINAMENTO PREVISTO NO ECA SOBRE VIAGEM DE CRIANÇA AO EXTERIOR
O Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece um disciplinamento abrangente e satisfatório a respeito das situações que demandam ou não a autorização dos pais ou responsável, ou mesmo a autorização judicial, para a viagem de criança ou adolescente ao exterior.
Prevê o ECA, no seu artigo 84, incisos I e II, apenas duas hipóteses de dispensa de autorização judicial, a saber:
a) quando a criança ou o adolescente estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
b) quando a criança ou o adolescente viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro, por meio de documento com firma reconhecida.
Além disso, o Estatuto de Regência Infanto-juvenil prescreve apenas que nenhuma criança ou adolescente nascido em território nacional poderá sair do País em companhia de estrangeiro residente ou domiciliado no exterior, sem prévia e expressa autorização judicial (artigo 85).
3 O ESTABELECIMENTO DE DISPOSIÇÕES SOBRE AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM AO EXTERIOR PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
A escassez de conteúdo legal no ECA, somada à necessidade de dar resposta a pedidos envolvendo autorização de viagem em situações não contempladas pela legislação, levou ao estabelecimento de um emaranhado de interpretações pelos Juízos da Infância e da Juventude dos Estados da Federação e do Distrito Federal, a respeito da necessidade ou não de autorização judicial para saída de crianças e adolescente do País.
Portarias foram editadas por Juízos da Infância e Juventude de algumas comarcas, estabelecendo procedimentos que, em alguns casos, entraram em choque com outros estabelecidos por juízos de comarcas diversas, gerando insegurança para os interessados na obtenção da autorização de viagem, ante a diversidade de requisitos e exigências.
Movido por essa instabilidade nacional envolvendo a questão, assim como por provocação do Ministério das Relações Exteriores e do Departamento de Polícia Federal, o CNJ editou inicialmente a Resolução nº 74/2009 e, revogando-a, posteriormente, editou a Resolução nº 131/2011, dispondo sobre a concessão de autorização de viagem para o exterior de crianças e adolescentes.
Como não havia no texto da Lei nº 8.069/90 previsão acerca da viagem de criança ou adolescente ao exterior desacompanhada, após colher ideias e sugestões junto aos tribunais de justiça dos Estados da Federação, além de outros órgãos e instituições, o CNJ, por meio da Resolução nº 131/2011, dispôs sobre a viagem de criança ou adolescente ao exterior desacompanhada.
A questão trazida à discussão neste pequeno estudo reside exatamente na disposição contida no artigo 1º, inciso III, da Resolução nº 131 do CNJ, que previu a possibilidade de a criança viajar ao exterior desacompanhada dos pais ou de terceira pessoa, contanto que haja autorização de ambos os pais, com firma reconhecida.
Não obstante tratar-se de viagem para fora do território nacional, com a possibilidade do enfrentamento de obstáculos de maior complexidade pela criança, como as regras, os costumes, a distância e a língua do país estrangeiro, a inovação trazida com a resolução do CNJ, por ser dirigida apenas a viagens ao exterior, não contemplou a situação de crianças que precisam viajar desacompanhadas dentro do território nacional.
O artigo 83, § 1º, alínea "b", nº 2, da Lei nº 8.069/90, prevê a dispensa de autorização judicial quando a criança estiver acompanhada de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável. Contudo, não prevê a possibilidade da dispensa de autorização judicial quando a criança viajar desacompanhada, dentro do território nacional e fora da comarca contígua à da sua residência, da mesma unidade da Federação ou incluída na mesma região metropolitana, ainda que a viagem tenha sido autorizada expressamente pelos pais ou responsável legal pela criança, mediante documento com firma reconhecida.
Essa situação tem levado à exigência de autorização judicial para que a criança, desacompanhada, empreenda viagem, dentro do território nacional, para outro Estado da Federação, quando, a exemplo do que já foi disciplinado pelo CNJ acerca da viagem de criança para o exterior, poderia ser autorizada a viajar pelos próprios pais ou responsável legal, por meio de documento escrito, com firma reconhecida.
4 ALGUMAS CONCLUSÕES
Diante do contexto analisado, avaliando-se a questão sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Resolução nº 131 do CNJ, é possível inferir que o regramento legal e normativo atualmente em vigor no país sobre a autorização de viagem de criança, ao mesmo tempo em que exige autorização judicial para que uma criança viaje de um Estado a outro da Federação, desacompanhada, ainda que portando autorização escrita e com firma reconhecida dos pais ou responsável legal, deixa de fazer essa exigência para que a mesma criança viaje para o exterior, desacompanhada e munida da mesma autorização escrita e assinada pelos pais ou responsável, com firma reconhecida.
Embora possa se cogitar que os Juízos da Infância e da Juventude pelo Brasil afora adotem o procedimento derradeiramente citado (não intervenção judicial se houver autorização dos pais ou responsável), invocando a atuação do Estado e da sociedade apenas de forma subsidiária, a rigor, a ausência de previsão legal ou normativa inibe o magistrado de agir dessa forma, salvo em raras situações, quando o superior interesse da criança o exigir.
Por isso, sustenta-se que a questão pontuada neste breve estudo reclama uma atuação legislativa ou do próprio Conselho Nacional de Justiça, com vistas ao estabelecimento expresso de regramento que disponha sobre a desnecessidade de autorização judicial para a viagem de criança de um Estado a outro da Federação, quando, embora desacompanhada, ostente autorização de ambos os pais ou responsável legal, com firma reconhecida, a exemplo do que já ocorre com a viagem de criança ao exterior.
Essa providência certamente contribuirá para a redução do elevado número de pedidos de autorização judicial de viagem de criança para trechos localizados dentro do território nacional, principalmente nos meses de férias escolares, além de simplificar os procedimentos a serem adotados pelos pais ou responsável legal pela criança, obviamente, sem se descuidar do resguardo com os superiores interesses dos pequeninos.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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