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O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil

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3. GREVE NO BRASIL

Este movimento reivindicativo recebeu diversas definições por doutrinadores e estudiosos do mundo, sendo pertinente ostentar aqui algumas das, possivelmente, mais representativas conceituações.

Começando pela explicação do que seria “Greve” exposta por Cesário (apud DELGADO, 2007) quando a define como [...]

[...] uma paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos.

Ou ainda que “a greve é toda suspensão do trabalho, decorrente de uma deliberação coletiva dos trabalhadores, a fim de propugnarem por uma melhoria ou para pleitearem uma pretensão não atendida pelos empregadores” (SILVA, 1999).

Como também, na visão de Süssekind (apud DEVEALI, 2002, p. 590), “a greve consiste na abstenção simultânea do trabalho, concertada pelos trabalhadores de um ou mais estabelecimentos, ou de suas seções, com o fim de defender os interesses da profissão”.

A Constituição Federal brasileira de 1988 trouxe a previsão expressa deste direito e o reconheceu como garantia fundamental, não restando, assim, dúvidas sobre o “status” conferido. Entretanto a mesma distinguiu os trabalhadores em quatro grupos, a saber: Empregados de empresas privadas; Servidores públicos da administração direta e indireta; Militares das Forças Armadas e Militares dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

O primeiro grupo foi reconhecido pelo artigo 9º, que versa “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. O segundo grupo no artigo 37, VII, da Constituição quando dispõe que “o direito de greve (deste grupo, grifo nosso) será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”, no entanto tal lei não foi editada até o presente momento. Ao terceiro grupo não foi reconhecido o direito de greve, sendo expressamente vedado no artigo 142, §3º, IV. Por fim, o quarto grupo na prática também tem seu direito de greve vedado, em analogia aos militares das Forças Armadas.

Existe um longo confronto doutrinário em relação aos dois últimos grupos, pois alguns juristas entendem que os militares têm relação com as Forças Armadas, enquanto outros entendem de forma distinta, ou seja, aqueles primeiros pertencem à categoria de trabalhadores da Administração pública direta, corrente que comunga este estudo. Todavia esta divergência não é foco deste texto, possivelmente apreciada em algum momento oportuno.

A primeira e única lei infraconstitucional que regulamenta este assunto promulgada no Brasil pós-constituição de 1988 foi a Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, já trazendo em seu artigo 1º a mesma redação do artigo 9º da Constituição, mas estabelecendo de logo sua obrigatoriedade no parágrafo único do mesmo artigo, “O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei”. Entretanto, este comando legal atinge uma categoria geral de trabalhadores, não se encontrando neste grupo, em tese, os militares e aqueles pertencentes à Administração Pública, quando se pode observar que

[...] de fato, a ordem jurídica evoluiu, no que tange à greve, da atitude autoritária, própria do contexto político-econômico em que instituída, para a concepção mais compatível com o Estado Democrático de Direito. O art. 9º da Constituição Federal, reproduzido no art. 1º da Lei de Greve, bem demonstra a evolução realizada: É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender.(TST-RODC-45000-53.2006.5.05.0000).

Não obstante os objetivos da greve, para a defesa dos interesses coletivos de um grupo de trabalhadores faz-se necessário a devida representação pelo correspondente sindicato, em correspondência com o artigo 8º, III, da Constituição Federal, assumindo este último, portanto, a posição de sujeito ativo do procedimento, como preceitua o artigo 4º da lei de greve, permitindo, na ausência de um sindicato, a formação de um comando de negociação. Vale mencionar que a greve para a primeira categoria está amplamente regulamentada, com procedimentos próprios, sujeitos e objetivos, que devem ser observados sob pena de ilegalidade do movimento, inclusive em relação às atividades essências, fazendo-se pertinente sua menção neste trabalho devido à importância para outras categorias de trabalhadores, como a dos Servidores públicos da administração direta e indireta, cuja regulamentação ainda não está expressamente definida por conta da omissão legislativa, fazendo-se valer um tópico especifico sobre tal categoria, que é sem dúvida parte relevante do objeto deste estudo.


3.1 Natureza e Limites do Direito de Greve

É comum entender que a greve tem natureza reivindicatória e exclusiva das relações de trabalho, com pleitos sempre ligados aos avanços salariais, qualitativos, dentre outros aspectos das atividades profissionais. Entretanto o exercício deste direito pode ser entendimento como um fenômeno social, cultural, econômico, legal, possivelmente estudado pelas várias áreas das ciências humanas. De acordo com Zangrando (1994, p. 45) a Sociologia vê na greve um retrato dos movimentos operários na forma em que eles se dão na realidade, e não apenas na esfera jurídica, sendo, portanto, um fato social, como tal tido na sua enorme variedade e nuances.

Diversas outras ciências estudam a natureza deste instituto, com destaque para ciência jurídica, que segundo o autor supracitado parte da investigação das normas jurídicas, suas modificações e diferenciações, no espaço e no tempo, num sentido descritivo e valorativo, tentando compreender a greve em todas as suas dimensões, como fato, como valor e como norma.

Desta feita é importante destacar que a greve não tem uma única face como também não só existe em favor das relações de trabalho. No prisma de fato social a greve tem por finalidade a conquista de melhores meios de sobrevivência para o trabalhador e seus familiares, ou seja, quando se pleiteia correção ou reposição salarial o fim definitivo teria natureza alimentar. Além disso, a greve como liberdade estaria ligada aos abusos dos patronos que coagem seus empregados a permaneceram trabalhando até concluírem a produção, comum à época da Revolução Industrial quando não existia a garantia de jornada de trabalho determinada que logo viria a ser reivindicada, ademais esta liberdade está ligada a livre associação sindical, ao direito de ir e vir daqueles que não aderiram aos movimentos paredistas, visto que muitas vezes são impedidos pelos piquetes[7]. Ainda, como direito é entendida como garantia constitucionalmente reconhecida e regida por lei ordinária visto seu procedimento próprio. Vale elucidar que existem greves cujo objeto é a aprovação de uma nova lei, conhecidas como greves políticas, bastante recente no Brasil em relação ao piso do magistério. Zangrando (1994, p. 47) ainda entende a greve como uma forma de defesa, expondo que a mesma traz algo de legitima defesa, nascida do fato social do descontentamento, originado pela desatenção, pelos empregadores e/ou pelo Estado, das reivindicações dos empregados.

Independente da natureza, não se vislumbra em uma organização jurídica direitos absolutos, capazes de sobrepujar todos os outros sem qualquer ponderação, entendimento este que deixaria de abarcar o direito de greve, mesmo previsto em lei hierarquicamente superior, tendo que necessariamente se amoldar àquela organização e sofrer uma série de limitações que restringem seu exercício pleno com o intuito de se evitar descontrole e prejuízos sociais, temporários ou permanentes, indesejáveis.

Se a Carta Magna brasileira [...] determinou que a lei definisse os “serviços ou atividades essenciais” e dispusesse “sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da população”, punindo “os abusos cometidos”, parece lógico concluir que admitiu limitações ao exercício do direito de greve. Ele não é absoluto, devendo respeitar os superdireitos fundamentais do ser humano (SÜSSEKIND, 2001, p. 451).

Podem-se expor possíveis situações a títulos de exemplo: o empregador poderia sofrer sérias perdas econômicas se toda e qualquer coletividade trabalhista aderisse a movimentos paredistas há qualquer momento e fundamento, quando aquele naturalmente se protegeria da falência com a não efetivação de novos empregados ou até mesmo com o desligamento de outros, isso se não fechasse as portas e deixasse de fornecer certo produto ou serviço importante; A Administração Pública poderia cair na precariedade por não conseguir manter serviços públicos contínuos e essenciais para a população, seria possível em tempos atuais imaginar uma cidade sem segurança pública?

Por outro lado, este direito surgiu como uma forma de evitar a arbitrariedade nas relações trabalhistas quando alguém detinha o poder econômico e impunha ao empregado uma evidente disparidade de forças – outrora a greve era reconhecida como uma espécie de autotutela, hodiernamente como uma garantia fundamental. Ademais quando se trata da relação Estado / funcionário público, levando em conta que o primeiro possui todo um aparato financeiro, administrativo, político e não é passível de falência, podendo suportar longos períodos de negociações e pressionar os trabalhadores a retornarem para suas atividades, pois estes não suportam vários meses sem seus rendimentos, a greve abrange um papel mais equalizador e neste sentindo não se deve vislumbrar a mesma como uma queda de braços entre partes, ao contrário, é preciso reconhecê-la como um equilíbrio de forças que oportuniza a parte hipossuficiente pressionar e conquistar um espaço para negociação e reivindicação de melhorias social-trabalhistas para realmente se atingir o objetivo do bem comum. Neste sentido explana Granzotto (2008, p. 1):

[...] os ordenamentos democráticos conferiram à greve a condição de direito fundamental, dando-lhe uma feição de maior civilidade, uma vez que o uso da coerção passa a não ser o único meio empregado...Veja que, se de um lado o patrão tem prejuízos com a paralisação dos seus empregados, eis que interrompida ou prejudicada fica sua produção, o mesmo ocorre com o empregado que tem o seu ponto cortado, além de sofrer alguns ônus, existindo certo equilíbrio de forças entre o grevista e seu empregador, o que gerará a abertura do caminho para a negociação, que é a finalidade da greve...No que tange à greve no serviço público, a questão da paridade de forças, que deve nortear o espírito da greve, é mais complexa do que na relação puramente privada, pois sendo o ente federativo a figura do empregador, há uma presumida disparidade de forças entre as partes discordantes, já que o Estado, devido à sua magnitude, poderá se socorrer por outros meios, para que não seja afetado a ponto de ter que negociar com o empregado grevista.

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Observa-se, portanto, um necessário sopesamento entre os direitos e garantias trabalhistas e o interesse público, aças o privado, quando se observa um serviço relevante, ou seja, em pró do coletivo. Desta feita pode-se afirmar que a fronteira do direito de greve, no sentido lato, é a própria a sociedade. Todavia não se deve cerceá-lo de plano sem analisar as necessidades dos empregados, suas reivindicações, como também os possíveis danos e ganhos para o coletivo, mesmo que restrito a um grupo de trabalhadores, sob pena de um grave desequilíbrio de forças, pois se faz necessário ressaltar que junto à própria sociedade está Estado, com seu maquinário e estrutura, que por vezes é movido por interesses políticos, nem sempre representativos aos interesses coletivos, contra um pequeno grupo que almeja melhorias laborais.


3.2 Greve no Serviço Público

Em um raciocínio estritamente legal, a princípio, o servidor público não poderia fazer greve, visto a não existência de lei prevista no comando constitucional positivado no artigo 37, VII, da Constituição, pois o legislador, até então, optou por omitir-se sobre este tema. Ademais diversos julgados seguiram esta linha, a exemplo do Juiz Relator Dr. Carlos de Menezes Faro Filho, TRT 20º Região, no acórdão nº 1556 de 2004 quando versa em sua ementa:

DIREITO DE GREVE – SERVIDOR PÚBLICO – IMPOSSIBILIDADE. O servidor público, mesmo aquele regido pela legislação trabalhista, não pode exercitar o direito de greve, pois ainda não existe a Lei específica que define seus termos e limites referidos no art. 37, inciso VII, da Carta Política de 1988. Greve declarada ilegal.

De forma que este entendimento subsistiu sob a argumentação de que o servidor público não poderia fazer greve até que fosse editada a lei complementar reguladora, contudo o tipo desta norma fora alterado pela emenda nº 19 de 1998, como versa Gentil (2007, p.1):

Em relação ao servidor público, o direito de greve foi assegurado em termos mais tímidos. Originalmente, a Carta Magna previu que o direito de greve dos servidores públicos seria exercido nos termos e limites definidos em lei complementar. Após a emenda constitucional nº 19/98, tais termos e limites passaram a dever ser estabelecidos em lei específica.

Ademais, mesmo com a Constituição Federal tendo previsto expressamente tal direito para os servidores públicos, a eficácia deste continua entendida como contida e não auto-aplicável, como expõe o Juiz Relator, ibidem, no seguinte trecho de um de seus votos:

O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em consequência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição (AC 1556, TRT 20º, 2004).

Valendo-se agora de um raciocínio hermenêutico, pode-se entender que, embora seja exigida tal lei reguladora, a Constituição de plano não proíbe o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos, diferente das Forças Armadas cuja proibição é expressa no artigo 142, §3º, IV da CF. Por outro lado observa-se uma clara intenção do constituinte em definir parâmetros para que este direito seja externado, especialmente um procedimento, pautados sob argumentos que visam evitar determinados abusos e por vezes não comprometer os serviços e atividades essenciais, em especial os básicos como fornecimento de luz e água, que, em tese, não podem parar.

O serviço público possui, em princípio, um ligação direta com as necessidades especificas da comunidade, não se espera que opera em função do lucro individualizado de alguém, mas de um interesse presumivelmente geral. Isto tende a fazer a greve do funcionalismo mais difícil de ser justificada moralmente […] O fato de o Estado ser autoritário – que constitui um argumento em favor dos grupos de trabalhadores do setor privado quanto à liberdade de greve – não deve favorecer necessariamente o funcionário público […] Assim, a provisão constitucional sobre a necessidade de lei complementar (hodiernamente específica, grifo nosso) para o exercício da greve pelo funcionalismo público se afigura razoável e necessária (SANTOS, 1993, p.94).

Desta feita, constitucionalmente não se deve falar em proibição e sim de uma permissão condicionada que, enquanto não houver a lei específica saneadora, cabe aos órgãos competentes dirimirem os conflitos coletivos observando as peculiaridades de cada caso. Para Süssekind (2002, p. 53) a lei a que alude o art. 37, VII, da Constituição, poderá estabelecer limites; nunca, porém, negar o direito, o qual, por conseguinte, já existe.

Dentro ainda deste raciocínio é possível discordar do entendimento jurisprudencial que menciona o direito dos servidores públicos sem auto-aplicabilidade, pois nada impede que os movimentos grevistas no funcionalismo público sejam efetivamente decretados, logo não existe proibição e, em tese, também não existem os limites, condições e procedimentos que seriam elucidados na lei especifica inexistente. Portanto é possível afirmar que este direito é aplicável de plano, pois a própria Constituição expressa em seu artigo 9º, sendo esta parte da norma extensível a qualquer categoria, que os trabalhadores podem decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Logo, ao interpretar sistematicamente a Constituição, não se pode deixar de lado diversos outros princípios pertinentes ao trabalhador, à sociedade e ao próprio Estado, formando um conjunto de valores que devem ser balanceados, tendo em vista certa relativização do texto constitucional para fins de evitar distorções a exemplo de existirem trabalhadores realmente mal remunerados e sem as devidas condições laborais atuando em atividades proibidas de exercerem greve, logo, como ficaria a situação destes se a norma for interpretada ao pé da letra, continuariam nestas péssimas condições ou mudariam de profissão? Visto que a rotatividade de trabalhadores já seria uma situação tecnicamente ruim para a continuidade das atividades essenciais.

Ademais, em um Estado Democrático de Direito, a própria decretação de ilegalidade da greve não impede que os trabalhadores iniciem movimentos paredistas na prática, a exemplo dos policiais militares e bombeiros que, proibidos de fazer greve, proferiram diversos movimentos em todo o Brasil, cominando na formação de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 300, visando equiparação salarial, plano de carreira, dentre outras reivindicações.

Os países democráticos se dividem a permitirem ou proibirem a greve do funcionalismo público. Acredito que constitua um bem para o nosso país (Brasil, grifo nosso) a permissão da greve ao servidor público não dotado de titularidade de poder constituído ou de posições próximas desse mando supremo. Numa sociedade tão desigual como a brasileira, privar da greve o funcionalismo pode significar em muitos casos o sequestro da única oportunidade que tem o pequeno servidor de vencer o egoísmo dos grupos bem situados (SANTOS, 1993, p.94).

Assim, na intenção de resolver toda esta discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o direito de greve dos servidores públicos e havendo reconhecimento que aquele é sim patrimônio dos servidores, contudo não absoluto, como bem afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau (Mandado de Injunção nº 712 – STF), que elucidou sobre uma real necessidade de se interpretar a Constituição Federal a luz de sua totalidade, sistematicamente, ou seja, não somente por dispositivos independentes ou de forma estritamente legalista. Assim, o Supremo Tribunal Federal saneou a questão através do julgamento de três mandados de injunção interpostos por alguns sindicatos representativos de categorias do funcionalismo público até que seja editada a lei específica, como bem explica Carmo (2007, p.02):

No dia 25 de outubro de 2007 o Supremo Tribunal Federal julgou os Mandados de Injunção 670, 708 e 712. Ações ajuizadas, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do estado do Pará (Sinjep).

Sobre o tema o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil à época dos Mandados de injunção, Cezar Britto, afirmou que

[…] o direito de greve é um princípio fundamental, inerente a todo e qualquer serviço e que, ao decidir pela aplicação da legislação da iniciativa privada ao servidor público, o Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que suprir a omissão legislativa existente. “O Congresso já havia decidido a forma em que se exerceria o direito de greve na iniciativa privada. Tão somente se estendeu esse direito. O Supremo não inovou, não criou, apenas regulamentou no Brasil” (CARMO, 2007, p. 3).

Entretanto, é relevante destacar que por não mais se tratar de lei complementar, cuja finalidade é justamente “complementar” o texto constitucional, e para sua elaboração é exigido quorum de maioria absoluta, por exclusão, entende-se que a lei específica definida na vigente redação do artigo 37, VII da Constituição é ordinária, logo passível de ser suprida utilizando-se do instituto da analogia, como uma forma de solucionar a lacuna presente no comando constitucional há pouco citado. Neste sentido bem entende Kosteski (2004, p. 1):

Diante do atual texto constitucional, parece-nos que, enquanto não for editada a referida lei específica para regular o exercício do direito de greve do servidor público, mostra-se perfeitamente aplicável, por analogia, a atual Lei (específica) de Greve (Lei 7.783/89). Claro que não se trata, obviamente, de lei ordinária reguladora, especificamente, da greve dos servidores públicos, mas de empregados regidos por contrato de trabalho. Os limites do direito de greve, e até mesmo sua proibição, em certos casos, para algumas categorias específicas de empregados ou de funcionários públicos, justifica-se não em razão do status do trabalhador, mas em decorrência da natureza dos serviços prestados, que são públicas, essenciais, inadiáveis, imantados pelo princípio da predominância do interesse geral e da continuidade do serviço público.

Para Süssekind (2002, p. 593):

A solução até que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria – O presidente da República, em 28 de dezembro de 2001 submeteu àquela casa um projeto de lei sobre o tema – estaria em invocar, por analogia, que é fonte de direito, as disposições da Lei nº 7.783/89, naquilo que não for incompatível com a natureza e os objetivos do serviço público.

Portanto, até que a lei específica seja editada, no cenário atual não restam dúvidas que a Lei de greve deve ser aplicada para os servidores públicos da Administração direta e indireta, além dos já originais destinatários dela, não excetuado a necessidade de o julgador analisar caso a caso, observando suas particularidades, os interesses pleiteados e utilizando-se de um interpretação sistemática da Constituição a fim de não promover distorções e combater arbitrariedades.

Observando, então, este novo cenário, com a Lei de greve aplicada para servidores e empregados públicos, cabe a estes também cumprirem os parâmetros objetivos expostos por aquela, sob pena de ilegalidade, ou seja, para que um movimento seja deflagrado dentro da legalidade deve-se recorrer ao procedimento de greve previsto nesta norma, cuja finalidade é preservar certos direitos, a sapiência da sociedade sobre a greve e, principalmente, proteger a continuidade das atividades essenciais exigindo, por exemplo, um contingente mínimo de empregados, em esquema de rodízio, trabalhando durante a paralisação.

A juíza relatora Suzane Faillace Lacerda Castelo Branco, no acórdão 3271/04 do TRT da 20º região, transcrito abaixo, assim expõe que a Constituição Federal assegura aos trabalhadores o direito de paralisar suas atividades na defesa dos interesses da categoria, respeitadas, contudo, as formalidades legais, sob pena de restar configurado abuso do direito de greve.

DISSÍDIO DE GREVE – ATIVIDADE ESSENCIAL – NÃO OBSERVÂNCIA DA LEI Nº 7.783/89 – ABUSIVIDADE DO MOVIMENTO DE PARALISAÇÃO. Em se tratando de atividade essencial, não observada a ciência prévia da paralisação aos empregadores e usuários, no prazo mínimo de 72 (setenta e duas) horas, conforme exigência formal contida no artigo 13, da Lei nº 7.783/89, impõe-se declarar a abusividade do movimento grevista.

Não mais se discute sobre o direito de greve dos servidores públicos, este constitucionalmente protegido, passa-se a observar certas formalidades, reguladas em leis específicas, como a mencionada lei 7.783/89, que visam sanear de forma menos danosa para sociedade a deflagração de um movimento grevista, como também elucidar quais são as atividades essenciais como, ainda, determinar as responsabilidades civis e penais dos movimentos que visam unicamente perturbar a paz social. Estes parâmetros são fortemente utilizados pelos tribunais em suas decisões sobre a ilegalidade de certas greves, como podemos observar na ementa abaixo Tribunal Superior do Trabalho:

GREVE – ATIVIDADE ESSENCIAL – AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA AOS USUÁRIOS – CONSEQÜÊNCIA – DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE FORMAL – Em se tratando de greve em atividade essencial, as partes em conflito devem assegurar a prestação de serviços indispensáveis às necessidades inadiáveis da população, entre as quais, indiscutivelmente, se insere o atendimento à saúde, como expressamente definido pelo parágrafo único do art. 11 da Lei nº 7783/89. O legislador, ao disciplinar o direito de greve nas atividades essenciais, impôs, como requisito para o seu regular exercício, a prévia comunicação dos usuários, com antecedência mínima de 72 horas, como expressamente estatuído no artigo 13 do referido diploma legal. Não tendo sido atendido esse requisito formal, legalmente exigido, a consequência é a declaração de abusividade da greve, consoante expressamente dispõe o artigo 14, caput, da Lei nº 7783/89. Recurso ordinário parcialmente provido. (TST – RODC 723697 – SDC – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 27.09.2002).

No entanto é preciso elucidar que não se critica na doutrina e jurisprudência a legalidade destes parâmetros, mas sim a efetiva aplicação destes, sob pena de restringir por mero formalismo um direito fundamental, como bem entende o ministro relator Márcio Eurico Vitral Amaro, acórdão TST-RODC-45000-53.2006.5.05.0000:

Não afronta o art. 9º da Constituição Federal a determinação de percentuais mediante os quais as partes providenciem o atendimento das necessidades inadiáveis. O que não se justifica, todavia, é a fixação de percentuais que inviabilizem o direito fundamental consagrado na Constituição. Nesse sentido, a decisão nº 498 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT: as condições requeridas pela legislação, para que a greve seja considerada atividade lícita, devem ser razoáveis e, em qualquer hipótese, não ser de natureza que constitua significativa limitação das possibilidades de ação das organizações sindicais.

Portanto, as atividades essenciais são um dos mais relevantes parâmetros previstos na legislação pátria para se observar no momento de deflagração de uma greve, vale, para melhor compreensão, destacar um tópico sobre estas e traçar alguns pontos controversos e como as mesmas ensejam, em muitos casos, a decretação da ilegalidade do movimento.

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Sobre o autor
Luiz Gustavo de Oliveira Ramos

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FaSe, Faculdade Estácio de Sergipe, 2013, Aracaju (SE). Especialista em Docência no Ensino Superior pela FaSe, 2009. Graduado em Direito pela FaSe, 2011. Graduado em Sistemas de Informação pela UNIT, Universidade Tiradentes, 2005, Aracaju (SE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Luiz Gustavo Oliveira. O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3065, 22 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20474. Acesso em: 18 abr. 2024.

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