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Mundo proibido: histórico, vertentes e soluções para o tráfico de seres humanos e prostituição, sob a égide do Direito Internacional Público

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09/03/2012 às 14:35
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4. O MÉTODO UTILIZADO PELOS TRAFICANTES NO RECRUTAMENTO

Atualmente, podem ser apontados dois grandes casos envolvendo tráfico de pessoas e prostituição internacional no Brasil, os quais chamaremos para fins didáticos de “Conexões”: a Conexão Espanha e a Conexão Suriname. Passemos agora a discorrer de forma mais dedicada a cada um dos casos em análise.

A problemática da prostituição internacional envolvendo Brasil e Espanha pode ser considerada como sendo um antigo e funesto relacionamento entre os dois Estados. Principalmente nos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em muitas cidades mineiras, adolescentes e mulheres são aliciadas para trabalhar na prostituição local. Até este ponto, verificamos a existência de uma esfera local do crime de Rufianismo (art. 230, CP). Como veremos adiante, também na esfera nacional poderá incorrer o rufião em tráfico interno de pessoas para fins de prostituição (nova configuração trazida pela Lei 12015/2009). Logo, até este ponto o ilícito se configura meramente em âmbito interno do Estado.

Entretanto, após essa preliminar abordagem e aliciamento para prostituição em âmbito local, normalmente surge a figura do “aliciador internacional” (termo pelo qual passaremos a denominar a função mais básica da quadrilha de rufiões internacionais). O aliciador internacional é o posto mais baixo na hierarquia das quadrilhas que exploram a prostituição alheia em âmbito global. Na maioria dos casos, este indivíduo é caracterizado como um sujeito comunicativo, simpático e otimista em relação ao futuro e à “carreira” da menina aliciada. Pode ser homem ou mulher, sendo que esta normalmente é contratada pela quadrilha para inspirar maior confiança na mente da vítima, uma vez que um elemento feminino na quadrilha faz com que a jovem aliciada sinta-se segura em relação a seu futuro no exterior. Esta é um dos dois casos de aliciamento mais comuns: o da jovem que se prostitui já no Brasil, e é levada para o exterior, sendo ludibriada posteriormente e sujeitando-se à condição de escrava sexual no Estado que a recebe (na situação em análise, Espanha, portão de entrada para muitas jovens na Europa, em que muitas vezes apenas são mantidas transitoriamente, a fim de serem trasladadas para os países do Leste Europeu, onde serão ainda mais exploradas, caso em que muitas encontram a morte nos nefandos prostíbulos tchecos).

Outro caso, com uma abordagem ainda mais dissimulada, é o da mulher que não está na “vida” (termo utilizado entre as garotas de programa para se referirem ao seu trabalho), e recebe uma proposta de emprego no exterior, normalmente de garçonete, faxineira de hotéis ou empregada de boates sem relação com o proibido mundo da prostituição. Aceitando tais propostas, a mulher segue para o país em que o aliciador internacional indicou como sendo o local onde a mulher encontraria uma excelente oportunidade de emprego. Entretanto, a lamentável surpresa a aguarda no Estado que a recebe: ela é sequestrada pela quadrilha e mantida na casa de prostituição, e caso tente fugir seu destino será uma dolorosa morte.

Estes são os casos mais comuns de aliciamento de mulheres pelos rufiões internacionais, tanto na Conexão Espanha e na Conexão Suriname: apenas o destino modifica-se, pois as formas de atuação, aliciamento, intimidação e exploração das quadrilhas são extremamente semelhantes.

O caso de maior repercussão em termos de tráfico internacional de mulheres na atualidade é a Conexão Suriname. Tal caso tem seu início na cidade de Altamira, no estado do Pará. Considerada a maior cidade em extensão do mundo, Altamira também é uma das mais violentas do Brasil. Os tipos de ilícitos penais mais praticados nessa cidade são os que atingem a dignidade sexual humana, os denominados popularmente “Crimes Sexuais”: Estupro, Rufianismo, Pedofilia são realidades comuns dentro do universo criminal de Altamira. E nesta cidade paraense, tem início a Conexão Suriname, pelo que meninas aliciadas nas ruas de Altamira são enviadas a esse Estado, vizinho ao Brasil e discreto no que tange a comentários nos noticiários e na mídia brasileira, para serem escravizadas, na mais literal acepção da palavra. As jovens na maioria das vezes são aliciadas pelo primeiro modo apresentado: já são prostitutas nas ruas de Altamira, e o tráfico internacional de pessoas é apenas uma extensão de suas vidas como garotas de programa. Comumente o segundo modo de aliciamento é utilizado em mulheres entre 20 e 30 anos de idade, já plenamente capazes. Insistimos em mencionar essa ressalva para ressaltar que a quadrilha de rufiões internacionais não faz distinção entre menores ou maiores de idade, incorrendo em diversos delitos dentro do ordenamento jurídico penal brasileiro, como veremos adiante.

Uma vez pisando em território estrangeiro, os passaportes das vítimas são apreendidos por integrantes da quadrilha e as mesmas são levadas para as casas de prostituição da capital do país, Paramaribo, onde irão ser exploradas em um regime de escravidão por dívidas formal. Diga-se “formal” pelo fato de que tais dívidas não correspondem com a realidade, pois as vítimas para tudo que fazem nas casas de tolerância deverão pagar quantias superfaturadas, que são incluídas no “formulário da dívida” que cada uma delas possui. Muitas das vítimas, meninas de pouca formação intelectual e provenientes das mais baixas camadas socioculturais do Brasil, piamente acreditam que possuem dívidas, e que trabalhando na prostituição internacional, pagarão o que devem e serão libertadas! Outras, com mais idade, maturidade e experiência de vida, sabem que estão sendo exploradas e que devem fugir o mais rapidamente possível da casa de prostituição. Entretanto, para esses casos, a quadrilha utiliza-se de seguranças armados, e preparados para matar todas aquelas que tentem fugir para avisar às autoridades locais sobre o que ocorre dentro das boates de Paramaribo. Entretanto, extraoficialmente ousamos afirmar que, sendo o Suriname um país em que o Jogo é permitido (existem muitos cassinos em Paramaribo), e onde a prostituição é explorada livremente, às vistas das autoridades policiais locais, muitos dos integrantes dos quadros da Polícia são subornados pelas quadrilhas de rufiões internacionais. Tal prática deve ser intensamente reprimida, e o Direito Internacional Público possui supedâneos jurídicos para a repressão das condutas perpetradas por agentes públicos dos Estados que compõem a Sociedade Internacional: os Tratados de Garantias dos Direitos Humanos (visão internacionalista para os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana) devem ser rigidamente observados pelos membros da Sociedade Internacional, sob pena de receberem sanções dos demais Estados e de enfraquecerem as relações internacionais com determinados países que constituirão auxílio estratégico futuro. No caso do Suriname, notoriamente reconhecido como Estado de pouca expressão político-econômica internacional, o rompimento de relações com o Brasil constituiria séria punição pela omissa conduta realizada no tocante à exploração sexual de inúmeras brasileiras ludibriadas pelos fantasiosos e maléficos contos dos rufiões internacionais que atuam nesse país. São necessárias medidas mais enérgicas do que uma simples investigação criminal promovida pelo Ministério Público Federal: cremos que o Estado Brasileiro, através de seu Chefe de Estado (o Presidente da República), deve entrar em negociações com o governo do Suriname para implementar uma política de repressão ás condutas delituosas perpetradas em Paramaribo, ou mesmo em quaisquer outras cidades do país onde se abrigam as quadrilhas de traficantes de seres humanos.


5. SITUAÇÃO JURÍDICA DO “ESCRAVO MODERNO” NO EXTERIOR

Antes de quaisquer considerações acerca da temática em análise, devemos nos remeter a uma pequena classificação subjetiva acerca do tráfico de pessoas: como titular ativo desse crime encontra-se o rufião internacional, a quadrilha especializada no aliciamento e sequestro de crianças, adolescentes e jovens para trabalhar no proibido mundo da prostituição clandestina internacional; no polo passivo de tal relação, encontra-se o indivíduo desprotegido pelo Estado e que certamente será privado de sua dignidade ao se deixar seduzir pelas belas e mortíferas palavras do raptor. A partir do momento em que o titular passivo do crime de Tráfico Internacional de Pessoas para Fins de Prostituição (nova nomenclatura estabelecida pela recente Lei 12015/2009, da qual discorreremos mais adiante) adentra em território estrangeiro, encontra-se consumado o delito, e a vida desse sujeito nunca mais será a mesma.

Quando a vítima encontra-se em outro Estado, a praxe nesse ato delituoso é a retenção se seu passaporte, sua remessa para uma casa de prostituição local e a conjugação com os crimes de Sequestro e Cárcere Privado (art. 148 do Código Penal Brasileiro), e Redução à Condição Análoga a de Escravo (art. 149 do mesmo dispositivo). Ou seja, o crime torna-se complexo a partir do momento temporal em que a vítima adentra em território estrangeiro. Sob o pretexto de que a mesma será detida pelas autoridades locais caso tente fugir, ou mesmo utilizando-se do uso da violência para impedir sua fuga, a quadrilha de rufiões internacionais impede que a vítima escape da casa de prostituição em que se encontra. Por receio de que sua situação jurídica naquele determinado Estado seja irregular e enseje tratamento violento por parte das autoridades nacionais, ou mesmo por medo das atitudes violentas do rufião, o titular passivo do crime de Tráfico de Pessoas para Fins de Prostituição cede à coação e mantém-se no local; algumas vítimas ainda contam com a boa vontade de seus raptores para remitir a “dívida” que aquelas fizeram com estes (na verdade, tais dívidas não estimulam de forma alguma o seu “pagamento através da escravidão”, e tal atitude constitui-se como uma ofensa a todos os atuais Tratados relativos a Direitos Humanos pactuados na Organização das Nações Unidas, e mesmo em quaisquer outras Organizações Internacionais).

Pois então, a partir de tais considerações surge a dúvida sobre qual a situação jurídica da vítima do crime de Tráfico de Pessoas para Fins de Prostituição, a qual não possui passaporte nem visto consigo (os mesmos encontram-se retidos com a quadrilha), e nem sequer o mínimo de documentação para identificá-la (até mesmo porque, na maioria dos casos estudados, as vítimas do crime são mulheres jovens que residem em áreas de risco social, as quais não possuem o mínimo de instrução necessária para ter conhecimento dos documentos que as poderiam identificar, e muitas vezes são orientadas pelos raptores no sentido de deixarem em seu poder documentos ou objetos pessoais que as possam identificar antes de realizarem a funesta viagem internacional que as levará à escravidão sexual). Certa e inicialmente podemos afirmar que, por não possuírem identificação alguma, são consideradas estrangeiras irregulares nos países que as recebem, ensejando nesse caso o procedimento da Deportação: trata-se de procedimento administrativo em que estrangeiros irregulares em um país são remetidos ao seu Estado de origem, com o auxílio do consulado ou embaixada (em Estados que não possuam consulado do país de origem do deportado). Utilizando-se de uma concepção mais clara para o conceito em análise:

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“A Deportação ocorre quando se promove a retirada de estrangeiro que, ingressando no país ou neste se encontrando irregularmente, não se retirar voluntariamente no prazo que lhe for determinado. Na deportação não há prática de um crime por parte do estrangeiro e sim a não observância de determinados requisitos legais para sua permanência no Estado”(GUERRA, 2007, p. 169).

Cremos na situação da vítima de tráfico internacional de pessoas como estrangeiro irregular, principalmente pelo fato de que os raptores requisitam na maioria das vezes visto de turista para as vítimas, o qual expira-se em poucos meses e não permite exercício de emprego no país acolhedor; enquanto a realidade é a manutenção de cárcere privado por anos em um prostíbulo local (e, mesmo nos países que reconhecem a prostituição como profissão, tratam-se as vítimas da pior forma possível, como estamos a analisar no presente trabalho). Entretanto, como veremos agora, de forma alguma o tratamento dispensado a elas pelas autoridades locais deve ser violento ou ilegal.

Consideremos a hipotética situação da fuga de uma jovem das garras de seus raptores, no Suriname (um dos polos da exploração ilegal de prostituição de brasileiras no mundo). Caso a jovem consiga fugir da casa de prostituição onde compulsoriamente trabalha, o procedimento correto que ela deverá realizar será o de se dirigir ao posto policial mais próximo e relatar sua situação, como adentrou em território estrangeiro e de que forma foi tratada pelos seus raptores. Deverá contar das falsas promessas que escutou em seu país de origem, e que deseja retornar ao mesmo e fugir daquele real pesadelo o mais rápido possível. O que acontecerá daqui para frente, de forma bastante simplificada, é a remessa dela às autoridades competentes para acolhê-la naquele Estado, as quais reportarão a situação daquela jovem à Embaixada do Brasil no Suriname, que tomará todas as medidas necessárias para garantir seu retorno em segurança de volta para casa. Dependendo do país em que a vítima se encontre, talvez seja encaminhada para um centro de detenção provisória até que seja enviada de volta para seu país de origem (tal centro de detenção em nada se confunde com uma penitenciária; ainda que existam casos de centros de detenção com aparência bem relacionada a esse tipo de local nos EUA). Ou seja, percebe-se claramente que o procedimento será o mais correto possível e condizente com todos os acordos diplomáticos realizados entre o Brasil e o país em que se encontra a vítima (no exemplo em análise, no Suriname). Ela não será tratada com violência pelas autoridades locais: afinal de contas, trata-se da vítima de um crime, um ilícito penal que ambos os Estados querem extirpar de suas respectivas sociedades.

Portanto, com isso observamos que de forma alguma o tratamento dispensado a uma vítima do crime de Tráfico de Pessoas é violento. O Brasil é signatário de diversos Tratados que disciplinam questões sobre Direitos Humanos, muitos dos quais registrados na Organização das Nações Unidas, o que fornece um peso na Sociedade Internacional, notadamente nos países que também foram signatários de tais tratados. Entretanto, aproveitando-se da ignorância dos titulares passivos do ato delituoso, os criminosos manipulam suas mentes para fazê-los crer que estarão mais desprotegidos do lado de fora das casas de prostituição do que inseridos no ilegal regime escravocrata. Claro se mostra que em diversos casos, as vítimas acabam por descobrir que fugindo estarão livres da quadrilha, mas para tais situações os rufiões internacionais também resguardaram seus interesses, ao promover atos de extrema violência a todas as vítimas que intentem escapar do cárcere privado que se personifica nas casas de prostituição, em que muitas vezes terminam em homicídios, para servirem de “exemplo” para os demais “escravos modernos”. Como veremos a seguir, foram necessários diversos dispositivos de caráter penal para qualificar as condutas ilícitas perpetradas pelos criminosos, a fim de ao menos sancionar suas atitudes de forma correta e rígida, de acordo com os padrões jurídicos brasileiros.

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Sobre o autor
Divo Augusto Cavadas

Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal, Direito Tributário e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVADAS, Divo Augusto. Mundo proibido: histórico, vertentes e soluções para o tráfico de seres humanos e prostituição, sob a égide do Direito Internacional Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3173, 9 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21249. Acesso em: 22 nov. 2024.

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