1.1 CONCEITO DE CULPABILIDADE
A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita. Assim sendo, não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, ou seja, a culpabilidade é um juízo de reprovação pelo agente não ter agido em conformidade com a norma jurídica, e ainda, constitui o fundamento e limite da pena. Na culpabilidade, afere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime cometido. [01]
Para haver culpabilidade é indispensável a presença de um de seus elementos, são eles: a imputabilidade penal, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme o Direito.
É a reprovabilidade do injusto do autor. O que é reprovado? O injusto. Por que se lhe reprova? Porque não se motivou na norma. Por que se lhe reprova não haver-se motivado na norma? Porque lhe era exigível que se motivasse nela. Um injusto, isto é, uma conduta típica e ilícita, é culpável quando é reprovável ao autor a realização desta conduta porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse. Ao não ter se motivado na norma, quando podia e lhe era exigível que o fizesse, o autor mostra uma disposição interna contrária ao Direito. [02]
A maior parte da doutrina adota a culpabilidade do fato, aqui a censura deve recair sobre o fato praticado pelo agente, isto é, sobre o comportamento humano. A reprovação se estabelece em função da gravidade do crime praticado, de acordo com a exteriorização da vontade humana, por meio de uma ação ou omissão. [03]
1.2 TEORIAS DA CULPABILIDADE
A culpabilidade possui cinco teorias: a teoria psicológica, a psicológica-normativa e a teoria normativa, sendo a teoria limitada da culpabilidade e a teoria extremada espécies da teoria normativa, segundo Fernando Capez, o ordenamento jurídico brasileiro, adotou a teoria limitada da culpabilidade.
No Direito Penal da Antigüidade, a responsabilidade penal decorria, contudo, do simples fato lesivo, sem que se indagasse da “culpa” do autor da conduta. Percebeu-se, porém, no decorrer da evolução cultural, que somente podem ser aplicadas sanções ao homem causador do resultado lesivo se, com seu comportamento, poderia tê-lo evitado. Não se pode intimidar com proveito o homem com a ameaça da pena simplesmente pelo resultado de sua conduta. Ao contrário, a intimidação é apenas eventualmente eficiente quando se ameaça o homem com pena pelo que fez (e poderia não ter feito) ou pelo que não fez (mas poderia fazer), evitando a lesão a um bem jurídico. Isso significa que é necessário indagar se o homem quis o resultado ou ao menos podia prever que esse evento iria acontecer. Torna-se assim indispensável, para se falar em culpabilidade, verificar se no fato estavam presentes a vontade ou previsibilidade. Desses elementos (vontade ou previsibilidade) construíram-se dois conceitos jurídico-penais importantes: o dolo (vontade) e a culpa em sentido estrito (previsibilidade). O crime pode, pois, ser doloso (quando o agente quer o fato) ou culposo (quando o agente não quer, mas dá causa ao resultado previsível). Com isso, chegou-se a teoria psicológica da culpabilidade: a culpabilidade reside numa ligação de natureza psíquica (psicologia, anímica) entre o sujeito e o fato criminoso. Dolo e culpa, assim, seriam as formas da culpabilidade. [04]
Através dos estudos realizados por Frank, chegou-se a conclusão que, somente o dolo e a culpa eram insuficientes para se falar em culpabilidade, assim se formou a teoria psicológica-normativa da culpabilidade. Para essa teoria, além do dolo e da culpa, que são elementos psicológicos presentes no autor, e a reprovabilidade, um juízo de valor sobre o fato, considerando-se que essa censurabilidade somente existe se há no agente a consciência da ilicitude da sua conduta ou, ao menos, que tenha ele a possibilidade desse conhecimento. [05]
Com o advento da teoria da ação finalista de Welzel, passou-se a discutir esta teoria. A ação, como afirmam os finalistas, não pode ser desligada do fim do agente, sob pena de se fraturar a realidade do caso concreto. O fim da conduta, elemento intencional da ação, é inseparável da própria ação, como veremos a seguir.
A teoria psicológica é a relação psicológica entre a conduta e o resultado, porém, não resolve o problema da culpa e da imputabilidade.
Dentro deste conceito, a culpabilidade não é mais do que a descrição de algo, concretamente, de uma relação psicológica, mas não contém qualquer elemento normativo, nada de valorativo, e sim de pura descrição de uma relação [06].
De acordo com essa tradicional teoria, a culpabilidade reside na relação psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito diante do fato cometido. Compreende o estudo do dolo e da culpa, que são suas espécies. Em suma, a culpabilidade esgotando-se em suas espécies, dolo e culpa, consiste na relação psíquica entre o autor e o resultado, tendo por fundamento a teoria causal ou naturalista da ação. [07]
Ensina Fernando Capez:
A conduta é vista num plano puramente naturalístico, desprovida de qualquer valor, como simples causa de resultado. A ação é considerada componente objetivo do crime, enquanto a culpabilidade passa a ser elemento subjetivo, apresentando-se ora com dolo ora com culpa. Pode-se, assim dizer, que para essa teoria o único pressuposto exigido para responsabilização do agente é a imputabilidade aliada ao dolo e a culpa. [08]
A Teoria psicológica não explica de forma razoável a isenção da pena, nos casos de coação moral e obediência hierárquica à ordem manifestadamente ilegal em que o agente é imputável e agiu com dolo (como excluir-se então a culpabilidade?). [09]
A teoria psicológica-normativa da culpabilidade, também conhecida como complexa, coloca no mesmo plano dolo e culpa em seu conteúdo heterogêneo.
Quando a doutrina percebeu que dolo e culpa, sendo esta normativa e aquela psicológica, não podiam ser espécies de culpabilidade, passou a investigar entre eles um liame normativo. Frank, em 1907, com fundamento no disposto no art. 54 do CP alemão, que tratava do estado de necessidade inculpável, analisando o fato da tábua de salvação, percebeu que existem condutas dolosas não culpáveis. O sujeito que mata em estado necessário age dolosamente. Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez que, diante da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna reprovável. [10]
De acordo com a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, são seus elementos: imputabilidade, elemento psicológico normativo (dolo e culpa) e exigibilidade de conduta diversa. Percebe-se que a diferença fundamental desta teoria para a teoria normativa pura, é a substituição do elemento psicológico-normativo, ou seja, o dolo e a culpa, pelo potencial conhecimento do injusto.
Segundo Fernado Capez:
Essa teoria exige como requisito para a culpabilidade, algo mais do que “dolo ou culpa e imputabilidade”. Buscava-se uma explicação lógica para situações como a coação moral irresistível, na qual o agente dá causa ao resultado com dolo ou culpa, é imputável, mas não pode ser punido. [11]
A teoria normativista é a chamada extrema ou estrita. Relaciona-se com a teoria finalista da ação. Retira o dolo da culpabilidade e o coloca no tipo penal. Exclui do dolo a consciência da ilicitude e a coloca na culpabilidade. Em conseqüência a culpabilidade possui os seguintes elementos:
1) imputabilidade;
2) possibilidade de conhecimento do injusto;
3) exigibilidade de conduta diversa.
De acordo com a doutrina tradicional, culpabilidade é o liame subjetivo entre o autor e o resultado. Em face dos delitos culposos, esse conceito causa enormes dificuldades. Enquanto na culpa consciente pode-se falar em nexo subjetivo entre o sujeito e o resultado imputatio júris (imputação de um direito), na culpa inconsciente não existe esta ligação. [12]
Nestes termos, não se pode aceitar a teoria psicológica normativa, pois o dolo não pode ser elemento do fato e elemento da culpabilidade pelo fato. Chegou-se assim à teoria da culpabilidade, ou teoria normativa pura: o dolo e a culpa pertencem a conduta; os elementos normativos formam todos a culpabilidade, ou seja, a reprovabilidade da conduta. Assim, a culpabilidade ganha um elemento, a consciência da ilicitude (consciência do injusto), mas perde os anteriores elementos nanímicos-subjetivos, dolo e culpa stricto sensu, reduzindo-se, essencialmente, a um juízo de censura. [13]
A teoria normativa pura é reprovabilidade que pressupõe, possibilidade de compreensão da ilicitude da conduta, e que no âmbito da autodeterminação do sujeito tenha tido certa amplitude.
Para a teoria extremada, representada por Welzel e Maurach, e, no Brasil representada por Alcebíades Munhoz Neto e Mayrink da Costa, toda espécie de discriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma (por erro de proibição), seja incidente sobre situação fática pressuposto de uma causa de justificação (erro de tipo), é sempre tratada como erro de proibição. [14]
O ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria limitada da culpabilidade. Tal teoria é defendida por grande parte da doutrina, inclusive Fernando Capez, tanto a teoria limitada quanto à teoria extremada, derivam diretamente da teoria normativa, e divergem apenas na questão do tratamento das descriminantes putativas.
Para a teoria limitada da culpabilidade, o erro que recai sobre uma situação de fato (descriminantes putativas) é erro de tipo, enquanto o que incide sobre a existência ou limites de uma causa de justificação é erro de proibição. Defendem-na, no Brasil Assis Toledo e Damásio de Jesus. [15]
1.3 CULPABILIDADE COMO ELEMENTO DO CRIME OU PRESSUPOSTO DA PENA
Há uma grande controvérsia na doutrina quanto a esse assunto, alguns doutrinadores, tais como Fernando Capez e Damásio de Jesus, entendem ser a culpabilidade pressuposto da pena, outros como Eugênio Raúl Zaffaroni e Luiz Regis Prado entendem que a culpabilidade é elemento constitutivo do crime.
Durante muito tempo, a doutrina penal acreditava que o juízo de reprovação, sem dúvida alguma, seria uma das características do crime, sem a qual este, em hipótese alguma, estaria configurado. Entretanto, com o aparecimento da Teoria Finalista da ação, o dolo e culpa strito sensu, até então considerados como elemento da culpabilidade, passaram a integrar a conduta, esvaziando, dessa forma, o juízo de reprovação, o que levou alguns doutrinadores a repensarem sobre os conceitos formulados em relação ao correto posicionamento da culpabilidade. [16]
Já os doutrinadores que entendem que a culpabilidade é e sempre será característica do crime, acreditam, basicamente, que o crime possui três elementos, quais sejam: a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. O verdadeiro pressuposto da pena é o crime, em si, com todas as suas peculiaridades. Em verdade, a culpabilidade incide sobre o comportamento do sujeito e não sobre ele isoladamente. O que o direito pune são os fatos praticados pelos indivíduos e não estes propriamente ditos. [17]
Preceitua Flávio Augusto Monteiro de Barros:
Culpabilidade é um pressuposto da sanção penal, visto que aquela não incide sobre o fato praticado pelo agente (crime), mas sobre o agente do fato. A reprovação da conduta é dirigida ao agente, que é quem vai sofrer a pena. Tanto é verdade que seus elementos são valorações feitas a posteriori diretamente sobre o sujeito [18]
Para essa corrente doutrinária, baseada na teoria finalista, bastaria então, apenas a existência do fato típico e ilícito para haver um crime.
Crime existe em si mesmo, por ser um “fato típico e ilícito” e a culpabilidade não contém o dolo e culpa em sentido estrito, mas significa apenas a reprovabilidade ou censurabilidade da conduta. O agente só será responsabilizado por ele se for culpado, ou seja, se houver culpabilidade. Pode existir, portanto, crime sem que haja culpabilidade, ou seja, censurabilidade ou reprovabilidade da conduta, não existindo a condição indispensável à imposição da pena. [19]
Para Fernando Capez:
Aspecto analítico: é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade desse enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar, deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só nesse caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor não foi culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito. [20]
Para essa teoria, basta apenas a ocorrência de fato típico e ilicitude, para a conduta ser considerada crime, tratando a culpabilidade, apenas como mero pressuposto para a imputação da pena.
A teoria “tripartida” entende a culpabilidade como elemento constitutivo do crime, também baseada na teoria finalista de Welzel, porém com uma interpretação diferente da feita pela teoria “bipartida”.
Ao contrário da corrente “bipartida”, a corrente “tripartida”, assevera que ocorrendo o fato típico e ilícito, não há que se falar em crime e sim em injusto penal, para tornar clara tal definição, é de relevante importância a apreciação do exemplo de Eugenio Raúl Zaffaroni: aquele que por incapacidade psíquica não pode compreender a antijuridicidade de seu ato (o vulgarmente chamado de “louco”), não comete um delito, mas sua conduta é típica e não se encontra amparada por nenhuma causa de justificação (porque o louco – pelo simples fato de ser louco – não tem “permissão para matar”). O “louco” realiza uma conduta típica e antijurídica que não é delito. [21]
1.4 IMPUTABILIDADE PENAL E O ADOLESCENTE INFRATOR
Imputável é aquele que ao tempo da ação ou omissão apresenta maturidade mental, discernimento e autodeterminação para entender o caráter criminoso do fato e determina-se de acordo com esse entendimento. A imputabilidade segundo o Art. 4º do Código Penal Brasileiro, é determinada pelo tempo do crime: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”
Assim define a imputabilidade Julio Fabbrini Mirabete:
De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada de imputação, de onde provem o termo “imputabilidade”, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável. [22]
Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir conforme esse entendimento. [23]
A concepção dominante da doutrina e na legislação vê a imputabilidade na capacidade de entender e de querer. A capacidade de entender o caráter criminoso do fato não significa a exigência de o agente ter consciência de que sua conduta se encontra descrita em lei como infração. Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica. [24]
A imputabilidade penal é elemento da culpabilidade, assim como, exigibilidade de conduta conforme o direito e a potencial consciência da ilicitude, e ao contrário da inimputabilidade, o indivíduo inimputável, não apresenta maturidade mental para entender o caráter criminoso do fato e determina-se de acordo com esse entendimento. A imputabilidade é a regra, a inimputabilidade a exceção.
O Código Penal Brasileiro contempla quatro causas de exclusão da imputabilidade, são as seguintes:
-Doença mental (Art. 26 do Código Penal Brasileiro);
-Desenvolvimento mental incompleto (Art. 27 do Código Penal Brasileiro);
-Desenvolvimento mental retardado;
-Embriaguez completa, proveniente de caso fortuito.
Sendo a imputabilidade elemento da culpabilidade, torna-se indispensável ao indivíduo que ao tempo do crime tenha seu desenvolvimento mental pleno, ou seja, atinja a maturidade mental, para entender o caráter ilícito de sua conduta.
Se tratando do adolescente, há uma presunção absoluta que este, ao atingir a idade de 18 anos, adquira tal entendimento, passando então a ser considerado imputável perante a lei.
Utilizou-se para tanto, o critério biológico para delimitar tal idade, conforme demonstra a Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro, número 23:
Manteve o projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser comedido a educação, não a pena criminal.
De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o a contaminação carcerária.
O legislador pátrio, ao elaborar a Exposição de Motivos número 23, reconhece de forma taxativa a falência do sistema carcerário no Brasil, e admite que o adolescente exposto a esse ambiente degradante tende a potencializar o seu grau de periculosidade.
São inimputáveis os menores de 18 anos por expressa disposição no Código Penal Brasileiro. [25]
Adotou-se no dispositivo supra um critério puramente biológico (idade do autor do fato) não se levando em conta o desenvolvimento mental do menor, que não está sujeito à sanção penal ainda que plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.
1.4.1 O critério utilizado para aferir a imputabilidade penal
Como anteriormente descrito, é presumível que o indivíduo ao atingir a idade de 18 anos, possa de fato compreender a ilicitude de seu ato e determinar-se conforme tal compreensão, tornando-se finalmente imputável.
Ensina Jorge Trindade:
Como a criança e o adolescente, num certo sentido recebem com emoção toda a experiência que lhe chega, que é sempre nova em sua vida, não conseguem fazer a mediação entre o impulso e o mundo externo, passando logo para a instância da ação. Eles têm diminuída sua capacidade de ser e estar no mundo, o que explica a inimputabilidade genérica frente à lei. Ademais, falta-lhes experiência, requisito importante para que se agreguem os fatos às respectivas conseqüências, razão pela qual são impedidos de serem culpáveis. [26]
É justo lembrar, que no Brasil utilizou-se o critério biopsicológico, em 1969, com alteração do art. 33 do Código Penal Brasileiro vigente na época, pelo Decreto-Lei nº. 1.004, na qual possibilitava-se imputação de pena ao menor entre 16 e 18 anos, se este revelasse suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento. Todavia, a dificuldade de detectar a capacidade de culpa e o desenvolvimento mental do adolescente, bem como a precariedade do sistema, tal critério deixou de ser utilizado, motivado por manifestação por parte dos magistrados, bem como estudiosos, dando lugar ao critério vigente, o critério biológico. [27]
Nas palavras de Luiz Regis Prado:
Menores de 18 anos – consagra-se aqui o princípio inimputabilidade absoluta por presunção (art. 27, CP), com o fulcro do critério biológico da idade do agente, e que, a partir da Carta de 1988, tem assento constitucional (art. 228, CF). [28]
Como veremos nas páginas subseqüentes, o Projeto de emenda constitucional nº. 20/1999, visa justamente o retorno desta sistemática para aferir a imputabilidade do menor infrator.
De acordo com o critério biológico, para aferir a imputabilidade, é referida apenas à presunção de falta de discernimento, tal sistema é o adotado pelo Código Penal Brasileiro para determinar a inimputabilidade do adolescente infrator.
Verifica-se que o legislador adotou unicamente o critério biológico (cronológico absoluto), ou seja, a proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária.
Trata-se de uma presunção absoluta de imputabilidade que faz com que o menor seja considerado como tendo desenvolvimento mental incompleto em decorrência de um critério de política criminal. Implicitamente, a lei estabelece que o menor de 18 anos não é capaz de entender as normas da vida social e de agir conforme esse entendimento. [29]
Preceitua Fernando Capez:
Esse sistema somente interessa saber se o agente é portador de alguma doença ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso positivo, será considerado inimputável, independentemente de qualquer verificação concreta de essa anomalia ter retirado ou não a capacidade de entendimento e autodeterminação. Há uma presunção legal de que a deficiência ou doença mental impede o sujeito de compreender o crime ou comandar sua vontade, sendo irrelevante indagar acerca de suas reais e efetivas conseqüências no momento da ação ou omissão. [30]
Esse critério é adotado como exceção no ordenamento jurídico brasileiro e é utilizado apenas para a aferição da imputabilidade penal. [31]
O critério biopsicológico normativo é empregado no Código Penal Brasileiro, para a verificação da capacidade de discernimento do portador de doença mental. Pode-se dizer que enquanto o sistema biológico só se preocupa com a existência da causa geradora da inimputabilidade, não se importando se ela efetivamente afeta ou não o poder de compreensão do agente, o sistema psicológico volta suas atenções apenas para o momento da prática do crime. [32]
Já o critério psicológico ou psiquiátrico, tem em conta apenas as condições psicológicas do agente à época do fato. Diz respeito apenas às conseqüências psicológicas dos estados anormais dos agentes. Sua base primeira é o Código Canônico. Em nosso País, agasalhou-se a fórmula psiquiátrica do Código Penal do Império (1830), nos termos seguintes:
Art. 10. Também não se julgaram criminosos: § 2. Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lúcidos inervallos e nelles commeterem o crime”. Nesse sentido, ainda, os Códigos Penais da Áustria (1852); da Espanha (1848); de Portugal (1886). [33]
O sistema biopsicológico ou misto atende tanto as bases biológicas que produzem a inimputabilidade como as suas conseqüências na vida psicológica ou anímica do agente. Resulta, assim, da combinação dos critérios biológico e o critério psicológico. Este sistema exige, de um lado, a presença de anomalias mentais, e, de outro, a completa incapacidade de entendimento (formula do art. 26 do Código Penal Brasileiro). É acolhido, na atualidade, pela maioria das legislações penais. [34]
1.4.2 Inimputabilidade X Impunidade
A inimputabilidade é facilmente confundida com a impunidade, todavia, há uma larga diferença no sentido dessas palavras, apesar da grande proximidade de sua escrita e pronúncia.
Como visto anteriormente, a inimputabilidade, é a ausência de capacidade para ser culpável, ou seja, é a incapacidade do indivíduo de compreender a dimensão de seus atos, e determinar-se conforme esse entendimento, já a impunidade é a falta da devida sanção ao infrator.
Para Myrian Mesquita, impunidade é o gozo da liberdade, ou de isenção de outros tipos de pena, por uma determinada pessoa, apesar de haver cometido alguma ação passível de penalidade. É a não aplicação de pena, mas também o não cumprimento, seja qual for o motivo, de pena imposta a alguém que praticou algum delito. [35]
Inimputabilidade, todavia, não significa impunidade, vez que estabelece medidas de responsabilização compatíveis com a condição de peculiar pessoa em desenvolvimento. A inimputabilidade, causa de exclusão da responsabilidade penal, não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social. [36]
O fato do adolescente infrator não responder por seus atos delituosos de acordo com o Código Penal, nem perante a Justiça Criminal, não o torna impunível nem o faz irresponsável. Antes, conforme o sistema adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os menores entre 12 e 18 anos são sujeitos de direitos e de responsabilidades e, por isso, quando cometem infrações, medidas socioeducativas podem ser impostas, inclusive a privação de liberdade, com o nome de internação, sem atividades externas. [37]
Ao contrário da máxima de sempre ouvida de que “para o menor não dá nada”, O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas e até mesmo reconhece a possibilidade de privação provisória da liberdade do infrator não sentenciado (art. 108), para o que se exige o preenchimento de menos requisitos do que os previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, aplicáveis aos delinqüentes maiores de 18 anos, para o maior ser preso provisoriamente ou assim mantido durante o trâmite da ação penal. [38]
Há que se afirmar que esta questão está mal focada, com isso, muitas vezes, por desconhecimento de causa, ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no País, um verdadeiro “Código Penal Juvenil”, estabelecendo um sistema de sancionamento, de caráter pedagógico, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo. [39]
Torna-se claro, que equivocada é a idéia que o adolescente infrator nada sofre ao cometer um ato ilícito. O adolescente que incide em ato infracional terá uma contrapartida, a medida socioeducativa, é claro, menos severa que a pena imposta a um indivíduo maior de 18 anos.
Todavia, há quem, desconhecendo o sistema de responsabilidade penal juvenil contemplado no ECA, e de forma destorcida, insista em confundir inimputabilidade penal com impunidade, pleiteando a extensão do Sistema Penal Adulto ao adolescente em conflito com a Lei, buscando a redução da idade de imputabilidade penal, fixada em 18 anos.
Diante desta equivocada idéia, muito bem se enquadra o posicionamento de João Batista Costa Saraiva:
Os preponentes desta idéia, destituída de fundamentação apta a legitimá-la e construída no desconhecimento do sistema terciário de prevenção esculpido no Estatuto, fundado no Direito Penal Juvenil, desprezam a natureza de cláusula pétrea desta disposição constitucional. [40]
Ante o exposto, fica claro, que de fato, tais palavras, inimputabilidade e impunidade, em nada se assemelham quanto ao significado, sendo este um argumento falho, aos que defendem a redução da maioridade para 16 anos, baseado na impunidade do adolescente transgressor.