RESUMO: O presente artigo busca incitar uma análise a respeito de como a teoria da seletividade de Claus Offe se relaciona com os preceitos trazidos por teóricos marxistas que discutem a importância da função política das instituições, principalmente da educação, na defesa dos interesses do capital e na manutenção dos interesses de classe das parcelas dominantes do quadro econômico, político e social.
PALAVRAS CHAVE: teoria da seletividade, função política da educação, interesses de classe, manutenção do estado capitalista.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo apresentar as teorias de seletividade das instituições políticas defendidas por Claus Offe e as relacionar com os conceitos de outros autores, de influência marxista, sobre a importância da função política da educação no processo de defesa dos interesses do capital e na manutenção do caráter de classes do Estado.
A questão a ser discutida no artigo é como a educação pode servir de instrumento do Estado para a manutenção da ordem política e social vigente, considerando assim os preceitos colocados por Claus Offe na sua teoria da seletividade das instituições. Podemos perceber a importância dessa questão que será discutida, principalmente porque através da discussão travada no artigo será possível perceber e analisar, com uma visão mais crítica, a verdadeira função da escola na nossa sociedade pela visão de autores influenciados pelo marxismo, e, por assim dizer, enxergar mais claramente quais são as reais intenções ao se “educar” uma população.
Para responder a questão levantada no artigo, primeiramente será necessária uma análise mais a fundo das idéias de Claus Offe, fazendo uma retomada nas suas análises sobre o caráter de classe do Estado capitalista, considerando alguns de seus pressupostos e seus conceitos metodológicos mais importantes, para que, lançadas as bases do pensamento do autor, possamos tratar melhor do conceito de seletividade das instituições políticas, o que possibilita a relação teórica com o pensamento de outros dois autores, Althusser e Gramsci que desenvolvem a idéia da educação como um importante instrumento para a manutenção da ordem capitalista vigente.
2. A TEORIA DA SELETIVIDADE DE CLAUS OFFE
Primeiramente, antes de desenvolver teoria sobre a seletividade das instituições políticas, Offe trabalha com uma série de análises acerca de algumas ideias que procuravam responder a questão da influência que o Estado sofre pelas classes dominantes da sociedade. As duas correntes criticadas pelo autor são: as “teorias da influência” e as “teorias dos fatores limitativos”. As “teorias da influência” são aquelas que encaram o Estado capitalista como sendo um verdadeiro instrumento nas mãos da classe dominante, a máquina estatal, nesse caso, acaba como um suporte institucional no processo de valorização dos interesses dos capitalistas. Já as “teorias dos fatores limitativos” acreditam não ser possível a ideia de que as instituições políticas possam se tornar algum dia instrumento de influencia de interesses não-capitalistas. Para Offe, essas duas análises acabam não sendo eficientes para demonstrar o verdadeiro caráter de classes do Estado, uma vez que procuram explicar tais fenômenos apenas considerando os fatores externos e esquecem as motivações internas do próprio Estado. Uma das críticas que Offe faz às “teorias de influências” é a de que tais teorias acreditam na existência de um interesse comum da classe dominante, o que segundo ele não ocorre, o que realmente se configura é uma série de interesses individuais de representantes do mundo empresarial e comercial de larga escala, que buscam apenas a realização dos interesses específicos de suas corporações e não pensam de forma coletiva na classe como um todo. Para que fosse possível um interesse geral e coletivo de uma classe influenciando o Governo seria necessário, para Offe, um alto nível de racionalização na definição dos interesses de determinada classe, mas que na verdade não se constitui pela efetiva concorrência entre no mundo empresarial e comercial gerando certa falta de solidariedade entre os grupos de capitais.
Diferentemente dessas teorias Offe faz um movimento contrário, para o autor a verdadeira influência que o conjunto de poderes políticos de uma nação sofre das classes dominantes não vêm de fora do aparelho estatal, mas já estão arraigadas nas próprias estruturas de poder. Isto se dá de várias formas, como, por exemplo, as estratégias legislativas e administrativas do próprio aparelho estatal. Assim, o Estado possui poder e autonomia relativos, possibilitando a tal aparato estatal e executivo imprimir um caráter seletivo nas ações do governo e nas políticas públicas.
Seguindo as teorias de Claus Offe o aparelho estatal capitalista deve, além de seguir uma organização idêntica a organização capitalista, ser um agente controlador dos interesses individuais capitalistas, transformando-os em um interesse geral e coletivo de classe, portanto, aparece neste momento a primeira questão que nos remete ao conceito de seletividade. Nesse sentido, surge a necessidade de entender como que o Estado faz a separação entre as ideias antagônicas dos representantes dos interesses do capital e seleciona aquelas que representam as idéias gerais de uma classe. A dominação que uma classe faz ao Governo deve se apresentar com características que estão dentro do Estado capitalista de formas estruturais, fazendo com que as idéias sejam selecionadas. Essa seletividade de interesses deve ser uma característica central da máquina estatal capitalista, sendo composta por uma série de instituições políticas dentro do próprio Estado que possuam uma seletividade própria, favorecendo os interesses do processo de valorização capitalista.
A dominação política do Estado ocorreria, portanto, através do processo de seleção, e é nesse momento que o autor questiona quais são os desempenhos de seleção que o aparato estatal deve mobilizar para funcionar, realmente, como um Estado capitalista. Antes de qualquer coisa Claus Offe tenta esclarecer o conceito de seletividade, que seria, para ele, uma configuração de regras de exclusão institucionalizadas, trazendo a tona um ponto que podemos classificar como uma questão metodológica do autor, que seria a necessidade de conceituar aquilo que seria selecionado, ou seja, excluído. Tais fatos, que seriam excluídos pela seleção, são chamados de não-acontecimentos e eles se dividem em três tipos: sócio-estruturais, acidentais e sistêmicos. Os sócios estruturais são acontecimentos com características estruturais que seriam produzidos antes mesmo da formação das sociedades capitalistas. Os acidentais são aqueles que podem ocorrer independentemente das estruturas e regras de procedimento do sistema político. E, por fim, os sistêmicos são as operações de seleção impostas imediatamente pelas estruturas do sistema político e que são explicadas sem referência a tais processos.
Offe argumenta que o aparelho de seletividade do Estado tem duas premissas: a primeira seria a seleção de idéias dentro dos diferentes interesses capitalistas, ou seja, a seleção de um interesse maior da classe, e, como segunda premissa, uma forma de defesa desse Estado capitalista que seria livrar esse sistema de ideias anticapitalistas, configurando-se como a segunda função da seletividade e a que mais importa para o desenvolvimento do artigo, pois está totalmente relacionada com o processo da educação não favorecer o aparecimento de idéias não capitalistas nos níveis de formação da sociedade. Ideia essa que será desenvolvida no decorrer do artigo.
Entendemos o caráter classista do Governo quando ao analisar os filtros de seletividade percebemos que todos eles estão interligados ao interesse de uma classe dominante, a classe do capital que vincula seus interesses a uma racionalidade objetiva de seletividade presente na estrutura interna do sistema político.
Para demonstrar mais afundo quais seriam esses sistemas de seletividade Claus Offe os divide em quatro tipos, que seriam os mecanismos de seleção: estrutura, ideologia, processo e repressão. A estrutura dos sistemas político é encarada como um elemento de seletividade em favor do sistema capitalista a partir do momento em que ela estabelece premissas e barreiras para uma política possível e delimita um espaço para as possibilidades de acontecimentos políticos. Pode-se dizer que nessa estrutura se enquadram todos os instrumentos jurídicos que o aparelho estatal pode utilizar para a manutenção da ordem. Já a ideologia teria como função promover a percepção e articulação seletiva de problemas e conflitos sociais, ela filtra ou restringe os acontecimentos políticos através de normas. Os processos são o que entendemos por procedimentos institucionalizados de formulação e implementação política, os processos fazem um tipo de seleção a partir do momento em que consideram certos conteúdos políticos com mais chances de serem realizados e postos em prática enquanto política pública. A repressão seria, propriamente dita, a aplicação ou ameaça de atos repressivos partindo do aparelho estatal, como a polícia e a justiça.
Assim, consideramos que o Governo capitalista está ligado a uma classe a partir do momento em que utiliza seus próprios mecanismos para fazer uma seleção do que é bom e útil ao sistema capitalista e uma seleção daquilo que não deve ser utilizado em tal sistema como ideias anticapitalistas. É nesse momento, portanto, que entramos com a comparação de autores com influencia marxistas que consideram a educação como um instrumento de suma importância para a manutenção da ordem capitalista, dentro da teoria da seletividade de Claus Offe, pode-se dizer que a educação entra num processo de seletividade de ideias, ou seja, em um mecanismo de seletividade que se enquadra na ideologia.
Os mecanismos de seletividade de dentro do próprio Estado tem como função assegurar o caráter classista da máquina estatal e, por assim dizer, a manutenção da estrutura capitalista, é nesse ponto principal que a educação aparece como fundamental no processo de seletividade ideológica, atuando nos meios de formação da sociedade impedindo que ideias anticapitalista se propaguem e atinjam aos indivíduos em formação, demonstrando qual a lógica de funcionamento daquela sociedade capitalista.
3. A FUNÇÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO
Considerando todos os conceitos da seletividade das instituições políticas trabalhadas por Offe, torna-se possível, agora, tratar da questão principal levantada no artigo, quer seja sobre como a educação pode servir para a manutenção do Estado capitalista, selecionando e repassando aos novos indivíduos de uma sociedade as ideias do capital e impossibilitando que ideias anticapitalistas passem a ser disseminadas dentro da sociedade.
Dois autores que trabalharam com esse tema e tem grande influência do pensamento marxista são Louis Althusser e Gramsci.
Louis Althusser foi um filósofo francês de origem Argelina, teve entre os seus principais trabalhos o desenvolvimento dos conceitos de Aparelhos Ideológicos de Estado, que guardam profunda ligação com a teoria da seletividade das instituições políticas desenvolvidas por Offe. Althusser qualifica os aparelhos ideológicos do Estado como sendo certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas, existindo os Aparelhos Repressivos do Estado e os Aparelhos Ideológicos do Estado. Os aparelhos de repressão se diferenciam dos aparelhos ideológicos, pois tem uma maior participação do Governo, enquanto os ideológicos tem uma parcela maior da participação privada, enquanto os aparelhos de repressão utilizam a violência em primeiro plano, os aparelhos ideológicos utilizam a ideologia para manter o sistema capitalista. Para Althusser os aparelhos ideológicos do Estado se dividem em vários ramos como, por exemplo: os aparelhos ideológicos religiosos, escolares, familiares, jurídicos, sindicais, de informação e cultural, contudo, o que assumiu a posição dominante nas formações capitalistas modernas, após uma violenta luta de classe política e ideológica contra o antigo aparelho ideológico do Estado dominante, é o aparelho escolar, em outras palavras os mecanismos de educação.
O fim principal dos Aparelhos Ideológicos do Estado é a reprodução das relações de exploração capitalista, a passagem da ideologia da classe dominante para os níveis de formação da sociedade, transferindo as ideias do capital através da educação.
Todavia, percebemos que ao tratar a educação como um importante fator para a manutenção do sistema capitalista, por transmitir as principais ideologias da classe dominante para os níveis de formação da sociedade, o Aparelho Ideológico do Estado mais importante, segundo Althusser, tem uma relação evidente com a teoria da seletividade trabalhada por Offe, pois quando o sistema capitalista utiliza a educação para repassar suas idéias ele está também o utilizando para não deixar que nesses novos indivíduos da sociedade surjam e se reproduzam ideias anticapitalistas, sendo, então, de profunda importância a educação nesse sistema, uma vez que ela serve como garantia de que os outros indivíduos, que venham a compor a sociedade, sigam um padrão de pensamento imposto pela ideologia do capital.
Outro intelectual que segue a mesma linha de pensamento de Althusser é Antonio Gramsci, entretanto a sua preocupação maior não é a educação e suas ramificações, ele é conhecido dentro da tradição do pensamento marxista como o teórico das superestruturas, fornecendo elementos que nos permitem pensar em uma teoria dialética da educação. Antes de conceituar o papel da educação na sociedade capitalista de acordo com Gramsci, também é necessário desenvolver uma breve discussão sobre a teoria desenvolvida pelo autor. Para ele o Estado se divide em duas esferas: a sociedade política (governo, tribunais, exército, polícia) e a sociedade civil (Igrejas, escolas, sindicatos, clubes, meios de comunicação), conformando-se um papel mais repressivo na sociedade política e um papel mais ideológico na sociedade civil.
Segundo Gramsci a sociedade civil expressa o momento da persuasão e do consenso que, atua em conjunto com a repressão e a violência existentes na sociedade política, assim na sociedade civil a dominação acontece pela hegemonia, já na sociedade política ela é atuante através da ditadura. Gramsci considera que na sociedade civil circulam ideologias, assim a classe hegemônica da sociedade procura impor a classe dominada sua concepção do mundo que, aceita e assimilada por ela constitui uma espécie de senso comum.
Portanto para Gramsci toda a relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, isso por que no caso da hegemonia burguesa e capitalista, há essencialmente um processo de aprendizado pelo qual a ideologia da classe dominante se realiza historicamente, passando a ser então senso comum, é a idéia de pedagogia política, que tem por objetivo maior a transmissão de um saber, com intenções da manutenção do Estado capitalista e de uma sociedade com valores burgueses. Essa função hegemônica resta completa quando a classe dominante consegue paralisar a circulação de contra-ideologias (ideias anticapitalista), provocando o consenso e a colaboração da classe dominada que vive sua opressão como se fosse a liberdade. Contudo, para realizar essa função hegemônica, a classe dominante recorre às instituições privadas, sendo que uma delas é a escola que exerce um papel de suma importância.
Assim, novamente percebemos a ideia de seletividade ideológica trabalhada por Offe, pois é através da educação que e de outros elementos da sociedade civil que as relações de produção impostas pela ideologia do capital passam a ser infiltradas no meio social e, de certa forma, no pensamento das pessoas que formam a conjuntura social, mantendo a estabilidade do Estado capitalista e impossibilitando que ideais contrárias sejam disseminadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da teoria da seletividade das instituições políticas trabalhadas por Claus Offe foi possível desenvolver ao longo do artigo uma série de argumentos de autores de influência marxista para afirmar que a educação tem um amplo papel para a difusão das relações de produção capitalista e para a conservação da ordem política e social vigentes, mantendo um caráter de classes do Estado. A teorias da seletividade de Offe demonstra a existência de uma série de mecanismos internos dentro do próprio Estado, que trabalham na seleção de interesses tanto dos próprios empresários do mundo do capital como na seleção de idéias que circulam pela sociedade, através de diferentes meios. Outros dois autores foram colocados em discussão, pois levantam a possibilidade de uma importância maior para um meio de seleção de idéias e formação de indivíduos. A educação segundo Althusser e Gramsci tem um papel efetivo na manutenção do caráter de classes do Estado, na passagem dos valores de exploração capitalista e na impossibilidade de difusão das idéias contrárias àquelas difundidas pelo capital. A educação, portanto educa os novos indivíduos passando valores da classe dominante e por assim dizer favorece a manutenção do sistema de exploração capitalista, sendo ela um meio ideológico de seletividade que trabalha para os grandes interesses do sistema político e social.
5. REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1983.
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado & Sociedade. São Paulo, Centauro 7ª edição revista.
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982, 4ª edição.
OFFE, Claus. “Dominação de classe e sistema político: Sobre a seletividade das instituições políticas”. In: Problemas estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1982.