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Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro

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24/02/2012 às 17:29
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Coloca-se um panorama da intervenção penal nas infrações de pequeno potencial ofensivo, em consonância com a Carta Magna de 1988, sob a égide do princípio da proporcionalidade.

RESUMO

O presente trabalho versa sobre as medidas de despenalização previstas no sistema processual penal pátrio. Iniciando com uma análise da inserção das medidas despenalizadoras no ordenamento jurídico, aponta-seapontam-se alguns posicionamentos doutrinários acerca da inovação, ora positivos, ora negativos. A primeira medida estudada é a transação penal, abordando-se suas características, seus requisitos e seu procedimento, bem como se apontando a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da solução para seu descumprimento. Ato contínuo, discorre-se sobre a suspensão condicional do Processo, tratando de sua conceituação, seus requisitos, seu procedimento e a antiga discussão sobre a natureza jurídica do sursis processual. Por fim, aborda-se o instituto criado no art. 283 do projeto do no Código de Processo Penal, apontando-se as suas peculiaridades, quando comparado às demais medidas despenalizadoras já existentes.

PALAVRAS-CHAVE: Medidas despenalizadoras – transação penal – suspensão condicional do processo – projeto do novo Código de Processo Penal


1. INTRODUÇÃO

No Direito comparado, pode-se afirmar que a primeira tentativa de despenalizar delitos de menor potencial ofensivo ocorreu na Itália, no ano de 1981, com a edição da Lei 689, que possibilitava ao juiz a aplicação imediata da sanção, desde que a pedido do acusado e com a anuência do Ministério Público. Além disso, a única conseqüência de acordo seria impedir que novo benefício lhe fosse concedido, mas não haveria nenhum registro em sua certidão de antecedentes.

Destaca-se, também, o Código de Processo Penal português de 1987 que, em seu art. 392 e seguintes, dispunha que a proposta de pena alternativa ou multa formulada pelo Ministério Público e aceita pelo acusado equivaleria à condenação.

Além disso, inúmeros outros países possuem em seus ordenamentos jurídicos mecanismos de despenalização, onde o acordo entre as partes é primado em detrimento da ação penal. A Alemanha introduziu em 1975 o modelo de justiça consensual. Os Estados Unidos possuem não só o plea bargaining, no qual o acusado negocia a pena, mas também o charge bargaining, onde é possível acordar com o órgão de acusado a tipificação legal da conduta perpetrada.

No Brasil, o marco é a edição da Lei nº. 9.099/95.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 98, inc. I, ao introduzir em nosso ordenamento jurídico o Juizado Especial Criminal, criou também a idéia de consenso no processo penal.

Dispõe o referido artigo, in verbis:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

A opção do constituinte, como aponta parte da doutrina, enquadra-se na tendência mundial de despenalização, valorizando-se as vias extrapenais como forma de solução de conflitos.

Entretanto, não se pode olvidar que há evidente contradição entre as correntes da cultura penal, sendo que ora legisla-se em um sentido, ora em outro. Isso porque, de um lado, a cultura punitivista do Law and Order buscar solucionar os problemas sociais com a tipificação das condutas, aplicando-se penas aos infratores, com o objetivo de reduzir a criminalidade. De outro lado, tem-se a cultura do Direito Penal Mínimo, que busca a diminuição do tempo de aprisionamento e estimula a solução de conflitos pelas vias extrapenais.

A Lei dos Juizados Especiais Criminais não foi bem recebida por unanimidade. Jacinto Nelson de Miranda COUTINHO, ao tratar da inovação constitucional e do cuidado que o legislador infraconstitucional deveria ter tido, assevera que

O certo, em ultima ratio, é que se não andou bem. Passados mais de sete anos da vigência, ainda não se tem paz em boa parte dos conceitos, lançados contra a melhor técnica, em verdadeira balbúrdia, que muito mais confunde do que ajuda. Os resultados, como não poderia deixar de ser, causam desânimo; e repulsa. Os indicativos – basta rodar uma pouco pelo país pois, ainda que alguns teimem em esquecer, ele não é feito só dos grandes centros, por evidente, são ruins, muito ruins[1].

Ao tratar da Lei nº. 9.099/95, Mariana Guedes Duarte da FONSÊCA e Miguel Soares Braz MENDES afirmam que a “tentativa legislativa põe como objetivos para a atuação desses novos Órgãos Judiciários a reparação do dano sofrido pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade, além de objetivas a garantia de efetividade da norma penal, com um processo penal mais desburocratizado e ágil para responder à enorme demanda de ajuizamento de ações”[2]. Assim, nessa linha de raciocínio, os autores apontam cinco princípios dos Juizados Especiais, na busca da agilização dos procedimentos: celeridade, oralidade, simplicidade e economia processual.

E, para cumprir esse objetivo, a lei ordinária criou três medidas despenalizadoras, as quais visam a extinção da punibilidade do autor do fato, desde que cumpridas as condições a ele impostas. São elas: composição civil dos danos[3], transação penal e suspensão condicional do processo.


2. TRANSAÇÃO PENAL

2.1. Conceito e características

A Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, em seu art. 76, dispõe que, nos casos de crime de ação penal pública incondicionada, ressalvada a hipótese de arquivamento, o Ministério Público pode propor a aplicação imediata de pena restritiva de direito ou de multa, a ser especificada na proposta, cabendo ao juiz, no caso de aceitação do autor do delito, a aplicação da pena.

Dispõe o mencionado artigo:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Certo é, portanto, que a transação penal é uma das medidas despenalizadoras do nosso ordenamento jurídico, já que se possibilita, em casos de delitos de menor potencial ofensivo, a aplicação de pena restritiva de direito ou multa, ao invés da reprimenda corporal.

Damásio E. de JESUS leciona que “a transação, pela aceitação da proposta de aplicação de pena menos gravosa, constitui forma de despenalização. Esta atua não só quando a pena deixa de ser aplicada, como no perdão judicial, ocorrência também quando sua imposição é atenuada quanto à qualidade ou quantidade da sanção criminal”[4].

Fernando da Costa TOURINHO FILHO ensina que:

Argumenta-se que se a transação implica acordo de vontades, por óbvio esse acordo há de ser entre o titular da ação penal e o autor do fato, não podendo o Juiz desempenhar um papel próprio do Ministério Público, sob pena de usurpar-lhe função exclusiva. A transação que a Constituição permite possa ser feita, dizem, nada mais é que um sucedâneo da ação penal. É como se a lei dissesse: a hipótese enseja a propositura de ação penal, mas, tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, a denúncia pode ser substituída por uma proposta de aplicação de multa ou medida restritiva de direito, sem a necessidade de se instaurar processo a respeito[5].

É certo que em nosso ordenamento jurídico a vigência dos princípios da indisponibilidade e obrigatoriedade da ação penal pública é a regra, sendo esta a razão pela qual podemos ver a transação penal como uma exceção à regra, fundamentada no princípio da discricionariedade regulada.

Ao discorrer acerca do instituto e os princípios constitucionais do estado de inocência, do contraditório, da busca da verdade real e da ampla defesa, Damásio E. de JESUS aduz que:

O instituto da transação inclui-se no “espaço do consenso”, em que o Estado, respeitando a autonomia da vontade entre as partes, limita voluntariamente o acolhimento e o uso de determinados direitos. De modo que esses princípios não devem ser considerados absolutos e sim relativos, abrindo espaço para a adoção de medidas que, em determinado momento, são de capital importância para o legislador na solução de problemas, como da criminalidade, economia processual, custo do delito, superpopulação carcerária etc. A aceitação, pelo autuado, de uma pena menos severa, encerrando-se o episódio, encontra fundamento como expressão de autonomia de sua vontade e como livre manifestação de defesa. Ele, voluntariamente, abre mão de suas garantias constitucionais[6].

Importante, ainda, destacar que o instituto da transação penal não se confunde com o plea bargaining do direito norte americano, pois enquanto neste vigora integralmente o princípio da oportunidade da ação penal pública, em nosso ordenamento jurídico o Ministério Público não pode exercê-lo de forma livre, já que a proposta da transação penal está adstrita ao preenchimento de determinados requisitos, como adiante exposto.

Além disso, no plea bargaining é permitido que as partes acordem sobre os fatos, a adequação típica e a pena, de forma extrajudicial, de modo que na transação penal, que deve ocorrer necessariamente em audiência, apenas se propõe uma pena mais leve, não sendo permitido ao Ministério Público acordar o enquadramento típico da conduta praticada, excluindo, por exemplo, a qualificadora de determinado crime.

Não se confunde, ainda, a transação penal com o guilty plea, já que neste o réu está concordando com a acusação, tratando-se, portanto, de julgamento sem processo.

Oportuno, ainda, destacar que a transação penal não significa reconhecimento de culpabilidade penal. Ou seja, ainda que o autor do fato aceite a proposta formulada pela acusação, isso não quer dizer que ele esteja confessando a prática do ato, nem assumindo a culpabilidade.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. lecionam que “quanto à inexistência do reconhecimento da culpabilidade, deve-se notar que: (a) a sanção é aplicada antes mesmo do oferecimento da denúncia, na audiência prévia de conciliação; (b) a aplicação da sanção não importa em reincidência; (c) a imposição da sanção não constará de registros criminais, salvo para impedir o efeito de nova transação penal no prazo de cinco anos, nem de certidão de antecedentes”[7].

A Lei dos Juizados Especiais, no art. 76, § 4º, dispõe que a sentença homologatória da transação penal não implica em reincidência, mas tão somente na causa impeditiva de novo acordo transacional pelo prazo de cinco anos, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

Por fim, a lei ainda dispõe que a imposição da pena restritiva de direitos ou multa não constará na certidão de antecedentes criminais, nem gerará efeitos na esfera cível, como se no § 6º do art. 76, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Fernando da Costa TOURINHO FILHO ensina que “a última parte do § 6º deixa bem claro que a decisão que homologa a transação não é homologatória. Se fosse, teria ela eficácia executória para os fins civis, nos termos dos arts. 91, I, do CP e 63 do CPP. Não a tendo, cumprirá ao ofendido promover a ação reparatória no Juízo competente”[8].

Assim, o interessado não poderá utilizar a sentença homologatória como título executivo a ser liquidado no juízo cível, para fins reparatórios, devendo propor a ação cabível perante o juiz competente.

2.2. Requisitos

Para que seja possível a formulação de proposta de transação penal é necessário o preenchimento de determinados requisitos. A bem da verdade, não se trata propriamente de requisitos, mas sim de situações que o legislador elegeu como impeditivas da aplicação do instituto em análise. Dispõe o art. 76, § 2º, da Lei dos Juizados Especiais, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

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Deve-se destacar que a previsão legal das causas impeditivas dirige-se ao órgão acusador e ao juiz da causa. Isso porque, em primeiro lugar, dirige-se ao Ministério Público, pois não poderá formular a proposta e deverá, caso exista algum dos impedimentos, motivar seu posicionamento, indicando qual dos incisos do § 2º do referido artigo impedem a transação penal.

E dirige-se também ao juiz da causa, que, ao analisar a proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público e aceita pelo autuado, tem o dever de verificar a existência de alguma das causas impeditivas e, havendo, não homologar o respectivo acordo.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. ensinam que “as balizas impostas pelo legislador no tocante às causas impeditivas da transação penal se enquadram no aspecto da regulamentação legislativa própria do instituto da discricionariedade regrada”[9].

Oportuno, ainda, frisar que a existência de qualquer um desses impedimentos à concessão da benesse deve ser comprovada pelo Ministério Público.

Como bem pontuam Ada Pellegrini GRINOVER e al.:

Trata-se de regra que atribui, no processo administrativo, o ônus da prova dos fatos (positivos) ao Ministério Público, seja porque a prova dos fatos negativos seria bem mais difícil, mas sobretudo porque é o Ministério Público, como agente estatal, que tem maiores possibilidades de comprovar a existência das causas impeditivas da proposta e da sua homologação. Isso não exclui, é claro, a possibilidade de o autor do fato trazer a prova da inexistência das causas impeditivas: afinal é ele o maior interessado[10].

Tratemos, agora, das três causas impeditivas.

O inc. I prevê que não se admitirá a proposta de transação penal caso o autor da infração tenha sido condenado pela prática de crime, com pena privativa de liberdade, em sentença transitada em julgado.

Da simples leitura do inciso, verifica-se que para a configuração desta causa impeditiva é necessário que se trate de sentença definitiva, ou seja, decisão condenatória transitada em julgado, impassível de recurso. Isso porque, qualquer interpretação contrária feriria o princípio constitucional da inocência, previsto no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Ao tratar do momento do trânsito em julgado, Ada Pellegrini GRINOVER e at. afirmam que “deve-se ter em mente que impedem a coisa julgada não apenas os recursos ordinários, mas também os extraordinários, ainda tenham efeito meramente devolutivo”[11].

Além disso, é necessário que a condenação anterior tenha sido pela prática de um crime (e não de contravenção penal) e que a pena imposta tenha sido a privativa de liberdade.

Fernando da Costa TOURINHO FILHO leciona que:

Não basta tenha sido o autor do fato condenado por sentença transitada em julgado, ou, na linguagem do legislador, “por sentença definitiva”. É preciso, também, que o decreto condenatório seja resultante da prática de crime e a pena imposta, privativa de liberdade. Resulta claro que se o autor do fato houver sido condenado pela prática de contravenção, não haverá nenhum obstáculo para que se faça a proposta na fase preliminar. Se a lei falasse em “infração penal”, seria diferente, vez que essa expressão abrange os crimes e as contravenções. Pouco importa, também, para a feitura da proposta, que na condenação anterior “por sentença definitiva”, não obstante se refira a crime, a pena imposta não tenha sido privativa de liberdade. Se o autor do fato já foi condenado, definitivamente, pela prática de furto de pequeno valor somente a uma pena de multa (art. 155, § 2º, CP), tal circunstância não constitui estorvo à transação[12].

Portanto, caso o autor da infração tenha contra si sentença condenatória transitada em julgada, pela prática de crime e com pena privativa de liberdade, não poderá o Ministério Público formular a proposta de transação penal.

A propósito:

TRANSAÇÃO PENAL - ANTERIOR CONDENAÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. ÓBICE LEGAL. ART. 76, §2º, INCISO I DA LEI 9099/95. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA REFORMADA. Não se admite proposta de transação penal quando ficar demonstrado ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva. Recurso conhecido e provido. DECISÃO: Em face do exposto, ACORDAM os Juízes da Turma Recursal Única dos Juizados Especial Criminal do Estado do Paraná em, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso[13].

O inc. II dispõe que não será possível o acordo transacional se o agente foi beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo. Ou seja, caso o autor da infração já tenha sido beneficiado com a transação penal, no período anterior de cinco anos, não poderá transacionar novamente.

Isso porque a Lei dos Juizados Especiais tem por objetivo beneficiar o autor das infrações de menor potencial ofensivo, mas não incentivar a sua prática, garantindo-lhe sempre a impunidade[14].

Oportuno ressaltar que o prazo estipulado (05 anos) encontra respaldo no prazo de extinção da reincidência, previsto no art. 64, inc. I, do Código Penal.

Como bem aponta Fernando da Costa TOURINHO FILHO, “certamente partindo do princípio de que após cinco anos do cumprimento ou extinção da pena ou autor do fato retorna ao cotidiano, com conduta penalmente incensurável. Esse mesmo princípio deve ser invocado quando se tratar da condição prevista no item anterior, mesmo porque o Código Penal é subsidiário da Lei n. 9.099/95, quando não houver incompatibilidade”[15].

Por fim, o inc. III prevê que não será admitida a proposta de transação penal quando os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias não indicarem ser necessária e suficiente a adoção da medida.

Ada Pellegrini GRINOVER e al., ao comentarem esse inciso, afirmam que “a necessidade e a suficiência da medida nada mais indicam do que sai adequação ao caso concreto, por ser ela necessária – na medida em que não estimula a impunidade – e suficiente – no sentido de bastante. O que nada mais significa do que dizer que os dados tomados em consideração autorizam a concessão do benefício, por sua adequação ao caso concreto”[16].

Assim, verifica-se que a regra contida no inciso III tem caráter subjetivo, sendo necessária a atenta análise do caso concreto, tanto por parte do Ministério Público, quanto pelo juiz. E é nesta subjetividade que estão os problemas recorrentes na prática judiciária, vez que, com base pura e simplesmente em um termo circunstanciado, a análise e valoração das circunstâncias descritas no referido artigo é uma tarefa árdua e, quiçá, impossível de ser realizada com a mais absoluta precisão.

Coerente, assim, a colocação de Fernando da Costa TOURINHO FILHO, para quem:

Esse item III sob análise deve ser encarado com muito equilíbrio e bom senso tanto pelo proponente (Ministério Público e ofendido) como pelo Juiz, em face de seu cunho genérico e por demais vago. Não é fácil, num exame superficial que o Termo Circunstanciado sugere, proceder a uma análise desses elementos subjetivos. Daí que, na dúvida, não deve ser negada a proposta, até porque a infração sujeita ao Juizado de há muito foi minimizada. Ademais, não é tão simples, mesmo para um psicólogo, ante a prática de uma infração de menor potencial ofensivo, poder afirmar se o autor do fato voltará a delinquir[17].

Portanto, caso entenda que a proposta de transação penal não pode ser formulada com fulcro no art. 76, § 2º, inc. III, da Lei nº. 9.099/95, deverá o Ministério Público, e o juiz, em caso de recusa na homologação, fundamentar seu posicionamento, explicitando quais das circunstâncias indicam que o acordo não é suficiente e necessário para o caso concreto.

2.3. Procedimento

Frustrada a tentativa de composição dos danos civis, prevista no art. 74 da Lei dos Juizados Especiais, em caso de ação penal pública incondicionada ou ação penal pública condicionada em que houver representação do ofendido, tem o Ministério Público a oportunidade de formular a proposta de acordo transacional.

Oportuno frisar que, para a proposta de transação penal, é necessário um estudo prévio de que a conduta praticada é típica e de que é possível a persecução penal no caso concreto.

Isso porque, caso seja possível o arquivamento do termo circunstanciado ele deverá ser efetuado. Nessa linha, Ada Pellegrini GRINOVER e al. ensinam que “o Ministério Público só formulará sua proposta de imediata aplicação da pena não privativa de liberdade quando, num juízo prévio ao oferecimento da denúncia, estiver convencido da necessidade de instauração do processo penal”[18].

Assim, caso o Ministério Público entenda que há possibilidade de persecução penal, formulará a proposta de transação penal, que será submetida à aceitação do autor da infração e de seu defensor, que necessariamente deverá estar presente na audiência.

Certo é que a proposta poderá versar tão somente sobre a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, pois o legislador não admitiu que a proposta versasse sobre a aplicação de pena privativa de liberdade, mesmo que reduzida e ainda que seja a única prevista, em abstrato, para aquele crime. Isso porque, ainda que perante autoridade judiciária, trata-se de fase administrativa em que não há sequer acusação, o processo jurisdicional não se iniciou, não se sabe se o acusado seria, em eventual ação penal, absolvido ou condenado[19].

Além disso, a proposta formulada pela acusação deve ser clara e precisa, a fim de dar ciência ao autor do fato e seu defensor quais serão das conseqüências práticas, caso a aceite. Deverá, portanto, especificar o valor da multa, em caso de pena pecuniária, ou a espécie da pena restritiva de direito, bem como sua duração.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. lecionam que “referir-se-á ao fato narrado no termo de ocorrência, mas sem qualquer tipificação legal. Isso porque a aplicação da sanção não indica reconhecimento da culpabilidade”[20].

Após a formulação, o órgão acusador submeterá a proposta à aceitação expressa do autor do fato e de seu defensor. Nesse caso, a manifestação da vontade do autor é personalíssima, voluntária, absoluta, formal, vinculante e tecnicamente assistida.

É evidente que o autor da infração pode recusar a proposta de transação penal. Caso tenha segurança de sua inocência e estiver orientado pela defesa técnica, poderá preferir responder ao processo, a fim de alcançar uma sentença absolutória. Ou, ainda, poderá não concordar com os termos propostos e, ao analisar os prós e contras, optar pela via jurisdicional.

É que possível que haja divergência entre a vontade do autor do fato e a vontade de seu defensor. Nesse caso, considerando que é o autor que receberá a pena imediata ou submeter-se-á ao processo, cabe a ele a única palavra, ressaltando-se que deverá estar devidamente esclarecido acerca das conseqüências da aceitação ou recusa da proposta da transação penal.

Ao tratar do tema, Fernando da Costa TOURINHO FILHO afirma que, em caso de dissenso entre o autor do fato e seu defensor, “deve prevalecer a vontade daquele, tanto mais quanto a transação não lhe ocasiona nenhum prejuízo”[21].

Aliás, nesse sentido foi a décima quinta conclusão da Comissão constituída pela Escola Superior da Magistratura para a análise da Lei nº. 9.099/95, concluindo que “quando entre o interessado e seu defensor ocorrer divergência quanto à aceitação da proposta de transação penal ou suspensão condicional do processo, prevalecerá a vontade do primeiro”.

Ultrapassada essa fase, formulada a proposta de transação penal pelo órgão da acusação e aceita expressamente pelo autor do fato e por seu defensor, ela será submetida à apreciação do juiz, nos termos do § 3º do art. 76, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

É nesse momento, portanto, que a transação penal será homologada pelo juiz da causa.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. lecionam que:

A proposta, devidamente aceita, é então submetida ao controle jurisdicional. Fecha-se, assim, o círculo da discricionariedade regrada adotada pela nova lei, balizada como é pela regulamentação legal e sujeita à fiscalização do Poder Judiciário. Cabe ao juiz, em última análise, a verificação da legalidade da adoção da medida proposta e a análise de sua conveniência. Mas esta deverá sempre levar em conta a vontade dos partícipes – que o juiz poderá aferir mais uma vez – e a filosofia da transação penal, que não é sujeita a critérios de legalidade estrita e visa principalmente à pacificação social.

Certo é que o Juiz não está obrigado a homologar o acordo transacional, pois, como afirma Fernando da Costa TOURINHO FILHO, o juiz não é um convidado de pedra[22]. Pode o juiz, com base no art. 76, § 2º, inc. III, da Lei nº. 9.099/95, entender que o autor do fato não é merecedor do benefício, ou que a medida não é suficiente para o caso concreto, ou então que a pena restritiva de direito não é adequada às circunstâncias do fato e às condições do autor.

Caso o juiz não homologue a transação penal, poderá o autor do fato recorrer da respectiva decisão, entretanto o legislador não previu qual o recurso cabível.

Por esse motivo, Ada Pellegrini GRINOVER e al. afirmam que a decisão é irrecorrível, aduzindo que “da decisão de indeferimento da homologação da transação penal não cabe apelação, não só porque a lei não prevê expressamente, mas também por não enquadrar-se o caso nas ‘sentenças definitivas, ou com força de definitivas’ contempladas no art. 593, II, CPP. A decisão, no caso em exame, é claramente interlocutória”[23].

Por outro lado, Fernando da Costa TOURINHO FILHO, embora enfatize a ausência de previsão legislativa, entende que “o recurso oponível será a correição parcial, nos Estados em que esta atue como recurso, como em São Paulo. Naqueles em que a correição não tenha esse caráter, dependendo do caso concreto poderá ser interposto pedido de habeas corpus, tanto pelo autor do fato como pela parte ex adversa, em favor daquele”[24].

Por fim, contra sentença homologatória da transação penal é cabível o recurso de apelação, consoante dispõe o § 5º do art. 76, in verbis:

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

2.4. Descumprimento da transação penal e a possibilidade de oferecimento da denúncia

Discutiu-se, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, acerca da possibilidade de oferecimento de denúncia nos casos em que, pactuada a transação penal, as condições por ela impostas fossem descumpridas.

Imagine-se a seguinte situação: um homem é acusado pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei nº. 10.826/03), cuja pena abstrata é de 1 a 3 anos de detenção, tratando-se, portanto, de crime de menor potencial ofensivo. No rito do procedimento sumaríssimo, o Ministério Público oferece proposta de transação penal, consistente no pagamento de 30 dias-multa. A referida proposta é aceita pelo acusado e homologada pelo Juiz da causa.

Entretanto, o acusado não efetua o pagamento da pena pecuniária imposta. Qual seria a medida adotada no caso hipotético? Poderia o Ministério Público oferecer denúncia?

Fernando da Costa TOURINHO FILHO afirma que “poder-se-ia pensar na possibilidade de, em face do inadimplemento por parte do autor do fato, serem os autos devolvidos ao Ministério Público para oferta de denúncia. Não nos parece certo. (...) A transação penal é devidamente homologada por uma sentença, nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 76 da Lei sob comentário. E, uma vez preclusa a via impugnativa, surge a eficácia da coisa julgada formal e material. Por isso, não cumprida a medida restritiva imposta, não haverá solução”[25].

Na mesma linha de pensamento, Nereu José GIACOMOLLI leciona que:

O Ministério Público não poderá denunciar, pois houve uma transação homologada, e/ou aceitação da pena proporcional, impeditiva da dedução de uma pretensão acusatória. Houve esgotamento do processo cognitivo. O problema ultrapassa a trivial alegação de exigibilidade; há que ser evitado o sentimento de descrença na Justiça Consensual. Para isso, urge uma solução legislativa, autorizadora da retomada da persecução criminal nas hipóteses de descumprimento. São inadmissíveis as decisões que convertem a medida restritiva de direitos à privação de liberdade. Resta, unicamente, pela sistemática atual, sua execução no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. A sentença homologatória, como toda sentença criminal, produz a eficácia de coisa julgada. Portanto, não se pode mais discutir, em via criminal, a incidência do ius puniendi, pelos mesmos fatos[26].

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a sentença homologatória da transação penal possui natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal. Logo, impede o oferecimento de denúncia contra o agente, se descumprido o acordo homologado.

A Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em seu voto no HC nº. 97.642/ES, asseverou que, com a homologação da transação penal, opera-se o trânsito em julgado, não sendo possível deflagrar persecutio penal em caso de descumprimento, resolvendo-se o pagamento da eventual multa pela inscrição em dívida ativa da União, nos termos do art. 85 da Lei nº 9.099/95 combinado com o art. 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.286/96

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL LESIVO. LEI 9.099/95. TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. DESCUMPRIMENTO. DENÚNCIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.

1. O descumprimento da transação penal, em razão dos efeitos da coisa julgada material e formal do acordo, não permite o oferecimento de denúncia por parte do ministério público e, muito menos, rende ensejo ao crime de desobediência.

2. Não sendo possível deflagrar persecutio penal em caso de descumprimento, resolve-se pela inscrição da pena (pecuniária) não paga em dívida ativa da União, nos termos do art. 85 da Lei nº 9.099/95 combinado com o art. 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.286/96.

3. Ordem concedida para, tornando sem efeito a condenação pelo crime de desobediência, trancar a ação penal.

(HC 97.642/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 23/08/2010)

CRIMINAL. HC. NULIDADE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. EXECUÇÃO DA MULTA PELAS VIAS PRÓPRIAS. RECURSO PROVIDO.

I - A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado.

II - No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei nº 9.099/95 e o 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei nº 9.286/96, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada.

III - Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal.

(STJ, HC 33487/SP, Quinta Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 01/07/2004).

Cumpre-se destacar que outra seria a solução jurídica se, no caso concreto, não houvesse a homologação da transação penal. Ou seja, ainda que haja acordo entre o Parquet e o acusado, se este não for homologado pelo Juiz de Direito, não há coisa julgada material e formal, pois não há sentença.

Dessa forma, caso inexista sentença homologatória, pode o Ministério Público Estadual oferecer a denúncia contra o agente.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça é pacífico ao entender que há possibilidade de oferecimento de exordial acusatória na hipótese em que não exista homologação da transação penal pelo magistrado.

A propósito:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL E PORTE ILEGAL DE ARMA. TRANSAÇÃO PENAL. ACORDO NÃO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INEXISTÊNCIA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. CABIMENTO. ORDEM DENEGADA.

1. Admite-se o oferecimento de denúncia contra o autor do fato, pelo descumprimento da transação penal, quando não existir, como na hipótese, sentença homologatória.

2. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

3. Ordem denegada.

(STJ, HC 115.556/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 31/05/2010)

HABEAS CORPUS. LEI 9.099/95. COMPOSIÇÃO CIVIL. OMISSÃO NA AUDIÊNCIA PRELIMINAR. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO CUMPRIMENTO DO ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA TRANSAÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. POSSIBILIDADE.

1. Comprovado nos autos que o réu estava acompanhado de advogado durante a audiência preliminar, mantendo-se, ambos, inertes quanto à possível composição civil, não pode ser alegada, a posteriori, possível violação ao artigo 72 da Lei 9.099/95.

2. Não tendo havido a homologação da transação penal, é perfeitamente cabível o oferecimento da denúncia em desfavor do autor do fato.

3. Ordem denegada.

(STJ, HC 41032/SP, Sexta Turma, Rel. Min. HELIO QUAGLIA BARBOSA, DJ de 06/03/2006).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 147, DO CÓDIGO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. LEI Nº 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO NÃO HOMOLOGADO. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. Não tendo havido a homologação da transação penal, é cabível o oferecimento da denúncia em desfavor do autor do fato. (Precedentes). Ordem denegada (STJ, HC 37066/SP, Quinta Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 16/11/2004).

Entretanto, não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou em sentido contrário, entendendo que, ainda que haja a homologação da transação penal, o seu descumprimento faz com que o processo retorne ao seu status quo ante, possibilitando-se ao Ministério Público o oferecimento de denúncia.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE CONTRA IDOSO. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO-CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO-COMETIMENTO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória. Não há que se cogitar, portanto, da propositura de nova ação criminal, desta feita por ofensa ao art. 330 do CP. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal pelo crime de desobediência (STF, HC 84976, Primeira Turma, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJ de 23/03/2007).

HABEAS CORPUS. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO: DENÚNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO. AUTORIZAÇÃO LEGAL.

1. Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes).

2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). Ordem denegada.

(STF, HC 88785, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 13/06/2006).

Diante dessa divergência entre os Tribunais Superiores, a jurisprudência dos Tribunais estaduais é variada, vez que alguns adotam o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, enquanto outros seguem o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Este é o caso do Egrégio Tribunal do Estado do Paraná, já que predomina que a sentença homologatória da transação penal não impede a propositura da ação penal em caso de descumprimento do acordo, pois se trata de uma decisão meramente terminativa, com natureza homologatória que produz, apenas, coisa julgada formal.

A propósito:

REVISÃO CRIMINAL. DELITO DO ARTIGO 180, §3º, DO CÓDIGO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. RETORNO AO ESTADO ANTERIOR. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA VÁLIDA. PEDIDO INDEFERIDO. "A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória" (STF HC n.º 84976 1ª Turma Rel. Ministro Carlos Britto DJ de 23.03.2007) (TJPR - 3ª C.Criminal em Com. Int. - RCS 0592903-1 - Toledo - Rel.: Des. Rogério Kanayama - Unânime - J. 26.11.2009).

RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO. AGENTE ACUSADO DE DESACATO. ART. 331 DO CP. TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA NO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL, SEM EXTINÇÃO DO FEITO. DESCUMPRIMENTO. SUBSEQUENTE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. REJEIÇÃO PELO JUÍZO SINGULAR. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia". (STF, HC 79572/GO, 2ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julg. 29.02.2000) (TJPR - 2ª C.Criminal - RSE 0559226-5 - Foz do Iguaçu - Rel.: Juíza Subst. 2º G. Lilian Romero - Unânime - J. 30.07.2009).

Logo, verifica-se que a questão da possibilidade de oferecimento da denúncia em caso de descumprimento da transação penal é controvertida e o caso concreto será solucionado pelo juiz da causa, conforme o entendimento escolhido.

A nosso ver, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal mostra-se mais correto, vez que, como dito alhures, a Lei dos Juizados Especiais visou beneficiar os autores de infrações de menor potencial ofensivo, jamais incentivar a impunidade. Assim, se o beneficiado não cumprir as condições que lhe foram impostas, deverá se submeter ao processo jurisdicional, arcando com as consequências penais da conduta praticada.

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Sobre a autora
Renata Regina de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná Especialista em Direito: Ministério Público – Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná Assessora jurídica na 5ª Procuradoria de Justiça Criminal do Ministério Público do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Renata Regina. Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3159, 24 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21155. Acesso em: 19 abr. 2024.

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