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Prescrição em matéria de benefício previdenciário

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10 A COISA JULGADA ADMINISTRATIVA E SUA IMUTABILIDADE PELO ESCOAMENTO DE PRAZO

Como enfatizado em tópico anterior, quando se diferenciou prescrição de coisa julgada administrativa, esta significa o fim das controvérsias sobre determinado posicionamento adotado pela Administração. Posto um assunto para decisão no âmbito administrativo, tem-se de chegar a uma conclusão definitiva, sob pena de instalar-se abominável insegurança e indeterminação jurídicas nas relações com a Administração. Na verdade, sem uma decisão final, não haveria como seguir com a rotina administrativa. Imperaria o caos.

No âmbito do INSS, a questão está um tanto quanto mais evoluída, visto que norma presidencial obriga que seja observada, à risca, a decisão final administrativa, insuscetível de recurso. É o que diz o § 2º do artigo 308 do Decreto nº 3048/99, transcrito no tópico mencionado.


11 AS SÚMULAS 443 DO STF E 85 DO STJ

As súmulas em epígrafe são em muitos casos razões para afirmativas peremptórias de inexistência de prescrição para o controle de ato administrativo de negação de direito de servidores públicos ou de beneficiário do Regime Geral de Previdência Social.

A Súmula 443 (BRASIL, 1964) tem a seguinte redação: “A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta”.

Já Súmula 85, de indisfarçável semelhança com a do STF, está redigida do seguinte modo (BRASIL, 1993): “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”.

Pela simples leitura desses verbetes sumulares, nota-se que eles não consagram a imprescritibilidade. Com efeito, não há dificuldade de extrair a conclusão de que existe prescrição pelo que afirmam esses entendimentos jurisprudenciais.

De fato, quando for negado o fundo de direito, em consonância com a Súmula 85, não se deve nada, isto é, não há que se falar em prestações vencidas, sendo tal interpretação tirada, a contrario sensu, desse versículo sumular.

Todavia, por incrível que pareça, a rejeição de alegação de ocorrência de prescrição em feitos previdenciários, sobretudo no que se refere a indeferimentos de benefício, é feita, em sua quase totalidade, com fundamento nessa Súmula 85. Ora, o indeferimento inicial de benefício é negação do denominado fundo de direito. Portanto, nesses casos. A aplicação correta dessa súmula implicaria o reconhecimento da prescrição.

São muitos julgados nesse sentido, revelando ausência de reflexão sobre a interpretação dessa súmula, que diz exatamente o contrário do que se tem afirmado em várias decisões judiciais. A ementa do julgamento da Apelação Cível nº 2005.04.01.012025-5/RS (BRASIL, 2005) expressa esse entendimento:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. PRESCRIÇÃO. LEI Nº 8.213/91. ART. 143. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS COMPROVADOS.

1. Tratando-se de benefício de natureza continuada (trato sucessivo), apenas as parcelas devidas no qüinqüênio anterior à propositura da ação são alcançadas pelo fenômeno da prescrição e não o fundo de direito, consoante estabelece a Súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça.

2.Procede o pedido de aposentadoria rural por idade quando atendidos os requisitos previstos nos arts. 48, 106, 142 e 143, da Lei nº 8.213/91.

3. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea e consistente.

4. As notas fiscais de produtor rural, em nome da autora e de seu cônjuge, constituem início razoável de prova material, a completar a prova testemunhal, para comprovação de atividade rural em regime de economia familiar.

Ora, se há indeferimento do benefício, com base na convicção de que o postulante não é segurado da Previdência Social, ocorre indisfarçável negação do denominado fundo de direito, o que tranquilamente atrairia a aplicação da aludida súmula.


12 O FUNDAMENTO DA INDISPONIBILIDADE COMO SUSTENTÁCULO DA IMPRESCRITIBILIDADE

Vários autores já se aperceberam que são insustentáveis as alegações de imprescritibilidade com base no que tradicionalmente se alega, como as mencionadas súmulas e os artigos da Lei nº 8.213/91. Desse modo, dizem que benefício previdenciário, por sua natureza alimentar, seria imprescritível, e, por isso mesmo, seria indisponível. Não convence tal argumento.

Assim, Lazzari e Castro (2010b) afirmam o seguinte:

A regra geral de prescritibilidade dos direitos patrimoniais existe em face da necessidade de se preservar a estabilidade das situações jurídicas. Entretanto, as prestações previdenciárias têm finalidades que lhes emprestam características de direitos indisponíveis, atendendo a uma necessidade de índole eminentemente alimentar. Daí que o direito ao benefício previdenciário em si não prescreve, mas tão-somente as prestações não reclamadas dentro de certo tempo, que vão prescrevendo, uma a uma, em virtude da inércia do beneficiário.

Com efeito, direitos existem que, embora sejam fundamentais e de natureza alimentar, têm sua pretensão a saneamento de lesão vencida pelo transcurso do tempo, como é o caso dos direitos trabalhistas, que, por força de dispositivo constitucional, ocorre em cinco anos (inciso XXIX do artigo 7º da Carta Magna). Por outro lado, se assim for entendido, chegar-se-ia à inconcebível conclusão de que jamais transitaria em julgado sentença que denegasse direito de índole previdenciária. Explicando melhor: uma sentença prolatada em face de uma denegação de benefício previdenciário, a qual confirmasse o indeferimento, não seria óbice para novo ajuizamento de ação que discutisse a mesma matéria.

A rigor, não existe na essência diferença entre a decisão do agente do INSS e do juiz. Com efeito, o magistrado apenas sindica a conduta do servidor, analisando se ele agiu dentro das amarras da legalidade.

Ora, se o beneficiário pode renovar a qualquer tempo seu requerimento de benefício, chega-se à inelutável conclusão de que a sentença que aferisse a legalidade de um indeferimento não obstaria a apreciação do requerimento subsequente, e assim sucessivamente. Desse modo, jamais se poderia invocar a exceção de coisa julgada, quando houvesse julgado de mérito a favor da autarquia previdenciária.

De fato, se a coisa julgada tem proteção constitucional, por força do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição, esse mesmo preceptivo também concede igual status ao ato jurídico perfeito. A rigor, a própria presunção de legitimidade do ato administrativo, com considerável tempo sem sofrer impugnação, permite afirmar que se trata de ato jurídico perfeito.

O que está em jogo não é o direito fundamental, mas o prazo em que pode o administrado suscitar o controle judicial de ato administrativo exarado pelo instituto previdenciário. Afinal, a segurança jurídica não é incompatível com os direitos fundamentais que asseguram a dignidade da pessoa humana.

Por fim, cumpriria fazer uma análise à luz dos princípios constitucionais, com os recursos da nova hermenêutica constitucional, que tem indisfarçável cariz existencialista. De fato, além do princípio da dignidade da pessoa humana, existe o da segurança jurídica e o da proporcionalidade, o qual informa os demais, sobretudo quando se depara com colisões principilógicas. Ora, examinando bem a questão, chega-se à conclusão de que inexiste colisão de princípios, pois nem há prazo, como seria desejável, para o exercício do direito a benefício previdenciário, haja vista a ausência de decadência (existe apenas a caducidade de parcelas). Em rigor, o direito ao benefício nunca é posto em dúvida, mas o acerto ou desacerto da conclusão do servidor. O que se torna imutável é a decisão veiculada no ato administrativo.

Por outro lado, o prazo de cinco anos para o controle judicial de ato de indeferimento está totalmente em consonância com o princípio da razoabilidade, visto que é o tempo comumente fixado para manutenção de documentos e demais registros de atos. Além do mais, esse é o prazo geral fixado em favor da Administração, como será dito no tópico seguinte.


14 DA POSSIBILIDADE DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE CONTROLAR JUDICIALMENTE ATO ADMINISTRATIVO QUE NEGA BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Postos esses argumentos, o foco da questão é perguntar se o ato administrativo da autarquia previdenciária é passível de controle pelo Poder Judiciário e, sendo afirmativa a resposta, em que lapso temporal deve ser feito esse controle.

Como já posto mais de uma vez ao longo deste opúsculo, o ato do servidor do INSS, investido na atribuição de analisar e pronunciar-se sobre requerimento de segurado ou pretenso beneficiário do Regime Geral de Previdência, é ato vinculado que pode ser submetido à apreciação do Poder Judiciário, que dirá se foi expedido de maneira legal ou ilegal. Se ilegal, determinará que seja refeito o ato, reiniciando-se a partir de quando começou a ilegalidade. Essa conclusão é dada por todos os administrativistas, sendo um feliz caso de unanimidade no seio da doutrina.

Também, outra assertiva, já defendida e fundamentada nesta obra, é que cumpre ao INSS sempre deliberar sobre benefício previdenciário. O Poder Judiciário só é chamado a intervir quando a referida autarquia desviar-se da legalidade e lesionar direito do interessado. Como consectário lógico dessa conclusão, tira-se a ilação inarredável de que sempre serão condenatórias as sentenças proferidas contra o INSS, pois se almeja à expedição de ordem com a finalidade de determinar o refazimento do ato, eliminando-se as ilegalidades cometidas.

Pois bem, havendo unanimidade quanto ao controle dos atos administrativos, resta saber em que tempo deve ser feito.

Interessante destacar que a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade é a exceção. Dessa forma, as regras de imprescritibilidade estão todas alçadas no texto constitucional, como forma de assegurar sua validade, porquanto seria temerário veicular por simples lei. Com efeito, tanto na seara penal como na cível, as únicas exceções à prescritibilidade estão previstas na Constituição, sendo que o legislador ordinário, sob pena de vício material de inconstitucionalidade, não poderia alargar essas hipóteses: a primeira prevista no artigo 5º, incisos XLII e XLIV, e a segunda no artigo 37, §5º, ambos do Texto Magno de 1988, além das proibições das usucapiões contra a Fazenda Pública.

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A jurisprudência é pacífica em dizer que o prazo para o controle judicial dos atos administrativos é de cinco anos. A ementa do Acórdão da Sexta Turma do Tribunal Federal da 2ª Região, que julgou a Apelação Cível nº 1992.51.01.000729-4 (BRASIL, 2003), confirma com clareza tal entendimento. Eis a transcrição:

PROCESSUAL CIVIL – SENTENÇA QUE APRECIA A DEMANDA NOS LIMITES DO PEDIDO DEDUZIDO NA INICIAL – JULGAMENTO EXTRA PETITA – NÃO CARACTERIZAÇÃO – VERBA HONORÁRIA – REDUÇÃO – APLICAÇÃO DO ART. 20, § 4º, DO CPC.

– Não é extra petita a sentença que aprecia a demanda nos limites do pedido deduzido na inicial.

– Por força da remessa, a verba honorária deve ser reduzida para se amoldar ao disposto no art. 20, § 4º, do CPC.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – DEMANDA COM PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO – PRAZO PRESCRICIONAL – CINCO ANOS – CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS – LIMITES – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE O FATO APURADO E A JUSTIFICATIVA LEGAL PARA A DEMISSÃO – ANULAÇÃO DO ATO.

Prescreve em cinco anos, contados da data do ato de demissão, o prazo para o ajuizamento de ação que objetiva a reintegração de servidor. Precedentes do STJ (v.g. REsp nº 299205/MA).

– Se por um lado é verdade que, no controle do ato administrativo, o Judiciário não pode analisar o mérito administrativo, de outro, é certo que tal expressão diz respeito à conveniência e oportunidade.

– Sendo assim, não é defeso, por exemplo, ao Judiciário analisar se existe correlação entre o fato que foi apurado e a cominação legal utilizada como fundamento para a demissão.

– Verificado que o fato apurado não se adequa ao fundamento do ato de demissão, correta é a sentença que determina a reintegração do servidor. (O destaque, com negrito, foi feito quando se redigia este artigo.)

Realmente, o prazo para controle judicial dos atos da Administração Pública, expedidos em decisão definitiva, quando lesionarem direitos, é de cinco anos. Chega-se a essa conclusão tanto pelo que assevera o Decreto 20.910/32, como pelos diplomas legais que criam meios específicos processuais de controle judicial de atos administrativos.

Com efeito, com muita prodigalidade, a doutrina aponta vários meios judiciais específicos de controle judicial, entre os quais são citados o mandado de segurança, o habeas data, a ação popular, a ação civil pública e a ação comum ordinária. É bem verdade que, em hipótese de benefício previdenciário indeferido ou parcialmente deferido, o interessado vai valer-se, no mais das vezes, de ação ordinária.

Dentre esses meios processuais de controle de ato administrativo, a ação popular fixa o prazo de cinco anos para o exercício do controle judicial. Com efeito, a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que regula esse meio de impugnação constitucional, diz em artigo 21 que há prescrição em cinco anos. Passado esse prazo, ocorre a prescrição da ação (aqui o legislador tomou partido dos que defendem a existência de ação de direito material), ação essa que almejaria anular o ato lesivo da Administração.

Já doutrina e jurisprudência são unânimes em dizer que o prazo de prescrição para controle judicial, mediante a ação civil pública, é de cinco anos. Nesse rumo, assevera Meirelles (2003, 166): “[…] é de se ter como aplicável às ações civis públicas, por analogia, o prazo prescricional de cinco anos previsto para as ações populares”.

Logo, na ausência de regra legal que determinasse o prazo, havia esses instrumentos normativos que poderiam ser aplicados analogicamente. Sucede que, como já dito, existe o Decreto nº 20.910/32, o qual serve de pálio para dirimir as dúvidas sobre esse prazo, tendo-o como de cinco anos.

Por derradeiro, cumpre uma observação, porquanto ficou assentado alhures que o prazo para controlar ato administrativo que violou parcialmente direito de interessado em face do Regime Geral de Previdência Social é de dez anos. De modo que haveria certo paradoxo: quando houvesse o indeferimento parcial o prazo seria de dez anos; quando fosse total, de cinco anos.

No entanto, há razoabilidade para a existência de dois prazos, pois quando há o indeferimento parcial, quase imperceptível para um leigo, como erro no cálculo da RMI, o interessado tem dificuldade de identificar a lesão a seu direito. Aliás, no mais das vezes, nem sabe que seu legítimo direito foi negado, uma vez que o deferimento do benefício, como o de aposentadoria ou de pensão, camufla eventuais ilegalidades acessórias. Daí ser razoável outorgar o prazo de dez anos para o controle desse ato administrativo, cuja ilegalidade é difícil de perceber.

Já quando ocorre o indeferimento total, o interessado, de logo e sem dúvidas, tem noção da violação a seu direito, sendo ponderosa a fixação do prazo de cinco para o seu controle, porquanto não há razão para retardamento da manifestação de inconformismo perante o Judiciário.

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Sobre o autor
Raimundo Evandro Ximenes Martins

Procurador Federal em Sobral (CE). Especialista em Direito Público com enfoque em Direito Previdenciário pela UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Raimundo Evandro Ximenes. Prescrição em matéria de benefício previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20572. Acesso em: 23 dez. 2024.

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