4.Das medidas relativas aos eventos
A Lei Geral da Copa, PL 2330/11, trata de vários assuntos, alguns polêmicos, distribuídos em 46 artigos, entre os quais se destacam a proteção e a exploração de direitos comerciais; vistos de entrada e permissões de trabalho, com modificações na Lei do Estrangeiro, Lei 6.815/80; responsabilidade civil e venda de ingressos.
Contudo, os temas que causam as maiores polêmicas são concernentes à responsabilidade civil da União por danos causados, por ação ou omissão à FIFA e outras entidades; aos novos tipos penais temporários; à venda de bebidas alcoólicas nos estádios e à proibição de meia-entrada para idosos, com suspensão temporária dos Estatutos do Torcedor e do Idoso; à criação de um Tribunal para o processo e julgamentos dos delitos ocorridos no período dos eventos, à criação dos feriados nos dias de jogos entre outros.
Após tais considerações primeiras, passa-se a enfrentar alguns temas importantes para a sociedade brasileira, a começar pela reponsabilidade civil da União.
5.Da responsabilidade Civil da União
O Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/2002, prevê o conceito de ato ilícito em seu artigo 186, com a seguinte redação:
"Art.186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
O mesmo diploma legal prevê expressamente a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas em seu art. 43:
‘Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37,§ 6º, disciplinou a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, assim dispondo:
"Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
Respeitante ao tema em apreço, o art. 23 do Projeto de Lei 2330/11, Lei Geral da Copa, estabelece seis modalidades de atos ilícitos, conforme se deduz:
Art. 23. Para os fins desta Lei, e observadas as disposições da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, consideram-se atos ilícitos as seguintes condutas, praticadas sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, entre outros:
I - atividades de publicidade, inclusive oferta de provas de comida ou bebida, distribuição de panfletos ou outros materiais promocionais ou ainda atividades similares de cunho publicitário nos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso, nas áreas a que se refere o art. 11 ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles;
II- publicidade ostensiva em veículos automotores, estacionados ou circulando pelos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso, nas áreas a que se refere o art. 11 ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles;
III - publicidade aérea ou náutica, inclusive por meio do uso de balões, aeronaves ou embarcações, nos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso, nas áreas a que se refere o art. 11 ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles;
IV - exibição pública das Partidas, por qualquer meio de comunicação, em local público ou privado de acesso público, associada à promoção comercial de produto, marca ou serviço ou em que seja cobrado ingresso;
V - a venda, o oferecimento, o transporte, a ocultação, a exposição à venda, a negociação, o desvio ou a transferência de ingressos, convites ou qualquer outro tipo de autorização ou credencial para os Eventos de forma onerosa, com a intenção de obter vantagens para si ou para outrem; e
VI - o uso de ingressos, convites ou qualquer outro tipo de autorização ou credencial para os Eventos para fins de publicidade, venda ou promoção, como benefício, brinde, prêmio de concursos, competições ou promoções, como parte de pacote de viagem ou hospedagem, ou a sua disponibilização ou o seu anúncio para esses propósitos.
§ 1o O valor da indenização prevista neste artigo será calculado de maneira a englobar quaisquer danos sofridos pela parte prejudicada, incluindo os lucros cessantes e qualquer proveito obtido pelo autor da infração.
§ 2o Serão solidariamente responsáveis pela reparação dos danos referidos no caput todos aqueles que realizarem, organizarem, autorizarem, aprovarem ou patrocinarem a exibição pública a que se refere o inciso IV.
Art. 24. Caso não seja possível estabelecer o valor dos danos, lucros cessantes ou vantagem ilegalmente obtida, a indenização decorrente dos atos ilícitos previstos no art. 23 corresponderá ao valor que o autor da infração teria pago ao titular do direito violado para que lhe fosse permitido explorá-lo regularmente, tomando-se por base os parâmetros contratuais geralmente usados pelo titular do direito violado.
Art. 25. Os produtos apreendidos por violação ao disposto nesta Lei serão, respeitado o devido processo legal e ouvida a FIFA, destruídos ou doados a entidades e organizações de assistência social, após a descaracterização dos produtos pela remoção dos Símbolos Oficiais, quando possível.
A Responsabilidade civil da União vem estabelecida nos artigos 29 e 30, consoante texto abaixo:
Art. 29. A União responderá pelos danos que causar, por ação ou omissão, à FIFA, seus respectivos representantes legais, empregados ou consultores, na forma do art. 37, §6º, da Constituição.
Art. 30. A União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.
Parágrafo único. A União ficará sub-rogada em todos os direitos decorrentes dos pagamentos efetuados contra aqueles que, por ato ou omissão, tenham causado os danos ou tenham para eles concorrido, devendo o beneficiário fornecer os meios necessários ao exercício desses direitos.
6.Dos Crimes relacionados aos eventos
A Lei Geral da Copa – LGC cria mais três condutas criminosas, em caráter temporário, ou seja, com vigência até de 31 de dezembro de 2014, a saber: Utilização Indevida de Símbolos Oficiais, Marketing de Emboscada por Associação e Marketing por Intrusão, artigo 16 usque 19, conforme se deflui:
Utilização indevida de Símbolos Oficiais
Art. 16. Reproduzir, imitar ou falsificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Art. 17. Importar, exportar, vender, oferecer, distribuir ou expor para venda, ocultar ou manter em estoque Símbolos Oficiais ou produtos resultantes da reprodução, falsificação ou modificação não autorizadas de Símbolos Oficiais, para fins comerciais ou de publicidade, salvo o uso destes pela FIFA ou por pessoa autorizada pela FIFA, ou pela imprensa para fins de ilustração de artigos jornalísticos sobre os Eventos:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa."
Marketing de Emboscada por Associação
Art. 18. Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividades comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica.
Marketing de Emboscada por Intrusão
Art. 19. Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos Locais Oficiais dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Interessante observar que os três tipos penais criados pela legislação da copa no Brasil não defendem bens jurídicos pertencentes à nação ou ao povo brasileiro, mas exclusivamente o patrimônio da FIFA.
O ilícito penal de Utilização Indevida de Símbolos Oficiais vem descrito nos artigos 16 e 17, puníveis com pena alternativa de detenção ou multa. Por se tratar de crimes com pena inferior a 02 anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei 9.099/95.
A conduta prevista no artigo 16 é reproduzir, imitar ou falsificar, indevidamente, quaisquer símbolos Oficiais de titularidade da FIFA. Trata-se de crime de conteúdo misto alternativo ou de ação múltipla. É crime comissivo, doloso, material, plurissubjetivo e plurissubsistente. Admite-se tentativa. Trata-se de crime de ação pública condicionada à representação da FIFA. É construído com o elemento normativo "indevidamente", o que faz exigir juízo de valor, utilitário para se saber o que vem a ser indevidamente. O objeto jurídico do tipo é a titularidade dos Símbolos e o objeto material são os Símbolos da FIFA. O crime é instantâneo, exceto as condutas de ocultar e manter símbolos previstos no artigo 17 que é permanente, aquele que se protrai no tempo.
O artigo 18 configura o delito de Marketing de Emboscada por Associação. Prevê pena alternativa de detenção ou multa. Por também se tratar de crime com pena inferior a 02 anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei 9.099/95. Trata-se de crime de conteúdo misto alternativo ou de ação múltipla. É crime comissivo, doloso, material, plurissubjetivo e plurissubsistente. Admite-se tentativa. Trata-se de crime de ação pública condicionada à representação da FIFA. O crime se perfaz com divulgação de marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária. Aqui se tem o dolo específico, chamado elemento subjetivo do injusto. O objeto material são as marcas, produtos ou serviços.
O terceiro delito é previsto no artigo 19, com o nomem juris de Marketing de Emboscada por Intrusão. Por se tratar igualmente de crime com pena inferior a 02 anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei 9.099/95. É crime comissivo, doloso, material, plurissubjetivo e plurissubsistente. Admite-se tentativa. Trata-se de crime de ação pública condicionada à representação da FIFA.
Conforme já exposto, trata-se de norma penal de eficácia temporal, definida no artigo 22:
"os tipos penais previstos nesta Seção terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014".
Estamos diante daquilo que se chama em Direito Penal de lei temporária, prevista no artigo 3º do Código Penal Brasileiro.
"Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência."
O período de atividade de uma lei compreende o dia de sua entrada em vigor até a sua revogação por outra lei.
Existe a possibilidade de uma lei revogada continuar regendo os fatos ocorridos durante o seu período de vigência ou a hipótese de uma lei em vigor disciplinar fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor.
Quando isso ocorrer, é correto afirmar que estaremos diante do instituto da extra-atividade, que pode ser: retroatividade ou ultra-atividade.
Ultra-atividade é a característica das leis denominadas excepcionais ou temporárias, que permite a essas serem aplicadas aos fatos praticados durante a sua vigência, mesmo depois de estarem revogadas.
Leis temporárias são as de vigência prefixada, identificada na lei pela expressão: "decorrido o período de sua duração".
Leis excepcionais são aquelas cuja vigência perdura enquanto persistirem as circunstâncias que a determinaram, identificada na lei pela expressão: "cessadas as circunstâncias que a determinarem".
A característica da ultra-atividade é adotada para evitar o retardamento do desfecho do processo, expediente que teria por finalidade frustrar a aplicação da lei penal.
Assim, a Lei Geral da Copa é temporária e poderá ser ultra-ativa.