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Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro

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24/02/2012 às 17:29
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3. ARTIGO 283 DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

3.1. O projeto do novo Código de Processo Penal

O projeto do novo Código de Processo Penal, aprovado em na Sessão Extraordinária do Senado em 07/12/2010, traz inúmeras mudanças ao sistema processual penal pátrio.

Inicialmente, o referido projeto define a adoção sistema processual penal acusatório (art. 4º [73]), no qual há perfeita definição dos sujeitos do processo, sendo vedada a atuação de ofício do Juiz, impedindo, portanto, que ele substitua o Ministério Público na função de acusar e de produzir provas que corroborem os fatos narrados na exordial acusatória, salvo a realização de diligências para esclarecimento de dúvidas. Desse modo, busca a efetivação da imparcialidade do julgador.

Além disso, no novo Código de Processo Penal, tem-se a figura de um novo juiz: o juiz das garantias, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado (art.14[74]). No modelo atual, o mesmo juiz participa da fase de inquérito é o prolator da sentença. Com as alterações propostas, tratar-se-ão de dois juízes diferentes: caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação e ao juiz do processo julgar o caso.

Quanto ao inquérito policial, no intuito de reforçar a estrutura acusatória adotada, assim que iniciado o inquérito policial comunicar-se-á imediatamente ao Ministério Público. Demais disso, o projeto define que o exercício da atividade de polícia judiciária pelos delegados não exclui a competência de outras autoridades administrativas.

De igual forma, o projeto também traz modificações significativas quanto à ação penal. Extingue com a ação penal privativa do ofendido (art. 45[75]), de modo que, nos casos em que a titularidade da ação era do ofendido, o processo iniciar-se-á por ação pública condicionada à representação da vítima, podendo ser extinto com a retratação do ofendido, se for feita até o oferecimento da denúncia.

Há, ainda, inúmeras mudanças relativas ao rito do Júri, às medidas cautelares, especialmente as prisões, às interceptações telefônicas, ao interrogatório, aos recursos de ofício e ao habeas corpus, entretanto, por não terem ligada intrínseca com o tema deste trabalho, não serão aqui apontadas.

Assim, destacamos a modificação introduzida pelo art. 283 do projeto: a aplicação da pena antes da sentença condenatória. Com o objetivo de tornar mais rápida e menos onerosa a ação penal, o projeto prevê a possibilidade de aplicação da pena mediante requerimento das partes, para crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse oito anos. Com acordo e havendo confissão, a pena será aplicada no mínimo legal e, se possível, optar-se-á pela pena restritiva de direitos ao invés da privativa de liberdade.

Passar-se-á, então, a análise do referido artigo.

3.2. O art. 283

O art. 283 do projeto do novo Código de Processo Penal prevê uma nova medida, que ora pode ser despenalizadora, ora pode ser uma aplicação antecipada de pena, in verbis:

Art. 283. Até o início da instrução e da audiência a que se refere o art. 276, cumpridas as disposições do rito ordinário, o Ministério Público e o acusado, por seu defensor, poderão requerer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 (oito) anos.

§ 1º São requisitos do acordo de que trata o caput deste artigo:

I – a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória;

II – o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal, independentemente da eventual incidência de circunstâncias agravantes ou causas de aumento da pena, e sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo;

III – a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção das provas por elas indicadas.

§ 2º Aplicar-se-á, quando couber, a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do disposto no art. 44 do Código Penal, bem como a suspensão condicional prevista no art. 77 do mesmo Código.

§ 3º Mediante requerimento das partes, a pena aplicada conforme o procedimento sumário poderá ser, ainda, diminuída em até 1/3 (um terço) do mínimo previsto na cominação legal, se as condições pessoais do agente e a menor gravidade das consequências do crime o indicarem.

§ 4º Não se aplica o disposto no § 3º deste artigo se incidir no caso concreto, ressalvada a hipótese de crime tentado, outra causa de diminuição da pena, que será expressamente indicada no acordo.

§ 5º Se houver cominação cumulativa de pena de multa, esta também será aplicada no mínimo legal, devendo o valor constar do acordo.

§ 6º O acusado ficará isento das despesas e custas processuais.

§ 7º Na homologação do acordo e para fins de aplicação da pena na forma do procedimento sumário, o juiz observará o cumprimento formal dos requisitos previstos neste artigo.

§ 8º Para todos os efeitos, a homologação do acordo é considerada sentença condenatória.

§ 9º Se, por qualquer motivo, o acordo não for homologado, será ele desentranhado dos autos, ficando as partes proibidas de fazer quaisquer referências aos termos e condições então pactuados, tampouco o juiz em qualquer ato decisório.

Com a simples leitura do artigo supra transcrito, verifica-se que, de acordo com o projeto do novo Código de Processo Penal, será possível que o Ministério Público e o acusado, por meio de seu defensor, requeiram a aplicação imediata de pena, até o início da instrução e da audiência prevista no art. 276[76], desde que a pena máxima do tipo imputado ao réu não ultrapasse 08 anos.

Para que seja possível o acordo, além do quantum da pena, é necessária a observância de outros requisitos: (a) é necessário a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na denúncia; (b) é preciso o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal, independentemente da eventual incidência de circunstâncias agravantes ou causas de aumento da pena; e, por fim, (c) é necessária a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção das provas por elas indicadas.

O § 2º, por sua vez, dispõe que se aplicam os institutos da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e a suspensão condicional da pena, sempre que possível.

O projeto do novo Código de Processo Penal prevê, ainda, uma causa de diminuição de pena, quando aplicada nos termos do art. 283, vez que o § 3º dispõe que a pena poderá ser diminuída em até um terço do mínimo, desde que as condições pessoais do autor do fato e as conseqüências da conduta típica sejam de menor gravidade.

Todavia, consoante previsto no § 4º, não se aplicará essa causa de diminuição se caso concreto aplicar-se outra minorante, salvo se se tratar da tentativa.

Além disso, se houver aplicação de pena de multa cumulativa, ela também será aplicada no mínimo legal e seu valor deverá estar especificado no acordo (art. 283, § 5º).

Quando feito esse requerimento de aplicação antecipada de pena, o § 6º dispõe que o acusado ficará isento das custas e despesas processuais.

Este artigo é uma novidade ao sistema processual penal, pois não há hoje em vigor nenhum instituto que sequer se assemelhe a ele.

3.3. Peculiaridades do artigo

Como dito, a previsão legal contida no art. 283 é inédita ao ordenamento jurídico pátrio. Embora não haja menção específica a esse artigo, as razões de sua criação podem ser extraídas da exposição de motivos do anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, coordenado pelo Ministro Hamilton Carvalhido e relatado pelo Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira[77].

A referida exposição de motivo assim dispõe:

Há inegável tendência na diminuição ou contenção responsável da pena privativa da liberdade, em razão dos malefícios evidentes de sua aplicação e execução, sobretudo em sistemas penitenciários incapazes de respeitar condições mínimas de existência humanamente digna. Em consequência, passou-se a adotar, aqui e mundo afora, medidas alternativas ao cárcere, quando nada por razões utilitaristas: a redução na reprodução da violência, incontida nos estabelecimentos prisionais.

Mas, nesse quadro, não só a pena ou sanção pública se apresenta como alternativa. A recomposição dos danos e a conciliação dos envolvidos pode se revelar ainda mais proveitosa e eficiente, ao menos da perspectiva da pacificação dos espíritos e da consciência coletiva da eficácia normativa. O anteprojeto busca cumprir essa missão, instituindo a possibilidade de composição civil dos danos, com efeitos de extinção da punibilidade no curso do processo, em relação a crimes patrimoniais, praticados sem violência ou grave ameaça e àqueles de menor repercussão social, no âmbito das infrações de menor potencial ofensivo. Prevê, mais que isso, uma alternativa ao próprio processo, condicionando a ação penal nos aludidos crimes contra o patrimônio, desde que ausente a grave ameaça ou a violência real. desse modo, substitui-se com vantagem a ação privada e sua incontrolável disponibilidade, por outro modelo mais eficiente: respeita-se a disponibilidade, em relação ao interesse da vítima quanto ao ingresso no sistema de persecução penal – ação pública condicionada – mantendo-se, ainda, na ação de natureza pública, a possibilidade de aproximação e conciliação dos envolvidos.

Some-se a isso um ganho sistematicamente reclamado para o sistema: o esvaziamento de demandas de menor repercussão ou de menores danos, por meio de procedimentos de natureza restaurativa, permitirá uma maior eficiência na repressão da criminalidade de maior envergadura, cujos padrões de organização e de lesividade estão a exigir maiores esforços na persecução penal.

Assim, um dos objetivos do legislador, assim como o foi quando da criação dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, foi auxiliar na solução de um sério problema de nossa realidade: o elevado número de processos, lotando os cartórios das varas criminais, fazendo com que a instrução arraste-se por muito tempo e, em razão da baixa pena, grande parte deles culmine-se pela prescrição da pretensão punitiva.

Assim, antecipa-se a aplicação da pena, que poderá ser restritiva de direitos ou privativa de liberdade, desde que preenchidos determinados requisitos. Mas, antes da análise de qualquer um dos requisitos, não se pode esquecer que ser trata de um acordo, ou seja, as partes – Ministério Público e acusado – devem aquiescer os termos pactuados.

Ultrapassado isso, ou seja, Parquet e réu objetivarem o acordo, o primeiro requisito diz respeito ao crime, cuja pena máxima não poderá ser superior a oito anos. Além disso, e aí a grande novidade em relação aos demais institutos analisados nesse trabalho, é que aqui o autor assume a responsabilidade penal do fato, pois é imprescindível a confissão, ainda que parcial.

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Por esta razão, consoante o disposto no § 8º do art. 283, a decisão de a homologação do acordo é considerada sentença condenatória, para todos os efeitos. Ou seja, o acusado terá seu nome incluído no rol dos culpados, implicará em reincidência, caso venha a ser condenado novamente, terá seus direitos políticos suspensos, etc.

Vê-se, portanto, que o artigo regulamenta uma hipótese de aplicação de pena sem o processo, vez que as partes, em comum acordo, dispensam a instrução criminal.


4. CONCLUSÃO

Com o presente trabalho objetivou-se um breve estudo sobre as medidas despenalizadoras existente em nosso sistema processual penal. Como visto, a Constituição Federal de 1988, ao prever a criação dos Juizados Especiais Criminais, buscou efetivar o Estado Social e Democrático de Direito.

Isso porque, a lei ordinária que regulamentou os referidos Juizados, instituiu medidas despenalizadoras, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, medidas estas que estão em consonância com o princípio da proporcionalidade, basilar do modelo de Estado objetivado pela Carta Magna.

Logo, sob a égide do princípio da proporcionalidade, criou-se em nosso ordenamento um conceito, até então, inédito: a gradatividade da intervenção penal. Assim, considerando a lesividade da conduta perpetrada, dispensa-se o tratamento penal, aplicando-se uma pena diversa da reprimenda corporal, por ser mais proporcional ao caso concreto.

A primeira medida despenalizadora abordada foi a transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº. 9.099/95, segundo a qual, antes do oferecimento da denúncia, é possível aplicar ao autor da infração uma pena restritiva de direito ou multa, desde que não esteja configurada nenhuma das causas impeditivas, a partir de uma proposta formulada pelo Ministério Público e aceita, expressamente, pelo acusado e seu defensor.

Feitos os apontamentos conceituais e procedimentos, o trabalho apontou a divergência nas soluções escolhidas pela doutrina e pela jurisprudência no caso de a transação penal não ser cumprida.

O Superior Tribunal de Justiça, seguindo a corrente defendida por Fernando da Costa TOURINHO FILHO, pacificou o entendimento de que a homologação da transação penal pelo juiz da causa faz coisa julgada formal e material, impedindo, assim, o oferecimento de denúncia, ainda que os termos acordados sejam descumpridos pelo autor da infração.

Entretanto, não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu em sentido contrário, o que torna comum a variedade de decisões nos Tribunais pátrios, ora em um sentido, pra em outro.

No Tribunal de Justiça do Estado do Paraná predomina que a sentença homologatória da transação penal não impede a propositura da ação penal em caso de descumprimento do acordo, pois se trata de uma decisão meramente terminativa, com natureza homologatória que produz, apenas, coisa julgada formal.

A segunda medida despenalizadora estudada foi a suspensão condicional do processo, sobre a qual se teceu comentários acerca da discussão existente na doutrina e na jurisprudência sobre a natureza jurídica do instituto.

Partindo de sua conceituação, verificou-se que o sursis processual possibilitou que processos de infrações de pequeno potencial ofensivo, desde que preenchidos os requisitos subjetivos do acusado, sejam suspensos por determinado tempo, com a extinção da punibilidade do agente ao final do decurso temporal, desde que respeitadas as condições impostas.

Como visto, assim que criado, iniciaram-se longas discussões sobre a natureza jurídica da suspensão condicional do processo, a fim de delimitar se sua aplicação seria uma discricionariedade do membro de Ministério Público ou um direito público subjetivo do acusado, de modo que pudesse ser concedido de ofício pelo Magistrado.

O entendimento predominante é no sentido de que se trata de uma discricionariedade do Parquet, não apenas por conta da redação dada pelo legislador, mas também pelo sistema processual penal adotado pela Carta Magna de 1988, qual seja, o acusatório.

Por fim, o trabalho abordou, de forma sucinta, um instituto criado pelo projeto do novo Código de Processo Penal, em seu art. 283, que prevê a possibilidade da aplicação antecipada da pena, que pode ser tanto privativa de liberdade, quanto restritiva de direitos, desde que o requerimento seja feito, de comum acordo, pelo Ministério Público e pelo acusado.

A peculiaridade deste artigo está no fato de que, para sua aplicação, além de outros requisitos, exige-se a confissão, ainda que parcial, do acusado, pois, ao contrário dos institutos abordados neste trabalho, aqui a decisão homologatória tem natureza condenatória, gerando todos os efeitos a ela inerentes. Trata-se, portanto, de grande inovação, já que não há no ordenamento jurídico pátrio nenhuma previsão legal semelhante.

Portanto, com esses breves apontamentos, objetivou o presente trabalho traçar um panorama geral da intervenção penal nas infrações de pequeno potencial ofensivo, em consonância com a Carta Magna de 1988, sob a égide do princípio da proporcionalidade.

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Sobre a autora
Renata Regina de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná Especialista em Direito: Ministério Público – Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná Assessora jurídica na 5ª Procuradoria de Justiça Criminal do Ministério Público do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Renata Regina. Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3159, 24 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21155. Acesso em: 22 dez. 2024.

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