Artigo Destaque dos editores

Responsabilidade por danos à soberania causado por empresas multinacionais através da internet

Exibindo página 4 de 5
26/01/2012 às 14:01
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

A partir das noções e dos conceitos expostos e através duma análise da normativa e jurisprudência internacionais, pode-se afirmar que a soberania do Estado é uma expressão jurídica de sua independência. A partir dela, os Estados adquirem direitos fundamentais que têm base no direito primordial do Estado de existir e continuar existindo. Um dos mais essenciais é sem dúvida o direito à liberdade.

O direito à liberdade possui um duplo aspecto: o primeiro corresponde ao poder supremo que tem o Estado de determinar e aplicar, em seu território, o direito, enquanto o segundo relaciona-se com a projeção da personalidade jurídica do Estado na comunidade internacional e corresponde ao livre exercício de suas prerrogativas internacionais.

Analisando a estrutura da Internet e seu funcionamento, e, relacionando estas informações com o conceito de soberania, descobriu-se que um dos direitos decorrentes da soberania é direito do Estado desenvolver, sem qualquer interferência, um sistema de informação nacional, compreendida como o conjunto de todos os equipamentos necessários ao efetivo uso de mídias de informação de modo a promover seus interesse e aspirações políticas, sociais, econômicas e culturais do Estado.

Verificou-se, também, que é do Estado a prerrogativa de gerenciar a sua própria "rede de informação" e decidir como esta se conectará com as demais redes fora de seu território e adequar os elementos de sua rede nacional de informação a sua própria realidade social, cultural, política e econômica de acordo com as normas de seu ordenamento jurídico. A regulação da "rede nacional de informação", e todos os elementos que a compõem, está sob a jurisdição do Estado.

A existência de direitos fundamentais do Estado pressupõe a existência de deveres da sociedade internacional. A soberania, expressão jurídica da independência do Estado, corresponde, portanto, ao dever da comunidade internacional de respeito a esta independência. Este dever é o princípio da não intervenção, um princípio fundamental do direito internacional e uma norma cogente direcionada a todos os membros da sociedade internacional.

Isto posto, pôde-se deduzir que uma intervenção através da Internet é capaz de violar o direto à liberdade de desenvolvimento do sistema de informação de um Estado, como também pode violar a soberania em geral e outros direitos dela decorrentes. Levantaram-se, inclusive, algumas hipóteses de formas de intervenção perpetradas através da Internet.

Revelou-se, também, que o ato da empresa multinacional que atenta contra a soberania estatal, apesar de constituir ilícito internacional, não constitui suporte fático para a incidência da responsabilidade no âmbito internacional, pois esta é um instituto de direito internacional direcionado apenas aos sujeitos de direito internacionais formais. Além disso, expôs-se que a soberania do Estado sob cuja jurisdição uma empresa internacional se encontre pode servir como proteção a uma sanção internacional, considerando o atual estágio do direito internacional.

No entanto, observou-se que a doutrina internacional fala em responsabilidade internacional originada por atos ilícitos de particulares. Nestes casos, a responsabilidade do Estado não resulta diretamente dos atos dos indivíduos, mas da atitude do próprio Estado, ou seja, da inexecução, por este, de obrigações que o direito internacional lhe impõe.

Atentando para o fato que a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 36/103 de 1981 adiciona ao princípio da não intervenção o dever do Estado de assegurar que seu território não seja usado de nenhuma maneira para a violação da soberania de outro Estado, deduziu-se a possibilidade de responsabilizar o Estado de cujo território originaram-se atos internacionalmente danosos perpetrados através da Internet.

Considerando que o ato de uma empresa multinacional violando a soberania de um Estado constitui um ato ilícito, que este ato ilícito por si só causa um dano e que o Estado, sob cuja jurisdição esta empresa se encontra, não tomou as medidas preventivas e punitivas determinadas pelo direito internacional, conclui-se que a este Estado poderia ser imputada a responsabilidade por este ato ilícito.

A segunda hipótese levantada, conforme a qual os Estados sob cuja jurisdição as empresas multinacionais se encontram deveriam ser responsabilizados por danos causados por estas, foi parcialmente confirmada, enquanto restou refutada a primeira hipótese levantada, segundo a qual são as próprias empresas multinacionais que devem ser internacionalmente responsabilizadas por seus atos.

Visto isto, e dada a gravidade dos danos que podem ser causados através de meios digitais, reafirma-se a pertinência do estudo da relação do direito internacional com as novas formas de organização sociais, os novos meios de comunicação e a Internet. A doutrina internacional brasileira é carente no que diz respeito ao estudo específico sobre a relação das tecnologias das comunicações com o direito internacional público.

Da relação entre o direito internacional e a Internet é frutífera de temas e diversas problemáticas interessantes podem surgir desta relação. Pode-se citar, como exemplo de questões que permanecem em aberto, a análise da responsabilidade internacional dos Estados quando o dano à soberania é causado por eles mesmo através da Internet, ou ainda, se da relação de coordenação entre empresa sede e empresa subsidiária poder-se-ia fazer incidir o instituto da desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar a empresa sede por danos causados por uma empresa subsidiária.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACCIOLY, Hildebrando et al. Manual de direito internacional. 17ª ed. São Paulo: Saraiva. 2009.

ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 25ª Sessão, Resolução 2625, Declarações sobre os Princípios de Direito Internacional relativos às relações amigáveis e de cooperação entre Estados, de acordo com a carta das Nações Unidas. (A/25/RES/2625) 24 Out. 1970.

______. 36ª Sessão. Resolução 103. Declaração de inadmissibilidade de intervenção e interferência em assuntos internos dos Estados (A/36/RES/103). 09 Dez. 1981.

AUGUST, Ray. International Business Law: Text, Cases, and Readings. 2nd edition. Prentice Hall: New Jersey, 1997.

BARRO, Carla Eugênia Caldas de. Manual de direito da propriedade intelectual. Aracaju: Evocati, 2007.

BOLAÑO, Cesar; et al. Economia política da Internet. São Cristóvão: UFS, 2007.

BRASIL, Decreto nº 83.540, de 04 de Junho de 1979. Diário Oficial da União - Seção 1 - 05/06/1979, Página 7922.

BUSH, R., MEYER, D., Some Internet Architectural Guidelines and Philosophy; Dec 2002, Disponível em: <http://www.rfc-editor.org/rfc/rfc3439.txt>. Acesso em 07 set. 2010,

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. Um estudo crítico sobre as fontes do Direito do Trabalho no Brasil e sua aplicação. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000, p. 5. Disponível em: <http://jus2.com.br/doutrina/texto.asp?id=1138>. Acesso em: 30 ago. 2010.

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Os diversos tipos de responsabilidade jurídica . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1900, 13 set. 2008. Disponível em: <http://jus2.com.br/doutrina/texto.asp?id=11725>. Acesso em: 15 out. 2010.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA.Corfu Channel case, Judgment of April 9th, 1949.In: I.C.J. Reports 1949. The Hague: International Court of Justice 1949. p. 4-169.

______. Gabcikovo-Nagymaros Project (Hungary v. Slovakia), Judgment. In: I. C. J. Reports 1997. The Hague: International Court of Justice, 1997. pp. 7-84.

______. Haya de la Torre Case, Judgment of June 13th, 1951. In: I. C. J. Reports 1951. The Hague: International Court of Justice 1951. pp.71-84.

______. Maritime Delimitation in the Area between Greenland and Jan Mayen(Denmark v. Norway), Judgment. In: I. C. J. Reports 1993. The Hague: International Court of Justice 1993. pp. 38-82.

______. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua(Nicaragua v. United States of America). Merits, Judgment. In: I. C. J. Reports 1986. The Hague: International Court of Justice, 1986. pp. 14-150.

______.North Sea Continental Shelf Cases, Judgment. In: I. C. J. Reports 1969. The Hague: International Court of Justice, 1969. pp. 3-56.

______. Nuclear Tests (Australia v. France), Judgment. In: I. C. J. Reports 1974. The Hague: International Court of Justice, 1974. pp. 253-274.

______. Nuclear Tests (New Zealand v. France), Judgment.In: I. C. J. Reports 1974. The Hague: International Court of Justice, 1974. pp. 457-478.

______. Reparation for injuries suffered in the service of the United Nations, Advisory Opinion. In: I. C. J. Reports 1949.The Hague: International Court of Justice, 1949. pp. 174-220.

______.Western Sahara, Advisory Opinion. In: I.C.J. Report 1975. The Hague: International Court of Justice 1975, p. 12-82.

CORTE PERMANENTE DE ARBITRAGEM. The Island of Palmas case (1928). In: Reports of International Arbitral Awards, Volume II. p. 829-871. Disponível em:< http://untreaty.un.org/cod/riaa/cases/vol_II/829-871.pdf >. Acesso em: 04 nov. 2010.

______. Norwegian Ship-owners Claims (1922). In: Reports of International Arbitral Awards, Volume I. p. 307-346. Disponível em: < http://untreaty.un.org/cod/riaa/cases/vol_I/307-346.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2010.

CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL, Nationality Decrees Issued in Tunis and Morocco. Publications of the Permanent Court of International Justice, Series B – No. 4; Collection of Advisory Opinions, Leyden: A.W. Sijthoff’s Publishing Company, 1923.

COSTA, Cato Túlio. Duas ou três coisas sobre o Google. In: Época Negócios, jun. 2010, nº 40, São Paulo: Globo, pp.70-73.

DAILLIER, Patrick et al. Droit International Public, 7ª ed, Paris:LGDJ, 2009.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 1989.

D’AMATO, Anthony, Domestic Jurisdiction. In: Encyclopedia of Public International Law. [s.l.] 1992, pp. 1090-1096. Acessível em <http://anthonydamato.law.northwestern.edu/encyclopedia/domestic-juris.pdf> Acesso em 16 out. 2010.

DEIBERT, Ronald J. (ORG.) et al, Access Controlled: The Shaping of Power, Rights, and Rule in Cyberspace. Massachusetts: MIT Press. 2009.

FERNANDES, Luciana de Medeiros. Soberania & processos de integração: o novo conceito de soberania em face da globalização. Curitiba: Juruá, 2002.

GUEIROS, Nehemias. A ausência de territorialidade na Internet. Disponível em: < http://www.mundojuridico.adv.br/html/colunistas/nehemias01.htm>. Acesso em: 1 nov. 2010.

GLOBO, Google transfere serviço de busca chinês para Hong Kong. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2010/03/22/google-transfere-servico-de-busca-chines-para-hong-kong-916143504.asp>. Acesso em 04 nov. 2010.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

GOOGLE INC. Informações Corporativas. Disponível em <http://www.google.com.br/intl/pt-BR/corporate/facts.html>. Acesso em 03 nov. 2010.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

INTERNATIONAL CENTRE FOR SETTLEMENT OF INVESTMENT DISPUTES. Amco Asia Corporation and others v. Republic of Indonesia (ICSID Case No. ARB/81/1). Disponível em <http://www. icsid.worldbank.org/ICSID/>. Acesso em 06 Nov. 2010.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

KUROSE, J; ROSS, K. Redes de computadores e Internet, 4ª edição. São Paulo: Person, 2006.

LEONARDI, Marcel. Controle de Conteúdos na Internet: filtros, censura, bloqueio e tutela. In: Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Releantes. Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2008. Pp. 377-401.

MARTIN, Kristen E. Case BRI – 1004: Google Inc. in China. Disponível em: <http://www.darden.virginia.edu/corporate-ethics/pdf/BRI-1004.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2010.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12ª ed. Volume I, Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 67.

______. A Soberania através da História. In: Anuário: Direito e Globalização, 1: A Soberania. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

MENEZES, Anderson de. Teoria geral do Estado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1972,

MENEZES, Glauco Cidrack do Vale. Questões processuais de jurisdição e competência em torno da Internet. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3613>. Acesso em: 1 nov. 2010.

NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

O ESTADO DE SÃO PAULO. Israel investe em táticas de guerra online. Publicado em 28 de setembro de 2010. Disponível em: < http://blogs.estadao.com.br/link/israel-investe-em-taticas-de-guerra-online/ >. Acesso em: 18 out. 2010.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Carta das Nações Unidas, 24 Out. 1945. Disponível em < http://unic.un.org/imucms/userfiles/rio/file/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em 06 Nov. 2010.

______. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, 10 Dez. 1982, disponível em: < http://www2.mre.gov.br/dai/m_1530_1995.htm>. Acesso em: 05 nov. 2010.

______. Estatuto da Corte Internacional de Justiça, 18 Abr. 1946. Disponível em < http://unic.un.org/imucms/userfiles/rio/file/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em 06 Nov. 2010.

REZEK, Francisco. Direito internacional público: Curso Elementar. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

SCHMITT, Michael. Computer network attack and the use of force in international law: thoughts on a normative framework. In: Columbia Journal of Transnational Law. 37th Volume, Issue 3, (1998-1999), p. 885-938. Disponível em: <http://www.dtic.mil/cgi-bin/GetTRDoc?Location=U2&doc=GetTRDoc.pdf&AD=ADA471993>. Acesso em: 18 out. 2010.

STRELTSOV, A.International information security: description and legal aspects. In: UNIDIR Disarmament Forum, Nº 3, Genebra: United Nations Institute for Disarmament Research, 2007.

TANENBAUM, Andrew S., Rede de computadores. 4ª edição. Rio de janeiro: Elsevier, 2008.

TRIBUNAL ARBITRAL INTERNACIONAL. International Legal Materials: Award on the Merits in Dispute between Texaco Overseas Petroleum Company/California Asiatic Oil Company and the Government of the Libyan Arab Republic (Compensation for Nationalized Property), Volume 17, Number 1. Washington: American Society of International Law, 1978.

TOUSCOZ, Jean. Direito internacional. Lisboa: Europa América, 1993.

VICENTE, Dário Moura. Direito internacional privado: problemática internacional da sociedade da informação. Coimbra: Almedina, 2005.

WILSON, Kristina, et al. Google in China. Disponível em: <http://www.duke.edu/web/kenanethics/CaseStudies/GoogleInChina.pdf>. Acesso em 04 nov. 2010, p. 9

WU, Timothy. Cyberspace sovereignty. In: Harvard Journal of Law & Technology, volume 10, number 3: Summer. Massachusetts: Harvard Law School, 1997, pp. 647-666.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
João Felipe Brandão Jatobá

Advogado em Maceió (AL). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JATOBÁ, João Felipe Brandão. Responsabilidade por danos à soberania causado por empresas multinacionais através da internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3130, 26 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20935. Acesso em: 22 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos