CAPÍTULO II – A MORALIDADE COMO CONDIÇÃO IMPLÍCITA DE ELEGIBILIDADE
1.Condições de Elegibilidade (sufrágio passivo)
A elegibilidade relaciona-se à capacidade eleitoral passiva,
à capacidade de ser eleito. Poder-se-ia definir o direito de sufrágio passivo
como o direito individual
de ser elegível para um cargo público. No entanto, para ser eleito primeiro
deve-se ser declarado candidato. Destarte a definição anterior torna-se
incompleta e, por isso, falaciosa, uma vez que, em princípio, não poderia
acontecer, e no Brasil acontece o fato de ser perfeitamente elegível (pelo fato
do candidato a candidato reunir todos os requisitos de elegibilidade e não
incorrer em inelegibilidade) e ainda assim não poder
utilizar o direito por que não foi concedido ao indivíduo, mas sim aos
partidos, o poder de nomear os candidatos. Da mesma forma demonstraremos neste
trabalho que pode o candidato a candidato preencher os requisitos formais e
extrínsecos e não ser candidato por carecer da condição implícita e
essencial a moralidade. Nasce então uma definição mais completa, entendendo
que o direito de sufrágio passivo é o direito individual a ser elegível e de
apresentar-se como candidato em eleições a cargos públicos.
A titularidade do direito em si e as condições para seu exercício não coincidem com as condições do direito de sufrágio ativo, mas desde logo ser eleitor é condição para ser votado, estabelece o art. 14 § 3º, III da Constituição. Acontece que os rigores para aqueles que se presentam como eleitores devem ser menores dos que incidem naqueles que pretendem representarem toda uma sociedade.
A elegibilidade é regida por normas que dizem respeito aos direitos políticos positivos, uma modalidade dos direitos políticos. Para aclarar, mister expor algumas conceituações.
José Afonso da Silva [60] conceitua direitos políticos nestes termos:
Assim, o direito democrático de participação do povo no governo, por seus representantes, acabara exigindo a formação de um conjunto de normas legais permanentes, que recebera a denominação de direitos políticos. A Constituição traz um capítulo sobre esses direitos, no sentido indicado acima, como conjunto de normas que regula a atuação da soberania popular (arts. 14 a 16). Tais normas constituem o desdobramento do princípio democrático inscrito no art. 1º, parágrafo único, quando diz que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.
No conceito de Djalma Pinto [61] direitos políticos "são aqueles que credenciam o cidadão para exercer o poder da escolha dos responsáveis pelo comando do grupo social".
O direito de votar e ser votado é o núcleo fundamental dos direitos políticos o que leva o citado autor a desmembrá-los em duas modalidades quanto ao seu exercício:
Essa característica fundamental dos direitos políticos possibilita falar em direitos políticos ativos e direitos políticos passivos, sem que isto constitua divisão deles. São apenas modalidades do seu exercício ligados à capacidade eleitoral ativa, consubstanciada nas condições do direito de votar, e à capacidade eleitoral passiva, que assenta na elegibilidade, atributo de quem preenche as condições do direito de ser votado. Os direitos políticos ativos (ou direito eleitoral ativo) cuidam do eleitor e sua atividade; os direitos políticos passivos (ou direito eleitoral passivo) referem-se aos elegíveis e aos eleitos. A distinção tem alguma importância prática, porque gera direitos fundados em pressupostos peculiares [62].
Os direitos políticos ativos e passivos são desdobramentos de outra classificação, qual seja: direitos políticos positivos e negativos.
Para o referido constitucionalista os direitos políticos positivos se referem ao conjunto de normas que garantem o direito público e subjetivo [63] de partição no processo político, seja na modalidade ativa (votar), ou passiva (ser votado) não sendo confundidos com os direitos políticos negativos que têm seu núcleo nas inelegibilidades, assim conceituados:
Denominamos direitos políticos negativos àquelas determinações constitucionais que, de uma forma ou de outra, importem em privar o cidadão do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais. São negativos precisamente porque consistem no conjunto de regras que negam, ao cidadão, o direito de eleger, ou de ser eleito, ou de exercer atividade político-partidária ou de exercer função pública [64].
Superada as questões terminológicas, ficou assentado que a elegibilidade diz respeito ao direito de postulação por um mandato eletivo. O texto constitucional prevê as condições de elegibilidade, que a doutrina, cujo expoente é Adriano Soares da Costa [65], costuma distingui-las em próprias e impróprias. Segundo o art. 14, § 3º da Constituição são condições próprias: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição do pleito, a filiação partidária e a idade mínima exigível. São condições impróprias: a alfabetização (art. 14, § 4º, da Constituição), as especiais para os militares (art. 14, § 8º), a indicação pelo partido ou convenção (art. 94, § 1º, inciso I, do Código Eleitoral), e a desincompatibilização (art. 14, §§ 6º e 7º, da Constituição de 1988). Nesta quadra, é de se concluir que as condições de elegibilidade presentes no texto constitucional não são taxativas, pois é possível, além daquelas denominadas próprias do art. 14, § 3º, outras espalhadas em dispositivos constitucionais diferentes, além de poderem ser impostas infraconstitucionalmente, é o que se constata com a afirmação do citado autor (Costa) [66] que "[...] do ponto de vista substancial, são condições de elegibilidade os pressupostos fixados pelo ordenamento para a obtenção do direito de ser votado".
Para tanto, e a guisa de reflexão, a jurisprudência inovou com o caso que se deu por conhecer como o Caso de Viseu. A decisão do TSE reconheceu a inelegibilidade oriunda de uma relação homoafetiva entre a candidata ao cargo de prefeito com a prefeita reeleita daquele município do Pará, para tanto se fundamentou no art. 14, § 7 que tem a seguinte letra:
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Eis a ementa do acórdão nº 24.564/TSE:
Registro de candidato. Candidata ao cargo de prefeito. Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º, da Constituição Federal.
Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art.14, § 7º, da Constituição Federal.
Recurso a que se dá provimento. (BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Respe.24.564. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJU. 01/04/2004)
Aqui vemos um avanço na defesa dos direitos das minorias já que a Superior Corte Eleitoral considera que as uniões homossexuais devem ser albergadas no conceito de família fundada sobre o afeto, mas parece haver passado despercebido ao Ministro Gilmar Mendes que reconhece também que existem sim condições implícitas de inelegibilidade advindas de interpretação constitucional.
Diferentemente das inelegibilidades, e isso é importante destacar, as condições de elegibilidade, não são uma restrição do direito de participação no processo eleitoral, como bem ressalta Adriano Soares [67].
Ora, para que haja limitação ou restrição de direito, é necessário que haja o direito limitado ou restringido. Assim, se admitimos, por necessidade lógica de explicação do ordenamento, que a elegibilidade é o direito de ser votado, não poderemos deixar de acatar a afirmação de que as condições de elegibilidade são pressupostos da validade do ato jurídico do qual a elegibilidade dimana: o registro de candidato. De conseguinte, não são, as condições de elegibilidade, limitações ou restrições ao direito de ser votado, mas suportes fáticos de sua existência e validade.
Desta feita, se as normas que versam sobre as condições de elegibilidade não são restritivas de direitos, não há necessidade de disposição expressa de lei que as imponha, abrindo assim a possibilidade de serem verificadas condições implícitas de elegibilidade na Constituição Federal de 1988, ou mesmo no próprio ordenamento jurídico, como a moralidade constitucionalmente juridicizada, que se passará a analisar adiante:
RE 156.400, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5-6-95, DJ de 15-9-95). No mesmo sentido: RE 233.303, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 27-5-08, DJE de 1º-08-08. (NOGUEIRA JÚNIOR, disponível na internet via: <http://jusvi.com/artigos/29386>. Consulta em 20/11/2009)Concurso público - Inscrição - Vida pregressa - Contraditório e ampla defesa. O que se contém no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, a pressupor litígio ou acusação, não tem pertinência à hipótese em que analisado o atendimento de requisitos referentes à inscrição de candidato a concurso público. O levantamento ético-social dispensa o contraditório, não se podendo cogitar quer da existência de litígio, quer de acusação que vise a determinada sanção. (
O que se vê é que, mesmo que tenha aprovado outras fases do certame, para posse em cargo não eletivo é exigido ao candidato que comprove sua idoneidade enquanto que para ocupar cargos eletivos basta a não existência de condenação com trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Permitindo assim que o direito do indivíduo que busca com sua candidatura eleger-se como única forma de assegurar o foro diferenciado por prerrogativa de função que em suma significa imunidade parlamentar, sobreponha-se ao interesse da coletividade em ter dentre os políticos pessoas de moral administrativa comprovada e compatível com cargos de maior poder de discricionariedade.
Situação díspar é a das inelegibilidades que, sendo normas restritivas de direito, necessitam ser veiculadas por lei, e com maior rigidez, via lei complementar, por expressa disposição do § 9º, do art. 14, da Constituição "Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".
2.A Eficácia da Moralidade Constitucional no Âmbito dos Direitos Políticos Positivos de Sujeição Passiva
O Brasil, nas palavras de Oscar Dias Corrêa [68], perdeu a noção de dignidade da vida pública, da atividade política, perdeu-se a noção de interesse público, de bem comum, confundindo alguns, muitos, o erário e o próprio cofre, para retirar daquele para este o que pudessem, como pudessem, no menor prazo possível, nem mesmo guardando regras que ‘a arte de furtar’ aconselha aos que a praticam; apropriando-se, deslavadamente, da coisa pública, valendo-se dos cargos para o proveito próprio e o enriquecimento rápido.
Neste sentido, já asseverava Rui Barbosa [69]
Mas a política brasileira é radicalmente amoral, é, convencida e professamente, imoral. Renegou a moral, fez voto de imoralidade, e vive encharcada na desmoralização, como no seu elemento. Renegou a moral, estabelecendo como coisas distintas duas leis de moralidade: uma para os indivíduos, outra para o Estado. Renegou a moral, separando o homem público do homem privado. Como se pudesse haver numa só criatura duas consciências, duas naturezas, duas pessoas. Como se, ainda admitida essa dualidade, estando as duas em contato, as metades juntas de um só todo, pudessem as mazelas de uma, as suas chagas, as suas lepras deixar de contagiar a outra.
A Carta Política de 1988 constitucionalizou a moralidade como princípio basilar da Administração Pública, estando intimamente ligada ao conceito de bom administrador, uma verdadeira norma de comportamento leal, um modelo de conduta social, arquétipo ou modelo jurídico, a qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta aos padrões de honestidade, lealdade e probidade. Como bem assentou Hely Lopes Meirelles [70], a moralidade passou a integrar o Direito como elemento indissociável na sua aplicação e sua finalidade, erigindo-se em fator de legalidade. Em outros termos, recorrendo-se a Tércio Sampaio Ferraz Júnior [71], tem-se que "O direito, em suma, privado de moralidade, perde seu sentido [...]".
Desde então, ressurgiu a indagação da moralidade na política, e sobre se é aceitável política sem moral, ou amoral, ou imoral, e a discussão ganhou mais extensão e profundidade quando da nova hermenêutica constitucional de conferir eficácia às normas constitucionais, cuja expressividade foi alcançada na Consulta 1.621 do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba ao Tribunal Superior Eleitoral quanto a exigência de moralidade para ser candidato, oportunidade em que o então Ministro Presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, proferiu voto digno de um jurista que ocupa cadeira na mais alta Corte Judicial do Brasil.
O eminente ministro deixou consignada uma brilhante exposição sobre o assunto, iniciando o seu voto com argumentos que diferenciam os direitos políticos dos demais direitos fundamentais, concluindo pela necessidade de moralidade para ocupação dos cargos eletivos, abre um novo paradigma de entendimento acerca da temática dos direitos políticos, fazendo nítida distinção entre "direitos políticos" (caráter coletivo) de "direito individual" (caráter individual), conforme documento anexo.
Para o ministro, conceber de outra forma traria como conseqüência tornar a Constituição ineficaz, entendimento que se aproxima com o que inspirou Konrad Hesse [72].
Porém, apesar do brilhantismo e profundidade jurídica do voto de Carlos Ayres Britto acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e Felix Fischer, sem contar com toda a sociedade, acabou vencido pelo voto do relator Ari Pargendler e do voto de vista do ministro Eros Grau que dentre outros argumentos sustentou a necessidade do trânsito em julgado da sentença condenatória, por força do que dispõe o art. 5º, LVII, "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", por ser direito fundamental do indivíduo aplícável também àqueles que concorem a cargos eletivos, mesmo após o fio condutor do voto de Ayres Britto ter demonstrado a particularidade dos direitos políticos, até mesmo porque o dispositivo do art. 5º, LVII, refere-se textualmente a sentença na esfera penal. Aqui a grande lacuna interpretativa. O registro de candidatura insere-se na esfera administrativa, não civil ou penal.
No direito penal averigua-se o dolo, a premeditação, o animus delinquendi. No direito civil a boa-fé, a culpa, o dolo como elementos subjetivos. Valhe-se o ordenamento jurídico pátrio do princípio do livre convencimento motivado do magistrado como via à realização da justiça, como forma de revelar o fim especial perquirido pelo agente.
Aqui se discute eleições e o munus público, discorre-se a respeito da coisa de todos, da res pública. Se o cidadão é submisso à justiça quando esta tem como escopo averiguar a intenção do agente e se do seu ato cabe sanção, conforme a decisão fundamentada que determinou a intenção do agente, como não esperar que essa mesma justiça possa aferir a moralidade do candidato quando este intenta representar toda a sociedade. Especialmente num sistema represerntativo como o nosso onde o político pode ser eleito de forma proporcional ou seja, representa também aqueles que não lhe passaram poderes através do voto. Não olvidemos que direito político passivo, materia administrativa, depende que determinadas condições sejam implementadas pelo "candidato a candidato", condições explícitas como o domicilio eleitoral, a maior idade, ser alfabetizado, a filiação partidária e implícitas como a moralidade administrativa condizente com o desmpenho do cargo ou função, tal como ateriormente mencionado. RESTA INCONTESTE QUE A NEGATIVA DO REGISTRO DE CANDIDATURA NÃO FERE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. Não são poucas as referências encontradas na legislação alienígena, conforme anexo, no afã de coibir imoralidade no processo eleitoral, bem como indivíduos que carecem de moralidade para assimir cargo público eletivo.
Destaca-se que a Consulta 1.621 se direcionou no sentido da possibilidade de indeferimento de registro àqueles que tinham contra si processos criminais, ações de improbidade administrativa etc em curso – vida pregressa ou anteacta do candidato –, suscitando-se inclusive a possibilidade do TSE baixar uma resolução – que tem força de lei ordinária –, para disciplinar a matéira, haja vista o entendimento jurisprudencial, no âmbito dos tribunais eleitorais de segunda instância que o princípio da moralidade e da probidade administrativa constantes no § 9º do art. 14 da Constituição de 1988, são valores éticos autônomos, revestidos de aplicabilidade por serem normas e não de qualquer categoria, são de jaez contitucional e quando inobservados pelo agente público, este incorre numa falta de condição de elegibilidade constante da intepretação sistemática dos dispositos do referido artigo combinado ainda com o que dispõe o art. 37, caput e § 1º da CF.
Em outros termos a moralidade por esta interpretação é uma condição implícita de elegibilidade que, diferente das inelegibilidades só pode ser regulada por lei complementar, conforme comenta Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira e Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira [73]:
Assim, na ausência de lei específica para a regulamentação da vida anteacta no artigo 14, parágrafo nono, pergunta-se: poderia a Justiça Eleitoral ser corretiva, leia-se, na ausência de norma legal interpretar o que seria vida anteacta/pregressa ou estaria ela sendo legislador positivo?[...]
Continua seu argumento afirmando que:
[...] Se a Justiça Eleitoral, pelo TSE, entender moralidade eleitoral como condição de elegibilidade implícita é possível; se entender como inelegibilidade – regulamentação (espécie sui generis de mandado de injunção) do artigo 14, parágrafo nono é inconstitucional tal entendimento[...]
Diz ainda:
[...] Não se pode confundir inelegibilidade com condições de elegibilidade e nesta última a Justiça pode incidir. Trata-se do famoso caso "Eurico Miranda". Apesar do TSE, por 4 a 3, ter votado por sua candidatura (lembrando que perdeu nas urnas), extraímos uma grande lição do Ministro Carlos Ayres Britto, na qual a "moralidade pública" seria uma CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE IMPLÍCITA, leia-se, um princípio-político constitucional tácito do sistema.
Além da aparente derrota da tese no âmbito do TSE, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a manifestar-se sobre a auto-aplicabilidade da norma do § 9º do art. 14 da Constituição em contraposição ao entendimento sumulado do TSE no verbete de nº 13 que dispõe "Não é auto-aplicável o § 9º do art. 14 da Constituição, com redação da EC/94, a qual não afastou a criação de jurisprudência pioneira do TSE, na relatoria do ministro José Augusto Delgado:
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. IMPUGNAÇÃO. 1. A interpretação contemporânea do § 9º do art. 14 da Constituição Federal, receptáculo do postulado da moralidade pública, sinaliza para a necessidade de o candidato a qualquer cargo público eletivo ser concebido como possuidor de conduta "proba, íntegra, honesta e justa - atributos esses exigíveis a qualquer servidor" (Uadi Lammêgo Bullos, in "Constituição Federal Anotada", p. 496, 5a. edição), sob pena de se ter como violados princípios mestres sustentadores da Democracia preconizada pelo constituinte de 1988. 2. Tenho como certo que o § 9º do art. 14 da CF de 1988, auto-executável, encerra preceito voltado a conferir normalidade e legitimidade absolutas ao processo eleitoral, pelo que a sua interpretação deve ser voltada para garantir essas destinações axiológicas, aplicando-se os seus efeitos de modo que sejam afastados do ambiente das eleições qualquer fato que afete a sua lisura e que provoque falta de confiança nos estamentos sociais convocados para escolher os seus governantes. 3. Contudo, a parte que impugna registro de candidatura a cargo eletivo, tendo como base ausência de conduta proba, íntegra, honesta e justa do pretendente, deverá demonstrar, de modo evidente, a ausência dessas condições pelo candidato. (RESPE - RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 26406, TSE, Rel. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, PSESS - Publicado em Sessão, Data 20/09/2006. Disponível na internet via: <www.tse.gov.br>. Consulta em 05/07/2008);
Questionou-se também a necessidade de trânsito em julgado das decisões mencionadas nas alíneas "d", "e", "g" e "h" do inciso I, do art. 1º e art. 15, da Lei Complementar 64/90 (Lei das Inelegibilidades), que regulamenta o § 9º, do art. 14, da Constituição Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 144 – ADPF –, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.
Na relatoria do ministro Celso Melo, a ADPF nº144 foi julgada improcedente para frustração da sociedade e da justiça, tendo o voto as seguintes conclusões:
1.a regra inscrita no § 9º do art. 14 da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94, não é auto-aplicável, pois a definição de novos casos de inelegibilidade e a estipulação dos prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, dependem, exclusivamente, da edição de lei complementar, cuja ausência não pode ser suprida mediante interpretação judicial;
2.a mera existência de inquéritos policiais em curso ou de processos judiciais em andamento ou de sentença penal condenatória ainda não transitada em julgado, além de não configurar, só por si, hipótese de inelegibilidade, também não impede o registro de candidatura de qualquer cidadão;
3.a exigência de coisa julgada a que se referem as alíneas "d", "e" e "h" do inciso I do art. 1º e o art. 15, todos da Lei Complementar nº 64/90, não transgride nem descumpre os preceitos fundamentais concernentes à probidade administrativa e à moralidade para o exercício de mandato eletivo;
4.a ressalva a que alude a alínea "g" do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, mostra-se compatível com o § 9º do art. 14 da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94.
Aparentemente, com o desfecho da Consulta 1.621 do TRE/PB ao TSE e da ADPF nº 144, a tese da moralidade como condição implícita de elegibilidade não prospera. Porém, o objetivo do presente trabalho é justamente apresentar argumentos jurídicos suficientes que fundamentem a exigência da moralidade constitucional para o exercício do cargo eletivo.
Enfatiza-se que, muito embora a sentença proferida na ADPF nº 144 tem efeitos vinculantes a todos os órgãos do Poder Judiciário, ou seja, não cabe discussão sobre o que ficou cristalizado no comando sentencial, é facilmente perceptível que em nenhum momento se discutiu ou decidiu se a moralidade é ou não uma condição implícita de elegibilidade.
De forma clara, foi confirmada Súmula nº 13 do TSE, onde se defende a não-autoaplicabilidade do § 9º, do art. 14, trazendo como conseqüência a necessidade de lei dispor sobre novos casos de inelegibilidade, vedada a sua construção por interpretação judicial. Repita-se: a moralidade como condição implícita de elegibilidade no momento do registro de candidatura não foi mencionada. Ademais, restou evidenciado haver nítida distinção entre condições de elegibilidade e inelegibilidade, como acima exposto. A Justiça Eleitoral brasileira sempre diferenciou as Condições de Elegibilidade das de Inelegibilidade. A principal diferença é que as primeiras não exigem lei complementar, basta lei ordinária, resoluções do TSE, ou como se defende aqui, construção a partir de interpretação judicial, a moralidade como condição implícita de elegibilidade deve ser crivada pelo judiciário no momento do registro da candidatura, vedada somente quanto às inelegibilidades, por força da ADPF nº 144, já as condições de inelegibilidade necessitam de lei complementar como estabelece o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição.
Por sua vez, o desenlace da Consulta 1.621 do TRE/PB no sentido de que, sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, nenhum pré-candidato pode ter seu registro de candidatura recusado pela Justiça Eleitoral, também não afasta a possibilidade de se aventar a moralidade constitucional como um requisito de elegibilidade implícita. Pois não foi levado em consideração o critério distintivo entre inelegibilidade e condições de elegibilidade.
O TSE pode legislar, de forma atípica, quanto às condições de elegibilidade guardado, da matriz constitucional, o respeito máximo. De conseqüência, não poderá a Justiça Eleitoral deixar alguém inelegível, pois a única sanção possível é cassação de registro ou diploma, por meio de uma Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC – ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME – e Recurso contra Diplomação – RCD –, uma vez que a moralidade é matéria constitucional que não preclui na AIRC. Portanto não há que se falar em inelegibilidade, ou seja, restrição de direitos políticos, que o ordenamento sanciona de cinco maneiras diferentes [74], matéria em que o TSE não pode regulamentar, porque somente lei complementar pode.
Outra situação, também de cunho diferenciador entre as condições de elegibilidade e inelegibilidades, é a indagação de onde provém o direito de ser votado e qual o fato jurídico que o origina. A doutrina, especialmente Adriano Soares, utilizando a teoria do fato jurídico demonstra que o direito de ser votado nasce do registro de candidatura, não do seu pedido, pois só passa a ser candidato, para todos os efeitos jurídicos, após a obtenção do registro de candidatura. Para o mesmo autor – Soares [75], a elegibilidade é uma conseqüência do ato jurídico "registro de candidatura", logo as condições de elegibilidade são verdadeiras condições de registrabilidadade.
Os pressupostos de registrabilidade (denominados condições de elegibilidade) são elementos do suporte fático complexo que fazem surgir o direito subjetivo do nacional ao registro de sua candidatura. O direito subjetivo ao registro será exercido judicialmente através do pedido de registro de candidatura. Constatado, pela Justiça Eleitoral, o preenchimento de todas as condições de elegibilidade, será deferido o registro, com o nascimento do direito subjetivo de ser votado, exercitado através dos atos de campanha política. Assim, não se devem confundir as duas faculdades distintas: uma coisa é o direito subjetivo ao registro de candidatura; outra, o direito de ser votado. Entre eles, há o fato jurídico intercalar do registro (2008, p. 148).
Constatando-se que existem diferenças substanciais entre as condições de elegibilidade e a própria elegibilidade, a falta de uma condição de elegibilidade ou registrabilidade, no caso do presente estudo especificamente a moralidade constitucional, não afeta o direito de ser votado, simplesmente pelo fato que ele não existe ainda, pois o pressuposto para tanto é o registro da candidatura.
Outro aspecto não considerado comumente pela doutrina clássica e pela jurisprudência é o fato de que "o estado de inelegibilidade é a regra; a elegibilidade, a exceção" [76], pois sempre se conceituou as condições de elegibilidade como pré-requisitos positivos para a obtenção do direito de ser votado, e as inelegibilidades como formas negativas, impeditivas de exercer este direito. Consequentemente, concebeu-se a inelegibilidade posterior à elegibilidade. Conforme Adriano Soares [77]:
No Direito Eleitoral as coisas passam assim: todos os nacionais participam da vida política do país com a aquisição da cidadania (direito de votar), quando começam a integrar o corpo dos eleitores e, dessa maneira, também passam a contribuir para a vivência da democracia representativa. O cidadão (eleitor) é chamado a atuar na vida pública da nação através do exercício do voto, nas eleições, [...]. Mas não tem ele o direito de concorrer a cargos públicos de livre escolha dos eleitores, uma vez que o ordenamento jurídico não franqueia a todos a participação no processo eleitoral.
Do exposto, pode-se ainda acrescentar uma outra distinção não menos importante, recorrendo-se a Adriano Soares [78] para diferenciar as inelegibilidades das condições de elegibilidade:
As condições de elegibilidade não são inelegibilidades, nem constitucionais, nem legais; inelegibilidades (pelo menos para concorrer a uma eleição) é a conseqüência do não atendimento dessas condições. Na prática, porém, o resultado é o mesmo. Tanto faz um juiz ou um Tribunal declarar existente na vida de um candidato, impedindo-o de concorrer, como indeferir seu pedido de registro de candidatura por falta de cumprimento de uma condição de elegibilidade qualquer: para aquele pleito, esse candidato está inelegível em qualquer dos dois casos.
Assim, nesta vertente de idéias, pugnar pela necessidade do trânsito em julgado de uma sentença para se aferir a moralidade constitucional do pré-candidato para deferir ou indeferir o seu registro de candidatura, subverte a natureza das condições de elegibilidade ou registrabilidade, tendo em vista que o direito de ser votado nasce somente em momento posterior ao registro, no seu pedido o direito ainda não existe. Reiterando, não é cabido o entendimento de ter, a negativa do registro de candidatura, caráter de sanção já que não se pode falar em restringir direito que ainda não pertence a seu titular.
De outro giro, o desenvolvimento argumentativo dos votos dos ministros Ari Pargendler e Eros Grau na Consulta 1.621 do TRE/PB de 2008 é perceptível a utilização da técnica de ponderação de valores, por ser situação típica de conflito de direitos constitucionais fundamentais, ou colisão como acentua a melhor doutrina: de um lado o direito individual da não culpabilidade, e de outro o direito da nação de ter representantes políticos dotados da moralidade exigida constitucionalmente.
Porém, o entendimento atual subverteu a ordem lógica da interpretação constitucional, sobrepondo direito individual em detrimento do direito geral da nação, achincalhando a proporcionalidade e a razoabilidade, como técnicas sine qua non para atingir a equidade.