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A visita técnica nos procedimentos licitatórios

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A lei de licitações não prevê determinadas especificidades para realização da visita técnica, como por exemplo: quem pode realizá-la, qual o período para a sua realização, se se trata de obrigação ou faculdade da empresa licitante.

Sumário:1 – Introdução; 2 – Competência para realização da visita técnica; 3 – Período para sua realização; 4 – Obrigação ou faculdade?; 5 – Conclusão.


1 – Introdução

A Lei de Licitações, em seu art. 30, inc. III prevê a possibilidade de a Administração Pública requerer a comprovação de que o licitante recebeu os documentos e tomou conhecimento de todas as informações e condições do local para o cumprimento do objeto licitado, nos seguintes termos:

"Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

..............................

III – comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que, recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação";

No entanto, verificamos que ainda existem muitas dúvidas por parte dos órgãos públicos quanto à sua utilização e muitos questionamentos perante os Tribunais de Contas em razão de cláusulas restritivas relacionada à questão da visita técnica.

Conforme se verifica pela legislação acima citada, o atestado de visita técnica é enquadrado pela Lei de Licitações como documento habilitatório relativo à comprovação da qualificação técnica do licitante.

Por meio desse documento comprova-se que a empresa licitante tomou conhecimento das condições do(s) local(is) para o cumprimento das obrigações objeto do certame. Contudo, a referida norma não prevê determinadas especificidades para realização da visita técnica, como por exemplo: quem pode realizá-la, qual o período para a sua realização, se se trata de obrigação ou faculdade da empresa licitante. Tais normatizações deverão constar do ato convocatório.

São essas indagações que tentaremos responder com este artigo.


2 – Competência para realização da visita técnica

A primeira indagação refere-se a quem compete realizar a visita técnica.

Não é raro analisarmos editais de licitação para execução de obra ou prestação de serviços de engenharia e nos depararmos com cláusula na qual a Administração exige que somente o engenheiro da empresa licitante poderá realizar a visita técnica.

A nosso ver, esse tipo de cláusula é restritiva ao caráter competitivo do certame e, quiçá ilegal.

A lei não determina a quem compete verificar o local de prestação de serviços ou execução da obra, deixando a responsabilidade da indicação do responsável a cargo da empresa licitante. Para esta, no entanto, é interessante enviar um profissional capacitado e que tenha conhecimento suficiente do objeto licitado, para, inclusive auxiliar na elaboração da proposta, uma vez que é nesse momento que a empresa esclarecerá dúvidas técnicas com relação ao local de prestação dos serviços ou execução da obra.

Conforme ensina Marcelo Palavéri:

"Com a visita técnica pode se cometer ilegalidade, antecipando exigência da fase de habilitação, caso se estabeleça a necessidade de que seja realizada por determinado profissional, responsável técnico do licitante. Isso antecipará a apresentação pelo licitante de seu representante, o que só é exigido quando da apresentação do envelope de habilitação, em momento posterior à visita, O Tribunal rechaça esse tipo de exigência, de modo que os editais devem deixar a cargo do licitante a indicação dos profissionais que promoverão a visita, sendo certo que os licitantes enviarão técnicos habilitados, por vezes, os próprios responsáveis técnicos para que possam obter as indispensáveis informações para bem formular as propostas". (cf. in Licitações Públicas. Comentários e notas às súmulas e à jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, 1ª ed., Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2009, p. 762).

Recentemente, inclusive, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo traçou diretrizes gerais a respeito da matéria, no julgamento do TC nº 333/009/11, nos seguintes termos:

"Por derradeiro, em relação à pessoa que deverá ser designada para o evento, penso que o encargo é atributo exclusivo da licitante, cabendo a ela eleger o profissional responsável que entenda como o mais adequado para a tarefa, independente de ser engenheiro ou não.

Aliás, assim decidiu o Plenário do Tribunal, nos TC-000202/013/10, TC-13464/026/09 e TC-16339/026/08".


3 – Período para sua realização

Outra questão bastante polêmica refere-se ao período para realização da visita técnica.

Em que pese se tratar de poder discricionário da Administração estabelecer no ato convocatório, as datas e horários para a realização da visita técnica, essa discricionariedade encontra limites nos princípios da competitividade e razoabilidade, razão pela qual se recomenda que se estabeleça um período flexível de datas e horários distintos a fim de dar fiel cumprimento aos referidos princípios.

A fixação de uma única data para a realização da visita técnica é amplamente rechaçada pelos Tribunais de Contas, pois restringe a ampla competitividade do certame.

Assim se manifestou o Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 3119/2010 - Plenário:

"1.6.2. alertar a (…), para que, nos futuros procedimentos licitatórios que envolvam recursos públicos federais, haja observância das seguintes orientações:

(…)

1.6.2.2. estabeleça prazo adequado para a realização de visitas técnicas, não restringindo-a à dia e horário fixos, tanto no intuito de inibir que os potenciais licitantes tomem conhecimento prévio do universo de concorrentes, quanto a fim de que os possíveis interessados ainda contem, após a realização da visita, com tempo hábil para a finalização de suas propostas" (supressão nossa)

Além disso, determinar que a visita técnica seja realizada em um único horário de determinado dia pode dar azo à possibilidade de ajustes prévios entre os licitantes.

Nesse sentido leciona Marcelo Palavéri:

"1. agendamento de data única: sob o argumento de que não pode deixar servidor disponível para os licitantes, e de que não pode ficar à disposição destes, a Administração marca data única para a visita. Com isso, concentra todos os licitantes em uma única reunião antes de apresentarem as propostas, dando espaço para acertos preliminares que poderão comprometer a competitividade (…) O Tribunal, acertadamente, vem entendendo em decisões mais recentes que durante o prazo destinado a aguardar as propostas deve se deixar livre para o licitante a possibilidade de agendar antecipadamente a visita e promovê-la sozinho ou em grupo a qualquer momento". (ob. cit., p. 754).

Conforme mencionado anteriormente, em relação ao assunto o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo traçou as seguintes diretrizes gerais:

"a marcação de mais de uma data para vistoria, inclusive com a possibilidade de agendamento, preferencialmente intercaladas entre si, ou dentro de um lapso temporal moderado, a critério da discricionariedade administrativa, restringindo-se a estipulação de data única somente em casos excepcionalíssimos, nos quais haja justificativas de ordem técnica que amparem a medida;

- as datas ou o intervalo de tempo para o evento deverão ser marcados de acordo com o princípio da razoabilidade, de forma que proporcionem, de um lado, a plena ciência do edital a todos que efetivamente se interessem e, de outro, tempo hábil para que as licitantes elaborem adequadamente as suas propostas" (cf. in TC nº 333/009/11).

O Tribunal de Contas da União também recentemente se manifestou a respeito da limitação de realização de visita técnica em dia e horário único, conforme se verifica no seu Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 73:

"Concorrência pública para a contratação de serviços e fornecimento de materiais: 2 – A realização de vistoria técnica não deve estar limitada a um único dia e horário.

(…)

Em seguida, apontou a unidade responsável pelo feito possíveis implicações para a visita técnica em horário pré-determinado: ônus indevido às interessadas, porque lhes cercearia o direito de definir o melhor momento para o cumprimento da obrigação; antagonismo com diversos julgados do Tribunal (v.g. nos Acórdãos nos 1.332/2006, 1631/2007 e 326/2010, todos do Plenário); potencialização da possibilidade de formação de concertos prévios entre os pretensos licitantes, haja vista a fixação de visita ao local das obras de dia e hora certos, dentre outras. Ao examinar ao assunto, o relator consignou em seu voto que, conquanto não considerasse abusiva a necessidade de vistoria por parte das licitantes interessadas, no caso concreto poderia ter ocorrido restrição desnecessária à competição do procedimento licitatório, em face das consequências decorrentes da exigência. Votou, então, por que se determinasse ao (…) que, em suas futuras licitações, deixasse de limitar a realização de vistoria técnica a um único dia e horário, sem prejuízo de propor a fixação de prazo para que entidade adotasse as devidas medidas, com vistas à anulação do certame, o que foi aprovado pelos demais membros do Plenário. Precedentes citados: Acórdãos nos 2028/2006-1ª Câmara, 1450/2009-2ª Câmara, e 874/2007, 2477/2009, 2583/2010 e 3197/2010, todos do Plenário. Acórdão n.º 1948/2011-Plenário, TC-005.929/2011-3, rel. Min.-Subst. Marcos Bemquerer Costa, 27.07.2011".

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Por fim, cabe ressaltar que, somente em situações excepcionais, devidamente justificadas que evidenciem prejuízo à Administração e/ou ao interesse público, tais como inexistência de servidores suficientes a serem disponibilizados para acompanharem os representantes das empresas nas visitas técnicas; natureza do local a ser vistoriado que exija procedimentos rigorosos de vigilância e segurança, como p. ex., penitenciárias.


4 – Obrigação ou faculdade?

A última questão que nos propomos a debater refere-se à visita técnica ser uma faculdade ou obrigação para os licitantes.

Inicialmente, a Administração Pública deverá atentar que a imposição de vistoria técnica deve ater-se a situações especiais, ou seja, àqueles objetos cuja complexidade ou sua natureza a justifique.

A principal questão que se coloca é saber se, uma vez exigida pelo ato convocatório, a vista técnica é uma faculdade ou dever do interessado, sob pena de inabilitação.

Se considerarmos como uma faculdade do licitante, devemos entender que o licitante está aceitando todas as condições do local de contratação por inteira responsabilidade.

Inclusive, neste caso, bastaria uma mera declaração firmada pelo responsável da empresa, de que a licitante tem conhecimento do local, condições e peculiaridades do objeto, assumindo a responsabilidade por eventuais constatações posteriores que poderiam ter sido verificadas caso tivesse realizado a visita técnica.

Por outro lado, se entendermos que se trata de uma obrigação, a sua não realização acarretará a inabilitação do licitante.

Corroborando esse entendimento, temos os ensinamentos de Renato Geraldo Mendes:

"Seguindo a lógica e a determinação prevista na parte final do inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal, é possível resolver a questão de duas diferentes formas. A determinação constitucional é no sentido de que as exigências técnicas sejam calibradas pelo objeto (ou pelas obrigações a serem executadas). A solução tem de seguir essa lógica necessária. Portanto, a solução variará de acordo com a complexidade da obrigação (objeto). Sendo as condições locais de execução pouco relevantes para o sucesso da contratação, poderá a Administração apenas facultar ao licitante direito de realizar a vistoria. Por outro lado, sendo as condições locais relevantes, poderá a Administração impor a condição de realização da vistoria como um dever, cujo não cumprimento acarretará a inabilitação do licitante".


5 – Conclusão

Conclui-se, portanto, que para a Administração exigir em seus atos convocatórios que os licitantes procedam à visita técnica deverá atentar se o objeto a ser licitado possui peculiaridades que necessariamente deverão ser verificadas e sopesadas pelos interessados para a elaboração de suas propostas.

Além disso, a determinação dos dias e horários deverá obrigatoriamente ater-se aos princípios da razoabilidade e competitividade.

Por fim, as exigências deverão ater-se somente àquilo que realmente atenda ao interesse público envolvido, não podendo a Administração imiscuir-se na atividade da empresa em relação à designação do responsável técnico pela realização da vistoria.


BIBLIOGRAFIA

ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras Públicas: Licitação, Contratação, Fiscalização e Utilização, 2ª ed., Belo Horizonte, Editora Fórum, 2009.

FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª ed., São Paulo, Dialética, 2008.

JUNIOR. Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 8ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009.

MENDES, Renato Geraldo. Lei de Licitações e Contratos Anotada, 8ª ed., Curitiba, Zênite Editora, 2011.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos, 11ª ed., Belo Horizonte, Del Rey Editora, 2008.

PALAVÉRI, Marcelo. Licitações Públicas. Comentários e notas às súmulas e à jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, 1ª ed., Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2009.

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Sobre a autora
Renata Lopes de Castro Bonavolontá

Advogada especialista em Direito Público pela ESMP/SP. Consultora jurídica de órgãos públicos e empresas privadas em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONAVOLONTÁ, Renata Lopes Castro. A visita técnica nos procedimentos licitatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3060, 17 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20448. Acesso em: 24 abr. 2024.

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