6. AÇÕES SANCIONADORAS PARA O TRÁFICO ILEGAL DE SERES HUMANOS
Primordialmente, devemos realizar uma importantíssima ressalva no tocante à pátria legislação criminal acerca da temática do tráfico de pessoas: no corrente ano de 2009, entrou em vigor a Lei nº 12015/2009, a qual modificou significativamente os institutos do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2848, de 7 de Dezembro de 1940) relativos aos vetustos “Crimes Contra os Costumes”.
A primeira mudança a ser destacada refere-se ao próprio título supracitado, o qual atualmente denomina-se “Crimes Contra a Dignidade Sexual”. Entendeu o legislador nacional que o antigo Código Penal deve estar adequado aos novos paradigmas constitucionais, representando a ascensão do chamado “Direito Penal-Constitucional” ou “Direito Penal das Garantias”; logo, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deve atingir de forma direta o diploma sancionador dos crimes sexuais, a saber, o Código Penal. Logo, modificou-se a denominação da ordenação a fim de adequá-la à realidade Neoconstitucional. Para muitos, a mera mudança de denominação pode não possuir aplicação no campo dos fatos, mas para os estudiosos e intérpretes do Direito, significativa e notadamente importante foi a citada modificação.
Além dessa, outras notáveis criações da Lei 12015/2009 foram, a saber, a modificação do instituto do crime de Tráfico Internacional de Pessoas (que agora se denomina “Tráfico Internacional de Pessoas para Fim de Exploração Sexual”, inserindo-se a elementar do tipo na descrição penal típica) e o denominado “Estupro de Vulnerável” (modificação oportuna para encerrar discussões acerca da presunção de estupro em menores de 14 anos, o que se configurará de extrema importância no tocante à prostituição de crianças e adolescentes).
Sob a égide da Lei 12015/2009, e com as necessárias e corretas atualizações, listam-se os principais institutos sancionadores, nacionais e internacionais, referentes aos crimes de Exploração da Prostituição Alheia e Tráfico Internacional de Seres Humanos para Fins de Prostituição:
· Sequestro e Cárcere Privado (art. 148, CP), no que tange à prisão perpetrada nas casas de prostituição internacional às vítimas;
· Redução à Condição Análoga de Escravo (art. 149, CP), podendo incorrer em sua forma qualificada pelo §2º em caso da vítima ser criança ou adolescente;
· Favorecimento da Prostituição (art. 228, CP), no que tange à conduta praticada pelo aliciador internacional;
· Casa de Prostituição (art. 229, CP), pela existência do ambiente físico de dominação das vítimas, onde as mesmas compulsoriamente satisfazem à lascívia de outrem;
· Rufianismo (art. 230, CP), como pressuposto de toda a teleologia da atuação criminosa da quadrilha de rufiões internacionais;
·Tráfico Internacional de Pessoa para Fim de Exploração Sexual (art. 231, CP, com redação dada pela Lei 12015/2009), como específico instituto disciplinador das sanções impostas à quadrilha de traficantes de pessoas;
· Tráfico Interno de Pessoa para Fim de Exploração Sexual (art. 231-A), quando os criminosos incorrem no primeiro dos casos de aliciamento, desde que a vítima seja movimentada dentro do território nacional para trabalhar na prostituição em âmbito interno.
· Declaração Universal de Direitos Humanos (1948): basilar diploma internacional, fundamenta toda a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) na defesa dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, e serve de paradigma a todos os governos dos Estados que compõem a Sociedade Internacional para que os mesmos observem atentamente ao princípio comezinho de qualquer Estado Democrático de Direito. A exploração da prostituição alheia mediante ameaças, intimidações e redução à condição de escravidão da vítima pode ser considerada uma afronta a todos os valores do Direito Internacional no que concerne às instituições de Direitos Humanos, representadas essencialmente pela Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948.
· Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas: tratado realizado no seio da ONU, destaca pormenorizadamente a problemática da prostituição internacional ilegal, cujas vítimas são especialmente mulheres e crianças, e tenciona estabelecer uma política repressiva nos Estados componentes da Sociedade Internacional que sofrem com a ocorrência dessa espécie delituosa, cujo gênero é o dos Crimes Sexuais, promulgado no Brasil sob a forma do Decreto Nº 5017, de 12 de Março de 2004.
Certo se afirma que o rol supracitado de nenhuma forma esgota a quantidade de diplomas jurídicos que legitimam o repúdio e incentivam a repressão contra o crime de tráfico de seres humanos (diversas convenções, tratados e acordos ratificados pelo governo brasileiro no âmbito da OEA e de outras organizações internacionais atestam a simpatia de nossa democracia pela valorização da dignidade humana). Entretanto, como a maioria dos institutos do Direito Internacional Público, o Estado brasileiro ainda não criou mecanismos necessários para materializar uma política criminal eficiente contra o tráfico de pessoas. O Ministério Público Federal cuida especialmente do tráfico internacional de seres humanos, enquanto tenta conscientizar a comunidade acadêmica nacional e a população com maior esclarecimento educacional a promover uma mobilização de condutas convergentes na repulsa ao rufianismo e ao tráfico internacional de mulheres. Os Ministérios Públicos Estaduais, e principalmente nas cidades que convivem com o lamentável título de polos do “turismo sexual” como o Rio de Janeiro, atuam intensamente junto às DEAM (Delegacias de Atendimento à Mulher) e às DPCA (Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente) para reprimirem os Crimes Contra a Dignidade Sexual cometidos inclusive contra crianças. Entretanto, o que se verifica é uma total falta de conscientização pública para o tema, como na maioria das relevantes problemáticas no Brasil: o governo não incentiva parcela da população (no caso em análise, as prostitutas), e o número de tal grupo tende a aumentar e a incidência dos crimes possui tendências de intensificação a cada dia que passa.
O esforço empreendido pelos órgãos jurisdicionais e policiais têm obtido significativos resultados, mas não é apenas necessária uma atuação meramente repressiva e discreta: deve-se divulgar ao povo brasileiro informações sobre a brutal, horrenda e lamentável realidade de mulheres que são enganadas por falsas esperanças de mudanças da miserável vida que levam em zonas de risco social ao redor do Brasil, e que, ao chegarem em território estrangeiro, são despidas de toda e qualquer dignidade ao se submeterem ao regime de escravidão sexual dos prostíbulos controlados pelas quadrilhas de rufiões internacionais. Seja no Suriname, na Espanha, na República Tcheca ou em qualquer lugar do mundo, sempre ocorrerão similares violações aos Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana (os internacionais “Direitos Humanos”), ferindo todo e qualquer ordenamento jurídico dos Estados Civilizados, lembrando obscuros e nefastos períodos da história da humanidade, nos quais a vida humana valia tanto quanto um mero pedaço de pão. É necessário, pois, empreender esforços através de Tratados Internacionais, e mobilizar atuações das polícias federais de cada Estado juntamente com a Interpol, a fim de descobrir em que partes do globo escondem-se as grandes quadrilhas do tráfico internacional de pessoas, pois é notória a estratégia de que, derribando-se a cabeça da criatura, o restante de seu corpo torna-se mais fácil: da mesma forma, quando forem desarticuladas as grandes organizações criminosas que controlam a prostituição internacional ilegal, o restante do esquema será exposto e repreendido.
7. CONCLUSÃO
O reduzido número de trabalhos propostos para os cursos de graduação em Ciências Jurídicas sobre a atual temática do tráfico internacional de seres humanos, notadamente no âmbito da prostituição internacional, nos possibilitou uma explanação com um menor número de citações dos doutrinadores do Direito Internacional. Desejávamos ter contribuído com um número maior de trechos encontrados em reconhecidas obras do gênero que expõem o grande saber dos juristas internacionalistas; entretanto, de certa forma se constituiu como benefício para a originalidade do trabalho institucional em questão, e esperamos que o mesmo tenha contribuído para situar o leitor em uma pequena introdução ao tema do tráfico de pessoas.
Como visto no decorrer do trabalho, o tema possui colossal interdisciplinaridade com diversos ramos do Direito e da Sociologia, em especial com o Direito Penal-Internacional e com o estudo dos Tratados. Infelizmente, a Organização das Nações Unidas não cuida da problemática com tanto vigor como gostaríamos que fosse, por diversos motivos especulativos que não nos cabe descrever em um trabalho acadêmico embasado em fatos concretos. Discutir a conveniência de determinados governos em não implementar políticas públicas pra solucionar determinadas transgressões sociais não é matéria cabível ao Direito Internacional Público, mas à Sociologia ou Ciência Política. Logo, o que podemos fazer é demonstrar nosso descontentamento com a atual situação em que se encontra a disciplina internacional no tocante ao Tráfico de Pessoas, e pleitear que a ONU destaque uma maior quantidade de tempo para tratar de assuntos relativos aos crimes contra os Direitos Humanos, uma vez que o tráfico humano é apenas uma das pedras da pirâmide de afrontas que esses fundamentais direitos têm sofrido ao longo dos últimos anos. Cremos ser assunto mais válido e imediato a implementação de políticas públicas a fim de solucionar a lamentável situação em que se encontram determinados Estados no globo no âmbito do respeito e observância dos Direitos Humanos, do que discutir questões institucionais, como indicações para novos membros permanentes no Conselho de Segurança, as quais merecem atenção mais demorada e terminam por se constituir o centro das atenções na mídia sobre as ações promovidas pela magna Organização Internacional. Não apenas no âmbito externo devem ser promovidas políticas repressivas (no que tange ao desmantelamento de grupos criminosos especializados no tráfico de seres humanos); também no Direito Interno e nas instituições jurídicas nacionais de cada Estado da Sociedade Internacional devem ser promovidas mudanças no sentido de intensificar o combate a essa horrenda atrocidade contra a vida humana. Felizmente verificamos recentemente essa preocupação por parte do legislador pátrio, ao redimensionar todo o vetusto título dos “Crimes Contra os Costumes”, formulando uma moderna sistematização das sanções penais contra os novos “Crimes Contra a Dignidade Sexual”. Ansiosamente esperamos que tal mudança também se reflita no campo da efetividade social, pois a produção de leis apenas formalmente efetivas não deve ser uma marcante característica do Direito Brasileiro: é necessária uma maior conscientização da sociedade civil para que a mesma esteja a par das mudanças legislativas, para que seu próprio comportamento se modifique frente a determinadas situações que atualmente constituem práticas delituosas.
Portanto, constitui-se como essencial e extremamente relevante a importância oferecida para a problemática do Tráfico de Pessoas; verifica-se imediatamente que, caso as corretas disposições no sentido de evitar tamanha transgressão aos Direitos Humanos (a saber, ratificação de Tratados promovendo a íntima relação entre os corpos policiais de Estados atingidos pelo problema, passiva ou ativamente) não sejam feitas, poderá se desencadear em longo prazo instabilidade política na sociedade internacional, o que em nada é benéfico para nosso planeta.
BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA
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Notas
[1] REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 12ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2010.