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Prescrição em matéria de benefício previdenciário

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6.3 O PENSAMENTO DOUTRINÁRIO

A maioria dos autores que escreve sobre direito previdenciário tem evitado tratar de forma aprofundada o assunto ora debatido. Limita-se a repetir as normas legais sem mais detalhes e minúcias.

De modo que Martins (2002, p. 444), explicando o alcance de dispositivos da Lei nº 8.213/91 com modificações de diplomas legais posteriores, assevera o seguinte:

É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia 1º do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indefeitória definitiva no âmbito administrativo (art. 103 da Lei 8.213). Passados esses cinco anos, o ato de concessão do benefício não poderá mais ser revisto. Poderão ser reclamadas diferenças, observado o prazo de prescrição, mas não a concessão do benefício. Essa disposição foi introduzida pela Lei 9.528, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213.

Observe-se que o referido doutrinador mira-se apenas naquilo afirmado pela lei, sem fazer nenhum juízo sobre a precisão terminológica do legislador.

A rigor, a discussão tem partido dos textos legais, e não, como seria esperado, dos critérios científicos fornecidos pela doutrina mais autorizada, com fundamentação clara e inequívoca. Fato que tem realimentado a imprecisão terminológica do legislador, tão destacada ao longo desta obra.

Por outro lado, os que tecem alguns comentários, fixando-se na literalidade dos textos normativos ou interpretando de modo equivocado a Súmula 85, têm patenteado a regra da imprescritibilidade, com poucas exceções.

De igual maneira, comentando o tema prescricional, expressa-se Alencar (2009, p. 630):

Todavia, as ações previdenciárias envolvem direito do segurado em face do Estado, que se reproduz por prestações continuadas, de trato sucessivo, de tal sorte que, a despeito da literalidade do dispositivo (parágrafo único do art. 103), cabível a incidência do verbete 85 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que assinala “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”.

E arremata, dizendo: “Não poderá ser outra a interpretação a não ser a de que prescrevem tão-somente as prestações devidas e não pagas há mais de 5 anos”.

Consoante se dirá em tópico seguinte, essa súmula sanciona a prescritibilidade, e não a imprescritibilidade, como entendeu o referido autor.

Porém, de 2007 para cá, começam a surgir, embora timidamente, comentários mais demorados sobre o assunto. De fato, alguns autores já se preocupam com o tema, em virtude de se ter entendido, conforme a mencionada Instrução Normativa 20, que a partir de 2007 passou a “decadência” a atingir pretensão de beneficiários à revisão do ato administrativo de concessão de benefício previdenciário.

Contudo, observam-se somente Dias e Macêdo (2010, p. 307/344) e Kravetz (2007, p. 581-610) tratando de modo mais profundo essa matéria, tão negligenciada pelos demais estudiosos que se dizem versados em benefícios previdenciários.

Todavia, os que não calam quanto ao tema, repetem entendimentos jurisprudenciais sem a preocupação de conferir organicidade entre o pensamento pretoriano e as normas legais em sintonia com os institutos da Ciência Jurídica.


7 O DOGMA DA IMPRESCRITIBILIDADE DE FUNDO DE DIREITO EM MATÉRIA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Todo o cenário narrado nos tópicos anteriores gerou a ideia, no subconsciente coletivo dos operadores do Direito, que não há prescrição de pretensão ao controle judicial de ato administrativo exarado pelo INSS, na sua competência6 de administrar os benefícios previdenciários. Assim, ainda que tenha havido indeferimento de benefício há mais de quarenta anos, o interessado poderia postular o controle judicial desse ato administrativo, almejando fosse expedida ordem a fim de que a Administração pratique novamente o ato, expungindo a ilegalidade apontada. Imagine-se isso em casos de benefício por incapacidade, em que as condições e circunstâncias presentes no momento inexoravelmente desaparecem com o fluir do tempo. Logo, a averiguação do acerto do ato torna-se praticamente impossível.


8 NEGAÇÃO DE FUNDO DE DIREITO VERSUS NEGAÇÃO DE EFEITOS DO FUNDO DE DIREITO

Diferença bastante enfocada pela doutrina e jurisprudência é a de prescrição de fundo de direito e a de parcelas, ou, como dizem Pereira e Mendes (2007), prescrição de trato sucessivo e prescrição de fundo de direito.

Isso decorre do que está posto nos artigos 1º e 2º em contraste com o artigo 3º, todos do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 19327. Com efeito, esses preceptivos legais dizem o seguinte:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Art. 2º Prescrevem igualmente no mesmo prazo todo o direito e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo e ao montepio civil e militar ou a quaisquer restituições ou diferenças.

Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.

Na verdade, esse artigo 3º era um esclarecimento dos dois antecedentes. Em hipótese alguma estava sancionando prescrição apenas de parcelas, até porque isso seria uma contradição gritante com os dois artigos anteriores, os quais são muito claros em pontificar a prescrição do direito, com a negação de seus efeitos, porquanto assevera que isso se dá com relação a “todo o direito e as prestações correspondentes”. Desse modo, o artigo 3º refere-se a prestações autônomas que ocorriam mês a mês, como se dá nas prestações de serviço extraordinário ou em relação a diárias, quando o servidor interessado, toda vez que se submete a essas condições, faz requerimento mensal a fim de receber tais gratificações. Para cada obrigação há um requerimento e uma decisão denegatória, de acordo com o que foi exposto ao longo deste trabalho.

Cumpre esclarecer que se torna mais fácil a identificação de prescrição administrativa quando se tem em mente a noção de controle dos atos da Administração.

Postos esses esclarecimentos iniciais e hipotecando respeito aos que pensam diversamente, tal diferenciação não tem fundamento lógico nem técnico-jurídico. Com efeito, o que se enfrenta, quando se envolve negação de direito na esfera administrativa, é o controle do ato administrativo de indeferimento. O Judiciário faz o controle de legalidade do ato administrativo, o qual pode ter vários conteúdos. O conteúdo do ato pode negar uma relação jurídica-base, os efeitos acidentais dessa relação, sua projeção no tempo etc. Esse conteúdo não determina a extensão do prazo facultado ao administrado a fim de que leve seu inconformismo ao Judiciário, por não concordar com o ato exarado pela autoridade administrativa.

O conteúdo do ato administrativo, eivado de ilegalidade em sentido amplo, não tem influência no prazo de prescrição. A prescrição administrativa refere-se tão somente à perda de prazo para suscitar o controle judicial desse ato da autoridade administrativa. Daí por que tal diferenciação não tem importância alguma para prescrição administrativa, em seu sentido técnico-jurídico. Veja-se, por exemplo, a hipótese cogitada Pereira e Mendes (2007), que é a de discussão acerca de vantagens de servidores públicos:

Destarte, fica claro que os aspectos relacionados ao quantum, como, por exemplo, o relativo ao pagamento a menor de certa vantagem pecuniária, dizem respeito à prescrição de trato sucessivo. Se, todavia, pleiteia-se o próprio reconhecimento do direito à vantagem, aplica-se a prescrição de fundo de direito.

Ora, o raciocínio deveria ser feito da seguinte maneira: se o ato administrativo apenas diz que o quantum, devido ao servidor, é “x” em virtude de determinada gratificação, enquanto ele (o interessado) afirma que é “x” mais “y”, não se está negando a gratificação, mas apenas o valor a mais postulado pelo servidor. Se este levar o caso ao Judiciário, evidentemente que não se vai negar a gratificação, caso seu pleito seja julgado improcedente, mas apenas o plus que demandava.

Todavia, se certo ato administrativo assegura que determinada gratificação, a qual se traduz pelo valor “x”, nunca existiu e por isso não é devida, e o interessado, ao levar o caso ao Judiciário, tiver seu pleito julgado improcedente, é evidente que ele não terá mais direito à gratificação. Logo, para saber qual direito é negado, deve-se apenas e simplesmente examinar o ato administrativo impugnado. Em suma: não há necessidade de tantas lucubrações argumentativas.

Pois bem, em ambos os casos, o fato de um ato administrativo discutir o valor de uma gratificação, paga mês a mês, e outro discutindo a própria existência da gratificação, não faz diferença alguma no prazo prescricional. Nas duas hipóteses, serão de cinco anos o prazo em que se pode exercitar a pretensão ao saneamento da lesão, pois a função do Judiciário, diga-se mais uma vez, é controlar os atos administrativos, e esse controle deve ser feito no prazo de cinco anos, a contar da lesão definitiva ocorrida no âmbito administrativo.

Porém, existem casos em que o direito é postulado mês a mês, como é o caso de servidor que desempenha serviço extraordinário. Antes de fechar a folha do mês, ele faz requerimento para percepção da gratificação. Evidentemente, se passar mais de cinco anos nessa situação, havendo requerimentos e indeferimentos completos ou parciais, os atos administrativos anteriores ao lustro não serão mais passíveis de controle judicial.


9 O CONTROLE JUDICIAL DE ATOS ADMINISTRATIVOS

Matéria por demais decantada nos manuais administrativos é a de controle dos atos administrativos pelo Judiciário. É sabido que os atos administrativos, por força do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição do Brasil, estão submetidos ao controle judicial, quando em seu âmago houver ilegalidade em sentido amplo.

Vale salientar que enquanto o pleito do interessado estiver sendo decidido pela Administração, dentro do processo administrativo, com o cumprimento de todas as formalidades, sobretudo as referentes a prazo, não se pode falar em lesão a direito e em suscitação do controle judicial. É que nessa hipótese ainda não resta configurado o interesso processual previsto no artigo 3º do Código de Processo Civil. Com efeito, se o direito do interessado pode ser outorgado no âmbito administrativo, não se pode ocupar o Judiciário com demandas desnecessárias, que devem ser executadas pela Administração. Explicando melhor: se o interessado recorre administrativamente em face de indeferimento de um pleito seu, ele não tem interesse para provocar o controle judicial do ato administrativo negatório. Só terá no caso de ficar configurada lesão a direito, presente, por exemplo, em exigência de depósito pecuniário para recorrer ou outras garantias, ou no descumprimento de prazo pela instância recursal administrativa.

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Alerta-se que não se está a defender exaustão8 ou esgotamento da via administrativa9, pois, no iter do processo administrativo, pode haver lesão a direito, como se disse acima. O que não se pode presumir é que, apenas em virtude do indeferimento inicial, já exsurja a necessidade de promover o controle do ato administrativo no âmbito judicial, apesar de o interessado ter suscitado a via recursal administrativa, e a Administração continuar agindo dentro dos limites da lei, no que tange ao processamento do recurso.

O STJ tem pontificado, em vários julgados, que não há necessidade de superar as possibilidades de obter a postulação do interessado no âmbito administrativo. A ementa do julgamento do Recurso Especial 218270 (1999/0050108-0 - 11/10/1999) traduz, com precisão, essa corrente jurisprudencial:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ADMINISTRATIVO - RECONHECIMENTO DO PEDIDO - PERDA DO OBJETO DA AÇÃO JUDICIAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

O ingresso em juízo prescinde de prévio esgotamento da via administrativa.

Reconhecido o pedido na esfera administrativa, a ação a ele referente perde o objeto, sendo a União responsável pela verba honorária.

Recurso improvido.

Furtado (2007, p. 1159/1160), analisando o aludido julgado e refutando as razões nele expostas, apresenta os seguintes argumentos, dizendo que é necessário esgotamento da via administrativa a fim de que surja interesse processual:

Se no caso em exame existe a possibilidade de a própria Administração Pública reconhecer o direito do indivíduo que aguarda decisão de recurso pendente na instância administrativa, com efeito suspensivo, qual o interesse do particular de agir na via judicial? Onde está o direito subjetivo violado ou ameaçado de lesão? Não há, com a devida vênia, sequer lide que justifique a propositura de ação judicial. Isto resta demonstrado de forma cabal quando a ação judicial perde seu objeto em face ao reconhecimento do direito do particular pela própria Administração Pública que lhe deu provimento no recurso administrativo.

A rigor, a ação judicial aqui referida não perdeu seu objeto; ela nunca teve objeto.

O julgado proferido pelo eg. STJ põe em risco o equilíbrio entre os poderes e suscita inúmeras questões acerca do controle judicial sobre a atividade administrativa do Estado.

Após essas e outras ponderações, o aludido autor conclui da seguinte forma (obra citada, p. 1160):

Em resumo, é possível afirmar que enquanto a questão estiver sob a apreciação da Administração Pública sendo tratada em processo administrativo e isto não caracterizar violação (ou ameaça de violação) de direito subjetivo do cidadão, ele não está legitimado a se socorrer das vias judiciais, devendo aguardar a conclusão do mencionado processo administrativo. Esta conclusão não afasta a possibilidade de o Poder Judiciário intervir nas decisões administrativas, mas apenas define o momento em que a intervenção judicial na atividade administrativa se torna legítima. (Grifo do autor).

De fato, não se pode exigir que o interessado percorra todas as instâncias recursais administrativas para que fique configurado seu interesse de controlar judicialmente o ato administrativo que lhe trouxe prejuízo jurídico; porém, se provoca o pronunciamento recursal, na esfera da Administração, o interesse de socorrer-se da ação judicial só aparece após a decisão final denegatória administrativa.

Assim, não há como discordar da percuciente conclusão de Mezzomo (2010):

Como visto linhas atrás, não há dispositivo algum que determine expressamente que tenhamos que exaurir a instância administrativa para valermo-nos do poder judiciário. Mas tomando em conta que a via administrativa é uma alternativa possível de obtenção do bem da vida que se pretende, e é quase sempre mais célere e menos onerosa do que a judicial, verificamos que pode ser incluído o seu exaurimento como pressuposto para a configuração de necessidade da tutela jurisdicional.

Logo, os atos administrativos do INSS, que tratam de benefícios previdenciários, estão submetidos ao crivo do Judiciário, visto que são atos vinculados, pois o deferimento de benefício não depende de critérios de conveniência e oportunidade da Administração. No entanto, se houver possibilidade de o benefício ser concedido administrativamente, dentro dos prazos e demais formalidades legais, não existe cabimento para provocar o controle judicial do ato de indeferimento inicial de benefício, pendente de recurso administrativo.

Todavia, esse problema, em sede de benefício previdenciário, foi legalmente afastado, embora de forma invertida, pelo § 3º do artigo 126 da Lei nº 8.213/91, o qual diz: “A propositura, pelo beneficiário ou contribuinte, de ação que tenha por objeto idêntico pedido sobre o qual versa o processo administrativo importa renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto”. Diz-se de forma invertida, visto que era para ser o contrário: a propositura pelo beneficiário de recurso administrativo implica inexistência de interesse processual, pois o requerimento pode ser acolhido no âmbito administrativo.

Portanto, a lei presumiu que, ajuizada ação judicial, o esgotamento da via administrativa presume-se, ex vi legis, ocorrido desde a data do aforamento, abrindo a possibilidade do processamento do feito judicial, já que presente o interesse de agir, porquanto o pedido não pode mais ser acolhido na esfera administrativa.

Pois bem, havendo processo administrativo de concessão de benefício previdenciário, e este concluindo pelo indeferimento, inexistindo recurso, ou existindo, e esse houver sido decidido definitivamente, inicia-se, após a ciência inequívoca do interessado, o prazo para controle judicial do ato administrativo da autarquia previdenciária. Tal prazo terminará ao cabo de cinco anos, quando adquirirá rigidez jurídica, sendo impassível de reforma por meio de processo judicial.

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Sobre o autor
Raimundo Evandro Ximenes Martins

Procurador Federal em Sobral (CE). Especialista em Direito Público com enfoque em Direito Previdenciário pela UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Raimundo Evandro Ximenes. Prescrição em matéria de benefício previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20572. Acesso em: 16 abr. 2024.

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