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O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil

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3.3 Greve e as Atividades Essenciais

Para o Comitê de Liberdade Sindical[8] da OIT[9], as atividades essenciais são aquelas que refletem diretamente na sociedade cuja interrupção pode pôr em perigo a vida, a segurança ou a saúde da pessoa, em toda ou parte da população. Em conformidade a este entendimento a Lei 7.783/89 estabeleceu dois tipos de serviços ou atividades que não podem parar durante um movimento paredista, ainda que deflagrado na conformidade dos procedimentos legais e estatutários, segundo Süssekind (2002, p.600), previstos nos artigos 9º e 11º desta lei de greve, ora transcritos:

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Nas palavras de Calabrich (2005, p.1) encontramos uma excelente explanação sobre estas atividades:

Quanto aos serviços essenciais, pode-se dizer que estes são aqueles de vital importância para a sociedade, pois afetam diretamente a saúde, a liberdade ou a vida da população, tendo em vista a natureza dos interesses a cuja satisfação a prestação se endereça. Há aqueles serviços que pela sua própria natureza são ditos essenciais, que são os serviços de segurança nacional, segurança pública e os judiciários. Somente o Estado poderá prestá-los diretamente. São portanto, indelegáveis. Mas há outros serviços que o legislador previamente considera essenciais, embora não precisem ser prestados diretamente pelo Estado. Estes se encontram na Lei n° 7.783/1989 - Lei de Greve, que define no seu art. 10 os serviços ou atividades essenciais e regulamenta o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Assim, identifica-se no citado diploma legal como serviços públicos essenciais que podem ser prestados diretamente ou indiretamente pela Administração Pública, ou através de concessão ou permissão, entre outros, os serviços de tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás, combustíveis, transporte coletivo e telecomunicações.

É oportuno também expor o artigo 10º da mesma legislação, pois especifica uma série de serviços ou atividades considerados essenciais, no entanto sem a pretensão de exaurir ou taxar, logo se trata de um rol exemplificativo:

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI - compensação bancária.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, em seu voto para o mandado de injunção MI. Nº 712, do qual foi relator, defendeu que "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice versa.

MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil]e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.

No mesmo documento o Ministro Eros Grau explana que ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração não deve ser aplicado tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89, mencionando que é necessário assegurar a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, as quais a prestação continuada dos serviços públicos é imprescindível.

Estas atividades são hoje o principal objeto de discussão dentro do direito de greve dos servidores públicos da administração direta ou indireta e até mesmo dos trabalhadores da iniciativa privada que em algum momento estejam efetuando tais atividades de forma permitida pelo Estado. Sobre o tema a própria Lei de greve, utilizada para aquelas categorias de trabalhadores, quer por analogia, em relação aos mandados de injunção proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, quer pela natureza trabalhista privada, como já visto, profere soluções e procedimentos para que um movimento paredista seja deflagrado sem prejudicar a continuidade destas atividades, ora expostas nos parágrafos anteriores com suma importância, como indaga o ministro relator Márcio Eurico Vitral Amaro no fragmento abaixo retirado do acórdão TST-RODC-45000-53.2006.5.05.0000:

Nos casos de paralisações em serviços essenciais, obrigam-se as partes, de comum acordo, a fixar limites operacionais mínimos para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11 da Lei de Greve). Insere-se, no art. 12, a responsabilidade do Poder Público pelo atendimento dessas necessidades, caso haja inobservância do art. 11 da Lei. Ante dificuldades insuperáveis para o acordo sobre o tema, pode a Justiça do Trabalho fixar tais limites

Vale também citar um fragmento do voto da ministra relatora Kátia Magalhães Arruda, referente ao RODC-79/2006-000-15-00.0 do Tribunal Superior do Trabalho, sobre a obrigatoriedade de observância dos parâmetros legais de forma a coibir o chamado abuso de direito de greve, termo este recorrente em diversos textos jurisprudenciais, ora transcrito:

O exercício do direito de greve, assegurado aos trabalhadores na Constituição Federal, está regulamentado pela Lei nº 7.783/89, que objetiva coibir o abuso e, se for o caso, garantir o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, quando a greve afetar serviços ou atividades essenciais. Assim, uma vez deflagrada a greve, presume-se que tenha a categoria profissional observado as exigências legais para tanto instituídas

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Contudo é preciso salientar que a observância destas atividades estendem-se além do funcionalismo público, encontrando morada na iniciativa privada, quando esta tem a permissão de atuar em alguma daquelas, como expõe Calabrich (2005, p.1) em sua conclusão:

o exercício de greve em atividades essenciais, prestados pelas concessionárias e permissionárias, é perfeitamente cabível e lícito, desde que seja assegurado um contingente mínimo de trabalhadores para dar a continuidade do serviço, sob pena de se permitir a contratação de pessoal substituto pelo empregador para evitar a paralisação total, sob pena de intervenção do Poder Público via Dissídio Coletivo proposto pelo parquet laboral, além de ser considerado como ilícito movimento paredista.


4. A RESPONSABILIDADE NO DIREITO DE GREVE

Mesmo em tempos hodiernos, destacando-se que não há dúvidas sobre amadurecimento do instituto em foco através de um longo processo histórico, podemos observar que o direito de greve ainda traz um notável grau de controvérsias entre empregados, patronos, sindicatos, Administração pública, privada, judiciário e a própria sociedade, ou seja, todos os “sujeitos” envolvidos, especialmente no que tange às questões relacionadas a forma, exercício, interesse e relevância de algum movimento grevista instaurado.

Contudo, existe uma quinta questão, com a mesma ou maior prioridade, que pode ocorrer antes, durante e após um movimento grevista, ou seja, em qualquer daquelas fases (questões) específicas que traz em seu bojo situações pertinentes especialmente ao abuso deste direito: em outras palavras, a responsabilidade advinda do mau uso, do excesso, da falta de cumprimento de requisitos legais, da utilização de violência, da perturbação da ordem, dentre outros fatores, que por vezes ensejam danos a outrem, ao patrimônio público, a liberdade, a integridade física e principalmente à sociedade.

Dito isso, faz-se bastante interessante entender de forma introdutória cada uma das primeiras questões expostas para adentrar especificamente na responsabilidade, parte do objeto desta pesquisa.

A primeira questão é eminentemente objetiva em detrimento de normas que definem pré-requisitos mínimos, em tese, obrigatórios para instauração de uma greve sob pena de ilegalidade no caso de descumprimento, pontuando-se também a questão do momento (oportunidade e procedimento) que, em princípio determina, em sede de exemplo, que não pode ocorrer greve durante a vigência de convenção ou acordo coletivo e de sentença normativa.

A segunda encontra-se recheada de entendimentos distintos, pois expõe quem pode ou não exercer este direito, além dos serviços que podem ou não parar. Existem, por exemplo, as divergências relacionadas aos servidores públicos, pois ainda não está legislada a lei específica reguladora a qual aponta o artigo 37, VII, da Constituição Federal. Como também as controvérsias em relação aos serviços essenciais e o rol definido no artigo 10 da Lei 7.783/89 (Lei de Greve), que é exemplificativo, proporcionando um subjetivismo na determinação de quais atividades que se enquadrariam nesta situação de essencialidade, cominando em entendimentos distintos entre os julgadores que em momentos julgam uma greve ilegal por considerar um serviço relevante e em outros, legal, para a mesma situação.

A terceira questão leva em consideração as motivações, as razões e os interesses daqueles inclinados a reivindicar, sendo, em tese, pertinente a estes últimos definir o que almejam defender com fulcro na própria legislação grevista, Art. 1º da Lei de Greve, “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” e na própria Constituição, observando que artigo o supracitado é uma reprodução do que estava determinado na Constituição em seu Art. 9º.

A quarta questão é bem subjetiva, pois trata da importância que a greve adquiriu como instrumento de reivindicação por melhores condições de trabalho. Entretanto com o desenvolvimento dos Estados democráticos e o processo de constitucionalização, diversos outros fundamentos ganharam a mesma relevância implicando um necessário sopesamento entre o interesse público e o dos trabalhadores, não mais o interesse direto entre estes últimos e seus patronos, sendo, portanto, toda e qualquer greve de interesse social. Passou-se, então, a discutir-se a questão sob o prisma dos princípios constitucionais, com especial destaque para os auto conflitantes: “dignidade da pessoa humana” e a “supremacia do interesse público”, que sempre permeiam o exercício deste direito em foco.

Diante do exposto percebe-se, sem dúvida, que não se trata de um direito absoluto, visto estar recheado de normas passíveis de interpretações e entendimentos distintos, além de todos os limites legais e constitucionais impostos para seu exercício, de maneira que o não atendimento a estas questões quase sempre enseja em responsabilidade, daí a importância de estudá-la.

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Sobre o autor
Luiz Gustavo de Oliveira Ramos

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FaSe, Faculdade Estácio de Sergipe, 2013, Aracaju (SE). Especialista em Docência no Ensino Superior pela FaSe, 2009. Graduado em Direito pela FaSe, 2011. Graduado em Sistemas de Informação pela UNIT, Universidade Tiradentes, 2005, Aracaju (SE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Luiz Gustavo Oliveira. O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3065, 22 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20474. Acesso em: 26 abr. 2024.

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