8 CONCLUSÃO
A respeito do que fora discutido acerca da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, bem como do dever de recorrer de ofício, pode-se concluir:
1) Até pouco tempo, os direitos e interesses do estado se confundiram com os direitos e interesses públicos, mas com o advento do estado democrático de direito, consubstanciado na CF/88, surgiram novas concepções de direito, tais como as de direitos difusos, transindividuais, coletivos; direitos e interesses públicos primários e secundários; dentre muitas outras, que acabaram por estabelecer uma nítida distinção entre o público e o estatal;
2) Existem duas distintas categorias de direitos e interesses públicos, quais sejam: primários e secundários; sendo que os primários devem, geralmente, prevalecer sobre estes últimos;
3) Os direitos e interesses públicos secundários somente podem prevalecer em relação aos primários diante de concreta ameaça à existência dos entes públicos e, portanto, frente ao risco de insubsistência da atual ordem jurídico-constitucional, o que, por sua vez, comprometeria a satisfação de outros direitos e interesses primários;
4) Os direitos e interesses públicos secundários somente podem prevalecer em relação aos interesses particulares disponíveis;
5) Diferentemente do que afirma a doutrina, os direitos e interesses públicos disponíveis não são aqueles que são disponibilizados por lei, mas, sim, os que, segundo a Constituição Federal, permitem a edição de norma jurídica a contrario sensu; destarte, a maioria dos direitos e interesses públicos é disponível e não indisponível, ao contrário do que hoje se acredita;
6) A indisponibilidade dos direitos e interesses públicos é superestimada atualmente, pois somente são verdadeiramente indisponíveis os direitos e interesses públicos que não podem ser contrariados por norma jurídica; e isso importa em um novo critério de classificação de direitos públicos em indisponíveis e disponíveis;
7) A indisponibilidade dos direitos e interesses públicos, geralmente, não se presta a justificar a interposição de recurso, pois que os direitos e interesses que se alegam indisponíveis são, na maioria das vezes, inteira e perfeitamente disponíveis;
8) Os advogados públicos não têm o verdadeiro dever de recorrer de ofício, mas, sim, compromisso com o princípio da legalidade e com a manutenção da ordem pública. Ademais, são dotados da faculdade de deixar de recorrer, desde que observem as normas jurídicas pertinentes ao assunto, a jurisprudência dominante, bem como fundamentem, devidamente, sua decisão e não incorram em improbidade no exercício de suas funções;
9) Existem casos em que a resistência a um pedido administrativo de um cidadão e ou a interposição de recurso contra decisão judicial que resolveu atender sua pretensão, implicam em violação direta do princípio da dignidade humana, o que avilta a legitimidade de qualquer ente público.
Não pretende este modesto e ligeiro ensaio declinar a última palavra acerca dessa matéria, mas certamente promoverá uma maior reflexão sobre o assunto e, talvez, assim contribua para a promoção da verdadeira justiça, tanto pela conscientização dos advogados públicos quanto pela recuperação de sua tão sacrificada autonomia funcional.
Mas, na pior das hipóteses, espera-se que o presente artigo resulte em uma argumentação menos cavilosa por parte daqueles que ainda pretendam usar o processo como um instrumento de destruição dos direitos mais elementares dos cidadãos.
9 REFERÊNCIAS
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.
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LEITE, Carlos Henrique Costa. A supremacia do interesse público sobre o privado e os conceitos jurídicos fundamentais de Wesley Hohfeld. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3069, 26 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20509>. Acesso em: 11 fev. 2012.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil Comentado. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
Notas
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.
[2] DIDIER JR., Fredie; ZANETTI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Salvador: JvsPodivm, 2009, Vol. 4.
[3] LEITE, Carlos Henrique Costa. A supremacia do interesse público sobre o privado e os conceitos jurídicos fundamentais de Wesley Hohfeld. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3069, 26 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20509>. Acesso em: 11 fev. 2012.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 47.
[7] DIDIER JR.; ZANETTI JR., 2009.
[8] DIDIER JR; ZANETTI JR., 2009, p. 36.
[9] MAZZILLI, 2011.
[10] Ibid.
[11] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
[12] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[13] MAZZILLI, 2011.
[14] GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de. Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um estado de justiça. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.
[15] Ibid.
[16] Ibid.
[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
[18] Ibid.
[19] DI PIETRO, 2001.
[20] JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
[21] CALAMANDREI, Piero. Troppi avvocati! Firenze: Della Voce, 1921.
[22] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Coordenadoria de Diretoria e Imprensa. STJ reconhece dever de ofício de procurador ao recorrer e afasta multa por litigância de má-fé. Disponível em: <stj. jusbrasil.com.br/noticias/2469967/stj-reconhece-dever-de-oficio-de-procurador-ao-recorrer-e-afasta-multa-por-litigancia-de-ma-fe>. Acesso em: 15 set. 2011.
[23] PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional, 2008.
[24]NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil comentado. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 125.