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O art. 5º, III, da CF/88 em confronto com o sistema carcerário brasileiro

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10/02/2012 às 09:11
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O cárcere está funcionando como uma vingança pelo poder público que apraz uma sociedade temerosa e insegura. A prisão não regenera, não ressocializa e não intimida. Os índices de violência continuam subindo por mais dramática e desumana que seja a condições impostas pelas prisões.

"É desta massa que somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade".

(José Saramago)


RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso trata do desrespeito dos princípios e garantias constitucionais, em especial do art. 5º, III, CF/88 que proíbe a tortura e os tratamentos desumanos e degradantes, sofridos pelos presos no Brasil. O objetivo que visamos alcançar é demonstrar que o Estado, responsável pela guarda e segurança de seus detentos, é figura ativa na prática dessas condutas quando não cumpre o estabelecido em lei. Através de pesquisa bibliográfica delineamos um breve histórico das penas e das prisões, o perfil do preso e fisiografia das prisões brasileiras, os princípios constitucionais violados, o confronto entre o art. 5º, III, CF e o atual sistema carcerário. Não buscamos aprofundar o tema ao ponto de esgotá-lo, fato este impossível diante da imensidão do assunto tratado e da problemática que o envolve, mas nos esforçamos para apresentar ideias que poderiam ser consideradas neste universo de horrores vivenciados por nossos detentos.

Palavras-chave: Sistema carcerário brasileiro, Princípios constitucionais, Violações.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1 – BRASIL – PENAS E PRISÕES.1.1 – PERFIL DO PRESO BRASILEIRO.1.2 – ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO BRASIL.1.3 – FATORES CRIMINÓGENOS.1.4 – AVALANCHE LEGISLATIVA.1.5 – O PAPEL DOS APLICADORES DO DIREITO.1.6 – A REAÇÃO DA SOCIEDADE.1.7 – A IMPRENSA COMO FORMADORA DE OPINIÃO EM MASSA. 2 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS. 3 - ART. 5º, III, CF/88 E O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO .4 – POSSÍVEIS SOLUÇÕES.4.1 – PENAS ALTERNATIVAS . 5 – CONCLUSÃO. 6 – REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Na Bíblia Sagrada, Adão por ter cedido aos encantos de Eva e provado da maça do pecado, desobedecendo assim ordens expressas de Deus, foi punido com o banimento do Paraíso e com as agruras de um homem comum. Mesmo para os céticos um fato não pode ser negado: o uso do castigo como contraprestação de um comportamento considerado inadequado remonta desde a existência do homem.

Em uma breve análise histórica verifica-se o uso de aflições corporais como forma de punição legítima. Assim foi antes de Cristo, na Idade Média (principalmente) e em grande período da chamada Idade Moderna.

A tortura era a base para as confissões e as sentenças visavam satisfazer a "ira divina" com penas de mutilações, apedrejamentos, suplícios em fogueiras, para citar alguns exemplos.

O julgamento cabia normalmente a um juiz com poder absoluto e ilimitado e as penalidades aplicadas não observavam qualquer critério. Não há aqui qualquer sinal de observância a dignidade da pessoa humana ou do principio da proporcionalidade da pena.

Esse panorama só toma diferentes contornos a partir da Era Iluminista: "... o antigo sistema punitivo comum foi substituído gradualmente por um sistema mais humano." [01]

Até então usada como meio de aplicação da pena, guarnecendo os prisioneiros de possível fuga, a prisão passou a ter um fim em si mesmo, qual seja a condenação a restrição da liberdade.

"A prisão torna-se então a essência do sistema punitivo. A finalidade do encarceramento passa a ser isolar e recuperar o infrator." [02]

Dessa "humanização" da pena chegamos ao atual cenário do sistema carcerário brasileiro e sua afronta aos ditames constitucionais vigentes.

De quem é a responsabilidade? Quais as propostas viáveis para mudanças dessa realidade tão cruel? Como equacionar os princípios constitucionais e os direitos inerentes a pessoa humana tender para a impunidade? Como fazer valer o binômio retribuição-prevenção, finalidades da pena no direito penal brasileiro, diante das dificuldades apresentadas pelas instalações penitenciárias da qual dispomos?

Trata-se de uma pesquisa teórica, onde buscaremos condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes com bibliografia eminentemente doutrinária acerca do tema visando apresentar sugestões para as indagações acima.

Focados nesse contexto, analisaremos o Art. 5, III, CF/88 versus o atual sistema carcerário brasileiro, através de um breve histórico das penas e das prisões e o perfil do preso no Brasil, a situação de nossos cárceres, o posicionamento do Poder Público diante da afronta ao princípio constitucional em questão, a aplicação do Direito Penal do Inimigo nas execuções penais, as Políticas Criminais a serem adotadas para amenizar de maneira imediata a questão.


1 BRASIL – PENAS E PRISÕES

As punições corporais vigoraram nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Mudanças históricas inseridas pela promulgação do Código Criminal do Império de 1830, com a Abolição da Escravatura e Proclamação da República trouxeram um sentido humanitário para a pena. No final do século XIX já se falava em reeducação e ressocialização do preso. O Código Penal de 1930 previa a individualização das penas e direitos inerentes ao preso.

As execuções penais eram amparadas pelo Direito Penal e Processual Penal e tratadas de forma administrativa apesar de seu enfoque eminentemente jurídico. Não havia uma legislação para tratar o tema até a edição da Lei 7210 de 1984, atual Lei de Execução Penal.

O primeiro presídio do Brasil foi a Casa de Correção da Corte, construído no Rio de Janeiro em 1850 (Complexo Penitenciário Frei Caneca), implodido em março de 2010 para ceder o lugar a casas populares. Os poucos presos que ali restavam foram transferidos para outras penitenciárias.

A população carcerária hoje é alarmante levando-se em conta o número de vagas disponíveis.

De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em dezembro de 2009 o Brasil possuía 473.626 presos. Analisando-se os dados da série histórica do Depen observa-se que nos últimos dez anos duplicou o número de presos no país; uma população que cresce a uma taxa anual de 7,3%. Cerca de 43% dos presos atualmente no sistema penal brasileiro são provisórios. [03]

A maior problemática em torno dos presídios está na superlotação enfrentada por todas as unidades do Brasil. Mas, será esse o único entrave para o cumprimento dos preceitos constitucionais inerentes ao preso ou é o maior deles? Mister análise detalhada dos fatores preponderantes no dia a dia dos encarcerados brasileiros para entender o que está ocorrendo com o nosso sistema prisional.

1.1 – PERFIL DO PRESO BRASILEIRO

Evidente que a grande maioria dos presos no Brasil é pobre, mas ao contrário do que se imagina esse contingente carcerário é alfabetizado. Apenas 10% de nossos presos são analfabetos, o que desmistificar o entendimento que a falta de educação escolar marginaliza o homem.

Comparado a população carcerária masculina, as mulheres são minoria absoluta, cerca de 10% e sua grande maioria está presa pelo crime de tráfico de drogas. Entre os homens prevalecem os crimes contra o patrimônio, seguidos do tráfico de drogas e de homicídio.

Aproximadamente 70% dos presos brasileiros estão na faixa etária entre 18 e 29 anos, significando a prevalência de jovens.

Os reincidentes figuram em torno de 80% dos encarcerados, demonstrando dois fatores: que o egresso não é devidamente aproveitado no mercado de trabalho e o período de encarceramento desenvolve um perfil apurado para o crime.

Quanto aos adolescentes que cumprem medida sócio-educativa restritiva de liberdade os dados são alarmantes, conforme artigo denominado "Infância Enjaulada":

Mais de 11 mil adolescentes brasileiros estão atrás das grades. Levantamento feito pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos em dezembro mostra que o número é 397% maior do que o verificado em 1996. [04]

Verifica-se que as características dos adolescentes apreendidos seguem a dos presos maiores de idade: pobres do sexo masculino e prevalência da prática de crimes contra o patrimônio (apesar do ECA só permitir a restrição da liberdade no caso de crimes praticados com violência e grave ameaça ou em casos de reiteração de atos infracionais).

1.2 – ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO BRASIL

Estatísticas e pesquisas realizadas pelos mais variados órgãos e instituições não informam com precisão a quantidade de vagas necessárias para abrigar a população carcerária brasileira, já que os dados são díspares. Fala-se da necessidade de mais de 50.000 (cinqüenta mil) novas vagas e que existem cerca de 2,5 presos por vaga atualmente distribuídos em presídios, cadeias públicas e estabelecimentos para menores infratores.

O que atrapalha esses levantamentos é a inobservância das peculiaridades de cada preso que deveriam ser separados por sexo, idade, gravidade do delito praticado, provisórios dos com condenação definitiva. Cadeias públicas cumprem indevidamente a função de presídios.

Mas em um dado as pesquisas convergem: o Brasil enfrenta a mais séria crise de superlotação carcerária de sua história.

Rebeliões, motins, fugas, torturas, abusos sexuais e mortes são uma constante nesses locais infectos, insalubres e degradantes.

Comumente notícias sobre mulheres encarceradas em celas lotadas de homens e adolescentes trancafiados com adultos cumprindo verdadeiras penas.

Existem no Brasil os chamados presídios de segurança máxima, no número de quatro, onde a qualidade de vida do preso é incomparável aos presídios comuns em relação às condições físicas do abrigo, alimentação, vestuário e assistência médica. Ocorre que o custo por preso nestes estabelecimentos é cerca de quatro vezes maior em relação aos presídios comuns.

Além do alto custo para construção, manutenção do local e dos presos, as penitenciárias de segurança máxima são o extremo das medidas extremas que é a prisão, só indicadas para presos de altíssima periculosidade, não sendo solução para o caos implantado em nossos presídios.

1.3 – FATOR CRIMINÓGENO

Fator criminógeno é tudo aquilo que contribui para desenvolver a personalidade criminosa, estimulá-la ou aperfeiçoá-la.

Cezar Roberto Bittencourt aponta a falência da prisão como fator criminógeno, classificando-os como fatores materiais, psicológicos e sociais:

[...] Contribuem igualmente para deteriorar a saúde dos reclusos, as más condições de higiene dos locais, originadas na falta de ar, umidade e odores nauseabundos [...]

[...] Sob o ponto de vista social, a vida que se desenvolve em uma instituição total facilita a aparição de uma consciência coletiva que, no caso da prisão, supõe a estruturação definitiva do amadurecimento criminoso. [05]

O efeito dessa fisiografia é devastador seja moral, psicológica ou fisicamente, predispondo os que nela convivem à prática de outros crimes. É um efeito natural e sistêmico. Ai está fincada as bases da reincidência.

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As prisões não cumprem o papel a que foram dispostas sendo verdadeiras universidades de criminosos. Os que dela saem tendem naturalmente à prática de novos delitos, quando não os praticam dentro das próprias prisões.

As condições subumanas que são impostas aos encarcerados moldam as personalidades mais sensíveis em seres cruéis, desprovidos de qualquer sentimento moral, de qualquer princípio ou pudor que os impeçam de práticas atrozes com seus semelhantes. O Estado está criando e aperfeiçoando criminosos através do aparato público.

"Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinquentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de presos ou condenados". [06]

1.4 – AVALANCHE LEGISLATIVA

Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranqüilizar a opinião publica, ou seja, um efeito Simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se dando lugar a um direito penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia. [07]

A cada crime bárbaro a sociedade clama por justiça e como contraprestação ocorre a edição de uma lei, não raro recrudescendo uma já existente. Fenômeno que Juary C. Silva chamou de "inflação legislativa". [08] Assim ocorreu com a Lei dos crimes hediondos, a nova Lei do Desarmamento, a nova Lei de Drogas...

O Poder Público acalma o furor da população agravando os crimes e as suas penalidades, mas não modifica a política inerente a outros setores que desencadeiam e influenciam o crime, como a educação e o desemprego.

A lei que não retroage, salvo em benefício do réu, não irá atingir aquele criminoso específico, mas dá uma falsa sensação de segurança à sociedade temerosa. Alienação de multidões. As pessoas necessitam de uma resposta imediata as barbáries praticadas e nada melhor que uma lei à base da tolerância zero para cumprir esse papel. O tempo passa e o fato cai no esquecimento.

O legislativo como um furacão vai abocanhando temas e expurgando-os em forma de leis. Editá-las é fácil, difícil é fiscalizar a aplicação.

Exemplo é a própria Lei de Execução Penal. O texto prima pelo idealismo de garantias e direitos do preso como limitação ao poder punitivo do Estado. Na prática observamos o caos instalado nas penitenciárias.

1.5 – O PAPEL DOS APLICADORES DO DIREITO

O caminho a ser percorrido pelos aplicadores do direito, em tese, é a apuração e indiciamento pela Polícia Judiciária, a denúncia pelo Ministério Público, o julgamento e sentença pelo Poder Judiciário. A este também cabe a execução da pena. Esse iter pode ser alterado dependendo do tipo delituoso praticado.

A Polícia Judiciária é compelida por lei a lavrar autos de prisão em flagrante, sob pena de prevaricação, visto que não é permitido externar juízos de valor sobre os casos. Resultado: carceragens abarrotadas de indivíduos que poderiam estar desde o início respondendo em liberdade devido a aplicação de um direito penal mínimo onde só os bens mais relevantes teriam a tutela jurídica através da imediata prisão.

Com pilhas de processos a despachar, tanto o Ministério Público quanto o Judiciário vêem-se abarrotados, sem um efetivo humano que comporte o volume de trabalho. Resultado: a morosidade da justiça em cumprir o seu papel e uma multidão de presos crescendo a cada dia.

Comumente juízes respondem por várias comarcas e varas, inclusive a de execuções penais que trata diretamente dos presos condenados e o cumprimento de suas penas.

Não raro presos que já cumpriram penas ou que fazem jus a progressão de regime permanecem detidos anos a fio por falta da atuação dos magistrados.

1.6 – A REAÇÃO DA SOCIEDADE

Existe hoje no Brasil a falsa crença de que somente se reduz a criminalidade com a definição de novos tipos penais, o agravamento das penas, a supressão de garantias do réu durante o processo e a acentuação da severidade da execução das sanções, posição mundialmente generalizada [...] [09]

Com os alarmantes índices de violência a sociedade está cada vez mais aterrorizada credita ao rigor cada vez maior da lei o suposto sucesso na luta contra criminalidade. Só ocorre justiça verdadeira quando o réu está atrás das grades.

Movidos pela crescente onda de crimes com violência contra a pessoa, a população insegura exige providências imediatas do Poder Público e este por sua vez agrava os tipos penais.

A sensação de impunidade ronda institutos como a progressão de regimes, o livramento condicional e as penas alternativas

Não são analisados os fatores criminógenos, os antecedentes, a personalidade do autor do delito. Exige-se justiça a qualquer preço, sob pena de descrédito absoluto dos agentes repressivos do Estado. Polícia, Ministério Público e Judiciário são coagidos a atuar nos limites da reprimenda penal. Não se cogita a situação do sistema carcerário e a influência negativa sobre aquele que irá preso, buscando-se assim alternativas para a reparação do dano praticado. O que interessa é a reclusão do indivíduo, seu total afastamento do meio social, só assim o perigo estará neutralizado. Não imaginam o egresso. O preso que sai da cadeia retornará as suas origens e seu destino dependerá, em absoluto, das oportunidades que surgirem, seja no mundo do crime ou não.

1.7 – A IMPRENSA COMO FORMADORA DE OPINIÃO EM MASSA

Incontestável a importância da mídia em um Estado Democrático de Direito no exercício do direito de liberdade de expressão, cabendo a ela informar, esclarecer e fazer ouvir os diversos segmentos de nossa sociedade.

Foi uma batalha de séculos até que a imprensa conseguisse de maneira estruturada levar aos quatro cantos notícias de interesse nacional sem a perseguição dos detentores do poder.

Mas esta ferramenta torna-se perigosa quando se trata da deformação de opinião pública, quando está a serviço de uma classe dominante ou quando distorce a verdade.

A imprensa é considerada um dos institutos mais confiáveis na Brasil, à frente da polícia e da Igreja Católica. Então, pode-se aferir o impacto de uma notícia sobre a população.

Quando divulgam a notícia da prática de um crime, o suposto autor do delito é antecipadamente condenado pela opinião pública. Quanto mais bárbara e atroz a figura típica proporcionalmente mais rigorosa será a reação da sociedade.

A responsabilidade pelo real esclarecimento dos fatos é de suma importância para que não se cometam injustiças, visto que as pessoas envolvidas na apuração e julgamento por mais imparciais que tentem ser estão, sim, expostas a pressão da opinião pública. Mandar um inocente para a uma vida de horror nas penitenciárias não coaduna com qualquer pensamento de justiça.

[...] ela não permite um aprofundamento do problema, faz questão de deixar num nível superficial apenas [...]. Então essa discussão de violência no Brasil não avança. A imprensa é estimuladora do medo. Ao ficar na superfície, as razões maiores do aumento da violência não são discutidas, então a gente não caminha pra frente. Nós estamos nos agarrando a um modelo que só vai gerar mais violência, um modelo de segurança pública, um modelo prisional. [10]


2 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS

AConstituição Federal de 1988 assegura, explicita e implicitamente, direitos inalienáveis da pessoa humana. Alguns desses direitos são naturais, inerentes aos seres humanos, outros são conquistas que vieram a ser reconhecidas ao longo de uma história onde a tortura custou a vida de muitos.

Ao longo do art. 5º da CF estão descritos os direitos consignados aos presos. Assim como as crianças, adolescentes, idosos, grávidas e deficientes físicos, a pessoa submetida à prisão necessita de uma proteção especial devido ao estado peculiar e débil em que se encontra.

Independente do crime praticado e da periculosidade apresentada, o preso (não podemos aqui chamar simplesmente de "condenado" porque muitos que estão encarcerados não foram sequer julgados em 1ª instância), torna-se a figura passiva na relação entre ele e o Estado. Desrespeitados os preceitos legais cabe ao Estado, opondo-se a justiça privada, apurar o ocorrido e aplicar as punições devidas. Mas a própria lei prevê os limites do jus punitionis (direito de punir) do Estado visto que conflita com outros direitos e garantias. A equação destes direitos está impossibilitada diante da atual sistemática vivida nos nossos presídios.

A CF prevê, entre inúmeros outros direitos e garantias, que o preso terá asseguradas sua integridade física e moral, um devido processo legal, ampla defesa e só será considerado culpado depois do trânsito em julgado da sentença. Mas em uma análise superficial é possível constatar que o próprio Estado desrespeita flagrantemente não só os ditames constitucionais, mas também os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que o Brasil comprometeu-se a honrar. [11]

Art. 5º [...]

LXXVIII [...]

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Quando se submete ao poder do Estado a pessoa que praticou um crime terá direitos suprimidos para que a justiça possa ser concretizada, porém a supressão de direitos não é sinônimo de tortura, maus-tratos, vilipêndios. O Estado tem que aplicar a lei, mas também tem que segui-la.

Certo que a prisão é um mal necessário para subtrair da sociedade aqueles que não se sujeitam as exigências necessárias para a vida em comum devido ao comportamento criminoso. Mas também é certo que essas pessoas não permanecerão infinitamente reclusas já que no Brasil também é princípio constitucional a vedação a penas perpétuas. Assim sendo, aquele que for preso deverá, com o cumprimento da pena, ter a retribuição do mal praticado e condições para a sua regeneração para quando egresso adaptar-se a sociedade, não voltando a delinqüir. Deveria ser assim conforme o volume legiferante que trata do tema.

Na prática o quadro é desolador. O preso no Brasil sofre verdadeira degradação moral e física, com ofensa notória de seus mais singelos direitos.

Flagrante a inobservância não só dos mandamentos constitucionais que dão proteção específica a pessoa presa, mas também de todos os princípios asseguradores da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – [...]

II – [...]

III – a dignidade da pessoa humana [12]

Diante desse inconteste desrespeito ao princípio norteador dos direitos e garantias do ser humano, passaremos a analisar mais detalhadamente o artigo que dá embasamento a este trabalho.

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Sobre a autora
Darlúcia Palafoz Silva

Delegada da Polícia Civil do Estado da Bahia. Pós-graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Darlúcia Palafoz. O art. 5º, III, da CF/88 em confronto com o sistema carcerário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3145, 10 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21053. Acesso em: 1 mai. 2024.

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