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A antecipação de tutela no âmbito da apelação cível

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2.Sistema recursal brasileiro

Apesar de inexistir uma definição no Código de Processo Civil do que seja recurso, já que a referida lei limitou-se a enumerá-los, pode-se adotar, sem qualquer dificuldade, aquela elaborada por José Carlos Barbosa Moreira, com a qual a doutrina pátria encontra-se familiarizada, e que conceitua o recurso como "o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna" [35].

Nesse contexto, o recurso é considerado o principal mecanismo de impugnação das decisões judiciais, consistindo numa extensão do próprio direito de ação, exercido dentro do mesmo processo.

Esse meio de impugnação das decisões judiciais fundamenta-se no princípio do duplo grau de jurisdição, que não chega a ser uma garantia constitucional, estando apenas previsto na Constituição da República de 1988 [36]. E exatamente por isso, é possível ao legislador estabelecer restrições aos recursos, sem que possa ser considerado inconstitucional.

Além dos princípios gerais que norteiam o processo civil como um todo, o sistema recursal é regido por uma série de princípios específicos, tais como: o princípio do duplo grau de jurisdição, acima citado, que possibilita a reapreciação da decisão combatida por um órgão jurisdicional, normalmente de nível superior; da taxatividade, haja vista estarem previstos numerus clausus na lei federal; da singularidade, pelo qual, para cada decisão, há somente um recurso cabível; da proibição da reformatio in pejus, segundo o qual é vedado o agravamento da situação do recorrente no julgamento do recurso; da voluntariedade, que exige iniciativa do interessado na interposição do recurso; da fungibilidade, que possibilita receber um recurso como se fosse a espécie correta, não obstante o erro de manejo da parte, desde que haja dúvida objetiva.

Cumpre deixar claro, ademais, que a análise do mérito dos recursos, que poderá variar em sua extensão, a depender daquilo que foi impugnado pelo recorrente, não dispensa uma prévia investigação dos requisitos de admissibilidade.

Dentre tais pressupostos, podem ser elencados: o cabimento, a legitimidade para recorrer, o interesse recursal, a tempestividade, a regularidade formal, o preparo, a ausência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer.

Ademais, destaque-se que nem todos os atos judiciais sujeitam-se a recurso. Os despachos, por exemplo, assim como os atos praticados pelo escrivão como delegatário do magistrado, por constituírem atos que não possuem qualquer conteúdo decisório, não podem ser alvos de recurso [37] (artigo 504 do CPC).

Ressalte-se que, tendo em conta o objeto do presente estudo, deixar-se-á de lado a análise aprofundada dos variados tipos de atos judiciais e de seus meios de impugnação, para que sejam enfocados apenas aqueles essenciais ao deslinde da controvérsia em debate.

2.1 Tipos de efeitos recursais

Primeiramente, faz-se imprescindível um contato com os diversos tipos de efeitos que possuem os recursos no direito processual civil brasileiro.

Destaque-se ainda que, não obstante a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que gira em torno do tema, adota-se no presente estudo a concepção consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os referidos efeitos recursais decorrem do simples manejo do recurso em uma determinada demanda, e somente são infirmados a partir de juízo de inadmissibilidade (ex nunc), que detém, portanto, natureza constitutiva negativa [38].

O primeiro dos efeitos recursais é o de obstar o trânsito em julgado da decisão vergastada. Em outras palavras, pode-se asseverar que a irresignação da parte, acompanhada do manejo do recurso cabível, impede que o provimento judicial transite em julgado, prolongando a litispendência em outro grau de jurisdição.

Outro importante efeito recursal é o denominado efeito devolutivo, que pode ser definido como a transferência ao órgão ad quem da matéria impugnada para que a controvérsia seja por esse apreciada.

Comum a todos os recursos, o citado efeito tem sua extensão delineada pelo próprio recorrente, de sorte que somente a matéria expressamente impugnada será submetida ao exame do órgão hierarquicamente superior (tantum devolutum quantum apellatum).

Entranhado no efeito devolutivo, insere-se aquele apelidado pela doutrina como efeito translativo, regulamentado nos §§1º e 2º do artigo 515 do CPC, e que nada mais é senão a profundidade com que a matéria combatida será analisada pelo órgão ad quem. Dispõe, logo, em que medida incumbirá ao órgão hierarquicamente superior a avaliação daquela matéria cuja extensão já fora devidamente delimitada.

Acerca do tema, atente-se para a lição do Barbosa Moreira:

Como resulta dos §§1º e 2º, é amplíssima, em profundidade a devolução. Não se cinge às questões efetivamente resolvidas na sentença apelada: abrange também as que nela poderiam tê-lo sido (a devolução de questões anteriores à sentença é matéria do art. 516). Estão aí compreendidas:

a) as questões examináveis de ofício, a cujo respeito o órgão a quo não se manifestou – v.g., a da nulidade do ato jurídico de que se teria originado o suposto direito do autor, e em geral as quaestiones iuris;

b) as questões que não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes [39].

Outrossim, deve-se mencionar o efeito regressivo ou efeito de retratação, considerado como uma variante da devolutividade recursal . Essa espécie verifica-se, por exemplo, no recurso de apelação, quando esse é intentado em face da sentença que indefere a petição inicial. Nesse caso, o exame do mérito do apelo será diferido no tempo, somente ocorrendo quando o magistrado a quo proferir juízo negativo de retratação.

Por fim, outro efeito que merece ser referido, ante sua importância para esse trabalho, é o chamado efeito suspensivo. Em virtude dele, impede-se a produção imediata dos efeitos da decisão que se deseja combater, sejam eles de ordem condenatória, constitutiva ou declaratória.

Na verdade, a simples possibilidade de manejo do recurso já implica na ineficácia da resolução jurisdicional, antes mesmo da efetiva interposição daquele. Os ensinamentos de Barbosa Moreira são nos seguintes termos:

Aliás, a expressão "efeito suspensivo" é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso [40].

2.2 O agravo de instrumento e seus efeitos

No sistema processual civil brasileiro, a via recursal adequada para a impugnação de decisões interlocutórias é o agravo. Faz-se imprescindível destacar que o agravo é um único recurso, mas que pode ser manejado através de duas maneiras distintas: retido nos autos ou por meio da forma instrumental (artigo 522 do CPC).

Quando manejado na forma retida, o que passou a ser a regra no ordenamento brasileiro, com o advento da Lei nº 11.187/2005, o recurso deverá permanecer nos autos, sendo colhida a resposta do agravado, e, caso o magistrado a quo não se retrate, somente será processado e julgado pelo órgão ad quem se o recorrente reiterar seu pleito no recurso de apelação, seja nas razões ou contra-razões, e o tribunal dele conhecer.

Dessarte, a lei processual estabeleceu o agravo de instrumento como exceção, somente afigurando-se pertinente "quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento", nos termos do artigo 522 do CPC. Atualmente, portanto, não mais subsiste a faculdade de optar o agravante pela modalidade de agravo a ser utilizada.

E para que seja fielmente cumprido o dispositivo acima referido, o legislador municiou o Judiciário com a possibilidade, ou melhor, com o dever de converter o agravo de instrumento em retido, desde que aquele seja intentado em desconformidade com as hipóteses amparadas por lei (artigo 527, inciso II, do CPC).

O agravo de instrumento, por sua vez, é interposto diretamente no tribunal, diferentemente do que ocorre com o tipo retido. Nesse caso, impõe-se que o mesmo seja instruído pelo agravante com cópias de determinados documentos – peças obrigatórias e facultativas – dos autos principais, que se localizam na primeira instância.

No artigo 527 do CPC, regula-se o processamento dessa modalidade de agravo a ser seguido pelo relator. Eis o seu teor:

Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)

III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

[...]

Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)

Primeiramente, o relator do recurso observará se não é possível decidir monocraticamente a demanda recursal, por intermédio da aplicação do artigo 557 do CPC.

Em não sendo viável a decisão singular do relator, o mesmo investigará se realmente cuida-se o caso concreto de hipótese de cabimento da forma instrumental, convertendo-o na modalidade retida se não for.

Ultrapassadas essas etapas do roteiro estabelecido pela lei, verifica-se que, segundo proclama o inciso III do artigo 527, é possível que o relator atribua efeito suspensivo ao agravo, ou antecipe, total ou parcialmente, os efeitos da tutela recursal pretendida, através de decisões que, atualmente, não podem ser atacadas por recurso, nos termos de seu parágrafo único.

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Dessa forma, constata-se que, além dos efeitos de retratação, devolutivo e translativo, comuns a ambas as formas de agravo, a modalidade instrumental conta ainda com a viabilidade de que seja conferido ao recurso o efeito suspensivo, não sendo a regra nessa espécie, assim como aquele conhecido pela doutrina como efeito suspensivo ativo, e que outra coisa não é senão a antecipação dos efeitos da tutela, só que no âmbito recursal.

Impende salientar que o texto do inciso III, acima transcrito, faz remissão ao artigo 558 do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.139/95, o qual já contemplava a admissibilidade da atribuição de efeito suspensivo ao agravo.

Assim, aquele – artigo 527, inciso III – terminou incorporando os pressupostos para a suspensividade, insertos no artigo 558, que determina ser possível ao relator "a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara".

Isso ocorre porque, via de regra, o agravo por instrumento não contém de per si o efeito suspensivo da eficácia da decisão recorrida, de modo que, em certos casos, o imediato cumprimento do provimento agravado poderia tornar inútil a eventual procedência do recurso, ante a consolidação de um dano irreparável ou de difícil reparação [41].

Assim, uma vez requerido pelo agravante o pleito de suspensividade, bem como constatada qualquer uma das hipóteses expressamente elencadas – prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea – ou mesmo a cláusula genérica – perigo de lesão grave e de difícil reparação – acompanhada do pressuposto da relevância da fundamentação, possível se torna a suspensão do cumprimento da decisão agravada.

Tal previsão, que se estende, inclusive, à apelação cível (artigo 558, parágrafo único, do CPC), afastou a prática, bastante difundida no Judiciário brasileiro, de manejo do mandado de segurança com o único escopo de obter efeito suspensivo para o agravo de instrumento, haja vista a criação de mecanismo para tanto [42].

Aliás, é também prevista a possibilidade de que sejam antecipados os efeitos da tutela recursal – denominado efeito suspensivo ativo, ou simplesmente efeito ativo -, que por se tratar de decorrência do instituto inserido no artigo 273 do CPC, deve obedecer àqueles mesmos pressupostos de concessão acima explanados.

Por meio do efeito suspensivo ativo, abre-se o ensejo para que sejam adiantadas, ainda que provisoriamente, providências de caráter positivo a fim de que seja adequada e tempestivamente tutelado o direito do recorrente.

Cumpre destacar, portanto, que, a depender do caso, incumbirá ao relator do recurso suspender a medida já deferida no primeiro grau, e impugnada pelo recorrente, ou conceder antecipadamente a medida indeferida pelo juízo a quo.

Em ambas as hipóteses, cuida-se, via de regra, de antecipação dos efeitos da provável decisão de procedência do recurso, ou seja, de antecipação da tutela recursal, pois essa nova demanda será delineada pelo pleito deduzido no recurso – denominado efeito devolutivo [43].

2.3 A sistemática legal da apelação cível

A apelação cível é o recurso cabível em face de sentença, a qual consiste no provimento jurisdicional que aprecia ou rejeita a pretensão e que concede ou denega a tutela pleiteada. Destarte, caso a decisão ponha termo ao procedimento, com ou sem resolução do mérito, mostra-se adequado o manejo do apelo voluntário [44].

Sujeitando-se ao prazo de quinze dias, a apelação deverá ser interposta perante o juiz de primeira instância, a quem incumbirá o dever de analisar o preenchimento dos requisitos de admissibilidade.

Ademais, uma vez admitido, o juiz declarará em que efeitos recebe o recurso de apelação, determinando a intimação da parte adversa para o oferecimento das contra-razões, que não são essenciais, após o que será realizado novo juízo de admissibilidade, podendo o mesmo ser positivo ou negativo.

Essa espécie recursal detém o efeito translativo e o efeito devolutivo, assim como qualquer outro recurso, de forma que somente transfere-se ao órgão hierarquicamente superior a matéria impugnada pela parte recorrente, no que concerne ao plano horizontal.

Outrossim, geralmente esse recurso é dotado de efeito suspensivo. O termo geralmente é adequado, porquanto essa regra é excepcionada não só pelo próprio CPC (artigo 520 e seus incisos), mas também por dispositivos de lei extravagante, de sorte que, nessas hipóteses, a apelação é destituída de suspensividade, somente apresentando os demais efeitos acima citados.

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Sobre o autor
Felipe Regis de Andrade Caminha

Procurador Federal Responsável pelo Núcleo de Cobrança e Recuperação de Créditos da PRF 1ª Região. Pós-Graduado em Direito Tributário pela UNIDERP (Rede LFG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Felipe Regis Andrade. A antecipação de tutela no âmbito da apelação cível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3064, 21 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20470. Acesso em: 2 nov. 2024.

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