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Usurpação mineral e defesa do patrimônio público

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21/02/2012 às 07:55
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A extração de minério sem título autorizativo é atentatória à legalidade e lesiva ao patrimônio público. O extrator assenhora para si a riqueza mineral do Estado, ao invés de promover a geração de riquezas e desenvolvimento em favor de toda a nossa sociedade, devendo ressarcir a União pelo prejuízo causado.

Sumário: 1.Da Constatação da Lavra Ilegal;. 2. Da Relevância Social e Constitucional do Bem Mineral; 3. Da Legislação Mineraria Pertinente; 4. Da Amplitude da Proteção dos Recursos Minerais; 5. Considerações Finais.


1. DA CONSTATAÇÃO DA LAVRA ILEGAL

Neste artigo faremos uma análise crítica à indenização devida à sociedade, decorrente da atividade de extração mineral ilegal, perpetrada por mineradores que não possuem título autorizativo de lavra, documento que deve ser emitido pela autoridade competente, definida no Código de Minas.

Insta-nos esclarecer que atividade mineraria é essencial ao desenvolvimento. Entretanto, mister se faz a sua realização dentro dos limites e atendendo, o minerador, aos dispositivos infraconstitucionais pertinentes, que exige o título autorizativo para a lavra. Quando o mineral é extraído sem o requisito legal, há usurpação mineral.

Diante dos atos de ilegalidade da empresa, em vistoria a ser realizada pelo Departamento Nacional de Propriedade Mineral – DNPM, se constatada na oportunidade a atividade latente de lavra ilegal, é imitido Auto de Paralisação e Interdição e, caso haja minério pronto para beneficiamento e/ou comercialização, é lavrado, também, Auto de Apreensão.

Constatando o DNPM a existência de indícios de extração ilegal, mesmo se não emitidos os referidos autos, é encaminhado o relatório à Procuradoria da União, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Órgãos constitucionalmente competentes a investigar e/ou exigir judicialmente o cumprimento de penalidades e ressarcimento ao erário dos danos ambientais e minerais decorrentes.

Interessa-nos notar, que quando há extração de minério sem título autorizativo é dever do Estado Brasileiro coibir a prática de atos atentatórios à legalidade e lesivos ao patrimônio público. O extrator assenhora  para si a riqueza mineral do Estado Brasileiro, ao invés de promover a geração de riquezas e desenvolvimento em favor de toda a nossa sociedade, devendo ressarcir a União pelo prejuízo causado ao patrimônio público.

Á luz dos princípios constitucionais de hermenêutica, é objetivo do presente artigo apresentar nossa interpretação quanto à indenização decorrente dos danos material e moral coletivos ocorridos. Pretende-se, sim, esclarecer a extensão da proteção dos direitos da sociedade, sob a perspectiva mineral e ambiental, nos casos de lavra ilegal de minério.


2. DA RELEVÂNCIA SOCIAL E CONSTITUCIONAL DO BEM MINERAL

O patrimônio mineral constitui uns dos bens mais relevantes para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país. Tratam-se de bens de relevante importância estratégica para as atuais e futuras gerações de brasileiros.

Pelo impacto que podem causar no modo de vida e desenvolvimento da nossa sociedade, estes bens devem se sujeitar a estrito controle do Estado, que deve atuar para preservá-los e racionalizar a sua utilização. Estando tais bens à disposição na natureza, podendo ser usurpados por qualquer pessoa, é mister o   controle e a regulamentação executada pelo Poder Público. Caso contrário, a exploração dos recursos minerais tenderia a ser excessiva e degradante, e poderia causar impactos altamente nocivos à sociedade brasileira.

Neste sentido, a preservação patrimônio mineral possui um caráter transindividual comparável à conservação do meio ambiente. Da mesma forma que este gera interesse de toda a sociedade, dada a sua imprescindibilidade para a garantia da vida no planeta, o acesso equilibrado aos recursos minerais também constitui interesse de toda a coletividade, tendo em vista o valor estratégico que tais recursos possuem para o nosso modo de vida.

Com relação aos recursos minerais do país, partiu o Constituinte de uma constatação de que se está diante de bens, que, dada a sua natureza escassa e o seu caráter estratégico, devem necessariamente ter seu aproveitamento regulado pelo Estado. Somente assim poderá se prevenir que uma utilização desenfreada gere conseqüências funestas em desfavor de toda a sociedade e das futuras gerações de brasileiros.

Com efeito, o Constituinte Originário houve por bem incluí-los na categoria de bens de propriedade da União, enquadrando-os na categoria de bens públicos, por força do previsto nos artigos 20, IX, e 176 da Constituição Federal. A significar que, a bem do desenvolvimento e à organização sócio-econômica do país, os recursos minerais devem ser explorados com responsabilidade e racionalidade, de modo a promover o bem comum, o equilíbrio da economia e desenvolvimento sustentável do Estado e do povo brasileiros.


3. DA LEGISLAÇÃO MINERARIA PERTINENTE

A Constituição da República de 1988 trouxe à luz todo um arcabouço jurídico inovador sobre a matéria, privilegiando o Direito Minerário e o Ambiental que devem ser interpretados interligados como se faz com os seguintes artigos:

 Art. 20, IX; 21, XXIII, §1º; 22, XII; 24, VI, VII e VIII; 170, VI;  176, §1º; 225, §1º, I, II, III, IV, V, VI e VII e §§2º, 3º, 4º, 5º, 6º.

Em verdade, os recursos minerais, por princípio constitucional, são propriedade distinta do solo e pertencem à União, devendo a sua exploração prejudicar minimamente o meio ambiente.

Entrementes, atendendo ao disposto no art. 22, XII da CF/88, existe uma extensa legislação mineraria e ambiental específica, com diversas leis federais esparsas. A previsão de reparação do dano ambiental decorrente de atividades de mineração está prevista na Lei 7.805/1989. Já a Lei 8.876/1994 concede ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a atribuição de fiscalizar, em conjunto com as autoridades ambientais, o controle ambiental dessas atividades. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) exige o licenciamento prévio de empreendimentos que utilizem recursos ambientais pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Outra lei, a de 9.985/2000, trata do licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental e disciplina a compensação ambiental, além de considerar o subsolo um recurso ambiental e tratar da proteção das características relevantes de natureza espeleológica.

Além disso, existem Portarias e Resoluções do DNPM[1] e CONAMA[2], todas muito bem explicadas aos interessados, em link denominado “Guia do Minerador”, no sitio do DNPM.

A legislação infraconstitucional, neste ponto, estabelece diversos requisitos e exigências prévias a serem cumpridas pelo minerador, como, por exemplo, licença ambiental e demonstrações de capacidade técnica e econômica. Tudo isso para que a potencial mina atenda a sua função social, no interesse público.

O primeiro passo a ser dado pelo minerador, de acordo com o artigo 11 do Código Mineral, é fazer o pedido da área por meio de requerimento protocolizado junto ao DNPM, o que lhe outorga, se deferido, o “direito de prioridade”, seguido de uma sucessão de atos vinculados, ou seja, sem qualquer precariedade, que ensejam a publicação do Alvará de Pesquisa. Este autoriza o minerador a realizar trabalhos de pesquisa, sendo um título intermediário que o permite pesquisar determinada substância mineral, de modo a definir sua quantidade, qualidade e distribuição espacial.

Isto posto, voltando-se a atenção ao tema aqui proposto, não há que se buscar alegar que o fato do processo administrativo de Requerimento de Pesquisa estar em curso já autorizaria o início das atividades por parte da mineradora, vez que o título para a exploração ainda não havia sido outorgado. A titular do processo está autorizada tão-somente a realizar trabalhos de pesquisa mineral, visando a definição da jazida a ser explorada. [3]

A aprovação do requerimento da mineradora, mediante publicação do Alvará de Pesquisa, trata-se de “consentimento de pesquisa”[4] que há muito é definido como autorização de pesquisa imprescindível toda vez que alguém queira realizar trabalhos de prospecção mineral[5].

O “consentimento de pesquisa” se difere do “consentimento de lavra” (FREIRE, 2005) que é ato administrativo vinculado outorgado pelo Ministro de Estado de Minas e Energia - MME, mediante o preenchimento de diversos requisitos legais, presentes nos artigos 16 a 22 do Código de Minas. Tudo isso, a bem da proteção dos dois interesses públicos inerentes à atividade mineraria, quais sejam, os recursos minerais e o meio ambiente. Vejamos:

“Deve-se esclarecer que, para obtenção do consentimento de lavra, por Portaria do Ministério de Minas e Energia, é obrigatório que o interessado peça autorização ao DNPM para fazer estudos e pesquisas na área almejada para ter certeza da existência da jazida. Em caso afirmativo, o minerador terá que calcular a viabilidade econômica de sua exploração” [6]

Ou seja, constatada a existência da jazida através da pesquisa, o minerador deverá requerer o título que o autoriza a extrair para fins de cálculo da viabilidade econômica da atividade. O título pertinente é a Guia de Utilização – GU, cujas situações merecedoras de concessão poderão estar relacionadas à pesquisa, como a aferição da viabilidade econômica e a realização de ensaios industriais, ou à comercialização das substâncias extraídas, seja por sua necessidade continuada no mercado, seja para até custear 50% dos trabalhos pesquisa.

Mais uma vez, voltando-se a atenção ao tema lavra ilegal, com a expedição de Guia de Utilização, não está a mineradora autorizada a extrair além do permitido no título, vez que a Portaria de Lavra para a exploração ainda não foi publicada. A titular da área está autorizada a extrair, em caráter excepcional, nos termos do art. 22, §2º Código de Minas, verbis:

Art. 22. A autorização de pesquisa será conferida nas seguintes condições, além das demais constantes deste Código: (Redação dada pela Lei nº 9.314, de 1996)

...

 § 2º. É admitida, em caráter excepcional, a extração de substâncias minerais em área titulada, antes da outorga da concessão de lavra, mediante prévia autorização do DNPM, observada a legislação ambiental pertinente. (Redação dada pela Lei nº 9.314, de 1996)

É imperativo que se compreenda que o procedimento de avaliação do aproveitamento econômico da jazida mediante liberação de Guia de Utilização não compreende a exploração mineral.  Permite, sim, a extração excepcional de quantidades máximas, a depender das sustâncias exploradas, definidas por Portaria do DNPM.

Nesta fase, se autoriza apenas a extração de minério suficiente à decisão sobre a viabilidade econômica, o potencial mineral e, ainda, questões adjacentes, como impacto ambiental causado pela atividade. Antes de apurados tais aspectos, não se legitima o particular em proceder a exploração do recurso mineral, sem atender as limitações legais, destinadas ao titular de Guia de Utilização. 

Uma vez procedida à análise do aproveitamento da jazida, ou seja, submetido o minerador ao regime de autorização, deve a parte interessada submeter-se as regras do regime de concessão de lavra, previstas no Código de Minas. Pode-se concluir que o Regime de Autorização e Concessão de Lavra é único, possuindo duas etapas sucessivas, com regras pertinentes a cada uma, e formulários e explicações disponíveis no sitio do DNPM.

O art. 2º do Código de Mineração[7] define outros 3 (três) regimes, sendo que a escolha do regime de aproveitamento não é discricionária e depende dos recursos minerais a serem extraídos e/ou características específicas do minerador.[8] O objetivo destes regimes é a obtenção de um título que credencie seu possuidor ao aproveitamento do recurso mineral, documento este emitido, no caso do Regime de Autorização e Concessão de Lavra, na esfera do MME, e nos demais casos, no próprio DNPM.

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Fica assim bem demonstrado que a lavra sem título autorizativo está em total desacordo com as normas de direito público que regulam a matéria. Assim agindo, o minerador usurpa o patrimônio público mineral, devendo ser responsabilizado por tal conduta, ressarcindo a União pelo valor correspondente ao volume de recursos minerais extraídos, sem prejuízo de demais sanções, tanto penais, quanto administrativas, que eventualmente possa vir a sofrer.


4. DA AMPLITUDE DA PROTEÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS

Da conceituação de recursos minerais

Dito isso, passemos, também, a nossa análise central, qual seja, a extensão da proteção constitucional aos recursos minerais. Veja-se:  

Art. 20. São bens da União:

IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

Com fulcro no princípio interpretativo da máxima efetividade ou eficiência da norma constitucional, a expressão “recursos minerais” deve ser extensivamente interpretada, de modo a garantir ampla proteção ao erário público.

Neste diapasão, entende-se como recursos minerais “as concentrações de minério formadas na crosta terrestre cujas características fazem com que sua extração seja ou possa chegar a ser técnica e economicamente rentável”. Já quanto ao conceito de “minério (do latim minera, mina) é um mineral que é economicamente auto-sustentável para a sua prospecção e exploração industrial (mineração).”[9]

Assim, é propriedade da União todo o recurso mineral, mesmo o não aproveitado hoje por determinada empresa,  vez que no futuro pode chegar a ser rentável devido à novas tecnologias. Cabe somente à União decidir se é o momento, econômico e tecnológico, para se realizar a extração.

Em verdade, não há que se olvidar a propriedade da União quanto a todos os recursos minerais do subsolo, sejam aproveitáveis ou não, e, acrescente-se, comercializáveis ou não. A significar que se deve evitar entendimentos de que somente o volume considerado “aproveitável” por determinada mineradora é de propriedade da União.

Afinal, o conceito de aproveitável é indeterminado e depende do ponto de vista, seja sob o enfoque do modo de utilização e/ou mercado de comercialização. Entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Ademais, em dado momento de uma pesquisa mineral, pode ocorrer a inviabilidade técnica ou comercial do empreendimento, com inexequibilidade da lavra, seja pelo custo elevado da extração ou, mesmo, pelo baixo teor mineral pesquisado:

“Se isso ocorrer, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) deve deixar a área novamente disponível, porque, certamente, com o passar do tempo e ao advento de tecnologias mais avançadas, essa jazida poderá ser explorada de forma sustentável, ou seja, com menos degradação do meio ambiente.”[10]

Assim, o minerador não pode, abreviando ilegalmente o tempo da pesquisa, sem prévia aprovação de seu plano de aproveitamento pelo DNPM, entender que este ou aquele recurso mineral é rejeito. Já ensinava Bedran (1957) que “a autorização de pesquisa em caráter investigativo, é uma aventura com resultados incertos”

Aos mineradores é garantida a propriedade do “produto da lavra”, gerado pela extração, que, todavia, somente é autorizada ou concedida pela União, verdadeira proprietária de todas as jazidas.

Mesmo por que, o art. 20, IX deve ser interpretado em conjunto com o artigo 176, caput e § 1º, também da Carta Magna:

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

Releva notar que por jazida entende-se uma concentração local ou massa individualizada de uma ou mais substâncias úteis que tenham valor econômico, seja na superfície ou no interior da Terra. Ainda que o termo seja mais associado a uma concentração de minerais, pode referir-se também à concentração de outras substâncias naturais, inclusive fósseis, tais como o carvão e o petróleo.[11]

Com efeito a jazida poderá, ou não, estar em atividade mineraria de extração, ou seja, em lavra para integrar o patrimônio público. Entendendo o constituinte que todas as jazidas são “recursos minerais”, não será possível restringir a propriedade da União somente ao considerado aproveitável pelo minerador. Ao erário federal pertencem todas as jazidas, independentemente do produto que a integre.

Propriedade da União independentemente do aproveitamento

Na questão minerária possível é aferir a existência de três espécies de minérios usurpados: o extraído e mantido na praça, que é apreendido e se constitui em receita do DNPM, nos termos do Inciso IV, art. 5°, da Lei 8.876, de 02 de maio de 1994[12]; o volume bruto extraído, que compreende todo o material mineral extraído do subsolo, independente de interpretações de utilidade e, por fim, o que está contido dentro deste último, qual seja, o volume efetivamente comercializado pela mineradora, depois de vencidas as etapas de beneficiamento e/ou seleção de qualidade exigidas pelo mercado.

Outrossim, o volume comercializado não é o que deve prevalecer para os fins de indenização ao erário. Em que pese alegações em contrário de percentual de aproveitamento da lavra, na realidade houve uma subtração do patrimônio público federal no montante do volume de recursos minerais retirado do meio ambiente.

Deve ser considerado, para fins de aferição do volume ilegalmente explorado, o total do desmonte efetuado na rocha, vez que o patrimônio da sociedade, consistente na riqueza mineral que ali jazia, foi literalmente “reduzido ao chão”, não havendo como se falar em recomposição daquela jazida ou qualquer outra forma de retorno ao estado de fato anterior.

A propriedade da União independe do aproveitamento econômico, a significar que todos os recursos minerais do subsolo pertencem ao patrimônio público, possuindo caráter constitucional de indisponíveis.Argumentos técnicos sobre inexpressividade econômica do estéril podem ser considerados, pelo menos para leigos ao tema, como nós, como irrefutáveis. Entretanto, há de se considerar que a União, com a tese de requerer o ressarcimento do volume bruto, não pretende cobrar pelo estéril e, sim, pelo total de minério retirado do subsolo.

Além disso, a alegação de que as técnicas utilizadas pelo minerador não modificam o percentual de aproveitamento não procedem. A escolha, inclusive, do minério a ser explorado na jazida ou a sua destinação, modifica este percentual, a exemplo da escolha por granito ornamental que exige técnica apropriada que aumenta, sobremaneira, o volume de rejeito em relação a outros minérios.

Se o minerador não tinha autorização para extrair o minério, à União pertence o direito de utilizar o minério quando bem entender. Se não for hoje, será amanhã. E a técnica de extração de minério muda com o tempo. O que eu não posso aproveitar hoje pode ser aproveitado amanhã. Se a técnica melhorar, o percentual de perda será menor.

Mais um argumento, voltando ao exemplo do granito. Suponha-se que a empresa pretenda explorar o granito para fins ornamentais e descarta tudo que não servir aos seus propósitos. Mas outra empresa poderia utilizar o mesmo granito descartado para outra finalidade (ainda que com menor valor econômico): fazer brita, pó de pedra ou qualquer outra coisa. Por exemplo, a China utiliza o pó de granito para fazer granito artificial.

Acresce-se a estes argumentos que o crime de usurpação mineral exige, para sua comprovação, além de indícios de autoria, somente a prova da efetiva ocorrência da extração mineral. Para tanto, utiliza-se a mensuração do volume bruto de minério lavrado, prescindindo-se do “volume aproveitável”. Logo, a lesão da União corresponde sim ao total do minério extraído, e não ao total do minério comercializado.

A realidade de produção sem sustentabilidade das mineradoras não deve balizar a atuação dos órgãos combatentes da lavra ilegal. Somente a fiscalização eficiente e o incremento de ações de ressarcimento, impulsionarão a busca e escolha por tecnologias desenvolvidas, que respeitem o meio ambiente e patrimônio público.

Do tratamento a ser dado ao minerador ilegal

A quem diga que, caso seguida a tese exposta, o minerador que possui título de lavra, deverá também ressarcir a União pelo estéril, pois paga impostos somente sobre o comercializado. Todavia, há de se considerar que o minerador lícito possui tratamento previsto no ordenamento jurídico, não devendo ser tratado, em momento algum, como o irregular.

O "minerador legal" apresenta um plano de aproveitamento econômico da jazida, que é necessariamente aprovado pelo DNPM (art. 22, V e 30 do Código de Minas). O plano de aproveitamento aprovado prevê o percentual de aproveitamento do minério.

Por exemplo: granito ornamental. Para aproveitar o granito é preciso "decapar" a parte estragada pelas intempéries; cortar em blocos e transportar (depois precisa cortar em placas etc). É natural que se perca uma parte relevante do minério extraído. Daí não me surpreende, dependendo do caso, a perda de até 60% do minério. Mas o DNPM, no caso da lavra legal, aprovou o plano. Se existia melhor técnica para aproveitar o produto é matéria que cabe ao DNPM discutir antes de aprovar ou rejeitar o plano apresentado pelo titular do direito de pesquisa.

Já o usurpador não faz nada disso. Vai lá e subtrai o minério. Não se pode precisar quanto ele extraiu, ele não paga a CEFEM,  arrebenta o meio ambiente e aproveita o que achar melhor, sem qualquer controle. E ainda compete ilegalmente com o "minerador legal".

É correto deferir ao usurpador o mesmo tratamento dispensado ao minerador? Creio que não. Não importa o lucro que ele teve. Importa o prejuízo que a União sofreu. Ele pode pegar todo o minério e jogar no fundo do mar, sem ganhar um mísero centavo e ainda assim a União foi severamente lesada.

Além disso, a atividade de extração legal, autorizada ou concedida, beneficia toda sociedade, seja diretamente com produtos e emprego, seja com a melhoria dos serviços públicos sustentados pelos impostos devidos. Assim, somente a atividade mineraria concedida atinge a finalidade legal, qual seja, o interesse público almejado com o desenvolvimento social.

Com efeito, aquele minerador não autorizado, deve ressarcir o erário público pelo ilícito perpetrado. Compensando o erário público pelo dano material que lhe foi causado. Deve-se, assim, indenizar os cofres públicos da importância equivalente ao volume aproveitado multiplicado pelo valor de mercado do minério, bem como deverá, também, pagar um valor a título de lucros cessantes, referente ao recurso mineral não aproveitado.[13]

Destaco que o crime de usurpação além da autoria exige, somente, a mensuração do volume bruto de minério lavrado, prescindindo-se da definição de volume aproveitável.

O recurso mineral que hoje não é minério, o rejeito, pode o ser amanhã, quando a área poderia ser extraída legalmente.

Acrescento que o rejeitado foi retirado do subsolo e quebrado em vários pedaços. Não podendo ser recomposto. Similar a uma televisão que foi quebrada pelo usurpador no terreiro da residência do proprietário, ou seja, ainda está lá, mas danificada, cabendo o ressarcimento do dano.

Ademais, também é devida a indenização pelo dano imaterial originado da usurpação mineral. Cumulativamente ao dano material, deve o minerador ilegal indenizar o erário público de todo dano moral advindo com a atividade ilícita de extração ilegal de minério.

Do dano ambiental perpetrado na Lavra Ilegal

Acrescente-se que, sendo a atividade mineraria potencial poluidora do meio ambiente, em vistoria realizada pelo DNPM são constatados danos ambientais in locu, como a supressão da vegetação na área de lavra, pilhas de estéril, alteração do relevo e escavações, impactando a área.

Com efeito, há-se também que se considerar, também, o dano ambiental decorrente do ato de extração de minério ilegal. Praticamente toda atividade minerária é potencialmente poluidora, sendo freqüente a ocorrência de modificações significativas na qualidade do solo e na topografia da superfície local, bem como a deposição de rejeitos sobre a vegetação. Logo impactos ambientais são inerentes a sua existência.

Neste contexto, a Constituição federal ao outorgar, em seu art. 225, especial proteção ao meio ambiente, institui como obrigação daqueles que exploram os recursos minerais a recuperação do meio ambiente degradado, bem como estabelece a obrigação de reparação civil pelo dano ambiental.

Outrossim, da simples leitura do art. 5°, Inciso II e III, alíneas a, d e e, da Lei 6.938/81 combinada com leigos conhecimentos sobre a atividade mineraria, é clarividente a degradação da qualidade ambiental e poluição do meio ambiente, decorrentes direta e/ou indireta da extração de minério.

Acrescente-se que, se a extração não foi autorizada pelo DNPM, não houve um controle pelos órgãos ambientais competentes a respeito dos danos que são intrínsecos a essa atividade.

A já referida concessão/autorização para a lavra de recursos minerais, cumpre registrar, encontra-se intimamente ligada à preservação do meio ambiente. A permissão ou concessão de lavra, nos termos da Lei nº 7.805/89, deve ser outorgada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, e, ademais, dependerá de prévio licenciamento ambiental, a ser concedido pelos órgãos ambientais Estadual e Municipal competentes (artigos 3º e 16).

Tais instrumentos normativos têm supedâneo nas normas constitucionais que tratam da matéria, conforme inicialmente exposto. Com efeito, a Carta Magna vigente sublinha o dever imposto aos poderes públicos e à coletividade o dever de defesa e preservação do meio ambiente e a obrigação de recuperar o meio ambiente aquele que o degradar.[14]

Observa-se, destarte, que o minerador ilegal age em desconformidade coma lei e com a Lex Legum, razão pela qual exsurge a sua responsabilidade, seja no sentido de indenizar a sociedade em virtude do dano patrimonial – o mineral -, seja no sentido de recuperar o meio ambiente degradado.

Neste particular, lembra-se que a responsabilidade em questão tem natureza objetiva, a teor das preceituações trazidas pelo artigo 14, parágrafo 1º, da Lei n.º 6.938/81, a seguir transcrito:

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

 (...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União edos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Desse modo, não se há cogitar em culpa do agente, bastando a existência do dano e o estabelecimento de nexo de causalidade entre este e o agente causador para que se estabeleça responsabilidade em indenizar.

A este respeito, impende registrar que, ainda que lícita fosse a atuação do minerador – o que não é o caso em estudo, ante a inexistência de prévia autorização -, constatado o dano ambiental, impor-se-ia, por conseqüência, o dever de ressarcir.

Tal conclusão defluiu-se da aplicação do princípio do Poluidor-Pagador, presente no Direito Ambiental, segundo o qual quem polui deve arcar com as despesas que seu ato vier a produzir, invertendo-se a compreensão de que poderia poluir aquele que paga. Assim, coma aplicação do princípio em apreço, busca-se evitar a ocorrência do dano, prevenindo-o, portanto, ou, na hipótese de isso não ser mais possível, alcançar a sua reparação.

Sendo o meio ambiente um bem jurídico pertencente a todos os cidadãos, indistintamente, o dano a ele causado pode ser entendido como o prejuízo imposto a todos os recursos ambientais indispensáveis para a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Dessa maneira, possível seria a sua divisão em dano ambiental patrimonial e dano ambiental moral. O primeiro expresso na obrigação de reparação a um bem ambiental lesado, que pertence a toda a sociedade, enquanto que o segundo traduz a existência de todo prejuízo que não seja econômico, causado à coletividade, em decorrência da lesão ao meio ambiente. Seria, assim, a lesão que desvalorizaria imaterialmente o meio ambiente ecologicamente equilibrado, refletindo na saúde e na qualidade de vida das pessoas. Daí a necessidade de condenação do agressor ao pagamento dos danos morais coletivos:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. DANOS AMBIENTAIS PRATICADOS E REITERADOS.

1-            “Não é apenas a agressão a natureza que deve ser objeto de reparação, mas a privação, imposta à coletividade, do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida que aquele recurso ambiental deve compreender, também, o período em que a coletividade ficará privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, por si mesmo e em decorrência de sua interação (art. 3º, I, da Lei 6.938/81). Se a recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a recomposição da situação anterior ao dano, depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser indenizada pelo período que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação anterior.” (Francisco José Marques Sampaio, citado por Paulo Afonso Leme Machado, in Responsabilidade Civil e Reparação de Danos ao Meio Ambiente, Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 1998, p. 107).

2-            A implementação de medidas que visem adequar a atividade empresarial às normas ambientais não tem o condão de elidir todo o dano ambiental provocado ao longo de mais de 10 anos.

3-            Apelação improvida.

Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL. Processo> 2002.72.01.002683-9 UF: SC. Data da decisão: 27/02/2007; Órgão julgador: TERCEIRA TURMA; Fonte D.E. 14/03/2007 Relator: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ.

Com efeito, a reparação da área degradada é devida e, ademais, levando em consideração ser impossível precisar o quanto o dano ambiental afetou o meio ambiente, o pagamento de indenização, que funcionará como compensação ambiental, bem como o valor da indenização por dano moral coletivo, deverá ser definido em juízo e, ao final, destinado ao fundo de recomposição ambiental previsto no art. 13 da Lei 7.347/1985.

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Sobre a autora
Valkiria Silva Santos Martins

Advogada da União. Integrante do Grupo Permanente de Combate a Corrupção. Pós Graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE em parceria com o Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Especializada em Direito Civil e Processual Civil pela UNICOC e em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Fundação Educacional Monsenhor Messias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Valkiria Silva Santos. Usurpação mineral e defesa do patrimônio público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3156, 21 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21108. Acesso em: 27 dez. 2024.

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