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Pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal.

Atuação do Ministério Público

23/12/1998 às 00:00
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São cada vez mais freqüentes por todo o país as notícias de pedidos de quebra de sigilo bancário e fiscal invocados tanto pela Polícia, como pelo Ministério Público, pelas CPI´s e pelo Fisco, sempre guardando o caráter de mecanismo de obtenção de elementos no âmbito investigatório, formadores do conjunto probatório a ser desnudado posteriormente em juízo através de ações penais, civis e fiscais, ou na respectiva Casa Legislativa perante seus membros julgadores.

Em face da singularidade da matéria e da utilização recente de tais instrumentos, as dúvidas surgidas são muitas e naturais. Entretanto, como início de abordagem do tema pode-se escolher uma premissa básica: o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal é apenas e tão somente um procedimento administrativo investigatório preliminar, não um processo ou uma ação cautelar inominada.

A quebra do sigilo bancário e fiscal decorre e visa instruir procedimento investigatório civil, tributário ou policial já em andamento. Tem caráter inquisitorial, sem contraditório, constituindo simples medida administrativa. Possui natureza cogente, que pressupõe para a eficácia das investigações também o sigilo. É o principal mecanismo nas investigações patrimoniais e financeiras, naturalmente necessárias em casos de sonegação fiscal, enriquecimento ilícito e corrupção, mas sobremodo relevante na apuração dos atos de improbidade administrativa elencados na Lei nº 8.429/92.

A Lei nº 9.034/95 confirma tal vertente quando diz em seu art. 2º, III, que em qualquer fase da persecução criminal são permitidos procedimentos de investigação e formação de provas alicerçados, dentre outros, no acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. Desde que autorizadas judicialmente as diligências investigatórias, adotando-se o mais rigoroso segredo de justiça (art. 3º).

Idem o Código Tributário Nacional, em seu art. 197, com o reforço dado pelo preceito do art. 8º da Lei nº 8.021/90, autorizando que o Fisco solicite junto às instituições financeiras informações sobre operações realizadas pelo contribuinte, inclusive extratos de contas bancárias.

Também as Comissões Parlamentares de Inquérito-CPI têm o poder de quebrar o sigilo bancário e fiscal diretamente do Banco Central e das instituições financeiras, no âmbito do inquérito instaurado e conduzido pelos parlamentares que as integram (art. 38, § 2º, Lei nº 4.595/64), independente de processo judicial.

Não fugindo a regra, o sigilo bancário, quando a serviço dos ímprobos e criminosos, é apresentado como um dogma incontestável e absoluto, o que não é verdade. O interesse público, por sinal motivo de agir do "Parquet", impera sobre o particular. A ordem geral restringe direitos individuais visando evitar dano para a sociedade.

Certo é que "não pode a ordem jurídica de um país razoavelmente civilizado fazer do sigilo bancário um baluarte em prol da impunidade, a favorecer proxenetas, lenões, bicheiros, corruptos, contrabandistas e sonegadores de tributos. O que cumpre ser feito é uma legislação cuidadosa que permita a manutenção dos princípios da privacidade e do sigilo de dados, sem torná-los bastiões de criminalidade. De resto, reza a sabedoria popular que quem não deve não teme. A recíproca é verdadeira" ((Sacha Calmon Navarro Coelho, "Caderno de Pesquisa Tributária", v. 18, Ed. Resenha Tributária, 1993, SP, p. 100).

Conforme expressão de Adroaldo Mesquita da Costa, em parecer como consultor da República, "o sigilo não é estabelecido para ocultar fatos, mas para revestir a revelação deles de caráter de excepcionalidade".

Centrando a análise na atuação ministerial, tem-se que o sigilo bancário e fiscal pode e deve ser quebrado mediante decisão judicial quando houver inequívoco interesse em se descobrir a verdade sobre fato maculado de ilicitude civil, penal, tributária ou administrativa, porquanto o que a lei veda é o fornecimento indiscriminado e imotivado de informações sigilosas.

Não há abuso de autoridade em tal providência - nem no pedido nem na decisão que o acolhe - se concedida a ordem no âmbito de inquérito civil ou policial, ou mais tarde, na fase processual. Ora, existindo indícios de ilícitos praticados, não há como negar a derrubada do sigilo, desde que resguardada posteriormente a divulgação das informações obtidas, circunscritas à extensão do pleito ministerial e à discussão judicial do assunto, sob as penas da lei (art. 38, § 7º, da Lei nº 4.595/64).

Não sendo o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal um processo ou uma ação cautelar inominada, mas uma medida judicial de permissão de investigação em documentos sigilosos, concedida em inquérito policial ou civil, não há que se falar em ampla defesa ou contraditório, e tampouco em exceção de incompetência ou recursos de agravo ou de apelação. Nesse sentido o STF assim decidiu (RT 715/549):

"A quebra do sigilo bancário não afronta o art. 5º, X e XII da Constituição Federal (Precedente: Pet. 577)."

"O princípio do contraditório não prevalece na fase inquisitória (HC 55.447 e 69.372; RE 136.239, inter alia)."

Portanto, em primeira conclusão, tem-se que é absolutamente admissível a quebra do sigilo bancário e fiscal visando instruir procedimento investigatório (inquérito civil ou policial).

Segundo, que não há contraditório ou exercício de defesa em tal procedimento, até pela sua natureza, posto que simples medida/procedimento administrativo investigatório.

Terceiro, não se aplica ao pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal o princípio do devido processo legal e seus consectários (contraditório e ampla defesa) vez que, como já dito, não se trata de processo, mas tecnicamente apenas de procedimento investigatório - sempre incidental vinculado ao inquérito civil ou policial - com o escopo único de apurar fatos, sem qualquer imposição de pena ou sanção. Longe, pois, da inteligência do art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal.

Atualmente no ordenamento positivo brasileiro, o único remédio processual posto à disposição do investigado é o mandado de segurança, que serve como freio contra as arbitrariedades e as investigações insubsistentes. Nesta fase, só o próprio investigado tem interesse legítimo para a tomada de qualquer medida, seja ele depositante, correntista, mutuário ou usuário do banco, pelo simples fato que é exclusivamente em seu favor que é erguido o sigilo, elevado pois à condição de direito subjetivo pela Constituição Federal, ainda que de modo genérico (art. 5º, inc. X). A instituição financeira, de sua parte, tem a obrigação de prestar, na forma determinada, as informações requisitadas, nem mais nem menos.

Por sua vez, é impertinente nos casos de quebra de sigilo bancário e fiscal qualquer discussão baseada no art. 5º, XII, da Constituição Federal, pois este trata exclusivamente do sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas e telefônicas, tendo sido esta última figura regulamentada a pouco tempo pela Lei nº 9.296/96.

O pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal, como apêndice de um inquérito civil ou policial, deve ser dirigido como procedimento administrativo ao Diretor do Foro - na Capital (Goiânia) o 1º Juiz Corregedor - requerendo que as informações sejam prestadas diretamente ao Ministério Público, seja pelo Banco Central, seja pelas instituições financeiras, seja pela Receita Federal, fazendo-o dessa maneira no intuito inclusive de restringir a circulação dos dados pleiteados.

A petição deve conter a qualificação dos investigados (informando principalmente os respectivos nº de CPF), o resumo dos achados e conclusões até então obtidos em investigação levada a cabo por meio de inquérito civil ou policial, a justificação para a realização dos levantamentos financeiros e patrimoniais dos investigados, o fundamento legal, além dos pedidos de quebra de sigilo bancário e/ou fiscal, se possível delimitando uma área de abrangência (ex: instituições financeiras com agências bancárias no Estado de Goiás, pois são mais de 200 entidades deste tipo no país) e estabelecendo prazo de resposta, requerendo por fim que as informações sejam prestadas diretamente ao Ministério Público ou que após juntadas aos autos, seja o procedimento devolvido integralmente para ser anexado ou apensado ao inquérito base.

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Ademais, no que concerne às informações bancárias e fiscais, deve a petição especificar o tipo de operação cujo sigilo se pretende remover (conta corrente/extratos, empréstimo, poupança, doc, investimentos, microfilmes de cheques, etc.) e o lapso temporal a ser abrangido pela investigação. O período também deve ser declinado em relação às declarações de imposto de renda.

Quanto à competência, embora o Banco Central e a Receita Federal sejam necessariamente acionados no pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal, isto por si só não tem o condão de deslocar para a Justiça Federal a atribuição para apreciar o caso, porquanto a competência é fixada segundo a espécie do patrimônio público lesado (no âmbito cível). Se da União, a Justiça Federal Comum. Se do Estado ou do Município, a Justiça Estadual. Não se enquadrando a hipótese nas situações elencadas no art. 109 da Constituição Federal, descarta-se a competência da Justiça Federal.

Em acórdão proferido em mandado de segurança impetrado por um dos envolvidos no denominado "escândalo BEG-Ayres Neto" contra decisão do Juiz Diretor do Foro da Capital que quebrou-lhe o sigilo bancário e fiscal, o Tribunal de Justiça de Goiás, através de sua 1ª C. Cível, assim se pronunciou, acatando na sua totalidade o entendimento ministerial:

"MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. COMPETÊNCIA. SUCEDÂNEO RECURSAL. OBJETO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. FUNDAMENTO.

I - A prestação de informações preliminares acerca de movimentação bancária de pessoa jurídica, determinada por autoridade judicial, não fulmina o objeto do writ porque tal medida visa instruir procedimento investigatório de natureza continuada; II - O writ é iniciativa correta para aquele que pretende contrapor-se à ordem judicial emanada de Juiz Corregedor que determina a quebra de sigilo bancário pleiteada em inquérito civil público; III - Autorizar quebra de sigilo bancário inclui-se na competência do Juiz Corregedor e Diretor do Foro, quando o pedido for formulado em inquérito civil público; IV – Em sede de procedimento de natureza meramente investigatória como é o caso de inquérito civil público, incabível invocar o princípio do contraditório e do devido processo legal; V - Devidamente fundamentado o pedido de quebra de sigilo, seu deferimento é imperioso. Segurança denegada em definitivo." (MS nº 6774-6/101, ac. de 04/06/96, rel. Des. Antônio Nery da Silva).

Finalmente, é bom lembrar que o sigilo não foi construído legalmente como uma barreira intransponível ou como um esconderijo inexpugnável para aqueles que transgridem as normas. Serve sim para preservar os negócios lícitos dos cidadãos, compreendendo-os como atos inerentes à sua vida privada, e para proteger interesses legítimos e de forma mediata o próprio bem-estar coletivo.

Nas palavras de Costa Manso: "O que a lei proíbe é a revelação ilegal, a que tenha por móvel a simples leviandade, a jactância, a maldade". E nessa vertente é que deve pautar-se a atuação ministerial.



BIBLIOGRAFIA

- "O Sigilo Bancário", Sérgio Carlos Covello, Edição Universitária de Direito, 1991
- Arquivo de Jurisprudência do TJ-GO
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Sobre o autor
Carlos Alexandre Marques

Promotor de Justiça em Goiás. professor de Direito Constitucional e Direito da Criança e do Adolescente na Faculdade Anhanguera de Anápolis/GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Carlos Alexandre. Pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal.: Atuação do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/202. Acesso em: 5 nov. 2024.

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