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Inconveniências da prisão processual decorrente da decisão de pronúncia

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Resumo:


  • A prisão decorrente da pronúncia é uma medida processual que possui requisitos gerais e específicos, sendo aplicada após a constatação da materialidade do fato e indícios de autoria, mas tem sido criticada por sua inconveniência e possível inconstitucionalidade.

  • As decisões judiciais que fundamentam a prisão decorrente da pronúncia frequentemente utilizam requisitos da prisão preventiva, o que evidencia a falta de fundamentos específicos para a sua decretação e levanta questionamentos sobre sua legitimidade.

  • Essa prisão processual gera controvérsias na doutrina e na jurisprudência, com opiniões divergentes sobre sua existência e aplicação, além de não considerar o comportamento processual do réu e poder antecipar indevidamente a pena.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5- PRISÃO TAMBÉM É FORÇA

Eis os significados da palavra força, segundo o dicionário Michaelis – UOL [23]:

força.

(ô), s. f. 1. Fís. Toda causa capaz de produzir ou acelerar movimentos, oferecer resistência aos deslocamentos ou determinar deformações dos corpos. 2. Mec. Potência, agente, ação, causa que gera movimentos. 3. Faculdade de operar, de mover ou mover-se. 4. Robustez, vigor muscular. 5. Violência. 6. Esforço, intensidade, veemência. 7. Necessidade, obrigação. 8. Autoridade, poder. 9. Impulso, incitamento. 10. Energia moral. 11. Contingente, destacamento de militares. S. f. pl. Mil. Tropas. Interj. Serve para animar, apoiar ou encorajar.

Da definição acima nos interessa os seguintes significados, tomados a partir de uma perspectiva do termo força como "causa capaz de algo":

a)Toda causa capaz de produzir ou acelerar movimentos...; e

b)Toda causa capaz de oferecer resistência aos deslocamentos...

Como se pode perceber, após leitura do significado de força acima, a força tanto pode gerar movimento, como evitá-lo. De modo que mesmo que um dado corpo esteja em repouso, sobre ele podem estar atuando forças capazes de colocá-lo em movimento. Neste caso tais forças neutralizam umas as outras de modo que o corpo não seda a nenhuma e, portanto, permaneça imóvel.

Mesmo em repouso o dado corpo está sob o efeito de todas as forças que sobre ele atuam. Ou seja, ele está sofrendo a ação delas e, portanto, a mercê de suas dinâmicas. O corpo, então, está preso.

Agora imaginemos que este corpo não seja um objeto, imaginemos que este corpo seja uma pessoa, um ser humano. Aí também, do mesmo modo, ele estaria preso, imóvel. Mas, em que hipótese um ser humano se encontraria em tal situação? Justamente, na hipótese desta pessoa estar encarcerada.

Também na prisão o sujeito encontra-se sob a ação de uma força. Trata-se da força capaz de oferecer resistência aos deslocamentos, acima analisada. Pois, como vimos, a força também evita o movimento.

Neste caso seria a atuação de duas forças: uma seria a força da vontade do encarcerado de deslocar-se para onde queira; a outra seria a força do Estado, através das algemas, da privação de liberdade, ou seja, das medidas processuais constritivas a sua disposição.

Tudo isto está sendo dito, para que se acabe com a demagógica impreção de que o Estado, através da polícia, só exerce a força sobre um paciente quando contra ele se diligencia uma perseguição, uma revista, uma contenção ou mesmo apreensão; e o sujeito oferece resistência a essas diligências. Não. É preciso que se atente bem para a força silenciosa que está atuando naquele momento sobre os ombros do preso e, conseqüentemente, neutralizando a força do direito constitucional e, sobre tudo, natural que este cidadão tem de estar em liberdade, de ser presumido inocente e de sua não culpabilidade.

Mas, tudo bem até então, posto que num ambiente de direito e democracia a força legalizada e legitimada pelo direito pode e deve ser utilizada para a garantia da persecução dos fins a que o Direito se propõe.

Acontece, que estas palavras não se destinam a criticar o mar de rosas que as letras das leis, sobre tudo da Constituição, nos mostram. Um Estado ideal que jamais será alcançado, mas letras que servem apenas para nos nortear a um mundo melhor, mais justo e pacífico.

Estas palavras têm por fim, fazer uma crítica ao uso abusivo da força aplicada sobre e contra o cidadão que não se opõem ao desenvolvimento da persecução punitiva estatal, mas, contrariamente, procura colaborar para a efetivação desta.

Este abuso do uso da força está ocorrendo, indiscriminadamente e pior, com falsas nuanças de legalidade na aplicação da prisão processual decorrente da decisão de pronúncia. Pois, esta, como medida processual que é, deve ser, como se vem dizendo ao longo de todo este trabalho monográfico, utilizada apenas em função de fatos relacionados ao réu que ponham em risco a efetivação da persecução punitiva estatal.

Neste diapasão, quando já claro tratar-se qualquer prisão, e isto inclui a prisão decorrente da pronúncia, de um tipo de força estatal atuante sobre o cidadão, para que tal força seja utilizada de forma legítima, ou seja, para que uma medida processual constritiva seja legítima, se faz preciso que tal medida observe o que diz o art. 284 do Código de Processo Penal Brasileiro [24].

Isto posto, se a prisão pronuncial é uma prisão, se a prisão é uma força; se o uso da força só será permitido excepcionalmente em caso de resistência ou tentativa de fuga do preso, conforme redação do art. 284, CPPB; então, que justificativa tem a lei ou o juiz de privar a liberdade de um cidadão que a todo momento colabora com a efetivação da persecução punitiva estatal? A resposta é nenhuma.


6- CAUSAS DO PROBLEMA DA DESCONSIDERAÇÃO DO COMPORTAMENTO DO RÉU

A celeuma jurídico-processual aqui abordada ocorre e continuará ocorrendo pelas seguintes causas. Primeiro devido à letra ultrapassada da lei, que continua positivando a prisão decorrente da decisão de pronúncia; em seguida a conduta de juiz excessivamente obediente à letra fria da lei, agindo, neste desiderato, de forma imprudente, ou seja, sem considerar as características do comportamento do réu no caso específico do processo penal que se desenvolve; por último, a inércia dos poderes competentes em tomar medidas normativas, típicas ou não, para modificar a redação temerária da lei processual penal.

O art. 585, CPPB é omisso em determinar que o réu primário, de bons antecedentes poderá recorrer da decisão de pronúncia em liberdade. Mas, tal omissão era suprida graças à antiga redação do art. 408 em seu §2º, CPPB. De modo que fica consolidado pela lei processual penal que na aferição da conveniência da recomendação do recolhimento do réu à prisão, no caso de ser pronunciado, o juiz deverá levar em consideração características pessoais materiais do pronunciado, ou seja, seus antecedentes criminais. O que se afigura como um equívoco da lei processual, haja vista a prisão decorrente da decisão de pronúncia tratar-se de espécie de prisão processual (medida processual constritiva). A falta de menção da lei a tais características comportamentais do réu dentro do processo leva o juiz, simples aplicador da lei, como é, a impor ao réu de características pessoais matérias desabonadoras (maus antecedentes), mas de características pessoais processuais dignas (bom comportamento no processo), o recolhimento à prisão como requisito para recorrer da pronúncia quando o crime for inafiançável.

A principal diferença de juiz para juiz está na capacidade e sensibilidade de cada um em captar, através da conduta processual do réu, percepções que o informem da maior ou menor vontade do réu em colaborar com a administração da justiça, no caso específico do processo em que envolvido. Percepções estas captadas pelo juiz sensível [25] em cada ato processual do réu: comprometimento em comparecer a todos os termos do processo; obediência aos prazos processuais; cumprimento das intimações; prática de todos os atos necessários à instrução; colaboração para o esclarecimento da verdade dos fatos; etc. Sensibilidade e capacidade que todo juiz criminal deve ter no desiderato que tem de investigar a pequena história [26] dos sujeitos envolvidos no fato delituoso, com o fim de aplicar, ao réu, não só a pena justa, mas também, as medidas processuais constritivas que o caso específico ensejar, sem ter que apelar para devaneios como o de se utilizar de características pessoais penais reservadas para o único fim de fixação/aplicação e individualização da pena, de acordo com o preceituado no art. 59, CPB, no art. 5º da LEP e no inciso XLVI do art. 5º da CF.

Para tanto, faz-se necessária uma formação humanística do bacharel que vai além do que se aprende na universidade. É preciso boa vontade por parte do juiz no ato de julgar. Primeiro, por ser este um mister de total transcendência, vez que atividade superior, somente originária e, verdadeiramente justa, daquele que foi, injustamente, pregado na cruz; depois, pela variedade de casos concretos, os quais nem sempre requerem as mesmas medidas penais ou processuais, principalmente aquelas que causam constrição da liberdade do agente.

É preciso uma aproximação entre réu e juiz que possibilite a este captar impressões subjetivas congruentes a critérios objetivos que acusem a real necessidade de determinada medida processual constritiva, entre outras. Mas, uma aproximação que não coloque em xeque a devida imparcialidade com que deve agir o magistrado no seu mister. É por isso que a atividade de julgar é uma atividade transcendente, porque, a bem desempenho dela, o juiz deve coadunar várias informações sobre o comportamento do réu em meio o processo, de modo a possibilitar ao magistrado maior conhecimento da intenção do réu em colaborar ou não com a persecução penal estatal e, conseqüentemente, encontrar maior subsídio para julgar [27]. Renata Pereira Carvalho Costa [28], advogada, mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV já considerava tal aproximação do magistrado aos sujeitos processuais, tal qual o que segue:

Imprescindível, destarte, a aproximação do magistrado das partes, a fim de que possa colher o maior número de informações necessárias para a melhor reconstrução da única versão correta do caso que lhe apresenta, atentando para o fato de que uma peculiaridade daquele caso em particular pode levá-lo a proferir uma decisão totalmente diferente de outra concedida em caso "aparentemente" similar.

Por fim, percebe-se uma omissão, que até hoje se mantém, dos poderes legislativo e judiciário, em resolver o problema da prisão decorrente da pronúncia. Problema cuja solução traduz-se, simplesmente, numa normatização típica (lei), por parte do poder legislativo, ou atípica (súmula) por parte do judiciário.

Tais medidas não foram tomadas ainda, talvez por uma cultura de antecipação na penalização de reles suspeitos que se criou na sociedade brasileira. Provavelmente, por esta testemunhar, não raras vezes, inúmeros casos de impunidade penal, o que a leva a comprazer-se com o uso das algemas e das prisões processuais sobre meros suspeitos, ou seja, penalização antecipada através da banalização do uso de medidas processuais constritivas.

É preciso modificar esta cultura da presunção de culpa para, realmente, efetivar-se o que, deveras, consta na nossa carta magna, que é a presunção de inocência e da não culpabilidade até sentença penal condenatória transitada em julgado [29].


7- INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA FACE A APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROCESSUAIS CONSTRITIVAS

Já foi dito que a prisão decorrente da pronúncia trata-se de uma medida processual constritiva e que, por isso, deve ter como fundamentos; o comportamento do agente durante o desenvolvimento do processo que revele uma real vontade deste em obstar o livre desenvolvimento da pretensão punitiva estatal; e a real necessidade de prendê-lo.

O que se quer dizer é que o juiz deve pesar as circunstâncias da conduta processual do agente e não as circunstâncias pessoais suas, tais como: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, reincidência. Visto que tais circunstâncias pessoais já serão sopesadas, ou consideradas, quando da fixação da pena base (medida penal constritiva). A utilização de tais circunstâncias como requisito para decretação de prisão processual mais parece execução antecipada de pena.

Infligir ao paciente uma medida processual constritiva, que é medida de natureza cautelar, como tal a prisão decorrente da pronúncia, a pretexto das circunstâncias pessoais alhures referidas, é constranger o réu duas vezes pelo mesmo fato, o que acaba gerando uma situação de perplexidade ao arrepio do princípio do "non bis in ibdem".

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Um fato ilustrativo do exposto até aqui foi o caso de um réu submetido a júri popular, no qual teve de permanecer o tempo todo sob o uso de algemas. Fato este que foi impugnado pelo defensor a título de nulidade e que acabou chegando ao STF através de recurso que pugnava pela anulação do feito e realização de novo júri, devido ao uso abusivo das algemas, uma vez que todo o comportamento do réu durante o julgamento fora tranquilo e, por isso, desmerecedor da imposição de qualquer medida processual constritiva. Para encurtar a história, a turma julgadora no supremo acabou decidindo por unanimidade pela anulação do júri e realização de novo julgamento, desta vez sem o uso das algemas, sob o fundamento de que o uso destas, sem que o réu tenha oferecido resistência ao andamento do processo, caracteriza, além do abuso de poder, achincalhamento da dignidade da pessoa do réu e afrontamento à presunção de inocência em favor deste. Outras decisões neste mesmo sentido foram tomadas, posterior e reiteradamente, por aquela colenda corte, o que a levou a editar em 2008 a súmula das algemas, como é mais conhecida a súmula vinculante nº 11 [30].

Ocorre que o uso de algemas, prisões processuais, arrestos, seqüestros, medidas de segurança provisórias etc., são espécies do gênero medida processual constritiva. Estas são medidas tomadas pelo juiz, nas quais é empregado o uso da força devido à insubordinação do agente às ordens da autoridade relacionadas ao processo e, necessárias ao desenvolvimento da persecução punitiva estatal.

As algemas devem ser usadas quando o suspeito, o indiciado, o acusado, o réu, bem assim o pronunciado oferecerem resistência à ação da autoridade na prática de atos necessários à realização da persecução punitiva estatal. Por tanto, seu uso só se justifica perante tal situação, conforme se infere das redações do art. 284, CPPB [31] e da referida súmula vinculante. O mesmo pressuposto deve nortear a autoridade antes de aplicar quaisquer outras medidas processuais constritivas, ou seja, só usar da força perante a recalcitrância ou a tentativa de fuga do destinatário da medida.

Isso quer dizer que a recalcitrância do paciente é o pressuposto do uso da força na execução das medidas processuais constritivas tomadas pela autoridade no sentido de realizar a persecução punitiva estatal. Do mesmo modo, as prisões processuais, medidas processuais constritivas que são, ou seja, imbuídas do uso da força do Estado sobre os ombros do paciente, elas também devem ter a recalcitrância do paciente como pressuposto ensejador de sua aplicação. Do contrário, agir constritivamente sem a presença de tal pressuposto (a necessidade, perante a recalcitrância) é desviar da vista do Direito o uso da força pelo Estado sobre os ombros do cidadão. Tal experiência, ou seja, o uso da força sem a tutela do Direito, já foi vivida em outros tempos e regimes, tanto em outros países, quanto no Brasil, de modo que o resultado já se sabe qual é. Que o digam os judeus, os "hereges", os iugoslavos, nós próprios, etc.

Quanto às circunstâncias pessoais, estas só deverão ser sopesadas no momento da fixação da pena pelo juiz, conforme determina o "caput" do art. 59, CPB [32]. Isto porque tais circunstâncias servem, justamente, para a individualizar ou mesmo dosar a pena de acordo com as peculiaridades de cada condenado, conforme manda o inciso XLVI do art. 5º [33] da CF. Este último dispositivo leva em consideração tais circunstâncias para a individualização da pena, o que levou o art. 59 do CPB a ser recepcionado face a constituição de 1988, haja vista, este dispositivo regular de forma satisfatória esta norma constitucional, apesar de sua redação ter sido melhorada pela lei 7.209/84.

Na verdade, e para encerrar este tópico, as circunstâncias pessoais a que aludo neste trabalho, que dizem respeito, além do que já foi dito, aos antecedentes e à personalidade do agente, apenas devem ser consideradas em dois momentos: um, na fixação da pena [34], em meio à persecução punitiva estatal; o outro, na classificação do condenado para orientar a individualização da execução penal, neste último momento, em meio à persecução executiva estatal, conforme redação do art.5º da LEP [35].

Do exposado, conclui-se que a carta magna do Brasil, no inciso XLVI do seu art. 5º, determina que a lei regulará a individualização da pena; de modo que as leis que regulam a individualização da pena adotam, para tanto, critérios que levam em consideração a personalidade e os antecedentes sociais, familiares e individuais do agente, tudo atendendo ao espírito do dispositivo constitucional em comento. Desta feita, caso tais critérios individualizadores da pena sejam utilizados com outra finalidade, como no caso da aplicação de medidas processuais constritivas: uso de algemas; decretação de prisão processual; etc; incorrer-se-á em inconstitucionalidade, uma vez que tais critérios foram criados pelo legislador infraconstitucional para atender à finalidade da individualização da pena determinada, também, pela constituição de 1988 e não para aplicação de medidas processuais constritivas; haveria, portanto, desvio da finalidade que a constituição atribuiu à lei reguladora da individualização da pena.

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Sobre o autor
Jefferson Louis de Almeida Alves

Técnico judiciário do TJPE. Bacharel em Direito. Pós graduando em Gestão Pública pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Jefferson Louis Almeida. Inconveniências da prisão processual decorrente da decisão de pronúncia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3060, 17 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20440. Acesso em: 22 dez. 2024.

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