Assim que entrou em vigor - 21 de julho de 2008 - a Lei estadual nº 13.160 (SP) que autorizava os tabelionatos de protesto de títulos a incluírem no rol dos protestos comuns também os créditos condominiais oriundo de quotas de rateio de despesas e aplicação de multas e os recibos de alugueres, este subscritor tratou de elaborar artigo sobre tão delicada matéria.
Na época, posicionamo-nos contrários à inclusão destas novas despesas a um conjunto de outros títulos com naturezas completamente diversas e em completa dissonância com aquelas dos boletos condominiais e de alugueres.
Felizmente, apesar das críticas naquele momento, nosso posicionamento estava em conformidade com a melhor Jurisprudência e foi coroado pelo recente julgamento de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0209782-04.2010.8.26.000 julgado pelo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo da lavra do insigne Desembargador Relator José Roberto Bedran em 25/05/2.011.
A decisão por 22 votos a 2 em favor da declaração de inconstitucionalidade da referida lei, abordou sobretudo o aspecto de impossibilidade de uma Lei Estadual pretender legislar em matéria que caberia exclusivamente ao legislador federal.
A grande maioria dos Desembargadores votantes concluiu que permitir o protesto de um boleto de aluguel com o contrato de locação, significaria permitir que uma Lei Estadual interferisse na legislação comercial e civil federal. A extensão do mesmo raciocínio às despesas condominiais é questão de lógica.
Não se debateram os aspectos positivos do Instrumento de Protestos nas cobranças, que são poderosos aliados em qualquer tipo de cobrança e foram inclusive enaltecidos no julgamento.
O que se percebeu nesta decisão, foi que a Constituição Federal limita a competência em matérias de legislação civil e comercial e, a Lei Paulista 13.160 pretendeu justamente invadir esta seara, como que alterando estendendo as hipóteses de títulos protestáveis.
Dentro do contexto do sistema legal que já existe em nosso país sempre foi possível observarmos conflito com o Código de Processo Civil (Lei Federal nº 6.015/73) e com a própria Constituição Federal de 1.988.
A explicação é simples: ao ser tomada como título "protestável" e, portanto, passível de lançamento do nome dos devedores em órgãos de restrição de crédito além dos outros nefastos efeitos do Protesto em si, a despesa condominial passará a ganhar conotação dos chamados Títulos Executivos Extrajudiciais.
O Protesto por sua vez, é um remédio de natureza de título de crédito, mais especificamente cartular, pois destina-se a comprovar inadimplemento e/ou recusa de aceite em obrigações cartulares, como bem aduziu o Desembargador Bedran.
Com vistas à isso, tomemos ainda o fato de que os títulos executivos estão listados no artigo 585º do Código de Processo Civil, que é lei federal, e, constituem inequívoca matéria de Direito Comercial e Direito Civil.
As quotas condominiais não fazem parte da lista do artigo 585º do C.P.C., dos Códigos Civil e Comercial ou da Lei nº 4.591/64 (Lei anterior que regia as relações em condomínios edilícios), ou seja, se não havia qualquer alusão a possibilidade de protesto de quotas condominiais, a Lei Estadual em debate pretendeu criar novo mecanismo equiparando-as àquelas previstas na legislação federal já existente.
Ocorre que, o artigo 22º, I da Constituição Federal de 1.988 assegura competência privativa da UNIÃO FEDERAL para legislar sobre matérias de Direito Civil e Comercial, logo, nunca poderia ter sido o presente debate, objeto de uma Lei Estadual.
A incongruência seria tamanha, que a quota condominial passaria a ser objeto do protesto, mas não poderia compor a Ação de Execução de Título Extrajudicial, já que esta Ação está vinculada aos títulos previstos no artigo 585º acima mencionado, de onde estão excluídas as quotas condominiais mensais.
Tecnicamente falando, o que ocorreu no presente caso foi a mácula da reserva legal constitucional do direito de legislar sobre determinada matéria, ou seja, a União Federal tinha reservada a competência de legislar sobre matéria cambiária, por ser de Direito Comercial e Civil e, ainda assim, o Estado de São Paulo decidiu legislar por conta própria incluindo recibos de aluguel e quotas condominiais dentre os títulos passíveis de protesto.
Mesmo quando classificamos os títulos protestáveis entre os chamados "títulos de crédito", mesmo aí, a hipótese é de matéria de Direito Empresarial, logo, vinculada ao Direito Comercial e, portanto, novamente de competência privativa da União Federal, nunca dos Estados da Federação.
Enfim, além de todos os riscos que o protesto de um título "não-executivo" já traria aos condomínios – matéria devidamente examinada em nosso artigo "O PROTESTO E A NATUREZA DA DESPESA CONDOMINIAL NOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS (LEI ESTADUAL 13.160)" – era previsível a problemática de competência legislativa que acabou se desenhando.
Aos Condomínios que decidiram arriscar a via do protesto antes de firmada a matéria, restará responder por danos eventualmente causados a condôminos protestados sem o direito de sequer responderem a uma Ação de Cobrança de Quotas Condominiais prévia.
Aos mais precavidos e que, preferiram aguardar o posicionamento jurisprudencial de tão controvertida questão, fica a satisfação e sensação de terem preservado, na dúvida, a integridade da honra, imagem e vida privada dos condôminos que os compõem.
O que podemos concluir é que foi com acerto que o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a Inconstitucionalidade da referida legislação estadual e que, ainda que a matéria chegue a 3ª Instância, o que se vislumbra é o mesmo destino.