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A possibilidade de execução, pelo juiz arbitral, de seus próprios julgados

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05/10/2011 às 08:15
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A permissão para que o árbitro possa executar suas próprias decisões trará à arbitragem maior agilidade na execução e maior benefício ao credor, dando-lhe maior eficácia no que tange a prestação jurisdicional completa e, ainda, vantagens à máquina estatal, com reduções de custos e diminuição na quantidade processos.

"Stare debet sententia arbitri, quam de re dixerit, sive aequa, sive iníqua" Ulpiano    

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como escopo discutir a necessidade da intervenção do Poder Judiciário na execução da sentença arbitral apresentando de forma sistematizada como se concluiu pela desnecessidade da execução por meio judicial. Em um primeiro momento analisa-se o histórico da arbitragem, seu conceito, sua natureza jurídica, o direito comparado e a adesão do Brasil à Convenção de Nova Iorque. Em um segundo momento aborda-se as características do árbitro, os princípios aplicáveis à arbitragem, o procedimento arbitral e suas fases, até a prolação da sentença em conformidade com a Lei nº 9.307/96. Ao final, analisa-se o atual processo de execução civil, baseado nas Leis nºs 5.869/73 e 11.232/05, verificando os procedimentos necessários para a efetivação da sentença arbitral não cumprida, abordando suas desvantagens. O legislador ao acrescentar a sentença arbitral no rol dos títulos executivos judiciais buscou trazer maior efetividade a sentença. Vale ressaltar que o trabalho é desenvolvido, objetivamente, levando-se em consideração a pesquisa doutrinária e jurisprudencial.

Palavras-chave: Brasil. Arbitragem. Efetivação da sentença. Execução. Intervenção Judicial. Autonomia do árbitro.

ABSTRACT

This work for completion of graduation has the scope to discuss the need for judicial intervention in the implementation of an arbitral decision. Presented in a systematic way how it came to the conclusion that the judicial enforcement isn’t necessary. At first it was analyzed the history of arbitration, its concept, legal nature, comparative law and Brazil’s adherence to the institute and the New York Convention. Also it was explored the characteristics of the arbitrator, the principles applicable to arbitration, the arbitration process and it phases until the pronouncement of the award in accordance with Law 9.307/96. Finally it was analyzed the current process of civil execution in Brazil, based on Laws 5.869/73 and 11.232/05 checking the necessary procedures for the accomplishment and effectiveness of the disregarded award and approaching the disadvantages of civil execution to arbitration. When the lawmaker added the arbitral award on the list of judicial executive titles he wanted to bring greater effectiveness to the award. The work was done objectively using doctrinal and jurisprudential.

Keywords: Brazil. Arbitration. Effectiveness of the sentence. Execution. Judicial intervention. Autonomy of Arbitrator.


INTRODUÇÃO

Em 23 de setembro de 1996 entrou em vigor a Lei nº 9.307, conhecida como a Lei de Arbitragem. Essa Lei trouxe para o Brasil um novo meio de ingresso à Justiça. Uma justiça acessível.

Justiça acessível caracteriza-se pela garantia de acesso a todos asseverando resultados justos, com base na igualdade, liberdade, segurança e bem comum. Com a provocação do Estado, deverá ser obtida uma decisão justa e eficaz, em prazo adequado.

Com a dificuldade de acesso ao Poder Judiciário e sua morosidade, a arbitragem surge como um meio alternativo para a solução de litígios, permitindo o desenlace de conflitos por meio de um árbitro, eleito pelas partes, por meio de uma convenção privada, onde lhe foi atribuído poder de decisão que poderá ser imposta coativamente. Através da arbitragem o árbitro é capaz de decidir com maior brevidade, economicidade e eficácia, facilitando no atingimento da justiça.

Diante desse meio de solução de conflitos, introduzido no Brasil através da Lei de Arbitragem, chega-se ao questionamento de como melhorar sua eficácia quanto à execução da sentença arbitral.

A execução é um entrave para arbitragem, pois toda sua celeridade é perdida no momento em que a parte devedora deixa de cumprir voluntariamente o disposto na sentença, restando ao credor à execução civil por ser o árbitro desprovido de força coercitiva.

O objetivo geral deste trabalho é demonstrar que a autonomia do árbitro na execução da sentença trará maior celeridade na arbitragem.

Com o objetivo de trazer maior celeridade à arbitragem, o presente trabalho monográfico busca responder se é possível que o juiz arbitral detenha poder coercitivo para executar suas sentenças.

Para responder ao questionamento, o trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro serão abordados os aspectos gerais da arbitragem, como surgiu, suas espécies, natureza jurídica, constitucionalidade, de que forma pode ser instituída, as características e atribuições do árbitro.

O segundo capítulo tratará da sentença arbitral, os caminhos que as partes e o árbitro devem percorrer até a prolação da sentença, os atributos e efeitos da sentença perante os litigantes.

O último capítulo, com a finalidade de solucionar o problema e testar a hipótese avençada, discutirá a possibilidade de a execução da sentença arbitral, em caso de não cumprimento espontâneo do devedor, poder ser realizada perante o juízo arbitral, usando como argumento a atribuição dada pela Lei de Arbitragem (artigo 18) ao árbitro de que este é juiz de fato e de direito.

Por fim, a metodologia utilizada foi o levantamento jurisprudencial e bibliográfico, em especial a pesquisa quanto ao posicionamento dos doutrinadores do tema sobre os entraves da arbitragem. O método científico empregado nesse trabalho foi o dedutivo.


1 ASPECTOS GERAIS DA ARBITRAGEM

Este capítulo visa tratar dos aspectos gerais da arbitragem, do acesso à justiça, dos conceitos envolvidos no processo arbitral, dando uma visão geral sobre a arbitragem como meio de resolução de conflitos.

1.1 ACESSO À JUSTIÇA

Em primeiro lugar, faz-se necessário definir o que é o acesso à justiça. Segundo Cappelletti [01]:

A expressão acesso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos.

Araujo entende que, o acesso à justiça não trata somente da proclamação de um direito, mas da garantia deste, ou seja, a justiça só é efetivamente vislumbrada quando é aplicada com base na igualdade, liberdade, segurança e bem comum, objetivos do Estado Democrático de Direito [02].

Para se obter o acesso a justiça é necessário ter consciência dos problemas e necessidades para alcançar o desenvolvimento da atividade jurídico-judiciária e atender aos anseios da sociedade [03].

Hans Kelsen [04] diferencia justiça de felicidade, informando que o objetivo da justiça não é proporcionar felicidade e sim garantir o gozo dos direitos sociais:

Se a justiça é felicidade, então uma ordem social justa é impossível, enquanto a justiça significar felicidade individual. Uma ordem social justa é impossível, mesmo diante da premissa de que ela procure proporcionar, senão a felicidade individual de cada um, pelo menos a maior felicidade possível ao maior número possível de pessoas.

Dessa forma, o acesso à justiça não consiste somente na provocação da atuação do Estado, mas principalmente, na obtenção, em prazo adequado, de uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.

Grinover [05] atribui à obstrução das vias de acesso à justiça a grande quantidade de processos, seus custos, a lentidão do judiciário e sua burocratização.

Então, começam a surgir vias alternativas para romper os obstáculos trazendo celeridade implementando o ingresso à justiça.

Dentre as vias alternativas que visam à pacificação de conflitos e solução de controvérsias podemos citar a conciliação, os juizados especiais e a arbitragem.

A conciliação propõe a resolução de conflitos por meio de uma intervenção amigável, onde um terceiro apresenta proposta às partes com vistas à obtenção de acordo [06].

Os juizados especiais, criados pela Lei nº 9.099/95, possibilitam um procedimento simples, rápido e desburocratizado, buscando a solução de controvérsias onde o valor ou a complexidade da causa permitem uma solução mais célere dos conflitos [07].

A justificativa do anteprojeto da atual Lei de Arbitragem demonstra a preocupação dos relatores com a adesão à nova forma de acesso à justiça:

A arbitragem é instituto utilizado para solução de controvérsias desde os tempos mais remotos e, em última análise, consubstancia a participação do povo na administração da justiça, à semelhança do que já ocorre com o tribunal do júri.

O Estado, atento à necessidade de desenvolver outros foros para a pacificação social e para a solução de controvérsias, patrocinou, na última década, a criação dos Juizados Informais de Conciliação e dos Juizados Especiais de Pequenas Causas; após a Constituição de 1988 várias unidades de federação instituíram os juizados especiais cíveis e criminais, tendo como escopo agilizar os processos e facilitar o acesso à justiça.

Agora é necessário criar um foro adequado às causas envolvendo questões de direito comercial, negócios internacionais ou matérias de alta complexidade, para as quais o Poder Judiciário não está aparelhado. É neste contexto que a arbitragem surge como excelente e insuperável alternativa para a solução de litígios, funcionando ainda para descongestionar os órgãos jurisdicionais estatais, excessivamente sobrecarregados, na esteira do que vem ocorrendo nos mais diversos países, especialmente europeus e sul-americanos [08].

Não se trata a arbitragem de solução capaz de esvaziar o Judiciário, uma vez que não pode tratar de direitos indisponíveis. Surge para disponibilizar as partes um novo sistema, capaz de resolver litígios e matérias específicas. Se bem instaurada, representa meio eficaz no desenlace de litígios [09].

A arbitragem permite a solução de conflitos por meio de um árbitro, eleito pelas partes e por isso com poder de decisão. A arbitragem pode gerar maior brevidade, economicidade e eficácia no atingimento da justiça [10].

1.2 CONCEITO DE ARBITRAGEM

A arbitragem é meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, assumindo a decisão a mesma eficácia da sentença judicial [11].

Para o autor Scavone Júnior [12],

A arbitragem pode ser definida como meio privado e alternativo de solução de conflitos referentes aos direitos patrimoniais e disponíveis através do árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral.

Entende-se como direitos patrimoniais disponíveis aqueles referentes ao patrimônio, que podem ser objeto de transação entre as partes, dos quais elas possam usar, gozar e dispor de acordo com sua vontade. As partes têm liberdade para negociar, dar, usar, gozar, comercializar, fornecer, emprestar, renunciar ou ceder. E, também os bens corpóreos e incorpóreos susceptíveis de avaliação econômica e dos quais podemos dispor livremente [13].

Alem [14] ensina que:

Questões de ordem pública e/ou que digam respeito a direitos indisponíveis, tais como questões criminais, de personalidade, relacionadas com a capacidade e o estado da pessoa, família – filiação, pátrio poder, separação ou divórcio – e, também, outras questões que impliquem a adoção de normas jurídicas insuscetíveis de transação não podem ser levadas à arbitragem por ferirem o art. 1º da Lei Brasileira de Arbitragem.

Para Braga [15], a partes deslocam o conhecimento da lide do Poder Judiciário para o tribunal arbitral, mediante compromisso previamente assumido, onde os árbitros, que foram eleitos, desempenharão a função de juízes. O eleito para a solução da lide deve ser estranho aos interesses em disputa e atua fora da estrutura do Judiciário.

Com a arbitragem, os titulares de interesses em conflito, por ato voluntário, nomeiam um (ou mais de um) terceiro, estranho ao litígio, conferindo-lhe poder para apresentar uma solução para aquela lide, solução esta que lhes será imposta coativamente [16]. Trata-se, pois, de um substitutivo da jurisdição.

Na arbitragem, as partes negociam suas condições, método, procedimentos, sede, direitos aplicáveis, com isso, tendem a se conformar com a decisão do árbitro.

São elementos caracterizadores da arbitragem segundo Macedo [17]:

a)Objeto limitado aos direito patrimoniais – A Lei da arbitragem restringiu a abrangência do objeto litigioso aos direito patrimoniais disponíveis.

b)Escolha das regras a serem aplicadas – as partes podem escolher as regras de direito que vão ser aplicadas no processo arbitral.

c)Expressa menção à opção pela arbitragem – há necessidade da cláusula arbitral compromissória de compromisso arbitral.

d)Prazo definido para a prolação da sentença arbitral – prazo de 6 (seis) meses, contados da instituição ou substituição do árbitro, para o término da demanda com a necessidade de prolação de sentença arbitral.

e)Não sujeição da sentença arbitral a homologação pelo Poder Judiciário – de acordo com o artigo 18 da Lei nº 9.307/96, a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

De acordo com o disposto no artigo 475-N do Código de Processo Civil [18], a sentença arbitral é considerada título executivo judicial. Assim sendo, as decisões tomadas no âmbito da arbitragem possuem força de sentença como se fossem tomadas no judiciário

1.2.1 Espécies de Arbitragem

A Lei de Arbitragem prevê duas espécies de arbitragem em seu artigo 2º [19], são elas:

a)Arbitragem de direito – o conflito deverá ser composto com base nas normas de direito positivo. As partes escolhem as normas jurídicas aplicáveis pelo árbitro, conforme os bons costumes ou a ordem pública (artigo 2º, § 1º da Lei de Arbitragem).

b)Arbitragem de equidade – por meio de disposição expressa, prevista no artigo 11, inciso II, as partes poderão autorizar que árbitros julguem por equidade [20].

Além das espécies previstas na Lei, Scavone [21] afirma haver mais duas espécies de arbitragem:

c)Arbitragem Institucional ou administrativa – onde uma instituição especializada administrará a arbitragem de acordo com a Lei nº 9.307/96 e conforme as regras da instituição eleita. As partes podem escolher uma entidade em funcionamento, que se dedique à atividade arbitral.

d)Arbitragem avulsa ou ad hoc – onde as partes escolhem o árbitro independentemente de uma instituição, neste caso, as partes deverão dispor sobre o procedimento a ser utilizado.

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Cabe às partes escolher a espécie mais adequada em cada caso.

1.3 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM

Conforme De Plácido e Silva [22]:

Na terminologia jurídica, assinala, notadamente, a essência, a substância ou a compleição das coisas. Assim, a natureza se revela pelos requisitos ou atributos essenciais que devem vir com a própria coisa. Eles se mostram, por isso, a razão de ser, seja do ato, do contrato ou do negócio. A natureza da coisa, pois, põe em evidência sua própria essência ou substância, que dela não se separa, nem que a modifique ou a mostre diferente ou sem os atributos, que são de seu caráter. É, portanto, a matéria de que se compõe a própria coisa, ou que lhe é inerente ou congênita.

Dentre os juristas, a natureza jurídica da arbitragem não é tema pacífico. Há basicamente duas orientações doutrinárias acerca da natureza da arbitragem. São elas: a corrente da natureza jurídica contratual (privatista) e a corrente da natureza jurídica jurisdicional (publicista).

A corrente privatista diz que o árbitro não tem poder jurisdicional para impor a sua vontade, sendo a arbitragem um juízo de equidade que substitui a aplicação da lei de acordo com a vontade das partes. Porém, tal definição não condiz com o artigo 2º da Lei nº 9.307/96 [23], onde informa que o árbitro pode usar tanto a equidade quanto a lei. Tanto o árbitro quanto o juiz possuem tal faculdade [24].

A arbitragem se inicia por ato de direito privado, qual seja, a convenção de arbitragem, porém, não se pode confundir a convenção de arbitragem, ato que institui o procedimento arbitral, com a arbitragem em si [25].

Os doutrinadores Chiovenda e Carnelutti se posicionavam pela ala contratualista. O primeiro afirmava que ao árbitro não é dado o poder jurisdicional, posto que lhe é defeso ouvir testemunhas coativamente e praticar os demais atos que são inerentes ao magistrado. O segundo entende que o fato de se promover a conciliação pela via da heterocomposição (resolução de uma questão por meio de valores impostos por um terceiro) não a torna de caráter público, sendo tal procedimento um equivalente processual [26].

O artigo 22 da Lei nº 9.307/96 [27] preconiza que em caso de resistência da parte recalcitrante poderá requerer à autoridade judiciária que o obrigue a cumprir sua determinação sob as penas da lei. Mesmo que pela via indireta o árbitro é investido de autoridade suficiente para coagir a parte transgressora e cumprir sua determinação.

Ocorre que as opiniões no sentido de a natureza jurídica da arbitragem ser privatista/contratualistas foram anteriores a Lei de Arbitragem e tinham como base a existência de um laudo que necessitava de reconhecimento público pela via da homologação judicial [28].

Há, ainda a corrente publicista que aponta para a semelhança entre o laudo arbitral e a sentença judicial e, também, para a responsabilidade atribuída ao árbitro. Uma vez eleito pelas partes, sua decisão será soberana, tornando-se lei entre os litigantes, como se fosse prolatada por um juiz togado [29]. A Lei de Arbitragem conferiu ao laudo arbitral a legitimidade de sentença, não restando mais a necessidade de homologação, o que torna a natureza jurídica da arbitragem pública.

1.4 HISTÓRICO DA ARBITRAGEM

Delgado [30] afirma que os povos antigos praticavam a arbitragem e que o instituto existiu e produziu efeitos antes que surgisse o legislador e o juiz estatal.

Na Grécia antiga, tratado firmado entre Espanha e Atenas, em 455 a.C., continha cláusula compromissória, o que evidencia a utilização desse instituto por aquele povo e, também, a sua eficácia como meio de solução pacífica dos conflitos de interesse.

Na Roma antiga, o sistema adotado era o iudicium privatum-judez (lista de nomes de cidadãos idôneos), cujo objetivo era solucionar, em campo não judicial, os litígios entre os cidadãos. Nas relações comerciais assumidas durante o século XI, os comerciantes resolviam seus conflitos fora dos tribunais com base nos usos e nos costumes [31].

Após o término da Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento do Comércio Internacional, sentiu-se a necessidade de regular a execução das sentenças arbitrais internacionais [32].

Em março de 1953, a Câmara de Comércio Internacional apresentou à Organização das Nações Unidas um anteprojeto de Convênio sobre a execução das sentenças arbitrais [33], nomeando em 1954 uma comissão especial, responsável por redigir o projeto. Em seguida, o novo texto foi aperfeiçoado por vários governos e após conferência em Nova Iorque foi aprovada a Convenção de Nova Iorque, para o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, em 10 de junho de 1958 [34].

O Brasil aderiu à Convenção de Nova Iorque somente no ano de 2002, quando o Congresso Nacional aprovou seu texto com o Decreto Legislativo 52, conferindo-lhe força de lei. O Presidente da República baixou o Decreto nº 4.311/2002 que promulgou a Convenção, dando a ela publicidade. Na ocasião a Lei nº 9.307/96 já estava em vigor, e sofreu as alterações implementadas pelo decreto [35].

A adesão à Convenção de Nova Iorque trouxe o reconhecimento das sentenças arbitrais brasileiras e permitiu sua execução no exterior. Alguns pontos não sofreram modificação a Convenção, pois já estavam previstos na Lei nº 9.307/96, tais como: o tratamento de sentenças arbitrais estrangeiras; a exigência da sentença original ou cópia autenticada da sentença estrangeira, para o reconhecimento e execução da mesma; a previsão de causas de denegação da homologação da sentença arbitral estrangeira [36]. Entretanto, a adesão à Convenção de Nova Iorque passou a garantir a validade dos laudos arbitrais brasileiros no exterior e também das sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil [37].

1.5 DIREITO COMPARADO

Na Argentina, com a Lei nº 24.573/95, antes de ingressar em ação civil ou comercial passou-se a exigir a mediação em caráter obrigatório [38]. O Código Processual Civil e Comercial da Argentina (Código Procesal Civil y Comercial Civil de La Nacion) prevêem a arbitragem em seus artigos 736 a 773. Cabe reproduzir os artigos 736 e 737 [39]:

Art. 736. - Toda cuestión entre partes, excepto las mencionadas en el artículo 737, podrá ser sometida a la decisión de jueces árbitros, antes o después de deducida en juicio y cualquiera fuere el estado de éste.

La sujeción a juicio arbitral puede ser convenida en el contrato o en un acto posterior.

CUESTIONES EXCLUIDAS

Art. 737. - No podrán comprometerse en árbitros, bajo pena de nulidad, las cuestiones que no puedan ser objeto de transacción.

No Paraguai, a previsão de arbitragem se encontra no Código de Processo Civil (Código Procesal Civil de Paraguay), por via dos artigos 774 a 835 [40].

O Código Geral de Processo da República Oriental do Uruguai (Código General Del Processo) regula a arbitragem por meio dos artigos 472 a 507 [41], vale transcrever o artigo 472 [42]:

Artículo 472. – Procedência

Toda contienda individual o colectiva, podrá ser sometida por las partes a resolución de un tribunal arbitral, salvo expresa disposición legal en contrario.

La ley reconoce de pleno derecho los laudos emitidos por árbitros designados, ya sea por las partes, o por un tribunal judicial, así como los dictados por los tribunales formados por las cámaras de arbitraje, a los que se sometan las partes.

Nos Estados Unidos existem institutos que operam a arbitragem, dentre eles a AAA – American Arbitration Association e a IBA- International Bar Association [43]. No Arbitration Act de 1925 encontra-se prevista a irrevogabilidade e executoriedade do compromisso arbitral [44].

No Canadá a Arbitrors Institute of Canada atua como centro nacional de informação e de educação desde 1974 [45].

A Corte de Haia, na Holanda, bem como de Luxemburgo funcionam como Corte de Justiça supranacional entre os países da comunidade internacional e suas decisões são respeitadas em todo o mundo [46].

A União Européia tem na arbitragem a forma de dirimir questões relativas às controvérsias oriundas dos países membros [47].

Na França e na Itália a arbitragem é utilizada em casos semelhantes aos do Brasil, as pessoas poderão se comprometer a respeito de direitos sobre os quais possuem livre disposição [48].

No Peru, além dos direitos patrimoniais disponíveis, os conflitos de matéria ambiental podem ser submetidos à arbitragem os de matéria ambiental [49].

Em Portugal as exceções à arbitragem são os litígios submetidos exclusivamente a tribunal judicial e que não diga respeito a direitos indisponíveis [50].

Os órgãos internacionais, tais como: EU (União Européia), MERCOSUL (Mercado Comum do Sul), ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), todas usam arbitragem como meio de solução internacional de conflitos [51].

1.5.1 Arbitragem no Brasil

Delgado [52] afirma que o fortalecimento da arbitragem, no Brasil, depende, unicamente, de uma cultura para a sua prática.

A arbitragem é uma conquista para o direito brasileiro, trazendo um novo enfoque de acesso à justiça, incluindo o uso tanto de paraprofissionais quanto de juízes como defensores, destinada a evitar litígios ou facilitar sua solução, por meio de mecanismos privados ou informais de conflitos [53].

1.5.1.1 A constitucionalidade da arbitragem

Muito se falou que a Lei de Arbitragem seria inconstitucional por ferir o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário (artigo 5º, XXXV da Constituição Federal).

Porém, J.M Carvalho Santos [54] afirma que: "A Constituição não tolera é que os indivíduos, ainda que queiram, não possam recorrer ao Poder Judiciário, por não lhes permitir a lei". A arbitragem não afasta a apreciação pelo judiciário, trata-se apenas de uma opção das partes para dirimir conflitos. As partes são livres para transigir, pelo princípio da autonomia da vontade, sendo assim, podem decidir pela extinção dos conflitos através da solução arbitral.

A Lei de Arbitragem oferece um direito de ação e não um dever, ou seja, a parte tem uma opção a mais na solução de seus conflitos, podendo optar (em virtude do princípio da autonomia da vontade) entre a Justiça Arbitral e a Justiça Pública.

Dr. Geraldo Brindeiro [55], então Procurador Geral da República, manifestou-se a respeito do tema opinando pela constitucionalidade da Lei nº 9.307/96, uma vez que ela não exclui a atuação do Judiciário, apenas dá às partes a opção de excluir tal atuação abdicando da atuação do Estado através da cláusula compromissória buscando a composição do conflito por meio de sentença arbitral.

O princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário dispõe que nenhuma lei poderá impor a aplicação compulsória de outro meio jurisdicional que não o Poder Estatal.

1.6 OS RAMOS DO DIREITO E A APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM

No Direito do Trabalho, os dissídios trabalhistas podem ser resolvidos de três formas: a autodefesa, a autocomposição e a heterocomposição. A arbitragem se encontra no campo da heterocomposição e está prevista no parágrafo 2º do artigo 764 da Consolidação das Leis do Trabalho [56] que preconiza não havendo acordo no âmbito da conciliação surgirá o juízo arbitral [57]. A Constituição Federal no parágrafo 2º do artigo 114 [58] autoriza a incidência da arbitragem apenas nos conflitos coletivos do trabalho [59].

No Direito Societário, a solução de conflitos societários é denominada Arbitration of CompanyLaw Dispute. No Brasil, o uso da arbitragem nos conflitos societários esta estabelecido no parágrafo 3º do artigo 109 da Lei nº 6.404/76 [60], onde está previsto que as divergências sejam solucionadas mediante arbitragem. Caso conste no Estatuto ou contrato social, a cláusula compromissória vincula os acionistas e membros dos órgãos da empresa [61].

No direito tributário, pelo fato de pregar a reserva absoluta da lei formal e ser fechado em seus princípios, as autoridades só podem agir de acordo com a lei. Dessa forma, o direito tributário não admite a arbitragem para solucionar os conflitos entre os sujeitos passivos e ativos da relação tributária, sendo que somente o próprio poder tributante e o Poder Judiciário podem decidir se o sujeito passivo deve ou não o tributo [62].

No Direito Administrativo, segundo Garcez [63], a arbitragem passou a ser válida para os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista, independentemente de autorização legislativa, após a decisão unânime da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial de número 612.439.

A legislação brasileira prevê a utilização de arbitragem em alguns casos de contratos firmados pelo Estado ou por empresas públicas ou sociedades de economia mista. A título exemplificativo cita-se as Leis de números 9.478/97 (Política Energética Nacional), 10.233/01 (Transportes Aquaviários e Terrestres), 10.433/02 (Mercado Atacadista de Energia Elétrica), 8.666/93 (Licitações e Contratos) [64].

1.7 AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES

A arbitragem tem raiz na vontade das partes, ou seja, uma controvérsia só poderá ser submetida à solução arbitral se houver comum acordo entre as partes, quer por meio de uma cláusula contratual, quer por meio de um compromisso arbitral [65].

A competência do árbitro é de origem eminentemente contratual [66], uma vez que a arbitragem possui fundamento convencional e que o poder do árbitro nasce de um acordo de vontades [67]. Mediante uma convenção arbitral, as partes retiram a competência da jurisdição estatal e submetem o litígio a arbitragem [68].

As partes têm liberdade de escolher o direito – material e processual – aplicável à solução da controvérsia, podendo criar normas específicas, se reportar às regras de um órgão institucional ou adotar os procedimentos de um código civil estrangeiro [69].

Os impasses podem ser resolvidos com a escolha expressa, pelas próprias partes, da lei aplicável. Não cabe ao árbitro estabelecer a norma que regerá o caso concreto.

Para utilização da arbitragem, os interessados devem ser capazes de contratar (ter capacidade civil) e o litígio deverá versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. Tais requisitos estão expressos no Código Civil Brasileiro [70] em seus artigos 851 e 852.

Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre as pessoas que podem contratar.

Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial. [71]

O procedimento de arbitragem deverá ser conduzido de acordo com as regras adotadas pelas partes na convenção de arbitragem. Entretanto, a vontade das partes se restringe aos limites impostos pelo Estado, referentes à segurança jurídica e ao respeito aos direitos das partes [72].

1.7.1 Convenção de Arbitragem

A arbitragem se inicia quando as partes, voluntária e preliminarmente, acordem entre si a eleição da competência arbitral para dirimir as questões relativas ao negócio objeto do termo. Através da cláusula compromissória terão de convencionar a possibilidade de se estabelecer o compromisso arbitral [73].

A convenção de arbitragem possui dois efeitos: vincula as partes à utilização do juízo arbitral e retira a competência do Estado, transferindo a mesma ao árbitro. Possui duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. A primeira é prévia ao litígio, enquanto a segunda surge após o nascimento da lide [74].

1.7.1.1 Cláusula Compromissória ou Cláusula Arbitral

A cláusula compromissória ou cláusula arbitral é prévia ao litígio, definida no artigo 4º da Lei de Arbitragem [75], como "a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato".

De acordo com Alexandre Freitas Câmara [76],

A cláusula compromissória é, em verdade, um contrato preliminar, ou seja, uma promessa de celebrar o contrato definitivo, que é o compromisso arbitral. (...). Gera uma obrigação de fazer para os contratantes, qual seja, a obrigação de celebrar o contrato definitivo. (...) O descumprimento desta obrigação, com a recusa de qualquer das partes em celebrar o compromisso após o surgimento de qualquer litígio entre os contratantes, gera para outra parte o direito de obter em juízo a tutela jurisdicional específica relativa àquela obrigação.

A utilização da cláusula está prevista no artigo 853, do Código Civil Brasileiro [77], "admite-se nos contratos a Cláusula Compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial".

A cláusula compromissória tem sua autonomia conferida no artigo 8º da Lei de Arbitragem [78]: "A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória."

A cláusula arbitral pode ser cheia ou vazia.

A cláusula arbitral cheia contém condições mínimas para que o procedimento arbitral se inicie, as condições mínimas do artigo 10º da Lei de Arbitragem [79].

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:

I – O nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;

II – O nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;

III – A matéria que será objeto da arbitragem;

IV – O lugar em que será proferida a sentença arbitral.

A cláusula arbitral cheia possui duas formas: uma onde as partes pactuam todas as condições para a instauração da arbitragem e outra que se refere às regras de uma entidade especializada (arbitragem institucional) [80].

A cláusula arbitral vazia, também chamada cláusula arbitral em branco, é aquela em que as partes se obrigam a submeter seus conflitos à arbitragem, mas não estabelecem regras mínimas para desenvolvimento da solução arbitral nem indicam as regras de uma entidade especializada [81].

Quando do surgimento do conflito será necessário que as partes firmem um compromisso arbitral estabelecendo as regras que utilizarão, indicando o árbitro ou os árbitros. Havendo divergência, discordância para firmar o compromisso arbitral, deverá ser aplicada a norma do artigo 7º da Lei de Arbitragem [82]:

Art. 7º. Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.

§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.

§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência de ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21 § 2º, desta Lei.

§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.

§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.

§ 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.

§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.

Só há necessidade de firmar o compromisso arbitral quando a cláusula arbitral for vazia. Se a cláusula arbitral for cheia, não haverá necessidade de firmar Compromisso Arbitral, cabendo este, apenas quando a cláusula arbitral for vazia.

1.7.1.2 Compromisso Arbitral

De acordo com o artigo 9º da Lei de Arbitragem [83] "o compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem o litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial."

O compromisso é judicial quando as partes decidem por fim no procedimento judicial, em andamento, submetendo o conflito à arbitragem e; extrajudicial, quando firmado depois do conflito, mas antes da propositura de ação judicial [84].

O que diferencia o compromisso da cláusula compromissória é que no primeiro a controvérsia já se iniciou; já a segunda é celebrada antes do surgimento da lide, se referindo a litígios futuros e eventuais [85]. Quando firmado antes da existência do conflito, o compromisso arbitral impede o acesso ao Poder Estatal.

Os requisitos específicos do compromisso arbitral estão previstos no artigo 10 da Lei de Arbitragem e no artigo 104 do Código Civil [86]. Tais requisitos são relativos à validade do negócio jurídico, ou seja, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei, que, sem a sua existência leva a nulidade absoluta.

1.8 O ÁRBITRO

O artigo 13 da Lei de Arbitragem [87] dispõe que o árbitro pode ser "qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes." ainda, conforme a mesma Lei "os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal", conforme disposto no artigo 17 [88].

Para Carmona [89], "árbitro é a pessoa física indicada pelas partes – ou por delegação delas – para solucionar uma controvérsia que envolva direito disponível".

Alexandre Freitas Câmara [90] diz que o árbitro é

Pessoa em quem as partes depositam sua confiança, o árbitro exerce múnus público, sendo o responsável por fazer justiça no caso concreto que lhe é submetido. Exerce, assim, função assemelhada à que é exercida pelos órgãos do Poder Judiciário, sendo responsável por uma atividade extremamente relevante do ponto de vista da busca da pacificação social.

Segundo Joel Dias Figueira Júnior [91]

O árbitro ou tribunal arbitral detém uma parcela da jurisdição (paraestatal) que lhes é conferida pelos interessados contratantes através da instituição da cláusula compromissória e posterior compromisso arbitral, que os transforma, por ficção legislativa, em juízes (privados) de fato e de direito (art. 18), e a sentença que vierem a proferir produzirá entre os litigantes e seus sucessores os mesmos efeitos da decisão que seria proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, assim como a alienação ou oneração de bens durante o processo arbitral poderá ensejar a fraude de execução (art. 593, CPC).

E para Bulos [92] os árbitros são juízes de fato quanto ao poder de pesquisá-lo, apurá-lo, dando-lhe a devida valorização. E são juízes de direito, porquanto lhes cabe formular o comando concreto que se vai traduzir e expressar na sentença arbitral. Afirma ainda que: "são árbitros judices compromissarii ou compromissarius, visto que pelo compromisso é lhes dado o poder de decidir. Julgam como se juízes togados fossem, e a sentença que proferirem dispensa, a princípio, recurso ou homologação pelo Poder Judiciário".

O árbitro é a pessoa estranha ao conflito, que as partes elegem para decidir a controvérsia a qual é submetido. Não é exigido que o árbitro seja advogado ou bacharel em ciências jurídicas. Na prática, recomenda-se que pelo menos um dos árbitros seja advogado, visto que o procedimento arbitral demanda conhecimento dos aspectos formais da Lei de Arbitragem [93].

Na arbitragem institucional, as partes procuram uma entidade especializada em administrar os procedimentos arbitrais e adotam as normas de seu regulamento. Tal entidade conduzirá a arbitragem, administrando o procedimento arbitral e oferecendo apoio técnico, operacional e logístico [94].

Segundo a Cartilha de Arbitragem [95]:

As instituições arbitrais (câmaras, centros, institutos, etc.) são organizações privadas que administram o procedimento arbitral, procurando facilitá-lo, sem emitir qualquer julgamento sobre o conflito. Elas são responsáveis pela comunicação entre as partes e os árbitros, pelas correspondências, pelos documentos e pelas providências em geral, podendo arquivar cópias de todo o procedimento arbitral durante o seu curso. Além disso, cada instituição tem um regulamento, com as regras que devem ser seguidas pelas partes e pelos árbitros durante a arbitragem, para organizar o procedimento.

Conforme leitura dos parágrafos 1º e 2º do artigo 13 da Lei de Arbitragem [96], as partes poderão optar por um árbitro único ou por mais de um árbitro, sempre em número ímpar, caso ocorra a hipótese de número par, a lei delega a eles próprios escolherem mais um para solucionar o impasse.

Ensina Fróes [97]que "Todos os árbitros, quer os indicados pelas partes, quer os escolhidos pelas instituições arbitrais, de acordo com seus regulamentos, são obrigados a atender, rigorosamente, aos requisitos da independência e da imparcialidade".

1.8.1 Deveres e Poderes dos Árbitros

A Lei de Arbitragem, em seu artigo 13, § 6º [98], dispõe os deveres do árbitro. Sendo eles: imparcialidade, Independência, competência, diligência e discrição. Esses deveres podem ser definidos da seguinte maneira:

a)Imparcialidade – o árbitro não deve estar envolvido com as partes [99]. O julgador deverá guardar eqüidistância em relação às partes [100].

b)Independência – trata-se do princípio da persuasão racional ou livre convencimento motivado. Dessa forma o árbitro poderá formar seu livre convencimento de acordo com os autos e fundamentando sua decisão [101]. Espera-se que o árbitro seja autônoma e livre e que não tenha nenhuma subordinação com qualquer das partes [102].

c)Competência – referente à qualidade de ser capaz de apreciar e resolver certo assunto [103]. Conhecimento e experiência na matéria a ser discutida [104]. Espera-se que o árbitro seja especialista no assunto [105].

d)Diligência – o árbitro deverá exercer suas funções com presteza [106], agindo com cuidado e zelo na busca da solução arbitral [107].

e)Discrição – o processo arbitral deverá transcorrer em segredo, caso contrário o árbitro estará infringindo seu dever [108]. O árbitro deve guardar sigilo daquilo que toma conhecimento em razão da arbitragem [109].

O descumprimento de qualquer um desses deveres, aos quais o árbitro se submete ao aceitar o encargo, faz com que ele responda pelo prejuízo que vier a causar.

O artigo 18 da Lei de Arbitragem [110] dispõe que "o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário". Este dispositivo confere a decisão do árbitro força de sentença judicial.

O artigo 17 da Lei de Arbitragem [111] equipara os árbitros, para efeitos da legislação penal, aos funcionários públicos, quando no exercício de suas funções. Dessa forma os árbitros podem cometer crimes de funcionário público, bem como ser vítima de delitos contra funcionários públicos.

A lei não faz menção quanto à responsabilidade civil do árbitro, o que para Alexandre Freitas Câmara [112] é uma imperdoável lacuna que pode ser solucionada por meio do direito comparado, tomando como referência os sistemas adotados na Itália, na Argentina e na Espanha e ainda pelo artigo 927 [113] do Código Civil Brasileiro, segundo o qual "aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

1.8.2 Recursos

A decisão tomada por árbitros só se sujeita a recurso se as partes estabelecerem em convenção de arbitragem uma modalidade interna de revisão do laudo [114].

Não é cabível recurso ao Poder Judiciário, cabendo apenas os recursos que as partes venham a estabelecer quando da convenção de arbitragem (cláusula arbitral cheia ou compromisso arbitral), imperando a liberdade de contratar. Não havendo nenhuma previsão recursal, a sentença arbitral é final [115].

1.8.3 Impedimento e Suspeição

O árbitro está proibido de atuar em casos de suspeição e de impedimento. A Lei de Arbitragem não faz distinção entre esses institutos, conferindo-lhes o mesmo efeito, na obrigação de o árbitro se afastar quando qualquer deles ocorrer [116].

De acordo com o artigo 14 da Lei nº 9.307/96 [117],

Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

Os casos de impedimento e suspeição de juízes estão previstos nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil [118], in verbis:

Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

I - de que for parte;

II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

De acordo com o § 2º do artigo 14 da Lei nº 9.307/96 [119] as partes somente poderão recusar o árbitro se o motivo que levar ao impedimento ou a suspeição for conhecido posteriormente à sua nomeação, na hipótese de não ser o árbitro nomeado diretamente pela parte ou no caso do árbitro nomeado silenciar sobre o fato que possa gerar seu afastamento.

Uma vez indicado um árbitro para dirimir seus conflitos, não há mais como se arrepender, por esse motivo as partes devem se informar sobre árbitro, verificando se está presente algum motivo de suspeição ou impedimento. A razão de ser de tal dispositivo é evitar que as partes, por não mais convir, afastem o árbitro nomeado [120].

A arguição de recusa do árbitro deverá ser apresentada pela parte na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes. Se a exceção for acolhida o árbitro será afastado. É o que se entende da leitura dos artigos 15 e 20 da Lei nº 9.307/96 [121].

Verificamos as regras gerais da arbitragem, como se inicia, suas características principais e as características do árbitro. A seguir abordaremos sobre a sentença arbitral.

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Sobre a autora
Clariana Junqueira

Servidora Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNQUEIRA, Clariana. A possibilidade de execução, pelo juiz arbitral, de seus próprios julgados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3017, 5 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20137. Acesso em: 18 nov. 2024.

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