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Responsabilidade do depositário de bens apreendidos em decorrência de infrações ambientais

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19/01/2012 às 10:24
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4. Da constituição irregular do crédito. Consequências

Por outro lado, é de se reconhecer que inexiste obrigatoriedade de cobrança de débito anteriormente constituído se a sua origem perpetrou-se fora das hipóteses em que a lei admite a responsabilidade do depositário. Em casos tais, deve-se proceder, administrativamente, à baixa do débito e, judicializada a questão, o feito deve ser extinto, com prolação de sentença de mérito em favor do depositário.


5. Da proporcionalidade da medida de responsabilização do depositário

Também podem surgir questionamentos acerca da proporcionalidade/razoabilidade do ato de constituição de débito em desfavor do depositário comprovadamente infiel.

Como sabido, o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade (a maioria da doutrina os entende como sinônimos) é de observância obrigatória em qualquer Estado Democrático de Direito, pois, como ensina Raquel Melo Urbano de Carvalho, "o Estado não pode atuar arbitrária e irracionalmente, estando proibidos o excesso e a insuficiência da ação administrativa" (In Curso de Direito Administrativo. Salvador: JusPodvm, 2009, p. 137).

Acerca da vinculação entre o princípio da proporcionalidade e o Estado de Direito, leciona, ainda, a ilustre Professora:

"Há clara vinculação entre o princípio da proporcionalidade e o Estado de Direito, tendo em vista a própria idéia de direitos fundamentais. Como o Estado de Direito pressupõe a defesa de direitos humanos, cabe afirmar que a exigência da proporcionalidade é intrínseca à sua efetividade formal e material. A proporcionalidade, enquanto proibição de excesso e de insuficiência, resulta da essência dos direitos fundamentais e caracteriza o próprio Estado de Direito". (Op. cit., p. 137).

O princípio da proporcionalidade, portanto, goza de fundamental importância no controle dos atos administrativos, na medida em que impõe que a conduta da Administração Pública seja adequada, necessária e suficiente à espécie. Caso fuja desses padrões, o ato será desproporcional, permitindo-se que o controle seja feito, inclusive, pelo Poder Judiciário. É pacífico o entendimento de que é possível ao Judiciário analisar a proporcionalidade do ato, já que esse aspecto se enquadra no campo da legalidade do ato.

Este princípio está implicitamente previsto no Texto Constitucional. Mas, nem por isso, se pode afirmar que não se encontra expressamente previsto no ordenamento jurídico. A esse propósito, a Lei nº 9.784/99 – que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal – o contemplou de forma expressa, como limite à atuação estatal e, por consequência, como forma de controle dos atos administrativos (art. 2º, caput, Lei nº 9.784/99).

Reconhecendo a importância do princípio da proporcionalidade no controle dos atos administrativos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro lenciona que se trata de "princípio aplicado ao Direito Administrativo como mais uma das tentativas de impor-se limitações à discricionariedade administrativa, ampliando-se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder Judiciário" (In Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2009, p. 79).

O princípio ora em estudo desdobra-se em: i) adequação; ii) necessidade; iii) proporcionalidade em sentido estrito.

O ato será adequado quando a medida escolhida for o meio correto para se atingir a finalidade almejada. Para que se observe o subprincípio da necessidade, deve a Administração optar pelo mecanismo que imponha a menor restrição a direitos fundamentais e às prerrogativas dos cidadãos. Isso significa que, havendo duas medidas possíveis à concretização do fim público almejado, deve o Poder Público optar pela medida menos gravosa, sob pena de desproporcionalidade do ato. Finalmente, tem-se, como subprincípio da proporcionalidade, a proporcionalidade sem sentido estrito, segundo a qual é necessário determinar a relação custo-benefício da medida em face do conjunto de interesses em jogo, de modo a ponderá-la mediante o exame dos eventuais danos e dos resultados benéficos viavéis na espécie. É o juízo ponderativo entre o gravame imposto e o benefício trazido.

A própria Lei nº 9.784/99 corrobora essas premissas, ao dispor que, nos processos administrativos, serão observados, entre outros, os critérios de "adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público".

Diante dessa realidade, conclui-se que a constituição de débito contra depositário infiel, nas hipóteses em que restar caracterizada a sua culpa (lato sensu), é a medida adequada porque promove o fim proposto, consistente na responsabilização daquele que, culposamente, não cumpriu o encargo que lhe fora confiado quando do depósito dos bens aprendidos em razão da fiscalização ambiental. É a medida necessária porque, na hipótese, é condição indispensável à concretização do interesse público, adstrito à tutela do meio ambiente. E, finalmente, também é a medida proporcional se analisados os meios de que o Estado dispõe para atingir o fim proposto e aqueles que efetivamente foram empregados, inclusive se comparada com a adoção de uma medida judicial.

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Entendimento contrário faria com que toda a atividade fiscalizatória destinada à tutela do meio ambiente, bem de uso comum do povo, padecesse de uma completa inutilidade, fazendo com que os princípios constitucionais insculpidos no art. 225 da Constituição Federal passassem a um plano subalterno de importância.

Ainda nesse contexto, é importante salientar que o meio ambiente, alçado ao status de direito fundamental (art. 225 da Constituição Federal), é bem indisponível, motivo por que não deve haver juízo de discricionariedade da autoridade ambiental competente no que tange à responsabilização do depositário infiel, desde que constatada a sua culpa ou dolo no ato que redundou na perda ou deterioração da coisa que lhe fora confiada.

Registre-se, finalmente, que a celeridade nos procedimentos de destinação dos bens apreendidos, nos moldes previstos no art. 25 da Lei nº 9.605/98, contribuirá para a eliminação de boa parte dos problemas relativos à infidelidade do depositário.


6. Conclusões

À vista de todo o exposto, conclui-se que:

i)a responsabilização do depositário, com a consequente constituição de débito em seu desfavor, apenas se mostra possível nas hipóteses em que restar caracterizada a culpa ou dolo no descumprimento do dever de guarda e de conservação da coisa depositada, sob pena de ilegalidade da exação inscrita contra o depositário (art. 629 do Código Civil);

ii)o art. 642 do Código Civilconsagrou verdadeira presunção de culpa do depositário, incumbindo-lhe a prova da ocorrência do evento externo, alheio à sua vontade, que redundou na perda ou deterioração do bem ambiental que lhe fora confiado. Ademais, em se tratando de culpa contratual (e não aquiliana), o inadimplemento se presume culposo;

iii)deve-se facultar ao depositário, no bojo do procedimento administrativo, a produção de todas as provas admitidas em direito, além daquelas que não sejam expressamente vedadas pelo ordenamento jurídico, tal como as produzidas por meio ilícitos (provas ilícitas e ilegítimas);

iv)insere no âmbito de atribuições da autoridade competente, pela livre apreciação motivada das provas colacionadas aos autos, decidir pela responsabilização, ou não, do depositário;

v)uma vez realizado o prévio controle da legalidade de procedimento no qual se assegurou ao depositário todos os direitos inerentes ao contraditório e à ampla defesa, não se vislumbra óbice à inscrição do crédito em dívida ativa e posterior ajuizamento de ação de execução fiscal, sendo desnecessário o prévio ajuizamento de ação de depósito;

vi)inexiste obrigatoriedade de cobrança de débito anterior constituído, se a sua origem perpetrou-se fora das hipóteses em que a lei admite a responsabilidade do depositário; em casos tais, deve-se proceder, administrativamente, à baixa do débito e, judicializada a questão, o feito deve ser extinto, com prolação de sentença de mérito em favor do depositário;

vii)o ato do Poder Público, que visa a responsabilizar o infiel depositário, na forma preconizada neste parecer, não ofende o princípio da proporcionalidade, já que se mostra como a medida adequada, necessária e suficiente à responsabilização do depositário infiel;

viii)a indisponibilidade dos bens ambientais faz com que a responsabilização do depositário infiel seja ato vinculado da autoridade ambiental competente, nas hipóteses em que for constatada a culpa (lato sensu) do depositário infiel;

ix)a celeridade nos procedimentos de destinação dos bens apreendidos, nos moldes previstos no art. 25 da Lei nº 9.605/98, contribuirá para a eliminação de boa parte dos problemas relativos à infidelidade do depositário.


7. REFERÊNCIAS

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: JusPodvm, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. III. São Paulo: Saraiva, 2009.

PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Sobre o autor
Roberto da Silva Freitas

Juiz de Direito Substituto do TJDFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Roberto Silva. Responsabilidade do depositário de bens apreendidos em decorrência de infrações ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3123, 19 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20891. Acesso em: 18 abr. 2024.

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