INTRODUÇÃO
Em 16 de junho de 2.011 entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº. 12.424, cujo texto trouxe em seu bojo alterações sobre a Lei nº. 11.977 que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e outros elementos legais relativos ao direito de moradia.
Não obstante, o artigo 9º da Lei em comento inovou no Código Civil Brasileiro de 2.002, introduzindo nele o artigo 1.240-A, que assim ficou escrito:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Ou seja, a relevante alteração introduziu nova forma de aquisição da propriedade por usucapião, que já vem sendo chamado de usucapião marital, conjugal, sumaríssimo, dentre outras denominações.
Em verdade, a par da denominação que restará como majoritária no gosto dos operadores do direito, o que realmente importa são as conotações práticas que tal modificação veio trazer no seio da ordem civil, o que se passa, sucintamente, a demonstrar agora.
IMPLICÂNCIAS LEGAIS E PRÁTICAS
De início, observa-se que a Lei não fez menção à determinação de casamento civil, equiparando, para os efeitos nela constantes, a união estável, dando consecução ao que determina a Carta Magna em seu artigo 226, § 3º.
Ainda que se assim não fosse, com a inclusão expressa da união estável no corpo do artigo, a tendência seria a interpretação extensiva de doutrina e jurisprudência no sentido acima aludido, haja vista tal interpretação estar consentânea com os ditames do Pretório Excelso.
Superada a questão do alcance do instituto, interessante observar a exigência da existência da posse direta para usufruto do benefício legal, o que não se encontra nas demais formas de aquisição da propriedade pela usucapião.
Com efeito, nas usucapiões dos artigos 1.238 a 1.240 e 1.243, não se exige detidamente a posse direta do bem, bastando, para a fruição da prescrição aquisitiva, a posse indireta, desde que com o conluio dos demais requisitos da posse ad usucapionem.
A questão, antes mesmo de ser somente de cunho técnico e acadêmico, tem como fito não dar ensejo a problemas reais, pois, se assim não fosse, cairia por terra o instituto, na medida em que a ausência física do cônjuge ou companheiro (a) que abandona o lar não lhe tolhe a posse indireta, o que seria o bastante para obstar a aquisição da propriedade. É dizer: a nova lei autorizou a declaração da usucapião de possuidor direito em face do indireto, o que até então não se admitia.
Portanto, para a aquisição da propriedade pela usucapião marital será necessária tão somente a posse direta, colocada, sobretudo, na primeira parte do artigo 1.197 do Código Civil.
Doutra banda, o prazo reduzido de 02 (dois) anos tem nítido escopo de fomentar a aquisição da propriedade ao reduzir sobremaneira os prazos já existentes. Isso porque, até então, o prazo mais exíguo para a aquisição da propriedade imóvel pela usucapião era de 05 (cinco) anos, como disposto até mesmo no Texto Constitucional.
Agora, o prazo introduzido pela Lei 12.424 é o menor para fins de usucapião no ordenamento pátrio, sendo menor até mesmo que a declaração nos bens móveis, historicamente com uma proteção estatal e importância mais tímida do que os bens móveis.
Conquanto a tal prazo, entendemos, haja vista a inexistência de regra em especial, deve ser tida a partir da entrada em vigor da Lei, como meio de dar azo à segurança jurídica e à possibilidade de tomada de medidas judiciais da pessoa que, atualmente, enquadra-se nos meandros passivos da Lei.
Pensar o oposto, ou seja, a aplicação retroativa do prazo é desprezar o conceito de estabilidade das relações jurídicas, na medida em que seriam pegos de surpresa os cônjuges e companheiros que estivessem fora da residência por mais de 02 (dois) anos, porém cônscios de que estariam seus interesses patrimoniais preservados.
O tamanho do imóvel, até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) não é novidade no ordenamento jurídico, estando elencado em outras passagens legais, como, por exemplo, os artigos 183 da Constituição e 1.239 do Código Civil. Da mesma forma é a impossibilidade da aplicação do novo instituto àquele que já detinha outra propriedade, o que se lê no parágrafo primeiro do artigo 1.240-A do Código Civil, com redação também dada pelo artigo 9º da Lei 12.424 de 16 de junho de 2.011.
Aliás, quando se diz em propriedade de bens imóveis não se pode perder de vista o que dispõe o artigo 1.245 do Código Civil, ou seja, para a declaração da comentada modalidade de usucapião, necessária é a existência de propriedade legalmente estipulada para ambos os cônjuges ou companheiros.
Esta premissa, assim, visa extirpar maiores dúvidas conquanto à sujeição passiva na futura ação, sendo, evidentemente, em face do outro proprietário, ou seja, cônjuge ou companheiro que abandonou o lar.
Ainda dentro deste mote, certamente questões das mais variadas vão surgir, como, por exemplo, a inexistência do registro do contrato ou escritura na certidão de matrícula do imóvel, podendo, para sanar tal situação, como pensamos, ocorrer a sujeição passiva também da (s) pessoa (s) constantes na matrícula do imóvel.
O abandono do lar, outrossim, é requisito subjetivo e pode trazer revolvimento tortuoso da atribuição da culpa na dissolução da sociedade conjugal, cujo afastamento doutrinário de há muito, restou corroborado pela Emenda Constitucional nº. 66 de 13 de julho de 2.010. Desta forma, melhor seria a atribuição de um lapso temporal mais extenso, de modo a dificultar o levantamento de questões de cunho subjetivo na aplicação do instituto.
De mais a mais, o elemento subjetivo existe e deve ser ponderado dentro de cada caso concreto pelo Magistrado que, é bom frisar, estará a julgar um caso de direito real e não e família, ainda que as influências neste ramo sejam inevitáveis.
CRÍTICA À INOVAÇÃO LEGAL
Como não poderia deixar de ser, a novel lei traz algumas incongruências dentro do próprio Código Civil, fazendo surgir técnicas de resolução de antinomias jurídicas que podem ser de grande valia.
Ora, consoante os artigo 197, I, e 1.244. ambos do Código Civil, a aplicação das regras de prescrição aplicam-se aos casos da usucapião e, por sua vez, o prazo da prescrição não corre sob o manto da constância da sociedade conjugal.
Indo mais além ainda, pode-se dizer que a sociedade conjugal não vai se dissolver pelo abandono do lar por um dos cônjuges, haja vista a dissolução apenas ocorrer com a morte, nulidade ou divórcio, consoante a leitura feita ao artigo 1.571 do Código Civil após o advento da Emenda Constitucional nº. 66, o que fortaleceria a imposição da proibição da fruição da prescrição aquisitiva entre os cônjuges.
Entretanto, como ocorreu, inclusive, com a própria Emenda Constitucional nº. 66, que, embora não tenha retirado expressamente a figura da separação judicial do ordenamento jurídico pátrio, dificultou sobremaneira sua incidência, a ressalva conquanto a aplicação da prescrição aquisitiva durante a sociedade conjugal há de ser vista com base nos critérios cronológicos e da especialidade, pois, a uma, a lei logicamente é posterior e, a duas, a ressalva da aplicação do artigo 197, I, apenas teria sentido à prescrição aquisitiva da usucapião instituída pela Lei 12.424.
SÍNTESE CONCLUSIVA
Enfim, engatinhando ainda no ordenamento jurídico pátrio, grandes discussões acerca da correta aplicabilidade da mencionada lei ainda surgirão, em especial em questões com envolvimento do direito de família, devendo-se aguardar o posicionamento da jurisprudência e da doutrina especializada para maiores e mais seguras considerações.
No mais, ao que parece, a Lei veio para ter grande incidência nos dias hodiernos das Varas Cíveis Brasil a fora, haja vista a grande ocorrência de casos onde o postulado legal se enquadra.
BIBLIOGRAFIA
VENOSA, Silvio de Salvo. Código civil interpretado. – São Paulo: Atlas, 2010.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. – São Paulo: Editora Método, 2011.