Introdução
A preocupação da doutrina processual mais moderna, uma vez já tendo alcançado o direito processual status de ramo autônomo da ciência jurídica, consiste num afastamento do dogma da neutralidade do processo, antes considerado imprescindível para firmar-se como ramificação específica da enciclopédia jurídica, com o intuito de buscar suprir a necessidade de adequação do processo ao direito material que se busca efetivar.
Nesse novo contexto, em que a tutela jurisdicional dos direitos começou a ser estudada pelo ponto de vista dos jurisdicionados, revelou-se a necessidade de que sejam elaboradas novas técnicas processuais voltadas a propiciar uma tutela adequada e tempestiva às variadas situações de direito material, tendo sempre em mira o aspecto instrumental pelo qual o processo deve ser visto.
Essa tendência teve como um de seus ápices o surgimento da antecipação de tutela, expediente de suma importância para se alcançar o almejado processo efetivo e célere, de modo que, nos casos em que a defesa é exercida de maneira abusiva, ou nas hipóteses em que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito, e desde que haja probabilidade da existência do direito material, abre-se ensejo para que se antecipem os efeitos da tutela ao final pretendida, satisfazendo-se imediatamente a pretensão do autor, e distribuindo o ônus do tempo, que antes era somente suportado pelo demandante.
Surge, contudo, um novo dilema no panorama do direito processual civil brasileiro, concernente à possibilidade de extensão desta técnica processual da tutela antecipatória ao sistema recursal pátrio, mais precisamente ao recurso de apelação cível, tema esse que é o objeto do presente trabalho acadêmico.
Isso porque, não obstante a expressa previsão legal acerca da possibilidade do relator conceder a antecipação de tutela recursal no bojo agravo de instrumento, já em segundo grau de jurisdição, nos termos do artigo 527, inciso III, do Código de Processo Civil, não há qualquer dispositivo de lei expresso que enseje tal medida em sede de recurso de apelação.
Ocorre que, é bastante corriqueiro que, tendo a discussão acerca da lide se esgotado na primeira instância, haja vista o juízo a quo ter proferido sentença, configurem-se posteriormente os pressupostos autorizadores da antecipação de tutela, ou seja, já quando o debate foi levado ao tribunal ad quem, em virtude da interposição de apelação cível, a situação fática, somada ao requerimento do apelante, cria uma conjuntura em que a tutela antecipatória torna-se não somente possível, mas essencial à proteção eficaz do direito do recorrente.
Nesse contexto, a rica casuística que desemboca nos tribunais pátrios demandará em muitos casos, quando se faça mister afastar o perigo de dano irreparável ao direito tido como verossímil, a medida antecipatória, de forma que sua negativa não é razoável, visto que importaria no sacrifício da própria jurisdição, que se propõe a prestar uma tutela efetiva e tempestiva.
Ademais, se for tomado em conta um dos escopos que amparou a própria criação da tutela antecipada, instrumento de cunho eminentemente satisfativo, qual seja, o de reduzir o uso de seus sucedâneos – do mandado de segurança e das cautelares ditas satisfativas –, permitindo uma solução endoprocessual do problema, cominado ainda com a elaboração de uma interpretação teleológica, juntamente com a interpretação sistemática do ordenamento jurídico-processual, como adiante será visto, vislumbra-se uma necessidade de consolidar de uma vez por todas a possibilidade de estender-se o instituto da tutela antecipada ao recurso de apelação cível.
1.A reforma do código de processo civil e a tutela antecipada
É indene de dúvidas a premissa de que o desenrolar do processo demanda certo lapso temporal. E tal não poderia ser de maneira diversa, posto que a garantia de certos direitos fundamentais, como a ampla defesa, o contraditório, ou mesmo a segurança jurídica, que, inclusive, é postulado essencial ao Estado Democrático de Direito, exige que se utilize de certo transcurso de tempo.
Nesse sentido, de que o processo não dispensa o decurso de tempo, as palavras de Athos Gusmão Carneiro são esclarecedoras:
No plano processual é inconcebível um processo, mesmo sob os influxos de rigoroso princípio da oralidade, que não se alongue no tempo, com a concessão de prazos para que as partes, sob o pálio do contraditório, possam apresentar seus pedidos e impugnações, comprovar suas afirmativas em matéria de fato (excepcionalmente também de direito), insurgir-se contra decisões que lhe sejam desfavoráveis; e também o juiz precisa de tempo para apreender o conflito de interesses e para habilitar-se a bem fundamentar as decisões interlocutórias e, com maior profundidade, a sentença (nos juízos singulares como nos colegiados). [01]
Ocorre que, apesar do fator tempo ser essencial, e até mesmo inafastável, a excessiva morosidade dos processos tornou-se o principal fator da crise do Poder Judiciário e do descrédito que essa instituição passou a sofrer frente aos consumidores do serviço jurisdicional.
Isso porque, enquanto tramitava o feito, e até que fosse entregue o bem da vida requestado pelo autor da demanda, o que somente ocorria ao fim de um longo processo de conhecimento e de sua subseqüente execução, o bem objeto do direito muitas vezes perecia, tornando a atividade jurisdicional e todo esforço despendido totalmente inúteis, frustrando o direito do demandante.
E essa inefetividade, gerada pela demora na prestação da tutela judicial, atingia em grau ainda mais acentuado aquelas pessoas desprovidas de recursos financeiros e que buscam a solução dos seus problemas no Poder Judiciário, porquanto as partes mais pobres muitas vezes não têm condições de aguardar o desfecho final do processo sem que experimentem um grave prejuízo em seu direito.
Destarte, muitas vezes essas pessoas que são pobres ficam obrigadas a transacionar com o adversário, que, mesmo não se encontrando amparado pelo direito, utiliza-se da lentidão da justiça como mecanismo de pressão para a negociação dos termos da rendição [02].
Ademais, impende destacar que, a partir do momento em que o Estado arvorou-se como titular exclusivo da função jurisdicional, coibindo a autotutela, e agindo em substituição às partes, ele assumiu a responsabilidade de amparar de maneira adequada e efetiva o direito daqueles que buscam seus serviços, incumbindo-se de realizar o mesmo resultado que ocorreria acaso a ação privada não estivesse vedada [03].
A respeito do conteúdo desse acesso à justiça, garantido pelo Estado, atente-se para a lição exposta por Kazuo Watanabe:
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inc. XXV do art. 5º. da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução. [04]
Nesse contexto de crise, em que os direitos não eram satisfatoriamente amparados, principalmente em decorrência da excessiva morosidade e formalismo, surgiu a consciência de que o direito processual não mais podia fechar os olhos para o direito material, assim como para a variada natureza dos diversos bens jurídicos envolvidos nas contendas.
Destarte, a imposição da prestação de uma tutela jurisdicional adequada e efetiva, contrapartida necessária em virtude da assunção do monopólio da Jurisdição por parte do poder público, levou à necessidade de que fossem adotadas técnicas processuais capazes de propiciar uma solução ajustada às diversas situações concretas [05].
Desse modo, e sem correr o risco de ser tachado de imanentista, para o processualista moderno, o processo deve ser examinado a partir de seus resultados práticos [06], levando-se em conta que a solução desse problema de efetividade não dispensa uma adequada combinação de técnicas processuais, a fim de que se possibilite dar, de forma célere, a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter.
Foi a partir do advento da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, a qual deu nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, que se universalizou no direito processual civil brasileiro uma dessas técnicas processuais, qual seja, a antecipação de tutela.
A universalização do referido instituto processual valorizou sobremaneira o princípio da efetividade da função jurisdicional, posto que essas medidas antecipatórias, que até então se delimitavam a determinados procedimentos especiais, estenderam-se ao procedimento ordinário, e até mesmo a outros tipos de processo.
Essa mudança, que não se cuida de uma simples alteração legislativa, mas sim de uma modificação da própria concepção do sistema processual, tornou possível, ainda durante o desenvolvimento do processo de conhecimento, antecipar a realização de providências executórias que poderiam advir de uma provável e futura sentença de procedência [07].
Trata-se, a técnica da tutela antecipatória, de uma valorização ao princípio da efetividade, na medida em que se baseia em uma forma de cognição mais restrita no que tange à sua profundidade.
Nessa toada, diversamente do que se verifica no mecanismo de cognição exauriente, que garante de forma plena o contraditório, buscando um juízo de certeza para apoiar a decisão judicial, a tutela antecipada fundamenta-se numa técnica de cognição sumária, pois sua concessão requestará tão somente um juízo de probabilidade.
Exatamente por satisfazer-se com a simples verossimilhança do direito alegado, o juiz restringe-se a afirmar a probabilidade de procedência da pretensão do autor, nada obstando a ulterior mudança de entendimento no desenrolar da instrução processual.
A importância da medida antecipatória reside precisamente no fato de que mesmo sendo provisória, sua concessão já enseja a prática de atos de execução, tutelando-se o direito do autor [08]. Trata-se, logo, de uma tutela satisfativa, visto que efetiva o direito material discutido, com a entrega do bem da vida almejado.
Na verdade, antes da universalização da tutela antecipatória, instituto de caráter nitidamente progressista, nosso processo civil, de raízes romanísticas, sempre adotou a sistemática de que somente se realizavam atos executivos após a sentença definitiva, de sorte que o Judiciário apenas imiscuía-se no patrimônio do réu quando acertado o direito do demandante, o que não dispensava uma cognição exaustiva [09].
Essa vantagem, favorável ao réu, decorria de um apego cego ao princípio da segurança jurídica por parte daqueles responsáveis pela construção dos procedimentos processuais, sendo que a antecipação de tutela veio mitigar esse rigor em favor das novas exigências de um processo mais efetivo.
Ademais, destaque-se que a antecipação de tutela consiste em técnica de distribuição do ônus do tempo do processo, visto que o autor sempre suportou de maneira exclusiva a lentidão com que transcorria o iter procedimental. Nesse sentido são pertinentes os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:
Desta forma concretiza-se o princípio de que a demora do processo não pode prejudicar o autor que tem razão e, mais do que isso, restaura-se a idéia – que foi apagada pelo cienticifismo de uma teoria distante do direito material – de que o tempo do processo não pode ser um ônus suportado unicamente pelo autor. [10]
1.1 Pressupostos para a concessão da tutela antecipada
Como acima se estudou, a tutela antecipada, instituto que se arrima, sobretudo, no princípio da efetividade processual, enseja a efetivação adiantada do direito do autor não só na hipótese de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, como também no caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
Para que se proceda a uma análise acurada dos requisitos legais da tutela antecipatória, imprescindível atentar para o que proclama o artigo 273 do Diploma Processual Civil:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
[...]
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
[...]
Inicialmente, cumpre destacar que, nos termos da lei, a antecipação dos efeitos da tutela pode ser total ou parcial. Nessa toada, um dos fatores que delimitará a extensão da medida judicial será o "princípio da menor restrição possível", porquanto, sendo tal provimento antecipatório, em certa medida, uma ressalva ao postulado da segurança jurídica, tal restrição somente será legítima no limite do imprescindível à salvaguarda de outro direito fundamental igualmente amparado pelo ordenamento jurídico [11].
Vislumbra-se ainda, através de uma singela leitura do caput do artigo 273, acima transcrito, que o primeiro pressuposto autorizador da medida antecipatória consiste no requerimento da parte postulante.
Nesse diapasão, não somente o autor da demanda, mas também o réu-reconvinte estão autorizados a pleitear a medida. Isso porque, a reconvenção nada mais é do que uma ação proposta pelo réu em face do autor, no bojo do mesmo processo.
A tutela antecipada pode ainda ser requerida pelo opoente, autor da oposição; pelo demandante, contra o réu originário e os chamados ao processo; pelos intervenientes, como o assistente litisconsorcial; e até mesmo pelo réu, nas ações dúplices, quando o mesmo formula pedido em sua contestação [12].
Ainda no que concerne ao requerimento da tutela antecipada, inexiste qualquer formalidade para que seja formulado tal pleito, de modo que é suficiente uma simples petição direcionada ao magistrado competente, em que se demonstre a existência dos pressupostos legais. E nem mesmo haveria qualquer óbice legal ao pedido na forma oral, tal como poderia ocorrer em um procedimento de rito sumário [13].
São ainda pressupostos legais de ordem necessária para a concessão da medida antecipada: a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações da parte postulante. Isso porque, nos termos do artigo 273 do CPC o juiz somente concederá a tutela antecipatória "desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".
A interpretação do que seja prova inequívoca deve ser realizada tomando-se em consideração o objetivo da tutela antecipatória. Assim sendo, prova inequívoca não deve ser confundida com aquela que conduza à verdade absoluta, mas sim com a prova suficiente para que se forme no magistrado um juízo de probabilidade, de verossimilhança.
Observe-se o que leciona nesse ponto Fredie Didier Jr.:
Prova inequívoca não é prova irrefutável, senão conduziria a uma tutela satisfativa definitiva (fundada em cognição exauriente) e, não, provisória. A exigência não pode ser tomada no sentido de "prova segura", "inarredável", capaz de induzir a certeza sobre os fatos alegados, sob pena de esvaziar completamente o conteúdo das tutelas antecipadas, que só poderiam ser deferidas, desse modo, após toda a instrução processual, após uma cognição profunda. [14]
A prova inequívoca deve, portanto, conduzir o julgador a um juízo de verossimilhança, de sorte que a simples alegação do demandante, desacompanhado de elementos probatórios, por mais verossímil que pareça, não enseja a concessão da medida antecipatória.
Esclareça-se, além disso, que o juízo de verossimilhança a que é levado o magistrado, a partir da prova inequívoca carreada aos autos, refere-se não somente a uma verdade provável acerca dos fatos narrados pelo postulante, mas também à plausibilidade da subsunção dos fatos à norma invocada, gerando os efeitos jurídicos pretendidos em seu favor [15].
Outrossim, impende gizar que a prova inequívoca que conduz à verossimilhança, pressuposto necessário à antecipação de tutela, não se equipara ao fumus boni iuris da medida cautelar.
Isso se deve à maior profundidade da cognição daquela em relação à cautelar, pois enquanto a tutela antecipatória requer verossimilhança fundada em prova, a tutela acautelatória se satisfaz com a simples plausibilidade, independente de prova inequívoca [16].
E mais, consoante se extrai da leitura do §2º do artigo 273 do CPC, acima referido, não se concederá a medida antecipatória na hipótese de irreversibilidade do provimento antecipado. Trata-se de pressuposto de natureza negativa, vez que a antecipação dos efeitos da tutela condiciona-se à sua inexistência.
Esse pressuposto negativo fundamenta-se justamente na provisoriedade que caracteriza a tutela antecipada, e que decorre da exigência de uma mera cognição sumária para sua admissão.
É precisamente por ser provisória que essa espécie de tutela também é revogável e modificável, como estabelece o §4º do mesmo artigo 273.
Assim, por haver o risco de modificação ou de revogação no curso do procedimento, ou mesmo de não ser confirmada na sentença final, é razoável que se garanta ao réu a possibilidade de retorno ao status quo ante, sem prejuízos para o mesmo, e em prol de sua segurança jurídica [17].
Ocorre que, em alguns casos, do mesmo modo que o deferimento da medida antecipada proporciona um risco à produção de efeitos irreversíveis em desfavor do demandado, o seu indeferimento diversas vezes também pode ensejar danos irreparáveis para o autor da pretensão.
Nessas hipóteses, nas quais o risco de irreversibilidade é recíproco, deve-se considerar insuficiente a mera adoção do critério do direito provável para a solução desse conflito, sendo indispensável que se proceda a uma ponderação dos valores jurídicos, conforme impõe o princípio da proporcionalidade, a fim de que sejam sopesados prudentemente os bens jurídicos em questão. Atente-se para o argumento de Marinoni:
O princípio da probabilidade não pode desconsiderar a necessidade da ponderação do valor jurídico dos bens em confronto, pois, embora o direito do autor deva ser provável, o valor jurídico dos bens em jogo é elemento de grande importância para o juiz decidir se antecipa a tutela nos casos em que há risco de prejuízo irreversível ao réu [18].
Uma vez preenchidos os pressupostos cumulativos acima elencados, surge a necessidade de que se verifique a existência de pelo menos um dos seguintes pressupostos alternativos: "fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação" (artigo 273, inciso I, do CPC), ou "o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu" (artigo 273, inciso II, do CPC).
No primeiro caso, apelidado de antecipação de tutela assecuratória, antecipam-se os efeitos da tutela pretendida para assegurar, como a própria denominação deixa entrever, que o direito pleiteado não sofra uma lesão grave no curso do processo.
Destarte, tanto aquele dano cujos efeitos são irreversíveis, como aquele que provavelmente não será revertido, desde que sejam concretos, atuais e graves, não sendo, ainda, possível que se aguarde o desfecho final do processo para a entrega do bem da vida, merecem ser combatidos por intermédio da tutela antecipada [19].
O entendimento de Teori Albino Zavascki sobre esse ponto é o seguinte:
O risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que enseja a antecipação assecuratória é o risco concreto (e não o hipotético ou eventual), atual (= o que se apresenta iminente no curso do processo) e grave (= o potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte). Se o risco, mesmo grave, não é iminente, não se justifica a antecipação da tutela [20].
Já no que concerne ao pressuposto alternativo do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, denomina-se tal modalidade como antecipação de tutela punitiva, porque a medida antecipatória, na verdade, sanciona aquele que age de má-fé, obstando o regular processamento do feito.
As expressões "abuso de direito de defesa" e "manifesto propósito protelatório do réu" não possuem um conteúdo precisamente definido, cabendo ao intérprete da norma investigar qual o comportamento pode enquadrar-se na moldura legal.
Cuidam-se, destarte, de conceitos indeterminados, cujo preenchimento merece uma análise casuística por parte do aplicador do direito [21].
Como se vê, através dessa técnica de distribuição do ônus do tempo no processo, nosso sistema processual afasta-se um pouco da excessiva preocupação com o direito de defesa, apregoada pelo sistema liberal, e passa a atentar para os valores da celeridade e da efetividade processuais.
1.2 Efeitos antecipáveis
Antes de tudo, esclareça-se que o presente trabalho adere ao posicionamento de que a tutela executiva e a mandamental situam-se ao lado da tutela condenatória, visto que as três distinguem-se entre si mais pela forma em que são realizadas pelo magistrado, do que pelo seu conteúdo sancionatório [22].
Assim, tomando por premissa a adoção da teoria ternária, no que se refere às espécies de eficácia que preponderam em uma determinada tutela jurisdicional, cumpre salientar que a medida antecipatória afigura-se cabível em qualquer uma das modalidades de decisões, seja a condenatória, declaratória ou constitutiva.
Desse modo, é sempre possível, desde que atendidos os pressupostos legais, adiantar no tempo os efeitos que podem decorrer da sentença condenatória de mérito, o que nada mais é do que uma produção antecipada dos efeitos executivos que poderiam decorrer do provimento final. Antecipa-se a execução, realizando-se materialmente o direito por meio de uma execução provisória, já que provisório é o título executivo.
É oportuno ainda destacar que, num dos primeiros passos em busca de um processo sincrético, o artigo 461 do CPC municiou o juiz com mecanismos adequados para a tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, através de uma série de medidas coercitivas e sub-rogatórias, e até mesmo com a possibilidade de antecipação da tutela, desde que relevantes os fundamentos do pedido, e haja fundado receio de ineficácia do provimento final [23].
Por força do disposto no artigo 461-A do CPC, que regula o cumprimento da obrigação de entregar coisa diferente de dinheiro, o regime do artigo 461 a ele se aplica, até mesmo no tocante aos meios executivos à disposição e à possibilidade de anteciparem-se os efeitos da tutela pretendida.
A própria execução de obrigação de pagamento de quantia, antes realizada ex intervallo, através de processo autônomo, passou a ser efetivada no mesmo processo, inclusive quando se executa provisoriamente a decisão antecipatória, o que se faz por meio de uma execução provisória, regulada pelo art. 475-O, com o advento da Lei nº 11.232/2005.
No que concerne às sentenças de eficácia precipuamente declaratória ou constitutiva, é imprescindível esclarecer que os efeitos executivos podem ser vislumbrados também nessas espécies de tutela, e não somente nas decisões condenatórias.
Isso porque, como inexiste provimento que possua uma única eficácia, não se pode falar que a ação declaratória somente declara, mas sim que sua eficácia predominante é a de declarar.
Desse modo, a carga de declaração, que é preponderante nas demandas declaratórias e possui elevado grau nas constitutivas, tem a força de preceito. Sobre essa questão é de clareza solar a lição de Zavascki:
Daí dizer-se que a ação declaratória é uma ação de preceito e que a sentença nela proferida é uma sentença com efeito de preceito. Preceito é norma, é prescrição, é regra de conduta, obrigatória a seus destinatários. Como tal tem a eficácia (positiva) de estabelecer certeza sobre o conteúdo da relação jurídica litigiosa, do que decorrem conseqüências práticas, refletidas no plano do comportamento das partes a quem foi dada. Uma dessas conseqüências é a de impedir, de proibir, de vedar futuros atos ou comportamentos do réu contrários ou incompatíveis com o conteúdo do preceito emitido. É uma espécie de eficácia negativa, de cunho marcadamente inibitório [24].
A utilidade a que se chega com a medida antecipatória nessas espécies de tutela jurisdicional reside, não na certeza jurídica a ser alcançada com o provimento final, mas sim, na viabilidade de obtenção dos efeitos práticos da provável certeza jurídica a ser obtida com a sentença final transitada em julgado [25].
1.2 Tutela cautelar e tutela antecipada
A sistematização estrutural adotada pelo atual código de processo civil - dividindo os tipos de processo em conhecimento, execução, cautelar e procedimentos especiais - foi de suma importância para o aperfeiçoamento do direito processual civil, e, principalmente, para a autonomia do processo cautelar [26].
Ocorre que, muitos dos procedimentos ditos cautelares específicos, insertos no Livro III (Do processo cautelar), não se enquadram nas características e finalidade desse tipo de tutela.
Na verdade, o surgimento da tutela cautelar deu-se pela constatação de que os processos de cognição e de execução necessitavam de um razoável espaço de tempo para se desenvolverem e alcançarem seu fim, de sorte que, durante esse período, poderiam vir a ocorrer determinados fatos que prejudicassem a pretensão do autor, antes mesmo de ser satisfeita.
Por tudo isso, lançou-se mão de uma espécie de tutela acautelatória, para afastar o perigo de dano decorrente da demora natural do processo, assegurando-se a utilidade da eventual decisão prolatada na demanda principal, seja de natureza cognitiva, seja executiva.
Verifica-se, entretanto, que, enquanto a tutela antecipatória cuida-se de uma medida de caráter satisfativo, pois antecipa a satisfação do direito material pretendido pela parte, entregando-lhe o próprio bem da vida, a tutela acautelatória não é outra coisa senão um instrumento processual que visa assegurar a viabilidade da realização de um direito, e não a sua realização prática.
De fato, o único tipo de satisfação que se constata nas tutelas de natureza cautelar é a satisfação à segurança, pois apenas se garante a utilidade e eficácia do processo principal, e não a satisfação do direito material.
Assim, o termo "cautelar satisfativa" constitui uma contradictio in terminis, visto que as cautelares não satisfazem o direito, de modo que, se a medida é satisfativa é porque não é cautelar [27].
Cumpre salientar, todavia, que, há tempos já existia no ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente no artigo 798 do CPC, o poder geral de cautela atribuído ao magistrado, a fim de que conceda medidas urgentes de natureza cautelar, ainda que não tipificadas em lei, desde que presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Já a possibilidade de anteciparem-se os efeitos da tutela pretendida – antes da sua universalização, com o advento da Lei nº 8.952/94 – somente era viável, excepcionalmente, em determinados tipos de procedimentos especiais, tais como o mandado de segurança, as ações possessórias, a ação de alimentos. Tal fato acarretava certa insuficiência do rito comum para a proteção do direito material [28].
Nesse diapasão, passou a ser admitida, como medida extrema para a solução do problema de omissão legislativa, a utilização generalizada das ações cautelares para satisfazer as pretensões de direito material, em face de situações de urgência, sob pena de perecimento do direito pleiteado [29].
A edição da Lei nº 8.952/94, porém, veio solucionar essa atecnia, purificando o uso processo cautelar, conforme demonstra o magistério de Márcio Louzada Carpena:
Nessa direção, felizmente, pela Lei nº 8.952/94, positivou-se nos arts. 273 e 461, CPC, a figura da antecipação da tutela material pleiteada, ocasionando, assim, uma verdadeira revolução na concepção a respeito das medidas cautelares, que doravante podem passar a ser tratadas como puras, sem impropriedades, em outras palavras, sem ter que cumprir com finalidade diversa da inerente a sua natureza [30].
O ingresso da tutela antecipada no sistema jurídico brasileiro, tendo extinto a lacuna que existia em nosso ordenamento, aboliu a possibilidade de manejo da ação cautelar para a satisfação do direito material, o que somente era admitido justamente em virtude da citada omissão legislativa.
A importância na diferenciação da tutela antecipada da cautelar, além de propósitos de apuração científica, tem ainda finalidade prática. Isso se dá em virtude da diferença de escopos, já que uma tem nítido caráter satisfativo, enquanto a outra acautela o resultado útil do processo, sem satisfazer o direito material, além do que os requisitos para a concessão de uma não se confundem com os da outra.
Como já dito linhas atrás, consoante o disposto no artigo 273 do CPC, impõe-se bem mais para a antecipação de tutela que o simples fumus boni iuris, que, de outra banda, é suficiente para a medida cautelar.
Exige-se para aquela que haja uma prova inequívoca conjugada com a verossimilhança das alegações, conduzindo a um conceito de probabilidade mais seguro daquele que requer a tutela cautelar [31].
Em conformidade com o exposto, encontra-se a ementa de precedente do Superior Tribunal de Justiça, corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o país, abaixo colacionada:
Tutela antecipada: requisitos. Deferimento liminar. 1. Ainda que possível, em casos excepcionais, o deferimento liminar da tutela antecipada, não se dispensa o preenchimento dos requisitos legais, assim a "prova inequívoca", a "verossimilhança da alegação", o "fundado receio de dano irreparável", o "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu", ademais da verificação da existência de "perigo de irreversibilidade do provimento antecipado", tudo em despacho fundamentado de modo claro e preciso. 2. O despacho que defere liminarmente a antecipação de tutela com apoio, apenas, na demonstração do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora" malfere a disciplina do art. 273 pelo legislador para a salutar inovação trazida pela Lei nº 8.952/94. 3. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial nº 131853/SC; Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito; Órgão Julgador: 3ª Turma; Publicação: DJ 08.02.1999 p. 276)
Inobstante as diferenças, não se pode deixar de lado a finalidade semelhante que envolve ambos os institutos, e que os leva a serem considerados espécies de um mesmo gênero, qual seja: a tutela de urgência.
Esse escopo comum consiste exatamente em assegurar que o tempo, inevitável na entrega da prestação jurisdicional, não se mostre como um fator de corrosão dos direitos, ante uma determinada situação de perigo. Daí surge a denominação tutela de urgência, na qual as duas formas de tutela se encaixam perfeitamente [32].
Em diversas hipóteses, porém, é bastante difícil visualizar a natureza da medida de urgência requestada, porquanto às vezes se afigura nebulosa a linha divisória entre as duas espécies de tutela – cautelar e antecipada.
Nesses casos, a solução do problema será encontrada através da aplicação do princípio da fungibilidade entre as tutelas de urgência, consagrado no §7º, do artigo 273, do CPC, acrescido pela Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002.
Ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes da inserção do referido princípio no CPC, já acolhia a fungibilidade das tutelas de urgência [33].
Destarte, é admissível que se defira uma medida cautelar requestada como se fosse antecipação de tutela, e vice-versa.
A aplicação do princípio, todavia, deve ser acompanhada da investigação acerca do preenchimento dos requisitos exigidos pela medida adequada, e não pela que foi erroneamente requerida, sob pena de desrespeito aos ditames legais, porque, como antes visto, os pressupostos autorizadores das medidas são diversos [34].