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O enriquecimento ilícito e o princípio da saisine na utilização exclusiva de imóvel da herança por herdeiro

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14/02/2012 às 08:55

Resumo:


  • A sucessão hereditária é regulada pelo princípio da saisine, que determina a transferência imediata dos bens aos herdeiros no momento do falecimento do proprietário.

  • O enriquecimento sem causa, previsto no ordenamento jurídico, visa coibir práticas ilícitas e garantir a reparação de danos causados por vantagens econômicas sem justa causa.

  • A questão do enriquecimento sem causa em casos de exploração exclusiva de bens herdados gera debates sobre a distribuição dos frutos da herança, podendo ser objeto de ações judiciais para garantir a equidade entre os herdeiros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

V.) CONCLUSÕES:

Em primeiro lugar, existe a premente necessidade de ter em foco, ao se analisar uma questão deste jaez que se está lidando, provavelmente, com valores outros, além dos meramente pecuniários, posto que em voga, verbi gratia, a própria estabilidade da família que configura a base da sociedade para o Estado (nos estritos termos, aliás, preconizados pela norma contida no artigo 226, CR), vez que, como sabido, ressalvada algumas hipóteses da sucessão testamentária, em que terceiros estranhos às relações familiares acabam sendo contemplados, o que se tem, na maioria dos casos (já que no Brasil a maior parte da população não tem o hábito de deixar disposições de última vontade, formalizadas em instrumentos próprios), o que se observa é uma sucessão a título universal, que, como é cediço, acaba por implicar em beneficiar com a herança os parentes mais próximos do extinto (o de cujus sucessiones agitur a que se referia o Digesto Justianeu, no direito quiritário romano – jus quiritum, em orientação que se seguiu no jus gentium, chegando a vários ordenamentos jurídicos da Europa Continental, o conhecido sistema da Civil Law, contraposto ao da Common Law, servindo de Ordenações do Reino de Portugal, e, em certa medida, mesmo, o Código Napoleônico de 1.804 e o BGB alemão de 1.896, inspiração do direito civil pátrio).

Outro aspecto que merece ser tangenciado é que a ausência da partilha dos valores pode ensejar vários problemas de manutenção da estrutura familiar, mas, para além desse flanco, vislumbrando-se o quebrantamento da igualdade dos quinhões e o desrespeito ao direito à herança tracejado no artigo 5º, CR (mormente numa visão isonômica que se pretende conferir ao princípio da igualdade), tornando a partilha eivada por vício de consentimento e também por inconstitucionalidade, vez que negou parcela do direito à sucessão.

O Direito tutela o equilíbrio entre as frações hereditárias, pois visa resguardar o interesse de todos os herdeiros dentro da partilha, e, como destacado linhas atrás, como o ordenamento jurídico pátrio, por séculos, inspirou-se em sede do direito romano Justianeu, os operadores do direito nacional acabaram por ter como dogma a orientação de Paulus, no referido Digesto, no sentido de se pensar a respeito da noção de que se o direito se funda em três premissas básicas, a saber: honeste vivere, non laedere alter et suum cuique tribuere[11], o que, numa tradução literal implica a idéia de se viver honestamente, não lesar os outros e dar a cada um o que é seu.

Assim, como a sucessão é deflagrada com a morte, nada mais justo que os frutos da exploração do bem pelo herdeiro exclusivo tenham como marco (ou melhor dizendo, como termo inicial) para distribuição dos quinhões o mesmo lapso descrito acima, sob pena de, por exemplo, se permitir a exploração exclusiva de um herdeiro em detrimento dos demais, quiçá, de boa-fé, mesmo em situação de desconhecimento do óbito havido.

No entanto, não se pode deixar de consignar que, nessas condições, a decisão do E. Superior Tribunal de Justiça não deixa de revelar aspectos de eticidade e pragmaticidade, tal como ponderado no final do item anterior, deste singelo artigo.

Isso porque, com tal nova orientação jurisprudencial, não se está a privilegiar uma ética de índole eudaimônica (idílica) baseada numa nobreza de caráter ou arete, como preconizada na Grécia Clássica, partindo-se do pressuposto de que todos os homens são bons e voluntariamente tenderiam a cumprir as normas jurídicas em virtude da estabilidade de um pacto social suposto.

Mas, ao contrário, a decisão em comento não deixa de ser ética sob um prisma utilitarista, visando um bem maior (a conhecida versão maquiavélica, em sentido político e não vulgar, que implica na idéia de que os fins não deixam de justificar certos meios), qual seja, o de conferir maior celeridade ao sistema, restaurando outro pragmático principio jurídico, decorrente do jus quiritum romano, qual seja, aquele de acordo com o qual dormientibus non sucurrit jus, o qual, em tradução literal, implica a idéia de acordo com a qual o direito não socorre a quem dorme.

Assim, cumprirá ao detentor do direito não descurar da guarda de seus interesses, de forma célere, sob pena de, na demora, não haver como reclamar, o que não deixa de atender a certos escopos decorrentes de uma função social da propriedade (privilegiada pela EC nº 26, com a atual redação do artigo 6º, caput, CR), já que, se existe uma certa demora na busca do direito, como regra geral, tem-se que esse não está gerando penúria para o seu titular (ou seja o titular que não percebe a exploração, ao menos em tese, parece não estar precisando dos frutos dessa exploração, presumindo-se um certo desinteresse pela questão).

Com isso, o ordenamento como um todo, não deixa de ter maior agilidade, tornando bizantinas discussões referentes a regressos ou indenizações em períodos anteriores, ante tudo quanto ponderado acima, eis que, ao menos, uma parte dos focos da pretensão das partes, acaba por restar delimitado, somente se admitindo discussões a partir da reclamação do interessado.

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A questão, no entanto, parece criar um precedente nesse sentido, qual seja, uma presunção de desinteresse, como forma de direcionar discussões judiciais, isso desestimula demandas a respeito do tema, bastando que se componha a questão a partir da notificação da oposição, tornando o processo um instrumento mais célere de atuação da vontade do direito, o que, como ponderado acima, não deixa de contribuir para o ordenamento seja mais seguro pela sua rapidez, atraindo investimentos.

Mas a questão não parece exaurir outros aspectos possíveis de discussão, como, por exemplo, a situação de pessoas que tenham sido vítimas de ardis (dolo, como preconizado acima), simulações ou lesões, por exemplo, em que não haveria um desinteresse presumido, mas causas de nulidades de atos jurídicos (até mesmo, por exemplo, no que se refere a direito de incapazes, cuja indisponibilidade faria cessar essa presunção de desinteresse, não se podendo imputar a quem não tenha capacidade de exercício, a responsabilidade pela demora), de modo que resta lançada a celeuma a esse respeito, servindo o presente artigo de mera conjectura inicial para que se parta para entendimentos mais elaborados.

A nova orientação, portanto, parece ter alterado as bases do instituto do enriquecimento sem causa, mas parece que o fez sob um prisma de proporcionalidade ou razoabilidade (a conhecida noção de “lógica do razoável” ou logus del razonable, a que alude Celso Lafer, a partir da obra de Hannah Arendt)[12], visando atingir a outros ideais pragmáticos, tal como destacado acima, dentro dessa nova visão do ordenamento jurídico, sob um prisma de paradigma da complexidade do direito.


VI.) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CATEB, Salomão de Araújo. Direito das Sucessões. 3ª Ed. São Paulo: Atlas. 2003.

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras. 1.991.

MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. São Paulo: Saraiva., 1.988

SILVA, Júlio César Ballerini. A Complexa questão dos direitos das minorias e a efetividade de sua tutela no plano individual e coletivo, Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, v. 55, Ribeirão Preto: Nacional de Direito. 2.005.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Sucessões. 3ª Ed. São Paulo: Atlas. 2003.

______. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria geral dos Contratos. 3ª Ed. São Paulo: Atlas. 2003.


Notas

  1. [1] E, em mais de uma oportunidade, já se teve a oportunidade de ponderar no sentido de que o mundo moderno oferece inúmeras dificuldades aos operadores do direito, mormente diante de um certo paradigma da complexidade, decorrente de uma interdisciplinaridade cada mais freqüente, nas relações intersubjetivas tal como preconizado por MORIN, Edgar, apud, SILVA, Júlio César Ballerini. A Complexa questão dos direitos das minorias e a efetividade de sua tutela no plano individual e coletivo, Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, v. 55, Ribeirão Preto: 2.005, p. 62.
  2. [2] Cf. CATEB, Salomão de Araújo. Direito das Sucessões. 3ª Ed. São Paulo: Atlas. 2003. p.38 e VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Sucessões. 3ª Ed. São Paulo: Atlas. 2003. p.29.
  3. [3] VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p.28.
  4. [4] Não são desconhecidas as ilações lançadas pelo chamado Documento Técnico nº 319 do Banco Mundial, relacionados à efetividade do Poder Judiciário na América Latina e no Caribe, a partir do Relatório formulado por Maria Dakollias, envolvendo as dificuldades de livre circulação de riquezas diante da morosidade de obtenção da concretude do ordenamento jurídico (o que, e isso parece ser de peculiar obviedade franciscana, acaba por gerar maiores dificuldades de obtenção de crédito internacional, diante da perspectiva de dificuldades no recebimento e cumprimento de obrigações).
  5. [5] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria geral dos Contratos. 3ª Ed. São Paulo: Atlas. 2003. p.210.
  6. [6] Ibid. Ibidem. p.212.
  7. [7] RESP Nº 570.723 - RJ (2003/0153830-0). Rel. Min. Nancy Andrighi. 
  8. [8] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 2006.001.24586 - APELACAO CIVEL DES. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA - Julgamento: 25/07/2006 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL
  9. [9] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 2004.001.06975 - APELACAO CIVEL DES. BERNARDINO M. LEITUGA - Julgamento: 08/06/2004 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL
  10. [10] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 2003.001.04897 - APELACAO CIVEL DES. JOSE C. FIGUEIREDO - Julgamento: 25/06/2003 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL
  11. [11] MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano, São Paulo: Saraiva, 1.988, p. 16.
  12. [12] LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos, São Paulo: Companhia das Letras, 1.991.

 

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Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio Cesar Ballerini. O enriquecimento ilícito e o princípio da saisine na utilização exclusiva de imóvel da herança por herdeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3149, 14 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21086. Acesso em: 26 dez. 2024.

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