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Breve análise das mudanças no requisito de prequestionamento com base no Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 166/2010)

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10/11/2011 às 13:13
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A inovação do novo CPC pretende dar maior força ao prequestionamento, ampliando suas hipóteses de ocorrência, o que, por via de consequência, acarreta maior celeridade ao processo, uma vez que fora diminuído o caminho a ser percorrido para interposição dos recursos excepcionais.

RESUMO: A exigência do prequestionamento é extraída da interpretação da Constituição Federal dada pela doutrina e pela jurisprudência. O STF e o STJ, por meio de suas súmulas, firmaram entendimentos divergentes acerca da ocorrência do prequestionamento, exigindo, em alguns casos, o uso dos embargos de declaração. Tal divergência de interpretação gera grande insegurança jurídica, que, sob a justificativa de buscar o prequestionamento, acabam por utilizar, incorretamente, os embargos, opondo-os fora de suas hipóteses de cabimento. Neste contexto, o PL 166/2010, que visa criar um novo Código de Processo Civil, vem firmar alguns entendimentos acerca do prequestionamento, dentre eles a confirmação do prequestionamento ficto como regra geral no Direito brasileiro e resolução das divergências existentes sobre o voto vencido e o prequestionamento.

PALAVRAS-CHAVE: Prequestionamento. PL 166/2010. Prequestionamento Ficto. Voto Vencido.

ABSTRACT: The requirement of prequestioning derive from the jurisprudence´s interpretation of the fundamental law. The STF and the STJ, by theirs jurisprudence, have established different concepts of what are prequestioning, require, in some cases, the use of the motion for clarification. This divergence leads to a legal insecurity, which, by the allegation of the necessity of the prequestioning, the people use, improperly, the motion of clarification. In the purpose of avoid this incorrect use, the Bill 166/2010 comes to make some changes about the prequestioning´s concepts. For example, the Bill 166/2010 confirms the fict prequestioning as a general rule in Brazilian Law and reconcile the differences on the dissenting opinion and the prequestioning.

KEYWORDS: Prequestioning. Bill 166/2010. Fict Prequestioning. Dissenting Opinion.


1.INTRODUÇÃO

O prequestionamento, como um dos requisitos necessários à admissibilidade dos recursos excepcionais, vem sendo alvo de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais ao longo das últimas décadas. Não obstante a grande maioria dos juristas entenda pela sua existência no ordenamento jurídico brasileiro, subsistem diversas dúvidas acerca da sua natureza e da forma de sua aplicação na prática jurídica.

Na atualidade, o debate acerca da elaboração de um novo Código de Processo Civil reascendeu a referida discussão. No Projeto do novo CPC (PL166/2010), elaborado pela Comissão de Juristas instituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, de 2009, o requisito prequestionador foi, expressamente, inserido na legislação infraconstitucional, o que, por si só, já constitui grande inovação, reafirmando a importância deste requisito de admissibilidade dos recursos excepcionais.

Há muito tempo, clamam os juristas pela pacificação das controvérsias existentes em torno do prequestionamento, as quais existem não só no âmbito interno de cada tribunal, como nos entendimentos firmados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Atenta a estas questões, a Comissão de Juristas objetivou, por meio da construção do mencionado Projeto de Lei, pôr um fim em algumas dúvidas existentes sobre o tema.

Tais inovações são representadas, no Projeto de Lei 166/2010, em sua redação atualizada pela Emenda nº 1 – CTRCPC, pelos artigos 896, em seu parágrafo terceiro, e 979. Ao longo deste estudo, tentar-se-á conceituar o requisito do prequestionamento, bem como analisar as possíveis conseqüências da eventual inserção dos normativos supramencionados no ordenamento jurídico brasileiro.


2.A EXISTÊNCIA DO PREQUESTIONAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ATUAL. INOVAÇÕES: A BUSCA DE SUA REGULAMENTAÇÃO POR MEIO DOS NORMATIVOS INFRACONSTITUCIONAIS.

A idéia inicial do requisito do prequestionamento surgiu com a Lei Judiciária (Judiciary Act) norte-americana, datada de 24 de setembro de 1789. A partir desta lei, tornou-se possível a interposição de recursos para a Corte Suprema norte-americana em face de decisões proferidas pela justiça estadual que versassem sobre questões ligadas ao direito federal. [01] Tal recurso fora denominado writ of error, exigindo-se, para sua interposição, que a matéria fosse previamente suscitada pelas partes e resolvida pelo Tribunal do Estado, nos termos da doutrina prevalente nos Estados Unidos. [02]

No direito pátrio, por sua vez, a origem do requisito remete à própria criação do recurso extraordinário, que, espelhado no writ of error americano, foi aqui introduzido em 1890, pelo Decreto 848. [03] O constituinte de 1891, dando seqüência ao que já constava da legislação infraconstitucional, houve por recepcioná-la, inserindo na Carta Magna o requisito do prequestionamento, passando, pois, a exigir a manifestação prévia quanto á questão federal e/ou constitucional, para a interposição dos recursos excepcionais. [04]

Assim, nos termos da Constituição Federal de 1891 [05], ocorreria o prequestionamento quando a parte questionasse o Tribunal sobre a validade ou a aplicação dos tratados e leis federais. Este conceito permaneceu intacto durante muito tempo, sendo mantido nas Constituições de 1934 (art.76, III, a e b), 1937 (art. 101, III, a e b) e 1946 (art. 101, III, b). [06]

Como se vê, durante mais de sete décadas, o instituto do prequestionamento foi previsto expressamente nas Constituições Federais brasileiras sob o termo "questionar". Desta forma, tomando por base a jurisprudência formada à época sobre o tema, "o Supremo Tribunal Federal, em 16.12.1963, decidiu editar os enunciados das súmulas 282 e 256", [07] estabelecendo a necessidade de ser tratada na decisão recorrida a questão federal suscitada.

No entanto, a despeito da previsão das Constituições Federais anteriores e dos mencionados enunciados de súmulas do Supremo Tribunal Federal, a Constituição de 1967, ao dispor sobre as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, em seu artigo 114, inciso III, optou por excluir a expressão "questionar". Esta mesma linha seguiu as Constituições de 1969 e 1988. Tal alteração, embora simples, ocasionou divergências doutrinárias na interpretação da Constituição.

Com a ausência desta singela expressão, alguns doutrinadores, como José Afonso da Silva, passaram a entender que tal requisito não seria mais exigível. [08] Nos dizeres do referido autor, mencionados por Rodolfo de Camargo Mancuso, o silêncio constitucional seria significativo, posto que "desonera o recorrente da demonstração do prequestionamento". [09]

Também Karpov Gomes Silva e Guilherme Caldas da Cunha afirmaram a inconstitucionalidade do prequestionamento, sob o fundamento de não estar previsto no texto constitucional e em nenhuma legislação infraconstitucional, não restando dúvida, para eles, da opção feita pelo legislador ao não mencioná-lo. [10]

Somam-se, ainda, a este grupo de doutrinadores, Roberto Carvalho de Souza, para quem a exigência do prequestionamento, não previsto na Constituição Federal, contraria o direito assegurado à ampla defesa previsto no artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna de 1988 [11], e Galeno Lacerda, que, em estudo denominado "Críticas ao Prequestionamento", afirmou que

mesmo que haja omissão do advogado da parte, não é concebível que o instituto artificial do prequestionamento, não previsto na Constituição, condicione e paralise a missão indisponível do Supremo, de guardião maior da Carta Magna, às carências de um juiz de primeiro grau ou à inexperiência de um jovem advogado, que deixaram de plantar no processo, com os requintes de um formalismo exagerado, a semente da questão constitucional, e, só por isso, por mais aberrante, por mais absurda que se ostente a lesão ao Estatuto Supremo, e a eventual calamidade política, social e econômica dela advindo - a Corte Suprema nada possa fazer, simplesmente porque o juiz deficiente e o advogado inexperiente teriam, com sua inópia, poder de disposição sobre a matéria constitucional!!! [12]

Superando-se as críticas alhures mencionadas, a jurisprudência dos Tribunais pátrios e a doutrina majoritária entendem que, embora a expressão "prequestionar" não conste expressamente na Constituição Federal de 1988, o requisito do prequestionamento permanece no ordenamento jurídico brasileiro.

Como aponta Alexandre Moreira Tavares dos Santos,

o prequestionamento também advém da própria essência e finalidade do recurso extraordinário e do especial, que é possibilitar ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça exercerem suas respectivas funções de guardiães da Constituição da legislação federal. Assim, se as instâncias ordinárias não se manifestaram expressamente sobre determinada norma federal, não há porque as Cortes Superiores exercerem sua jurisdição, pois não existirá interpretação ou aplicação da Constituição ou da Lei a ser corrigida ou unificada. [13](I)

Cândido Ribeiro defende a permanência da exigência do prequestionamento não por advir da finalidade dos recursos excepcionais, mas em decorrência do próprio efeito devolutivo inerente aos recursos em geral, eis que deverá ser submetida ao exame da Corte Superior a questão previamente envolvida na controvérsia e objeto da decisão recorrida. [14]

Para outros doutrinadores, por sua vez, o prequestionamento advém implicitamente da expressão "causas decididas", contida nos artigos 102, III e 105, III da Lei Maior brasileira. Neste sentido, Fernanda Bezerra Morais entende que a real base do prequestionamento na Carta Magna de 1988 seria a expressão alhures mencionada, afirmando partilharem, ainda, desta idéia Alexandre Freitas Câmara e Cássio Scarpinella Bueno. [15]

Desta forma, deve-se entender pela permanência da exigência do requisito prequestionador, mesmo sem a expressa menção ao termo "questionar", como nas Constituições Federais anteriores, advindo o prequestionamento da própria essência e finalidade dos recursos excepcionais, tendo em vista que não podem os superiores tribunais julgar a violação a dispositivos de lei cujas matérias nem sequer foram analisadas pelos tribunais locais.

Assim, o conceito de prequestionamento, à luz da Constituição de 1988, significa ter a causa sido decidida pelo tribunal local ("causa decidida"), tendo este analisado a questão federal ou constitucional suscitada nas razões de apelação/agravo ou, se omisso, em eventuais embargos de declaração. Estando a matéria decidida, poderão, assim, serem interpostos os recursos excepcionais.

Destarte, observa-se que a tentativa de inserção do prequestionamento de forma expressa no ordenamento jurídico brasileiro, por meio do Projeto do novo CPC, não fora por acaso, não significando uma mera criação de normativos, mas uma inovação no sistema jurídico pátrio, no sentido de trazer parte de sua conceituação para o plano do ordenamento infraconstitucional. Com tal mudança, restarão superados os argumentos que inadmitiam a sobrevivência do referido requisito, reafirmando-se a sua existência e plena vigência no sistema jurídico atual, constituindo-se indispensável requisito de admissibilidade dos recursos excepcionais.

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3.O QUE É PREQUESTIONAMENTO?

Para analisar as inovações pretendidas pelos mencionado Projeto de Lei, deve-se buscar compreender o conceito do prequestionamento, ou seja, quando se está configurado que determinada matéria se encontra prequestionada.

Para esta difícil tarefa, correta é a alusão aos estudos de José Miguel Garcia Medina, que sintetizam bem os diferentes grupos de entendimentos doutrinários a respeito da questão. [16] Para uma primeira corrente, ocorre o prequestionamento quando da manifestação do tribunal recorrido acerca de determinada questão. Ou seja, o prequestionamento corresponde a um ato do tribunal, que, ao analisar a matéria e sobre ela decidir, estaria a prequestionando, e, por via de conseqüência, possibilitando a interposição dos recursos ás Cortes superiores.

Para um segundo grupo, o prequestionamento corresponde a um prévio debate sobre a decisão recorrida levantado pela parte. Assim, prequestionar seria um ato exclusivo da parte, não importando a existência de eventual manifestação do tribunal a respeito da questão. Por fim, há um posicionamento misto, no qual o prequestionamento seria um prévio debate sobre a questão federal provocado pela parte, somado de uma expressa manifestação do tribunal em torno da questão.

No âmbito do poder judiciário, observa-se, claramente, a divergência dos conceitos aqui demonstrados, quando da análise das súmulas dos superiores tribunais. Para o Supremo Tribunal Federal, à luz do que dispõe a súmula nº 282/STF [17], o prequestionamento corresponderia à abordagem, na decisão recorrida, de questão federal (constitucional ou legal) suscitada. Ou seja, acolhe-se, neste sentido, o primeiro entendimento acerca do prequestionamento acima mencionado.

No entanto, este mesmo Tribunal, quando interpreta a Súmula 356/STF [18] de modo a admitir o prequestionamento ficto, entende ser ele a mera suscitação da questão pela parte, não importando a manifestação posterior do tribunal a respeito da matéria. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal adota, também, o segundo ponto de vista analisado.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, entende ser o prequestionamento a manifestação do tribunal sobre determinada questão, seja suscitada ou não pela parte, adotando o primeiro e o terceiro conceito alhures mencionado, conforme se observa da Súmula nº 211/STJ [19], não admitindo o chamado prequestionamento ficto. Neste sentido, a título de ilustração, esclarecedora a leitura do EREsp 896528/MG, de relatoria da Ministra Eliana Calmon. [20]

Observa-se, no entanto, que a Constituição Federal menciona, apenas, a necessidade da causa estar decidida, ou seja, da matéria legal ou constitucional ter sido alvo de pronunciamento do tribunal. Sendo assim, seria o prequestionamento um ato do tribunal, que, ao julgar, manifesta-se a respeito das questões enraizadas na lide.


4.AS CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO PREQUESTIONAMENTO. SOLUÇÕES APONTADAS PELO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Não bastasse a desconfiança de alguns doutrinadores acerca da existência do requisito do prequestionamento no ordenamento jurídico brasileiro e as divergências existentes em torno de seus conceitos e do momento de sua ocorrência, já mencionadas, muitas ainda são as questões polêmicas que giram em torno de tal requisito.

Apenas a título de exemplificação, observa-se que o sistema jurídico brasileiro não é pacífico em relação a diversos pontos, como no que tange à exigência ou não de expressa menção ao dispositivo violado por parte do acórdão recorrido (prequestionamento implícito, explícito e numérico); á necessidade ou não de êxito dos embargos declaratórios opostos para fins de suprir omissões pertinentes ao preenchimento do requisito do prequestionamento (ocorrência do prequestionamento ficto ou nulidade do acórdão por negativa de prestação jurisdicional); à ocorrência ou não do prequestionamento em matéria tratada apenas pelo voto vencido, em julgamento por maioria; à necessidade ou não de prequestionamento da matéria quando se tratar de questão de ordem pública; etc. Tais questões, quando muito, encontram-se uniformizadas apenas no âmbito de cada tribunal.

Com o escopo de tranqüilizar algumas destas questões, o Projeto do novo Código de Processo Civil, em dois de seus dispositivos, buscou trazer regulações inovadoras ao ordenamento jurídico brasileiro. O primeiro artigo vem firmar entendimento diverso do pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal federal, ocasionando verdadeira mudança na praxe jurídica; o segundo, sem dúvida alguma, trará fundamentais conseqüências ao ordenamento jurídico, fundadas, sobretudo, no respeito aos Princípios da Celeridade e da Economia Processual.

4.1. O prequestionamento e o voto vencido. Artigo 896, parágrafo terceiro, do Projeto do novo Código de Processo Civil

Durante muito tempo, discutiu-se a possibilidade de considerar prequestionada a matéria analisada apenas pelo voto vencido, em acórdão julgado por maioria de votos. Atualmente, no entanto, a questão se encontra pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça(II) e do Supremo Tribunal Federal(III), que entendem por desconsiderar a matéria tratada no voto vencido, para fins de prequestionamento.

Analisando a referida questão, Roberto Carlos Martins Pires entende que somente a matéria constante do dispositivo pode ser considerada para fins de prequestionamento, tendo em vista que tanto o relatório como a fundamentação não fazem coisa julgada. Neste sentido, o voto vencido "não poderá ser utilizado como atendimento ao requisito do prequestionamento". [21]

Também entendendo pela inocorrência do prequestionamento, Henrique Araújo Costa aduz que

o acórdão somente traduz o que prevalece no julgamento colegiado, de tal modo que o que restou vencido não autorizaria o exame em instância extraordinária. Isso porque, por razões óbvias, a instância extraordinária existe com o propósito de rever entendimentos supostamente equivocados da instância ordinária. Ora, se não prevaleceu, já que o voto foi vencido, não há motivo para que se abra a via da instância extraordinária no intuito de impugnar o que não reflete o acordo dos integrantes do órgão colegiado ordinário. [22]

Também neste sentido, ensina Leonardo José Carneiro da Cunha:

se o prequestionamento somente se configura, quando a matéria foi efetivamente abordada no acórdão ou na decisão que julgou a causa em última ou única instância, e considerando que o voto vencido não integra o acórdão, é evidente que a matéria que for apenas abordada no voto vencido não está prequestionada. [23]

Desta forma, observa-se que o entendimento doutrinário majoritário e jurisprudencial pacífico não admite a possibilidade de ocorrência do prequestionamento da matéria quando da manifestação da questão somente nos votos vencidos.

No entanto, contrariando os mencionados posicionamentos, o Projeto do novo Código de Processo Civil veio inovar no sistema jurídico brasileiro, quando dispôs, em seu artigo 896, parágrafo terceiro que:

Art. 861. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor. [...]

§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.

Assim, como se vê, por meio do mencionado entendimento, deverá o voto vencido ser sempre declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive prequestionamento.

Tal inovação nos leva a duas reflexões. A primeira é a modificação do clássico conceito de acórdão, que sempre deixou de fora de sua composição o voto vencido. Acórdão, para Leonardo José Carneiro da Cunha, origina-se do verbo acordar, que tem por significado resolver de comum acordo, concordar, chegar a um acordo. [24] Assim, para o renomado doutrinador, "o acórdão nada mais é do que a concordância de várias pessoas sobre determinada questão. Vale dizer que acórdão é o conjunto dos votos vencedores". [25]A segunda, por sua vez, corresponde à possibilidade de ocorrência do prequestionamento, ainda quando a matéria seja tratada somente no voto vencido, eliminando-se, assim, a antiga necessidade de oposição de embargos declaratórios em face do acórdão que, por maioria, não analisou a matéria federal suscitada.

Destarte, a referida inovação pretendeu dar maior força ao prequestionamento, ampliando suas hipóteses de ocorrência, o que, por via de conseqüência, acarreta maior celeridade ao processo, uma vez que fora diminuído o caminho a ser percorrido para interposição dos recursos excepcionais.

4.2. A universalização do prequestionamento ficto. Artigo 979 do Projeto do novo Código de Processo Civil.

Outra modificação de fundamental importância ao ordenamento jurídico brasileiro se encontra inserida no artigo 979 do referido Projeto de Lei:

Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade.

O aludido artigo admite a ocorrência do prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso entenda o tribunal superior pelo cabimento dos respectivos aclaratórios.

Embora tal normativo não corresponda a uma inovação por completo na prática processual brasileira, tendo em vista que o seu conteúdo já era, há muito, adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no chamado prequestionamento ficto(IV), a sua aplicação, nos termos do Projeto de Lei, passa a interferir, também, nos recursos interpostos ao Superior Tribunal de Justiça.

Como cediço, para estar prequestionada a matéria, deve o acórdão analisar toda a questão federal ou constitucional ali exposta. No entanto, caso esteja o acórdão omisso sobre determinado ponto sobre o qual deveria ter se pronunciado, inclusive para fins de prequestionamento, é dever das partes a oposição de embargos declaratórios, requerendo a integração do julgado. Entretanto, após a mencionada oposição, caso os aclaratórios não obtenham êxito, dois são os caminhos a serem seguidos pela parte, a depender da Corte para qual se pretende interpor o recurso.

Em se tratando de Recurso Especial, entende o STJ, por meio de sua jurisprudência majoritária, ser dever da parte a interposição do mencionado recurso, sob o argumento de violação ao artigo 535, II, do Código de Processo Civil, pela negativa de prestação jurisdicional, requerendo-se a declaração de nulidade do acórdão omisso e o conseqüente retorno dos autos, ao tribunal local, para nova decisão.(V)

Já em relação ao Recurso Extraordinário, onde se adota o prequestionamento ficto, o percurso é bem mais curto. Uma vez opostos os aclaratórios, e estando o acórdão realmente omisso, a questão federal é considerada prequestionada, não se levando em consideração o julgamento dos referidos embargos.

Em virtude da maior celeridade proporcionada pelo prequestionamento ficto, alguns autores, como Frederico Koehler, há algum tempo, defendem a sua extensão ao âmbito do Superior Tribunal de Justiça. [26]

Analisando a presente situação, Luis Guilherme Aidar Bondioli, apesar de reconhecer que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça é dotado de maior tecnicidade afirma que,

a parte não pode ser penalizada por faltas que não são suas. A conduta que mais simboliza a diligência da parte é a oposição de embargos declaratórios antes da interposição dos recursos especial e extraordinário, com finalidade de incitar e exaurir discussão sobre temas legais e constitucionais. Por isso, mesmo que o tribunal a quo falhe na resposta a esses embargos, a exigência do prequestionamento deve ser flexibilizada e as portas das instâncias superiores devem, desde logo, ser abertas para análise das questões legais e constitucionais. [27]

Com razão, do ponto de vistas técnico, observa-se que adotar tal posicionamento é concluir pela inutilidade dos embargos declaratórios opostos. Isto porque, ainda que julgados improcedentes os aclaratórios, caso o tribunal superior entenda pela existência de omissão, a questão será considerada prequestionada. Sendo assim, como conceber a ocorrência do prequestionamento, ou seja, do debate do tribunal acerca da matéria, que deve estar contido no acórdão, quando este não fora alvo de qualquer integração, permanecendo omisso?

No entanto, deixando de lado a ótica formalista, é inegável a necessidade de pôr em prática a duração razoável do processo no contexto do judiciário atual. A universalização do prequestionamento ficto objetivada pelo Projeto do novo CPC trará, sem sombra de dúvida, maior celeridade, facilitando o acesso das partes aos superiores tribunais. No entanto, deverão os julgadores observar tal dispositivo com parcimônia, pois a adoção do prequestionamento ficto poderá ocasionar a automática oposição de declaratórios pelas partes, ainda que não haja qualquer omissão no acórdão recorrido, como forma de burlar a ocorrência do prequestionamento ficto, banalizando-se, assim, o recurso de embargos de declaração.

Como se vê, a referida inovação trará grandes modificações à praxe de interposição dos recursos excepcionais, flexibilizando a admissibilidade do recurso (levando-se em conta a atual sistemática de interposição do Recurso Especial), o que, de certa forma, ampliará o acesso aos superiores tribunais.

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Sobre o autor
Rodolfo Botelho Cursino

Bacharel em Direito. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CURSINO, Rodolfo Botelho. Breve análise das mudanças no requisito de prequestionamento com base no Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 166/2010). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3053, 10 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20397. Acesso em: 22 nov. 2024.

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