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Inconveniências da prisão processual decorrente da decisão de pronúncia

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3- HISTÓRICO NO CPPB

A prisão decorrente da pronúncia, em seu nascedouro, recomendava à prisão o réu pronunciado sem que para tanto fosse necessário qualquer outro requisito fundamentador da necessidade de tal medida constritiva processual. Não era necessário, por exemplo, que concorressem com o fato de ter sido o réu pronunciado, clara desconfiança de que este pretendesse de algum modo impor óbices à efetivação da persecução punitiva estatal, ou mesmo, que o pronunciado ostentasse um passado manchado por antecedentes criminais. Bastava, apenas, a pronúncia do réu.

A primeira reforma do conjunto positivo de normas que disciplinara esta espécie de prisão processual veio a atenuar a nuance autoritária ostentada por tal medida, além de outras do CPPB, haja vista o centro de poder autoritário, de tendência fascista, de onde emanara tal norma. Ocorre que com a publicação da nº 5.941/73(conhecida como "Lei Fleury") o automatismo autoritário da lei fora atenuado, passando a ser permitido que o réu primário e de bons antecedentes fosse dispensado do cárcere e pudesse recorrer da pronúncia em liberdade, se assim desejasse o magistrado. Tais considerações levam em conta a hipótese de ter sido o réu pronunciado pela prática de crime inafiançável, posto que, se pronunciado pela prática de crime afiançável, poderia, pagando a fiança, livrar-se do cárcere sem maiores dificuldades.

Daí em diante, passaram-se décadas até que surgisse doutrina e, posteriormente, decisões isoladas, defensoras da idéia de que tal prisão afrontasse princípios elementares em nível constitucional.

Mas, tratam-se a doutrina e a jurisprudência de fontes secundárias do Direito, desprovidas de força vinculante - exceto no caso de súmula vinculante - capazes de limitar o livre convencimento do juiz, ademais no processo penal, onde o juiz pode apreciar livremente a prova.

Surgiram, então, sentenças disformes, conflitantes de juízes e tribunais que ora consideravam extinta a figura da prisão decorrente da pronúncia, ora não. Os que a consideravam extinta ou mesmo não recepcionada pela constituição de 1988, supriam a necessidade de eventual prisão cautelar com a decretação de prisão preventiva. O fato é que a extinção da prisão decorrente da pronúncia só existe na cabeça e nas decisões de alguns juízes mais desprendidos da letra fria da lei. Todavia, na lei, tal prisão ainda existe de forma expressa; como na redação do art. 282 do CPPB, onde este expressamente faz menção à prisão em virtude de pronúncia [16].

Fora publicada, então, a lei nº 11.689/08. Esta trazia consigo muitas mudanças para o processo penal comum. Trouxe mudanças para procedimento nos processos de competência do juiz singular, trouxe mudanças para produção da prova pericial, trouxe mudanças para o procedimento dos processos de competência do tribunal do júri, etc.

Dentre as mudanças para o procedimento dos processos de competência do tribunal do júri, foram alterados dispositivos que disciplinavam o número de jurados suficientes para compor o tribunal do júri; o sorteio destes; o tempo dispensado à acusação e à defesa para usar da palavra em plenário.

Mas, a mudança, que por hora interessa à abordagem feita neste capítulo, é a ocasionada na seção II, do capítulo II, do Título I, do Livro II, do CPPB. Esta seção disciplina, justamente, a pronúncia, a impronúncia e a absolvição sumária. Quanto à pronúncia, o "caput" do art. 413 fala que: "O juiz, fundamentadamente, pronunciará, o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria ou de participação". No §2º, diz a nova redação que: "Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória", do pronunciado (grifo nosso). No §3º, segundo a nova redação: "O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medias previstas no Título IX do Livro I deste Código".

É, justamente, a redação da 2ª parte do §3º do art. 413 do CPPB que mais interessa à reflexão sobre a ocorrência da principal mudança cogitada pela doutrina e jurisprudência - decisões isoladas, porém contumazes - ou seja, a extinção legal da prisão decorrente da pronúncia.

Da redação do dispositivo em comento, exposta acima, de cara percebe-se, em sua 2ª parte, ou "in fine", a presença da possibilidade de decretação de prisão processual para o réu, até então solto, senão vejamos: "e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da PRISÃO OU IMPOSIÇÃO DE QUAISQUER DAS MEDIDAS PREVISTAS NO TÍTULO IX DO LIVRO I DESTE CÓDIGO".

Ora, a lei é muito clara e não contém palavras inócuas ou à toa. Fica claro que a conjunção "ou", empregada entre os termos "prisão" e "imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código", estabelece uma relação de alternatividade entre estes dois termos. Do que se deduz a intenção da lei em distinguir os respectivos termos. Ou seja, a exegese da lei leva-nos a entender que esta quis dizer que prisão é prisão e medidas do Título IX do Livro I são medidas do Título IX do Livro I. Trata-se de uma lógica simples, e de um dito popular, bem conhecido: "UMA COISA É UMA COISA E OUTRA COISA É OUTRA COISA"; ou ainda, "O CERTO É CERTO E O ERRADO É ERRADO".

Tais medidas previstas no Título IX do Livro I do CPPB são a prisão em flagrante, a prisão preventiva, a liberdade provisória, etc. Desta forma, percebe-se que a lei distinguiu "prisão" de "prisão em flagrante"; "prisão" de "prisão preventiva"; "prisão" de "liberdade provisória"; e "prisão" de "quaisquer medidas previstas no Título IX do Livro I". Assim, a prisão preventiva encontra-se contida no termo "medidas previstas no Título IX do Livro I".

Acontece que alguns autores mais açodados apressaram-se em dizer que a lei nº 11.689/08 acabara extinguindo a prisão decorrente da pronúncia [17]; que o termo "prisão", presente na 2ª parte do §3º do art. 413 do CPPB, refere-se, justamente, à prisão preventiva do art. 312 do mesmo diploma legal.

Somente uma interpretação apressada e tendenciosa do art. 413 poderia levar a tal conclusão. Interpretação mais comedida detectaria a presença de dois termos ou medidas distintos e alternativos à escolha do juiz, em um dos quais, a propósito no segundo, está contida a prisão preventiva; o outro é a prisão pronuncial.

Quer dizer a lei que, ao pronunciar o réu, até então solto, deverá o juiz decidir se, contra ele e em função de seus antecedentes criminais, decreta a prisão decorrente da pronúncia; ou, se em caso de primariedade e bons antecedentes do pronunciado, não for conveniente a decretação da prisão pronuncial, mas sim a decretação de prisão cautelar, que seja, então, imposta qualquer das medidas previstas no Título IX do Livro I, dentre as quais, e por mais óbvia, a prisão preventiva.

E não poderia ser de outra forma. Dar outra interpretação à redação desse dispositivo da lei adjetiva penal seria brincar com o valor que tem o significado de cada palavra da lei. Isto porque a lei é a luz que ilumina o caminho de um Estado Democrático de Direito. Deturpar a letra da lei, principalmente para fundamentar lesões aos direitos fundamentais tutelados constitucionalmente, é violentar e ameaçar este Estado Democrático de Direito, com tanto esforço, sangue e vidas tomado, conquistado da mão do inimigo autoritário.

O fato é que a prisão decorrente da pronúncia subsiste, mesmo após verdadeira reforma produzida pela lei nº 11.689/08. Tanto isso é verdade que o ilustre ministro Celso de Mello do STF menciona esta espécie cautelar em voto seu proferido no último 25 de março de 2009, em sede de medida cautelar em HC [18] de sua relatoria, senão vejamos:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 97.035-4 PIAUÍ RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

"...A prisão decorrente de decisão de pronúncia, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu..."

"...A prisão decorrente de decisão de pronúncia - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal..."

"...- A prisão cautelar – qualquer que seja a modalidade que ostente no ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) –somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida de constrição do ‘status libertatis’ do indiciado ou do réu. Precedentes.(HC 95.464/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)"

Brasília, 25 de março de 2009.

(185º aniversário da primeira Constituição Política do Brasil)

Ministro CELSO DE MELLO

Relator.

Do exposto observa-se a propriedade com que o min. Celso de Mello aborda a prisão decorrente da pronúncia; elencando esta entre as modalidades de prisão cautelar; descrevendo os pressupostos necessários para a decretação desta prisão. Daí considerar-se que a prisão pronuncial não subsiste tão somente na lei, mas também na jurisprudência da suprema corte brasileira, inclusive.

O que se percebe, também, é que ganhou respaldo na comunidade jurídica, na mais colenda corte do Brasil, inclusive, a tendência de se utilizar, para não dizer usurpar, os requisitos ou fundamentos da prisão preventiva para fundamentar a prisão decorrente da pronúncia, conforme voto acima exposado. Ora, o próprio ministro invoca os pressupostos do art. 312 do CPPB, para que se justifique a necessidade de aplicação da medida constritiva processual; o que nos evidencia que a prisão decorrente da pronúncia não possui fundamentos próprios que a justifiquem, precisa dos fundamentos de outra prisão para seu enquadramento forçado ao sistema processual penal brasileiro.

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Doutra banda, o legislador perdera ótima oportunidade de dar um fim extintivo a esta ponta solta, que é a prisão decorrente da decisão de pronúncia, no processo penal brasileiro; e colocar a lei adjetiva penal em acordo com uma ordem constitucional da qual não proveio, mas que vige no Brasil de hoje.


4- REQUISITOS DAS ESPÉCIES DE PRISÃO

Como bem se sabe, toda decisão judicial deve ser fundamentada, como bem assevera o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Para a determinação de prisão não é diferente, visto que, salvo na hipótese da prisão em flagrante ou na de recaptura de foragido, qualquer outra espécie de prisão, para ser executada, precisa de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo, também, nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, como bem assevera o inciso LXI da CF. Deste modo, fica claro que a fundamentação é um requisito constitucional para a determinação de prisão, salvo as exceções constitucionais do dispositivo mencionado alhures.

Para que tais prisões sejam determinadas e circunstanciadas a seus destinatários, necessário se faz a concorrência de certos requisitos, gerais e específicos, naturalmente distintos, para cada espécie de prisão.

Para a prisão penal, por se tratar da imposição de uma sanção penal, é preciso que o paciente seja devidamente processado e julgado, ou seja, tenha ocorrido todo o trâmite processual com a obediência a procedimento adequado à natureza do crime apurado e com a legalidade dos atos processuais praticados. Tudo com a finalidade de se praticar um último ato que satisfará as persecuções das partes, que é a sentença irrecorrível. Esta é o requisito geral ou condição "sine qua non" para a determinação e execução da prisão penal.

Quanto à prisão processual, os requisitos para sua efetivação são outros, distintos dos da prisão penal, tanto em forma, quanto em natureza. Sim, posto que a natureza de tais requisitos deva manter correspondência com a natureza da medida que se pretende executar. Se esta medida tem natureza precária, provisória, processual, como é o caso da prisão processual, tais requisitos também devem ter natureza de precariedade, provisoriedade e processualidade.

O que está sendo dito aqui é de tal forma importante para que se evite, justamente, o que já fora previsto nas linhas acima, ou seja, a usurpação do campo de atuação ou competência de uma medida [19] por outra de natureza distinta ou de mesma natureza, mas de finalidades específicas diferentes.

Para a prisão processual, faz-se necessária a satisfação de dois tipos de requisitos: um geral; outro específico de cada espécie de prisão processual. Os requisitos gerais da prisão processual são o "periculum in mora" e o "fumus boni iures". Ou seja, faz-se preciso que fique evidenciado que o perigo da demora no transcurso do processo faça com que o réu livre-se das provas capazes de incriminá-lo ou forje provas falsas que o favoreçam ou mesmo que este fuja, pondo, assim, obstáculos à persecução punitiva estatal. Além desse primeiro requisito geral, preciso é que contra o acusado pesem indícios suficientes (fumaça) de que seja ele autor ou partícipe do fato criminoso (fogo).

Depois da verificação da ocorrência desses dois requisitos gerais, faz-se preciso a verificação de requisitos específicos de cada prisão processual. Que seria, no caso da prisão em flagrante, o acusado ter sido encontrado em situação que faça entender ser ele o autor de fato criminoso, conforme redações dos arts. 301, 302 e incisos e 303 do CPPB. No caso da prisão preventiva, seriam: a necessidade de garantir a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal, além da existência do crime e indício suficiente de autoria, conforme redação do 312 do CPPB. Para a prisão decorrente da pronúncia os requisitos são a prolação da própria pronúncia e a concorrência da não-primariedade e maus antecedentes do pronunciado. Para a prisão em virtude de sentença condenatória irrecorrível, a prolação da própria sentença e maus antecedentes do condenado. E, finalmente, para a prisão temporária, os requisitos do art. 1º da lei nº 7.960/89.

Que fique claro, então, que é na ocorrência de tais requisitos gerais e específicos que a autoridade irá fundamentar suas decisões de prisão em cada situação específica, em que se fizer necessária tal medida.

Só a título de retórica, peço que o leitor atente bem para os requisitos específicos de duas espécies de prisão processual. Os da prisão decorrente da pronúncia (2ª parte do § 3º do art. 413, CPPB) e o da prisão em virtude de sentença condenatória recorrível. Ambas exigem um requisito específico em comum, qual seja, maus antecedentes.

4.1- INADEQUAÇÃO DA PRISÃO DECORRENTE DA PRONÚNCIA E DE SEUS REQUISITOS

A partir de agora passarei a me referir apenas à prisão decorrente da pronúncia, por ser esta objeto deste trabalho monográfico.

Como já foi dito acima para que seja decretada esta espécie de prisão processual, faz-se necessário a concorrência de dois requisitos específicos, além dos requisitos gerais que toda prisão deve observar. São eles a prolação de uma decisão de pronúncia e os maus antecedentes do pronunciado. Diante de tais exigências, a princípio, equivocadas, não poderia este que vos escreve ficar quieto; e é graças a esta inquietude que hoje apresento este trabalho monográfico ao mundo.

Em pesquisa feita à doutrina, à lei e à jurisprudência percebe-se que existem, tanto fumaça da inadequação doutrinária desta prisão, quanto inconstitucionalidade da utilização dos requisitos para sua determinação em específico.

O que quero dizer é que mandar prender um réu que durante o desenrolar do processo só contribuiu com a instrução criminal, quando da sua pronúncia, é por obstáculos ao seu direito constitucional de se defender das alegações contra si imputadas, agora também pelo próprio juiz prolator da pronúncia. Tal opinião encontra total arrimo nas palavras de Cesare Beccaria [20]: "Quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo que se conceda ao acusado o tempo e os meios para se justificar, se isso lhe for possível..."

O insigne autor, norteador de escolas, fala, nas palavras do parágrafo anterior, de materialidade do fato e existência de provas certas, concluindo que, mesmo em tais circunstâncias, aí é que se deve dispensar ao réu maior liberdade para elaborar, de forma plena, sua defesa. Diante das palavras de Beccaria, mais ainda se mostra inadequada a prisão decorrente da pronúncia, uma vez que esta, na verdade, é fruto de uma decisão que, para ser tomada, leva em consideração, além da materialidade do fato, meros indícios de autoria. O que existe aqui é um contracenso. Ora, o réu deve ter liberdade para se defender ou não? Cesare Beccaria [21] diz que sim. Quem dirá o contrário? O réu é, presumidamente, inocente ou não? A Constituição Federal do Brasil diz que sim. Quem dirá que não?

Os maus antecedentes criminais do réu são causa judicial de fixação da pena base, conforme redação do "caput" do art. 59 do CPB. Quem dirá o contrário? De modo que os maus antecedentes não podem servir de causa de fixação de prisão processual, se o dispositivo retrorreferido já os toma para a fixação da prisão penal. Tal contracenso abre uma lacuna no sistema jurídico penal brasileiro, enfraquecendo-o, afrontando princípios constitucionais e específicos do processo penal brasileiro e, finalmente, gerando insegurança jurídica.

Mas, tal contracenso não se restringe apenas aos campos doutrinário e legal. Também a celeuma chega ao campo da jurisprudência, conforme se verifica diante de dissidências entre julgados do Superior Tribunal de Justiça e julgados do Supremo Tribunal de Federal, relatados por Fernando Capez [22]:

... Nesse caso, reacende-se a discussão sobre a possibilidade de decretação da prisão provisória, independentemente da existência dos pressupostos da tutela cautelar... A questão continua polêmica, tendo o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, voltado a decidir que, em face do princípio da inocência presumida, somente é admissível a imposição de prisão processual – quando suficientemente demonstrado por decisão plenamente motivada a necessidade de cautela, em face da presença de uma das circunstâncias inscritas no art. 312 do Código de Processo Penal (6ª T., RHC 6.420-MG, rel. Min. Vicente Leal, j. 19-08-1997, v. u., DJU, 22 set. 1997, p. 46559). No entanto, para o Supremo Tribunal Federal é perfeitamente possível a prisão provisória obrigatória nos casos dos arts. 594 e 408, § 2º, do Código de Processo Penal (2ª T., HC 73.978-4/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, v. u., j. 13-08-1996, DJU, n. 184, 20 set. 1996, p. 34537). Provavelmente, com a posição firme do Supremo e os conflitantes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, a tendência é a questão se pacificar no sentido de que a prisão provisória é um efeito imediato e perfeitamente válido da pronúncia e da sentença condenatória, sempre que o réu for reincidente ou portador de maus antecedentes".

De acordo com as decisões exposadas alhures pelo insigne autor, também acima mencionado, percebe-se que a divergência, deveras, existe entre o STJ e o STF. Deixada de lado a diferença de nível hierárquico entre essas digníssimas Casas de Justiça, deparamo-nos com opiniões de juristas brasileiros do mais alto gabarito e estirpe da atualidade. Numa situação como esta, fica claro que a decisão mais representativa da opinião do Poder Judiciário Brasileiro é a do STF. Porém, quanto a respeito de qual decisão possui maior carga de justiça e respaldo doutrinário-principiológico e, a partir deste trabalho monográfico, de respaldo legal, fica claro que a decisão do STJ mostra-se a mais acertada.

Isto porque o STF faz uso da reincidência e dos antecedentes do pronunciado para fundamentar a decretação de prisão processual, incorrendo, portanto, esse egrégio tribunal, no mesmo contracenso que originou o pronunciamento divergente no STJ. Deste modo, o STF não decide a questão, mas a mantém pelos seus fundamentos. Ora, a discussão a respeito da matéria surgiu no STJ, justamente pelo fato de serem considerados os antecedentes do pronunciado na fundamentação das decisões de decretação de prisão decorrente da pronúncia. O STJ sim encara a questão, depois de detectar que o problema realmente existe, e aponta uma solução viável para o problema, mas que acusa definitivamente a inutilidade da prisão decorrente da pronúncia.

Sim. Pois a 6ª T. do STJ diz com todas as letras que "... somente é admissível a imposição de prisão processual – prisão preventiva ou prisão em razão de sentença de pronúncia – quando suficientemente demonstrado por decisão plenamente motivada a necessidade de cautela, em face da presença de uma das circunstâncias inscritas no art. 312 do Código de Processo Penal...". Ora, o dispositivo da lei penal adjetiva, mencionado pela decisão acima, descreve e determina os requisitos específicos necessários à decretação da prisão preventiva. Fundamentar eventual decretação de prisão decorrente da pronúncia através de tais requisitos ou motivos, como se diz na comunidade jurídica "motivos da preventiva", é, ao mesmo tempo, usurpar a utilidade jurídico-processual da prisão preventiva reservada a esta pela lei processual penal. Desta forma, estaríamos incorrendo no mesmo erro praticado pelo STF. Na medida em que este defende a usurpação da utilidade da pena pela prisão decorrente da pronúncia, uma vez que os antecedentes criminais são causa judicial de fixação da pena e a reincidência é circunstância de agravamento da pena, conforme "caput" do art. 61 do CPB; o STJ defende a usurpação da utilidade da preventiva pela prisão pronuncial, uma vez que as circunstâncias do art. 312 do CPPB são requisitos da preventiva.

"Ex positis", conclui-se que a prisão decorrente da pronúncia não possui requisitos específicos para fundamentação de sua decretação, o que a torna ilegal, antes mesmo de provarmos sua inutilidade através das palavras de Beccaria alhures. Isto porque, se a decretação de uma prisão é um tipo de decisão judicial, assim como esta, a decretação de prisão precisa ser fundamentada para surtir efeito no mundo real. Do contrário, resta inconstitucional, desta forma, ilegal, qualquer prisão decretada nestas circunstâncias.

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Sobre o autor
Jefferson Louis de Almeida Alves

Técnico judiciário do TJPE. Bacharel em Direito. Pós graduando em Gestão Pública pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Jefferson Louis Almeida. Inconveniências da prisão processual decorrente da decisão de pronúncia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3060, 17 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20440. Acesso em: 19 abr. 2024.

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