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Da irresponsabilização criminal do adolescente infrator

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10/02/2012 às 16:23
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1.5 POSSÍVEIS FATORES QUE CONTRIBUEM COM A DELINQÜÊNCIA NA ADOLESCÊNCIA

Para o promotor de Justiça e coordenador das Promotorias da Infância e Juventude do Estado, Ronald Albergaria, a exclusão social é, sem dúvida uma das maiores causas do aumento da delinqüência infanto-juvenil, junto à faixa menos favorecida financeiramente da população.  [41]

A exclusão, em sua essência, é multidimensional, manifesta-se de várias maneiras e atinge as sociedades de formas diferentes, sendo os países pobres afetados com maior profundidade. Os principais aspectos em que a exclusão se apresenta dizem respeito à falta de acesso ao emprego, a bens e serviços, e também à falta de segurança, justiça e cidadania. Assim, observa-se que a exclusão se manifesta no mercado de trabalho (desemprego de longa duração), no acesso à moradia e aos serviços comunitários, a bens e serviços públicos, a terra, etc. [42]

José de S. Martins afirma que nossa cultura barroca é uma cultura fechada, com base na conquista, exclui índios, camponeses no campo e, na cidade, migrantes, favelados, encortiçados, sem teto etc., em uma fenomenologia bastante conhecida como exclusão social.  [43]

Para entender a questão da exclusão torna-se necessário detectar os determinantes históricos e as relações humanas como são construídas hierarquicamente para garantir a sua sobrevivência, apropriando-se dos bens e serviços acessíveis a uma pequena camada social, deixando de fora a maior parte da população, isto permeia até os dias de hoje. Entretanto, o problema mais grave não é a exclusão, mas sim a incapacidade ou impossibilidade da inclusão ou reinclusão dos excluídos.  [44]

Esta impossibilidade do Estado em reincluir, acarreta sem dúvida alguma, problemas futuros na conduta do indivíduo que se encontra em pleno desenvolvimento e exposto a um ambiente desfavorável a ele.

Cumpre ressaltar que é justamente na adolescência que o individuo adquire a capacidade de criticar sistemas sociais e de propor novos códigos de conduta.

Ensina Clara Rappaport:

Na adolescência o sujeito será então capaz de formar esquemas conceituais abstratos, conceitos como o amor, fantasia, justiça e democracia, e realizar com eles operações mentais que formam o princípio da lógica formal, o que lhe dará, sem dúvida, uma imensa em termos de conteúdo e flexibilidade de pensamento. Com isso adquire a capacidade para criticar os sistemas socias e propor novos códigos de conduta. [45]

Nessa fase da vida, o adolescente sofre uma influência direta das “más” companhias, pois é justamente neste período, que vai formar suas convicções no que diz respeito a sua conduta e valoriza, especialmente, as relações de inclusão e pertencimento baseadas em laços grupais.

Cabe, pois, uma definição mais precisa quanto à idade que compreende a adolescência.

Ensina Ana Cláudia V. S. Lucas:

O final da adolescência vai ocorrer em torno dos 18 ou 19 anos, quando o desequilíbrio dá início a uma estabilidade. O jovem supera o descontrole da segunda fase, atingindo a estabilidade, o que demonstra ter conseguido estabelecer uma boa estrutura de personalidade, ou então, atinge a estabilidade, mas com ausência das qualidades formais de um organismo, contaminado por padrões inaceitáveis, que podem comprometê-lo pelo restante de sua existência. [46]

Corrobora o entendimento de Tânia Zagury:

Na adolescência o indivíduo sofre uma série de variações emocionais, é comum períodos de serenidade sucederem-se a outros de extrema fragilidade emocional com demonstração freqüente de instabilidade, sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo. As emoções são contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e infeliz para outro pleno de euforia. [47]

Diante desses ensinamentos, fica claro, que o adolescente, neste período de sua vida é facilmente influenciado por seu grupo, podendo optar pelo caminho do crime, o que é mais comum para aqueles que sofrem com a exclusão social, considerando, também, a sensação de onipotência e excitação com o risco, próprias dessa fase.

Fazer-se presente na vida do educando é o dado fundamental da ação educativa dirigida às crianças e aos adolescentes excluídos da sociedade. A presença é o conceito central, o instrumento-chave e o objetivo maior desta pedagogia. A orientação básica desta pedagogia é resgatar o que há de positivo na conduta dos jovens em dificuldade, sem rotulá-los nem classificá-los em categorias baseadas apenas nas suas deficiências.  [48]

Porém, a delinqüência na adolescência, não se restringe apenas a exclusão, alguns estudiosos da área da psicologia sustentam que a delinqüência juvenil, está ligada também a fatores, tais como, a pobreza, a ausência da função paterna e ausência da mãe acabaram constituindo um contexto de vulnerabilidade, que levam os adolescentes à delinqüência. Nessa condição, desassistidos dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, que possibilitam o desenvolvimento em condições de liberdade e dignidade, a rua se torna uma alternativa ou o único espaço no qual esses sujeitos podem se reconhecer e adquirir uma identidade. [49]

Para Simone dos Santos Paludo:

O desenvolvimento moral é um processo racional e cognitivo, no qual a criança constrói um código moral por si mesma, baseada nas interações com os pares. Dessa forma, os adultos e as figuras de autoridade não transmitem regras e normas diretamente, a moralidade da criança é autoconstruída a partir da cultura que a cerca.  [50]

Nota-se que, o binômio exclusão social e ambiente desfavorável, qual seja, convívio próximo ao tráfico de drogas, prostituição, violência, entre outros, pode potencializar a delinqüência do adolescente.

Outro fator preponderante no comportamento delinqüente na adolescência é a inexistência ou a inobservância da autoridade dos pais, esta ausência afeta diretamente em sua conduta, como figuras que trazem o limite e a interdição (as proibições enquanto registros da lei).

Segundo Mariana Eizirik e David Simon Bergmann, crianças com ausência do pai biológico têm duas vezes mais probabilidade de repetir o ano escolar, e que crianças que apresentam comportamento violento nas escolas têm onze vezes mais chance de não viver na companhia do pai biológico do que crianças que não têm comportamento violento. Essas crianças, principalmente meninos, evidenciam maiores dificuldades nas provas finais e uma média mais baixa de leitura.  [51]

Para Winnicott, a criminalidade na adolescência está diretamente ligada ao fato da privação de uma estrutura familiar adequada, e tal privação potencializa a exteriorização de condutas delitivas, não obstante, o meio violento, onde vive o adolescente também contribui para a prática de pequenos delitos. [52]

À parte de qualquer manifestação exteriorizada de violência, o adolescente muitas vezes experimenta uma grande violência em si e em torno de si. Seus afetos, suas pulsões, seus sistemas de idéias e/ou expressos com uma intensidade extrema, quase violenta. Aos olhos do adolescente, o mundo externo parece exercer sobre ele uma pressão que comumente julga violenta e da qual poderá desejar se desfazer utilizando a mesma violência.  [53]

A adolescência é de fato um momento muito difícil, devendo haver uma observância criteriosa por parte do responsável, tendo em vista, que grande parte dos posicionamentos supramencionados, apontam como causa principal da delinqüência, a ausência ou a desestruturação da família. Não obstante, é necessário um cuidado especial aos ambientes freqüentados pelos adolescentes.

A agressividade não é inerente à adolescência, como muitos pensam. O que caracteriza esta faixa etária, do ponto de vista do crescimento intelectual e afetivo é entre outras coisas, o antagonismo, ou seja, a capacidade incansável e inesgotável do jovem de se opor, contestar e colocar-se contra tudo ou quase tudo que pessoas revestidas de algum grau de autoridade lhe apresentam, em especial se essas pessoas forem pai e mãe.  [54]

Pode ainda, ocorrer a instabilidade emocional, as grandes mudanças físicas, intelectuais, emocionais e sociais que ocorrem na adolescência, podem influenciar o humor, a produção desordenada de hormônios, por exemplo, levando a fortes e contraditórios sentimentos, alternando alegria, euforia, tristeza e melancolia. Sem dúvida, isso pode tornar a convivência em família bastante difícil. [55]

Porém, não se restringe a estes fatores a delinqüência na adolescência, ocorre ainda, os casos de desajustes cívicos e sociais, que para Berta Heil Ferreira, é a verdadeira delinqüência. Em seu estudo, concluiu que apenas de 2 a 5% dos adolescentes possuem transtorno de conduta. [56]

O transtorno de conduta é uma espécie de personalidade anti-social na juventude. Como a personalidade não está completa, antes dos 18 anos não se pode dar o diagnóstico de personalidade patológica para menores, mas a correspondência que existe entre a personalidade anti-social e o transtorno de conduta é muito próxima. Certos comportamentos como mentir ou matar aula podem ocorrer em qualquer criança sem que isso signifique desvios do comportamento, contudo a partir de certos limites pode significar. Para se diferenciar o comportamento desviante do normal é necessário verificar a presença de outras características e comportamentos desviantes, a permanência deles ao longo do tempo. [57]

Muitos adolescentes para fugir de uma situação de tensão, buscam a “estrada”, isto é, uma espécie de vontade deliberada de ruptura com a família e o “sistema”. Trata-se mais, ou pelo menos tanto, de partir e romper com o meio anterior. Uma das características do “estradeiro” reside em manifestar certo conformismo em seu anticonformismo, como mostram o aspecto físico, o vestuário, e a linguagem comum, já a “fuga”, é uma partida impulsiva, brutal, mais comumente solitária, limitada no tempo, normalmente sem objetivo preciso, em uma atmosfera de conflito, com a família ou com a instituição em que o adolescente encontra-se internado. Todas essas condutas representam uma tensão interna. Todavia, presunção do normal e do patológico não repousa nestas condutas em si, mas em suas significações.  [58]

O problema reside na repetição destas condutas, nas quais se costuma encontrar igualmente outros tipos de atuação, delitos, tentativa de suicídio e ingestão de drogas, e para os quais freqüentemente se invoca o diagnóstico de tendência psicopata.

O furto representa a conduta delinqüente mais comum na adolescência, com efeito, as infrações contra os bens totalizam 75% de todas as infrações. A conduta de furto é por si só, responsável por grande parte do aumento nas cifras de delinqüência. Ademais, dois tipos predominam largamente entre as múltiplas condutas de furto, o furto de veículo e o furto em estabelecimentos comerciais. O furto de veículo representa a quarta parte de todos os delitos e muitas vezes esse delito é visto como um “empréstimo”.  [59]

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A violência contra pessoas não apresenta mais do que 9% do total de delitos cometidos por adolescentes. A conduta homicida permanece excepcional, mas ainda que felizmente sejam raros, devemos notar dois elementos, um relativo aumento em seu número e uma idade cada vez mais precoce. Os fatores ambientais e sócio-econômicos parecem pesar muito, pois dois terços destes casos provêm de zonas urbanas desfavoráveis, cujos adolescentes fazem parte de bandos. O assassinato é mais freqüentemente cometido em grupo do que solitariamente. A maioria destes adolescentes já apresenta antecedentes de delinqüência, drogas, alcoolismo e, por vezes, antecedentes psiquiátricos.  [60]

No plano psicológico, o furto de veículo faz-se muitas vezes sem um contexto impulsivo, em resposta a uma necessidade imediata e a uma ocasião presente. Segundo Henry, trata-se de um delito “charneira”, pois a evolução do adolescente dependerá muito da resposta dada a esta primeira conduta delinqüente, a reação judiciária poderá fazer com que o futuro do jovem se incline quer para uma liquidação da conduta, quer, ao contrário, para um engajamento confirmado na dissocialidade. [61]

Diante desta assertiva, conclui-se que a intervenção do Estado em face aos primeiros contatos com a criminalidade na adolescência, poderia de fato, agir na raiz deste problema, recuperando o adolescente infrator, quando ainda é possível recuperá-lo.

A questão da delinqüência, não é uma regra geral, deve-se analisar o caso concreto, são inúmeros os fatores que podem levar o jovem para o mundo da criminalidade, porém, os considerados portadores de transtorno de conduta, como pequenos furtos, pichações na escola, etc., representam número expressivo, sem ainda fechar critérios diagnósticos para uma psicopatia.



1.6 O ADOLESCENTE INFRATOR EM FACE À CONTAMINAÇÃO CARCERÁRIA

Há muito já se discute quanto à falência do sistema prisional no Brasil, porém, diante da possibilidade da redução da maioridade penal, urge enfatizar tal assunto, pois é para lá que será encaminhado o adolescente infrator da norma penal, se de fato ocorrer à redução da maioridade penal.

Segundo Luis Flávio Gomes:

Os dois maiores grupos de criminosos que atualmente aterrorizam as maiores cidades do Brasil nasceram dentro de nossos presídios: O Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, RJ, e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, SP. Isso reforça a idéia da ineficiência dos nossos presídios para a recuperação ou ressocialização dos criminosos. [62]

A total falência do sistema prisional é um fato, as prisões brasileiras não recuperam, ao contrário, degradam a condição humana, transformando o preso em um ser menos valorado em face aos outros cidadãos.

Para Carnelutti, o preso, ao sair da prisão, acredita não ser mais preso, mas as pessoas não. Para elas, ele sempre será um preso, um encarcerado, no mais, diz-se um ex-carcerário, nesta fórmula está a crueldade e está o engano. [63]

É de conhecimento de todos que as prisões brasileiras há muito não recuperam, porém, como se não bastasse, há ineficácia para o fim a que é destinada. As prisões potencializam o grau de criminalidade do recluso, tendo em vista a situação subumana a que o preso é submetido, a exemplo da superlotação dos presídios e o número elevado de casos de contaminação do vírus HIV.

A prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonharam os nossos antepassados?  Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que entrou.  E o estigma da prisão?  Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os.  Deixa, aí sim, de haver alternativa, o ex-condenado só tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado. Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinqüentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de presos ou condenados. [64]

O sistema prisional é um espetáculo de horrores, que não choca a opinião pública e não comove os governantes, porque exatamente isso o que se espera dele: a expiação da culpa, o sofrimento, a punição do corpo e da alma dos depositários das nossas mazelas sociais. [65]

Somando as circunstâncias, de que o adolescente, até a faixa etária dos 18 anos ainda não ter atingido seu desenvolvimento completo, e a situação de extrema precariedade do sistema carcerário, não seria uma saída para a diminuição da criminalidade no País. Não se trata apenas da capacidade de entendimento do adolescente, mas também do inconveniente de submetê-lo ao mesmo sistema reservado aos adultos comprovadamente falidos.  [66]

A prisão perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas, onde se diploma o profissional do crime. Se não a pudermos eliminar de uma vez, só devemos conservá-la para os casos em que ela é indispensável.  [67]

Tal situação se comprova pelo elevado número de reincidentes, cerca de 70% dos egressos do sistema carcerário retomam a prática da criminalidade. [68]

De uma parte as leis castigam a traição. De outro, autorizam-na. O legislador, com uma das mãos, aperta os laços de sangue e de amizade e com a outra, dá o prêmio àquele que a rompe. Sempre em contradição com ele mesmo, ora tenta disseminar a confiança e encorajar os que duvidam, ora espalha a desconfiança em todos os corações. Para prevenir um crime, faz com que nasçam cem. [69]

A citação supra muito bem se enquadra na questão da redução da maioridade penal, no que diz respeito à inoperância do Estado, pois este, não conseguindo agir na raiz do problema, busca uma forma alternativa de reduzir a criminalidade, agindo na conseqüência, enquanto devia agir na causa.

A pena deve ser usada como profilaxia social, não só para intimidar o cidadão, mas também para recuperar o delinqüente. [70]

O sistema prisional, não tem por escopo, apenas a segregação, tem por finalidade primordial a ressocialização, a pena não deveria ter apenas finalidade retributiva, buscando satisfazer o anseio por justiça da sociedade, deveria, na verdade recuperar, ressocializar.


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Sobre o autor
Roger Rocha

Advogado no Rio Grande do Sul. Especialista em Ciências Penais. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Roger. Da irresponsabilização criminal do adolescente infrator. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3145, 10 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21063. Acesso em: 19 abr. 2024.

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