Pode-se afirmar, inicialmente, que os direitos sociais representam as liberdades positivas, ou seja, têm o objetivo de gerar a melhoria das condições de vida aos cidadãos, tendo em vista à concretização da igualdade social. [01] Dessa forma, é importante destacar que os direitos sociais encontram-se dispostos no art. 6º da Constituição Federal de 1988, que assim estabelece: "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". [02]
Um tema relacionado à análise da concretização dos direitos sociais é a chamada "textura aberta dos direitos" (open texture). [03] Tal conceito parte da idéia de que a sociedade, ao longo do tempo, deve decidir quais direitos sociais devem receber maior ou menor atenção, de acordo com suas necessidades atuais. Dessa forma, a textura aberta e flexível dos direitos sociais permite que eles não permaneçam fossilizados e que eles possam ser adaptados ao longo dos anos, de acordo com as necessidades mais importantes da sociedade num dado momento histórico. [04]
No que concerne à concretização dos direitos sociais, cumpre destacar que o Poder Executivo e o Poder Legislativo exercem um papel preponderante na concretização desses direitos, seja por meio da promoção de políticas públicas, seja por meio da edição de leis. Por outro lado, no que tange ao papel do Poder Judiciário, há argumentos contra e a favor de sua intervenção para a concretização dos direitos sociais. Entre os argumentos favoráveis, pode-se sustentar a falta de confiança da população no Poder legislativo. Além disso, o Poder Judiciário, ao intervir para a concretização dos direitos sociais, estaria apenas exercendo sua função típica. [05]
Já os argumentos de forma contrária à intervenção do Poder Judiciário para a concretização dos direitos sociais são no sentido de que os direitos sociais seriam apenas normas programáticas. Ademais, a participação ativa do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais violaria a separação dos poderes, já que o Poder Judiciário não teria representatividade, já que seus membros não são eleitos. [06]
Tal linha de raciocínio sobre a falta de representatividade do Poder Judiciário já foi objeto de análise em outras oportunidades, quando se discutiu o controle de constitucionalidade exercido pelos juízes. Cita-se trecho de um estudo que trata sobre esse assunto: [07]
"o controle de constitucionalidade exercido por meio de um órgão jurisdicional levantou um grave problema teórico, qual seja, o fato de um juiz ou tribunal investido das faculdades desse controle assumir uma posição eminentemente política. Com efeito, o órgão jurisdicional, ao adquirir a supremacia decisória, no tocante à verificação da constitucionalidade dos atos do poder executivo e legislativo, estaria tutelando o próprio Estado. Os que se manifestam de forma contrária a esse tipo de controle jurisdicional de constitucionalidade sustentam que esse controle prejudicaria a separação e o livre exercício dos poderes. Mas, em geral, o controle jurisdicional de constitucionalidade é bem visto. BONAVIDES afirma, ainda, que não há dúvida de que o controle jurisdicional se compadece melhor com as constituições rígidas e, sobretudo, como centro de sua inspiração primordial, qual seja, a garantia das liberdades públicas, a guarda e a proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam irrenunciáveis. Pode-se assim dizer que o controle jurisdicional é a base de sustentação do Estado de Direito, onde ele se alicerça sobre o malfadado formalismo hierárquico das leis"
Não se pode deixar de se mencionar, ao se falar sobre concretização dos direitos sociais, da cláusula da "reserva do possível" que, em síntese, pode ser entendida como uma limitação à concretização dos direitos sociais imposta pela existência de limites orçamentários para o atendimento de todas as demandas sociais (as necessidades humanas são infinitas e os recursos escassos). Ademais, a cláusula da reserva do possível exige a análise da razoabilidade da pretensão deduzida com vistas a sua efetivação. [08]
Também em relação a esse tema, é oportuna a leitura da decisão da ADPF nº 45, que assim estabeleceu: [09]
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). DECISÃO: (...) A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental." (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar): "Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível." (grifei) Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL ("Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha", p. 22-23, 2002, Fabris): "A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado ‘livre espaço de conformação’ (...). Num sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais." (grifei) (ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191)
É importante, ainda, se ter em mente que não se pode confundir a idéia da "reserva do possível" com a chamada "reserva do impossível", que se trata da impossibilidade de se anular uma situação fática decorrente de decisão política de caráter institucional sem que ocorra uma agressão ao princípio federativo. [10] Sobre essa questão, é oportuna a leitura da seguinte decisão do STF:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.619/00, DO ESTADO DA BAHIA, QUE CRIOU O MUNICÍPIO DE LUÍS EDUARDO MAGALHÃES. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL POSTERIOR À EC 15/96. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR FEDERAL PREVISTA NO TEXTO CONSTITUCIONAL. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 18, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. OMISSÃO DO PODER LEGISLATIVO. EXISTÊNCIA DE FATO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA DA JURÍDICA. SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO, ESTADO DE EXCEÇÃO. A EXCEÇÃO NÃO SE SUBTRAI À NORMA, MAS ESTA, SUSPENDENDO-SE, DÁ LUGAR À EXCEÇÃO --- APENAS ASSIM ELA SE CONSTITUI COMO REGRA, MANTENDO-SE EM RELAÇÃO COM A EXCEÇÃO. 1. O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, há mais de seis anos, como ente federativo. 2. Existência de fato do Município, decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada --- embora ainda não jurídica --- não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro de 1.996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional. 6. A criação do Município de Luís Eduardo Magalhães importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. 7. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção --- apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10. O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI n. 725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4º do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei n. 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia. (ADI 2240, Relator (a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007, DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02283-02 PP-00279) [11]
No caso da ADI supracitada, a situação fática é a existência de fato (e não de direito) do município que se derivou da criação do mesmo (decisão política de caráter institucional). Já a agressão ao princípio federativo ocorreria com a supressão da autonomia deste novo ente político. [12]
Passa-se, agora, a análise sucinta das dimensões da reserva do possível. SARLET (2008) sustenta a existência de 03 (três) dimensões: a) 1ª dimensão: possibilidade fática, ou seja, deve-se analisar se o Estado possui recursos necessários para o atendimento dos direitos sociais de todos aqueles que necessitam, ou seja, deve-se analisar a demanda a luz do princípio da isonomia e da possibilidade de universalização da prestação; b) 2ª dimensão: é a possibilidade jurídica, que envolve a limitação orçamentária (princípio da legalidade do orçamento) e a análise das competências federativas. Em síntese, analisa-se basicamente 02 (dois) aspectos: a existência de orçamento e a quem cabe atender a demanda, se a União, Estado, Município ou DF; e 3ª dimensão: é a análise da proporcionalidade da prestação e razoabilidade da exigência. [13]
Outro ponto imprescindível para a análise da concretização dos direitos sociais refere-se ao chamado "mínimo existencial". O mínimo existencial representa o conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida digna. É o mínimo que deve ser atendido para que uma pessoa tenha uma vida digna. O mínimo existencial tem como ponto de partida 03 (três) normas constitucionais: a) liberdade material; b) dignidade da pessoa humana; e c) Princípio do estado democrático de direito. [14]
Deve-se, ainda, ao se falar da concretização dos direitos sociais, mencionar o princípio da "vedação do retrocesso social", também conhecido como efeito cliquet, que não é expresso na CF/88, mas pode ser extraído a partir dos princípios constitucionais da segurança jurídica, da dignidade da pessoa humana, da máxima efetividade e do Estado democrático e social de direito. Sobre o princípio da vedação do retrocesso social, há uma corrente que sustenta que o direito social concretizado passa a ter um status constitucional, ou seja, uma vez regulamentado determinado dispositivo constitucional de índole social, o legislador não poderia, em um momento posterior, retroceder no tocante à matéria, revogando ou prejudicando um direito antes concretizado. Dessa maneira, firma-se a idéia de que o grau de concretização dos direitos sociais não pode ser objeto de um retrocesso. [15]
Por outro lado, é importante destacar que MIRANDA (2000) defende que a vedação do retrocesso impede apenas a revogação de uma norma concretizadora de um direito social quando ela for arbitrária ou existir uma irrazoabilidade manifesta. Dessa maneira, entende ser possível haver uma redução do grau de concretização, não admitindo a arbitrariedade ou irrazoabilidade da redução dessa concretização. [16]
Por todo o exposto; sem a menor pretensão de se esgotar o presente tema; entende-se, salvo melhor juízo, que essa redução no grau de concretização dos direitos sociais, desde que não haja arbitrariedade ou irrazoabilidade, é possível e está de acordo com a própria idéia da textura aberta dos direitos sociais, não violando, assim, o princípio da vedação do retrocesso social.