Resumo: O presente trabalho tem como principal objetivo analisar a responsabilidade civil do empregador aos casos de doenças decorrentes de inadequadas condições laborais. Inúmeros fatores têm desencadeado uma maior preocupação com o meio ambiente do trabalho. A conscientização de que um meio ambiente saudável e equilibrado é requisito imprescindível à conservação do nosso bem maior, a vida, e o expressivo número de doenças ocupacionais que vem acometendo os trabalhadores refletem a importância do tema, bem como suscitam a discussão acerca da responsabilidade civil do empregador nestes casos. Tendo em vista o disposto no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, que não exige a comprovação da culpa na responsabilização pelo dano ambiental, questiona-se se não estaria o empregador, nos casos de ocorrência de doença do trabalho, também sujeito à responsabilidade civil objetiva, mormente por dispor expressamente o artigo 220, VIII, da Carta Magna estar o meio ambiente do trabalho compreendido no conceito de meio ambiente.
Palavras-chave: meio ambiente do trabalho, doença ocupacional, responsabilidade objetiva.
Sumário: Introdução. 1. Meio Ambiente do Trabalho. 1.1 Histórico da Proteção Jurídica ao Meio Ambiente do Trabalho saudável. 1.1.1 No Mundo. 1.1.2 No Brasil. 1.2. Conceito de Meio Ambiente do Trabalho. 1.3 Meio Ambiente do Trabalho: direito fundamental. 1.4 Meio Ambiente do Trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana. 1. 5 Proteção Constitucional á Saúde e à Segurança no Meio Ambiente do Trabalho. 1.6 A Tutela do Meio Ambiente do Trabalho em Normas Infraconstitucionais. 1.7 Reflexos do Meio Ambiente do Trabalho na qualidade de vida do trabalhador. 1.8 Meio Ambiente do Trabalho equilibrado. 2. Doença Ocupacional. 2.1 Histórico das Leis Acidentárias. 2.2 Conceito. 2.3 Nexo Técnico Epidemiológico. 2.4 Entidades Excluídas do conceito de Doença Ocupacional. 2.5 Acidente típico. 2.6 Estatísticas acerca das doenças ocupacionais. 2.7 Fatores contributivos ao desencadeamento das doenças ocupacionais. 2.7.1 Dispersão da Responsabilidade do Estado. 2.7.2 Instabilidade no Emprego. 2.7.3 Falta de conscientização. 2.8 Medidas Preventivas. 3. Responsabilidade Civil do Empregador. 3.1 Noções básicas. 3.2 Evolução da Responsabilidade Civil. 3.3 Espécies de Responsabilidade Civil. 3.3.1 Subjetiva. 3.3.2 Objetiva. 3.4 Danos decorrentes das doenças ocupacionais. 3.3.1 Danos Materiais. 3.3.2 Danos Morais. 3.3.3 Danos Estéticos. 3.5 Nexo Causal.3.5.1 Concausalidade. 3.5.2 Excludentes do Nexo Causal. 3.6 Culpa. 3.7 Teoria do Risco. 3.8 Responsabilidade Civil por Danos Ambientais. 3.9 Aplicabilidade da Responsabilidade Objetiva às doenças do trabalho. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho surgiu após reflexão sobre as profundas transformações nas relações sócio-laborias que vêm afetando diretamente a segurança e a integridade física dos trabalhadores.
Verifica-se, atualmente, uma crescente evolução dos meios tecnológicos, exigindo dos trabalhadores a constante adaptação às novas situações laborais, o que tem acarretado ao empregado uma maior exposição aos riscos ocupacionais, sobrecarga de trabalho, insatisfações, tornando o labor uma das principais fontes de agressão à saúde do obreiro.
Outrossim, as alarmantes estatísticas de doenças ocupacionais ocorridas no Brasil têm tornado nosso país um dos recordistas em infortúnios laborais, o que reflete a relevância da presente pesquisa.
Contrapondo a essa realidade nefasta do meio ambiente laboral, verifica-se que a CRFB/88 estabeleceu que a República Federativa do Brasil possui como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV). A norma constitucional também preceitua, dentre os direitos mínimos do trabalhador, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho” (art. 7º, XXII), cabendo ao poder público e à coletividade defender o ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado (art. 225).
Inobstante os avanços legislativos e os novos e eficientes mecanismos de proteção ao meio ambiente de trabalho, paradoxalmente, tem-se verificado na prática um aumento crescente do número de reclamações trabalhistas pleiteando a responsabilização civil do empregador por doenças ocupacionais.
A problemática existente entre a realidade fática do ambiente laboral e os preceitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, impulsionou este estudo, cujo objetivo é identificar os danos sofridos pelos obreiros em razão de um meio laboral inadequado, e assim analisar a questão da responsabilidade patronal.
Diante desta realidade, o presente trabalho buscará elucidar a importância de um meio ambiente do trabalho equilibrado para a saúde do trabalhador, bem como demonstrar a aplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva aos casos de doenças do trabalho.
Para tanto, o método de pesquisa utilizado no desenvolvimento do presente trabalho monográfico foi o hipotético-dedutivo, com ênfase na obra Indenizações por acidente de trabalho e doenças ocupacionais, de Sebastião Geraldo de Oliveira.
Buscou-se, ainda, colher as mais recentes decisões jurisprudenciais do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região sobre o assunto, com o intuito de demonstrar a divergência existente em torno do tema entre as turmas daquela Casa, bem como analisar o novo posicionamento que vem se firmando.
Para melhor compreensão do tema, o presente trabalho está estruturado em três capítulos.
O primeiro aborda a questão do meio ambiente do trabalho, no qual será desenvolvido o estudo histórico da proteção jurídica ao meio ambiente do trabalho, sua tutela na legislação constitucional e infraconstitucional e, principalmente, seus reflexos na qualidade de vida do trabalhador.
O segundo capítulo trata do estudo das doenças ocupacionais, iniciando-se pela evolução histórica dos diversos sistemas de proteção à saúde do obreiro, suas espécies, elementos e fatores potencializadores.
Por fim, o terceiro capítulo prioriza o estudo da responsabilidade civil do empregador definindo os elementos caracterizadores desta responsabilização, suas espécies e culminando com a análise de qual das teorias existentes seria a mais adequada aos casos de doenças ocupacionais, levando-se em conta, principalmente, os princípios constitucionalmente assegurados aos trabalhadores e o tratamento despendido pela Constituição Federal à reparação dos danos ambientais.
1. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
O primeiro capítulo deste trabalho é dedicado ao estudo do meio ambiente do trabalho, iniciando-se por um breve relato histórico acerca da origem da preocupação com a saúde e segurança do trabalhador em seu meio ambiente do trabalho, demonstrando sua proteção na Constituição Brasileira de 1988 e nas leis infraconstitucionais e culminando com a análise do importante papel que seu equilíbrio representa à saúde e segurança no trabalho.
1.1 Origem Histórica da Proteção Jurídica ao Meio Ambiente de Trabalho Saudável
1.1.1 No mundo
O meio ambiente de trabalho sofreu profundas transformações a partir da Revolução Industrial, ocorrida em meados do século XVIII. Com ela surgiu uma nova classe de operários, classificados como proletários, submetidos a degradantes condições de trabalho e novas formas e técnicas de produção.
Com advento da revolução industrial houve significativas mudanças no cenário até então vivido pelos trabalhadores. O incremento da produção em série deixou à mostra a fragilidade do homem na competição desleal com a máquina. Ao passo em que se verificava a expansão capitalista e, consequentemente, o aumento dos lucros de um lado, paradoxalmente, convivia-se com a crescente miséria que assolava a classe trabalhadora.1
Contando com a sorte ou com o instinto de sobrevivência, cabia ao próprio trabalhador zelar pela sua defesa diante do ambiente de trabalho agressivo e perigoso, porque as engrenagens aceleradas e expostas das engenhocas de então estavam acima da saúde ou da vida desprezível do operário.
Segundo as concepções da época [o laissez-faire], os acidentes, as lesões e as enfermidades eram subprodutos da atividade empresarial e a prevenção era incumbência do próprio trabalhador.2
A revolução industrial caracterizou-se pela produção industrial em grande escala voltada para o mercado mundial, o aumento da produção significou também um crescimento no número de desempregados. As máquinas foram gradativamente substituindo a mão-de-obra humana3.
A primeira fase da Revolução Industrial foi marcada pelo aparecimento da máquina a vapor e pelo desenvolvimento da indústria têxtil. A abundância de mão-de-obra neste período ocasionou o barateamento dos custos de produção, gerando lucros elevados, os quais eram reaplicados no aperfeiçoamento tecnológico e produtivo 4.
A principal característica deste momento histórico foi a divisão do trabalho. Para maximizar o desempenho dos operários, as fábricas subdividiam a produção em várias operações e cada trabalhador executava uma única parte, sempre da mesma maneira.
A segunda fase da Revolução Industrial, por sua vez, iniciou-se em 1850. Dando início a um processo de industrialização em ritmo acelerado, envolvendo os mais diversos setores da economia, com a difusão do uso do aço, a descoberta de novas fontes energéticas, como a eletricidade e o petróleo, e a modernização do sistema de comunicações5.
A grande inovação trazida pela 2ª Revolução Industrial foi a introdução de outras tecnologias para otimizar a produção, além da máquina a vapor, passaram a existir a eletricidade e o petróleo. As novas fontes de energia possibilitaram o desenvolvimento de máquinas e ferramentas que fomentaram ainda mais a produtividade. Com essas inovações tecnológicas, algumas indústrias subverteram o modo de produção tradicional agregada ao pensamento do engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor.
Em 1903, Taylor desenvolveu a técnica de racionalização do movimento, ou seja, analisou e controlou a ação do operário e da máquina em funções específicas, para serem aperfeiçoadas. Acreditando que o aperfeiçoamento se conquista com a especialização, ele propôs a divisão do trabalho em tarefas específicas, com execução repetitiva e contínua, no ritmo da máquina - motivo que o levou a receber críticas de robotizar o operário, limitar drasticamente sua expressão, impedi-lo de criar e participar do processo de produção. Contudo, os industriais não dispunham de mão-de-obra qualificada. Os trabalhadores eram imigrantes analfabetos de países distintos e sequer falavam o mesmo idioma.6
Para que as ideias fossem aceitas na classe operária, as indústrias começaram a premiar os empregados que aumentassem o número de peças produzidas para além da média. Taylor encontrava-se com os responsáveis e chefes das indústrias para tentar convencê-los a deixar a produção tradicional e adotar o novo procedimento. Logo suas ideias foram aceitas pelas indústrias americanas e de todo o mundo.7
Para Taylor, a administração das empresas deveria constituir objeto de estudo baseado em critérios científicos e planejamento das ações como instrumentos de combate ao desperdício de tempo dos operários no momento da produção, a fim de obter maior produtividade e lucro empresarial.
Henry Ford, na primeira metade do século XX, coloca em prática as teorias de Taylor, lançando a produção em série, depois seguida por Alfred Sloan, da General Motors. Ao contrário da produção artesanal, nessa concepção o cliente não tem escolha. Os fabricantes elaboram produtos para suprirem o gosto do maior número de pessoas possíveis.
O fordismo, aperfeiçoando os princípios do taylorismo, visava à produção racional em massa, a qual inovou a indústria automobilística na primeira metade do século XX, tendo seu auge na metade da década de 1950 até o final da década de 1960.
O objetivo principal deste sistema era reduzir ao máximo os custos de produção e assim baratear o produto, podendo vender para o maior número possível de consumidores. Desta forma, dentro deste sistema de produção, uma esteira rolante conduzia o produto, no caso da Ford, os automóveis, e cada operário executava uma pequena etapa. Logo, os empregados não precisavam sair do seu local de trabalho, resultando numa maior velocidade de produção. Também não era necessária a utilização de mão-de-obra muito capacitada, pois cada trabalhador executava apenas uma pequena tarefa dentro de sua etapa de produção.8
O fordismo foi o sistema de produção que mais se desenvolveu no século XX, sendo responsável pela produção em massa de mercadorias das mais diversas espécies. 9
Enquanto para os empresários o fordismo foi muito positivo, para os trabalhadores ele gerou alguns problemas como, por exemplo, trabalho repetitivo e desgastante, além da falta de visão geral sobre todas as etapas de produção e baixa qualificação profissional. O sistema também se baseava no pagamento de baixos salários como forma de reduzir custos de produção.
Na produção em série da Ford ainda havia muito desperdício de matéria prima e tempo de mão-de-obra na correção de defeitos do produto. Essa estrutura durou até o final da Segunda Guerra Mundial, quando, também numa fábrica de automóveis, no Japão, aparece um outro sistema de produção - o toyotismo, que se caracterizou pela concepção enxuta. Esse novo modo de pensar a produção sofreu forte influência do engenheiro americano W. Edwards Deming, que atuou como consultor das forças de ocupação dos EUA no Japão após a Segunda Guerra. Deming argumentava com os industriais da nação quase em ruínas que melhorar a qualidade não diminuiria a produtividade.10
O Toyotismo, surgido no Japão, seguia um sistema enxuto de produção, reduzindo custos e garantindo melhor qualidade e eficiência ao sistema produtivo.
A proposta era de que o próprio consumidor escolhesse seu produto. O estabelecimento ou a fábrica deixaria de empurrar a mercadoria para o cliente, para que este a puxasse de acordo com as suas próprias necessidades.
Ao contrário do sistema de massa, essa outra concepção de produção delega aos trabalhadores a ação de escolher qual a melhor maneira de exercerem seus trabalhos, assim eles têm a chance de inovar no processo de produção. Com isso, o trabalhador deve ser capacitado, para qualificar suas habilidades e competências, que antes não eram necessárias. Dessa forma, os industriais passaram a investir na melhoria dos empregados, dentro e fora das indústrias.11
A Toyota ao romper com a produção em série, possibilitou o oferecimento de um produto personalizado ao consumidor. As ferramentas utilizadas eram de acordo com cada proposta demandada pelo cliente. Inclusive, passaram a ser produzidos automóveis com larga escala de cores, sem gerar custos adicionais.
Paralelamente a esse processo de desenvolvimento das indústrias, ocorreu o crescimento da população. As instalações das unidades produtivas provocaram uma concentração desordenada dos espaços que resultou na construção de prédios, casas e galpões. A formação do meio ambiente urbano gerou a imediata necessidade de criação de novas formas de produção e distribuição de água, alimentos, energia e transporte. Dessa maneira, o resultado global foi um grave desequilíbrio ecológico no planeta.
Comprova-se a degradação ambiental desenfreada com o pensamento dominante na época, típico do capitalismo que se instalava, de que o desenvolvimento de um país era medido pela quantidade de chaminés e fumaça que delas saíam, ou seja, quanto mais fumaça, mais desenvolvimento.12
Acreditava-se que o desenvolvimento tecnológico e econômico seria a solução para combater a crescente miséria da população, e, erroneamente, que os recursos naturais seriam infinitos, sendo a natureza subjugada pelo homem. As doenças ocupacionais, os sombrios ambientes de trabalho, os acidentes fatais na construção civil e nas fábricas decorrentes da falta de qualificação técnica no manuseio das máquinas e a falta de proteção por parte dos trabalhadores agravavam ainda mais a situação.13
Verificou-se, posteriormente, que tal pensamento estava totalmente equivocado, uma vez que a miséria e o desemprego cresceram e todos – empregadores e trabalhadores – sofreram as consequências da degradação ambiental.
O aspecto positivo da Revolução Industrial, corroborada pelo avanço desenfreado do capitalismo, foi o desenvolvimento tecnológico significativo, o qual desencadeou o surgimento das cidades e incorporou a ciência e a tecnologia ao processo produtivo, assim como a adoção de novas bases materiais de produção, novas formas de gestão e organização do trabalho; despertou-se para a questão social envolvida e a sua finalidade tutelar, ou seja, a promoção da dignidade dos seres humanos, no caso, de todos os operários (homens, mulheres e crianças) que sacrificavam suas vidas nas indústrias.14
O professor e teólogo, LEONARDO BOFF, em um de seus trabalhos ecológico-filosóficos, afirma com propriedade que:
Desde doze mil anos antes de Cristo, todas as sociedades históricas foram energívoras, consumindo de forma sistemática e crescente as energias naturais. No entanto, a sociedade moderna está estruturada ao redor do eixo da economia, entendida como arte e técnica da produção ilimitada de riqueza mediante a exploração dos ‘recursos’ da natureza e da invenção tecnológica da espécie humana. Por conseqüência, nas sociedades modernas a economia não é mais entendida em seu sentido originário como gestão racional da escassez, mas como a ciência do crescimento ilimitado.15
Atualmente, com o advento da globalização, os trabalhadores transformaram-se em atores ou personagens num palco de transformações históricas radicais no que tange à mão-de-obra, notadamente a industrial, decorrentes da automação e da informatização.
Acrescenta-se a essa nova realidade, um crescente desemprego, decorrente do dumping social, no qual a sociedade mostra-se descontente diante das possibilidades de uma democracia política teórica e ineficaz. Diante do quadro formado, prolifera, a cada dia, o trabalho informal, em todos os centros urbanos, nos quais a segurança, a saúde e o meio ambiente de trabalho digno são relegados a um plano totalmente secundário.16
1.1.2 No Brasil
Os cuidados com a saúde e com o bem-estar do trabalhador, certamente, e, principalmente, no Brasil, estão muito longe do que seria o ideal, contudo, pode-se admitir que, com o passar do tempo, os direitos trabalhistas vêm, gradativamente, sendo mais respeitados.
Em que pese às melhoras significativas conquistadas pelos trabalhadores, tem-se que tais avanços não são absolutos. Infelizmente, ainda existem muitos trabalhadores submetidos a regime de escravidão ou condições subumanas.
Ao longo da história brasileira, deixou-se para trás a visão de que bastava garantir a nutrição do trabalhador para se alcançar a produtividade e com o advento da industrialização dos meios de produção passou-se a dar importância à relação existente entre certas atividades laborais e algumas enfermidades. A dicotômica relação trabalho-saúde passou a ser enfrentada sob a ótica da Saúde Pública e à luz da Medicina Legal.17
O local onde o trabalho era executado passou a ser o foco de pesquisas e análises, a fim de se averiguar se este era realmente o favorecedor das doenças. Os resultados práticos alcançados pelas medidas tomadas pela administração pública foram favoráveis à melhoria nas condições ambientais do trabalho.
Como bem assinala Liliana Allodi Rossit18, os principais acontecimentos históricos referentes à atenção concedida pelo Poder Público brasileiro à relação existente entre a saúde dos trabalhadores e suas atividades laborais foram:
-
a) o Estado Brasileiro, entre o final do século XIX e o início do século XX, passa a preocupar-se com doenças epidêmicas e infecciosas como a cólera e a febre amarela, o que culminou com a importância dispensada pelo cientista Oswaldo Cruz à saúde nos portos. Todavia, os efeitos práticos dessa preocupação sanitária existiram de maneira escassa não havendo grande interesse por parte da classe médica em desenvolver trabalhos nesse sentido;
b) entre 1911 e 1919, alcança-se a marca de aproximadamente cinquenta por cento de empresas fornecedoras de serviço médico aos seus trabalhadores, no entanto, a preocupação real continuava sendo com a produtividade, haja vista que à necessidade de concessão desse benefício médico era dada a mesma importância que à substituição de peças em equipamentos, por exemplo;
c) é aprovado o Decreto Legislativo n. 3.724, primeira lei de acidentes do trabalho, em 1919. À época, a Medicina Legal começa a abordar o tema das doenças profissionais iniciando-se estudos sobre a infortunística conceituada como “[...] parte da Medicina Legal que estuda os infortúnios ou riscos industriais, sejam agudos, físicos e químicos, propriamente acidentes do trabalho, sejam subagudos ou crônicos, tóxicos ou biológicos, as doenças profissionais” 19;
d) Carlos Chagas cria, em 1920, o Departamento Nacional de Saúde Pública que era também voltado à abordagem das questões de higiene industrial e profissional. O referido departamento concentrava as atividades de regulamentação e fiscalização do cumprimento de normas de higiene recomendadas;
e) em 1930, início da Era Vargas, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio pelo Decreto n. 19.443, de 26 de novembro do mesmo ano, as questões relativas à higiene e segurança do trabalho passam a ser da alçada deste órgão, enquanto as questões de saúde pública passam a ser tratadas pelo Ministério da Educação e Saúde;
f) a Consolidação das Leis do Trabalho é aprovada em 1943, vindo a servir como instrumento basilar às Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho, importantes por prestigiarem a prevenção aos acidentes e instituídas 35 anos depois, pela Portaria n. 3.214, de 08 de junho de 1978;
Observa-se, destarte, que a existência ou não da intervenção estatal nas questões de saúde e segurança dos trabalhadores – no sentido de que fosse reconhecido o direito ao exercício de atividades laborais sem o comprometimento de um dos mais importantes bens da vida: a saúde – está diretamente ligada ao processo de industrialização pelo qual passou o país e o mundo, como assevera Liliana Rossit:
Como se observa, a acelerada evolução da tecnologia industrial levou à necessidade de intervir nos locais de trabalho, acarretando o surgimento da saúde ocupacional, com a ampliação da atuação médica direcionada ao trabalhador, como também a intervenção no ambiente, com a finalidade de controlar riscos ambientais, sob a ótica da saúde e sob a influência das escolas da Saúde Pública. Esse novo instrumental, aliado aos estudos epidemiológicos internacionais, permitiu nova abordagem quanto à saúde do trabalhador, com técnicas de investigação mais sensíveis, que possibilitaram que os danos à saúde fossem detectados em um número maior de trabalhadores, não limitada à observação clínica individual.20
Pelo conciso relato histórico acima, conclui-se que a melhoria nas condições de trabalho coincidiu com a inquietação relativa à saúde físico-psíquica do trabalhador, tratada como questão de saúde pública, quando, na verdade, o enfoque da questão está na tutela do meio ambiente do trabalho e, consequentemente, na proteção da saúde e segurança de quem labora.
1.2 Conceito de Meio Ambiente do Trabalho
O conceito de meio ambiente constou, pela primeira vez, legalmente, no artigo 3º, inciso I, da Lei n. 6.938/91 – que trouxe vários conceitos referentes ao meio ambiente em si, a sua definição legal e instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente – o qual prescreve que “meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”
Observação se faz para o fato de que a Constituição Federal de 1988 não conceituou o que é meio ambiente, mas foi a primeira Constituição, dentre as outras sete anteriores, a possuir um capítulo destinado exclusivamente ao meio ambiente, conforme se denota do Capítulo VI – Do Meio Ambiente (artigo 225), inserido no Título VIII – Da Ordem Social.
O ambiente laboral é componente do regime sistemático do meio ambiente como um todo21 e tudo que esteja relacionado à sadia qualidade de vida – direito fundamental do homem, tem ligação com o meio ambiente e integra o seu conceito.22
A definição de meio ambiente de trabalho em tela não se limita apenas ao trabalhador que possui uma carteira profissional de trabalho – CTPS – devidamente assinada e registrada. A definição geral do meio ambiente de trabalho deve ser ampla e irrestrita, envolvendo todo trabalhador que desempenha uma atividade, remunerada ou não, porque todos estão constitucionalmente protegidos em relação ao ambiente de trabalho adequado e seguro, necessário à digna e sadia qualidade de vida.
Recorre-se aos ensinamentos do mestre Fiorillo, quando conceitua o meio ambiente de trabalho, como:
[…] o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometem a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.23
Na visão de Mônica Maria Lauzid de Moraes:
Meio ambiente de trabalho é o local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividade profissional em favor de uma atividade econômica. O trabalhador participa de uma atividade econômica em interação com os meios de produção e toda infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da prestação laboral. Ao conjunto do espaço físico [local de prestação do serviço ou onde quer que se encontre o empregado, em função da atividade e à disposição do empregado] e às condições existentes no local de trabalho [ferramentas de trabalho, máquinas, equipamentos de proteção individual, etc – meios de produção] nas quais se desenvolve a prestação laboral denominamos meio ambiente do trabalho.24
José Afonso da Silva, por sua vez, apresenta a seguinte definição de meio ambiente do trabalho “[...] é um complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos provados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam”.25
O meio ambiente do trabalho constitui, na verdade, o local onde as pessoas permanecem grande parte de suas vidas, exatamente no período da plenitude de suas forças físicas e mentais, daí por que dizer-se que o trabalho determina o estilo de vida de cada indivíduo, influencia nas condições da saúde, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma de morte, pois se trata de uma atividade própria do ser humano na busca de sua sobrevivência ou de sua identificação com a natureza.
Como atividade laboral, que mantém a pessoa humana, na maior parte de sua existência, as condições do local são essenciais para o bem-estar, para a saúde e para a satisfação de viver do trabalhador. De acordo com essas condições, a sua dignidade poderá estar sendo ferida e sua sobrevivência comprometida.26
Desta feita, percebe-se a influência imediata do meio ambiente laboral na saúde do trabalhador, capaz de comprometer a saúde e qualidade de vida deste, quando não observados os padrões mínimos de condições de trabalho.
1.3 Meio Ambiente do Trabalho: Direito Fundamental
O meio ambiente é considerado como um direito fundamental de terceira dimensão, que são os direitos de solidariedade e fraternidade, como a paz no mundo, o desenvolvimento econômico dos países, a preservação do meio ambiente, do patrimônio comum da humanidade e da comunicação, os quais são imprescindíveis à condição humana e merecem a proteção do Estado e da sociedade em geral.
A saber, os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos. Os direitos de segunda dimensão são os sociais, econômicos e culturais, os quais servem para dotar o ser humano das condições materiais necessárias ao exercício de uma vida digna.
Diversos são os fatores que têm contribuído para a preocupação e estudos a respeito do meio ambiente do trabalho. Tal preocupação decorre, sobretudo, da conscientização de que o meio ambiente saudável e equilibrado é requisito essencial e imprescindível à conservação de nosso bem maior, a vida.
Nas palavras de Antonio Augusto Cançado Trindade:
O direito à vida é hoje universalmente reconhecido como um direito humano básico ou fundamental. É básico ou fundamental porque o gozo do direito à vida é uma condição necessária de gozo de todos os demais direitos humanos.27
Deste modo, pode-se afirmar que o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito fundamental da pessoa humana, na medida em que o respeito e proteção deste direito refletem indubitavelmente na preservação do direito à vida, sendo por este abrangido. A manutenção de um meio ambiente equilibrado tem por objetivo a qualidade de vida como instrumento para se preservar a própria existência de maneira digna.28
José Afonso da Silva corrobora com tal entendimento:
A proteção ambiental abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana.29
Ajustada a este anseio de preservação do meio ambiente e por maior qualidade de vida, a Constituição Federal prevê em seu artigo 225:
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Acerca do referido dispositivo, declara ainda José Afonso da Silva:
A qualidade do meio ambiente transforma-se, assim, num bem ou patrimônio, cuja preservação, recuperação ou revitalização se tornou num imperativo do Poder Público, para assegurar uma boa qualidade de vida que implica boas condições de trabalho, lazer, educação, saúde, segurança, enfim boas condições de bem estar do homem e de seu desenvolvimento.30
Conclui-se, portanto, que embora não esteja expressamente previsto no Capítulo I da CRFB/88, dedicado aos direitos e garantias fundamentais, o direito ao meio ambiente saudável é um direito fundamental, haja vista que seu equilíbrio é indissociável da noção de direito à vida.
1.4 Meio Ambiente do Trabalho e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O avanço do capitalismo globalizado dos séculos XX e XXI não priorizou soluções para as questões sociais e humanitárias, apenas valorizou e deu suporte ao avanço tecnológico e científico, os quais potencializam, cada vez mais, os riscos e acidentes nos ambientes de trabalho, além de prejudicar de forma direta a saúde do trabalhador e, principalmente, o equilíbrio no meio ambiente de trabalho.31
A mecanização dos meios de produção contribuiu sobremaneira para a degradação das condições do trabalho, o aumento dos acidentes e doenças ocupacionais.
Em que pese à vasta quantidade de normas dispondo sobre mecanismos de proteção à saúde do trabalhador, o que se verifica na prática é o completo descaso em relação a tais dispositivos legais. Enquanto algumas ainda dependem de regulamentação legal, outras, apesar de previsão legal constitucional, não são efetivamente cumpridas por seus destinatários, prejudicando, assim, o lado mais fraco e hipossuficiente, que é o trabalhador.
Diante de tais circunstâncias, a aplicação do princípio supremo da dignidade da pessoa humana é o meio necessário à proteção dos trabalhadores. Tal princípio deve ser aplicado em sua totalidade e de forma eficaz, com sentido de normatividade, cogência, e não de uma mera cláusula retórica, de estilo ou de manifestação de bons propósitos, mas sim, reitera-se, com caráter efetivo, garantindo a dignidade do trabalhador e o verdadeiro valor social do trabalho, de acordo com os ensinamentos prescritos no Diploma Maior de 1988.
Estabelece a Constituição Federal, na conjugação de seus artigos 1º, inciso III32, com o artigo 170, inciso VI33, que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, deve regrar-se pelos ditames de justiça social, respeitando o princípio da defesa do meio ambiente. Nota-se, pois, a preocupação do legislador com a interação homem versus trabalho.
A livre concorrência e a defesa do meio ambiente precisam ser aplicados de forma única e conjugada, prezando para que a ordem econômica esteja direcionada efetivamente à justiça social, fazendo jus ao princípio maior da dignidade da pessoa humana, principalmente no que tange ao meio ambiente de trabalho equilibrado.
Importante frisar que, para o êxito das medidas de prevenção aos danos ao meio ambiente – considerado o meio ambiente de trabalho –, é indispensável que o trabalhador tenha direito à: informação adequada sobre os riscos ambientais, os métodos, as condições de trabalho a que está sujeito etc.; formação mínima teórica e prática quando da sua contratação; apresentação de propostas ao empregador para eliminação dos riscos ambientais; possibilidade de deixar o local de trabalho quando presente risco grave e iminente para a sua saúde, com ressalva ao abandono de emprego, prescrito na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seu artigo 482, alínea “i”; e às medidas preventivas individuais e coletivas.
Em breve comparativo, nos Estados Unidos da América – EUA, a meta do legislador é de que o trabalhador, pela sua atividade profissional, não deve sofrer prejuízo algum para sua saúde, nem a diminuição da capacidade de trabalho ou expectativa de vida, demonstrando, assim, a valorização atribuída à vida humana neste país.34
Em contrapartida, no Brasil, a vida do trabalhador é valorada com base em percentagens atribuídas aos adicionais de risco, 10%, 20% ou 40% sobre o salário mínimo, se o obreiro labora em condições insalubres e 30%, se exerce alguma atividade periculosa.35
Dependendo da situação, o mesmo trabalhador poderá pleitear uma indenização por danos materiais e/ou morais. Enquanto nos EUA, para efeito de custo de uma vida, leva-se em conta o que o trabalhador deixará de produzir em benefício da economia nacional, aqui se considera o quanto terá o patrão que pagar de indenização.
Um modelo sugerido e que poderia ser adotado pelo nosso país é o utilizado pela Comunidade Européia desde a década de 90, qual seja, a aplicação de medidas para promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores nos locais de trabalho, tendo como princípio geral a adaptação do trabalho à pessoa, em particular no que diz respeito aos postos de trabalho, escolha de equipamentos e métodos de trabalho e produção, seguindo a ideia de adaptação das máquinas ao homem e não o inverso, respeitando e preservando, dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana.36
Sem sombra de dúvida, o modelo europeu é o mais aconselhado. Investir no trabalhador e em melhores condições de trabalho assegura não só maior produtividade, como também uma maior interação e satisfação do trabalhador com seu ambiente laboral. Ademais, a prevenção sempre é mais aconselhada do que a reparação, ainda mais quando se trata da vida humana. Assim acontecendo, mais o trabalhador poderá devolver ao empregador e assim fá-lo-á com satisfação.
A valorização do meio ambiente do trabalho, contudo, implica uma mudança de postura ética, ou melhor, de pensamento. Deve se levar em consideração que o homem está à frente dos meios de produção. Ao ser humano devem ser asseguradas bases dignas para manutenção de uma sadia qualidade de vida, por intermédio de um meio ambiente de trabalho equilibrado, no qual o trabalhador possa desenvolver, livre de riscos, sua atividade econômica.37
Por fim, não se pode esquecer a fundamental importância do papel do Estado na proteção à saúde do trabalhador. Como fiscalizador das condições de trabalho e garantidor da saúde, compete ao Estado assegurar que a dignidade da pessoa humana seja alcançada e, com ela, o bem-estar e a justiça sociais. 38
1.5. Proteção Constitucional à Saúde e à Segurança no Meio Ambiente do Trabalho
Nos últimos tempos, duas novas tendências vêm ganhando espaço destacado: a preocupação com o meio ambiente vital e a busca da qualidade no sentido amplo. Fala-se até no advento de um novo humanismo, de preocupação ecológica, na busca de uma vida qualitativamente melhor.39
O meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente geral (art. 200-VIII da CRFB/88), de modo que é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente do trabalho. Como assevera José Afonso da Silva, “o problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade de vida humana, senão a própria sobrevivência do ser humano” 40.
Com o passar do tempo e o acúmulo de experiência, a legislação vem atuando para garantir o ambiente de trabalho saudável, de modo a assegurar que o exercício do trabalho não prejudique outro direito fundamental: o direito à saúde, complemento inseparável do direito à vida. As preocupações ecológicas avançam para também preservar o homem como trabalhador.41
Conforme preceituado no Texto Maior, a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196). Particularizando esse princípio geral na esfera do Direito do Trabalho, pode-se concluir que a manutenção do ambiente de trabalho saudável é direito do trabalhador e dever do empregador. Este tem a prerrogativa de livre iniciativa, da escolha da atividade econômica e dos equipamentos de trabalho, mas, em contrapartida, tem obrigação de manter o ambiente do trabalho saudável.42
A empresa tem o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.43 Com o propósito de explicitar tais obrigações, a norma jurídica estabelece critérios técnicos para as edificações; iluminação; conforto térmico; instalações elétricas; movimentação; armazenagem e manuseio de materiais; máquinas e equipamentos, bem como a prevenção da fadiga.44
A Constituição Federal de 1988, afinada com a tendência internacional de assegurar a eliminação dos riscos na origem, deu um passo a mais, já que assegurou em seu artigo 7°, inciso XXII a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. A segurança visa à integridade física do trabalhador, a higiene tem por objetivo o controle dos agentes do ambiente do trabalho para a manutenção da saúde no seu amplo sentido.
Pela primeira vez, o texto da Carta Política menciona normas de saúde e, por isso, não pode ser relegada a segundo plano a amplitude do conceito de saúde, abrangendo o bem-estar físico, mental e social. Aliás, a Convenção n.155 da OIT, no art. 3º, esclarece a extensão do conceito de saúde, com relação ao trabalho, mencionando expressamente os elementos mentais. Logo, a conclusão que se impõe é de que o trabalhador tem direito à redução de todos os riscos que afetam sua saúde no ambiente de trabalho, sejam eles físicos, químicos, biológicos, fisiológicos e psíquicos.45
1.6 A Tutela do Meio Ambiente do Trabalho em Normas Infraconstitucionais
Nesse tópico, apresentar-se-ão alguns dispositivos legais concernentes à tutela do meio ambiente do trabalho, bem como normas de proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores.
Ressalta-se, inicialmente, que o presente trabalho não pretende esgotar o tema, propondo-se apenas a apontar as consideradas principais.
Tais normas asseguram condições dignas de trabalho, protegendo os empregados da mentalidade unicamente capitalista, conforme se observa a seguir.
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT - aborda, do artigo 154 ao 201, o tema da Segurança e Medicina do Trabalho46, apresentando em seu bojo dispositivos concernentes, por exemplo, a medidas preventivas de medicina do trabalho, aos equipamentos de proteção individual, ao conforto térmico do ambiente e à prevenção da fadiga.
O mesmo diploma legal prescreve, ainda, normas especiais de tutela do trabalho nos artigos 224 a 351, assegurando condições específicas sobre duração e condições de trabalho a determinadas categorias profissionais, tais como bancários, professores, jornalistas, químicos, professores, entre outros.
A Lei n° 8.080 de 1990, denominada Lei Orgânica da Saúde, apresenta em seu artigo 6°, §3°, o conceito de saúde do trabalhador, traz disposições concernentes à promoção e recuperação da saúde, destacando, ainda, tratar-se de um direito fundamental e coletivo que deve ser protegido pelo Poder Público – artigo 2°.47
É dever do Estado proteger a saúde dos trabalhadores, sem excluir, contudo, a responsabilidade das empresas pela ocorrência de danos decorrentes da atividade desempenhada, conforme previsto no artigo 2°, § 6° do referido diploma legal.
A Lei n° 8.213 – Lei da Previdência Social – contém relevantes dispositivos pertinentes ao tema em questão. O artigo 19 traz a definição de acidente do trabalho, bem como atribui à empresa a responsabilidade pela adoção de medidas preventivas, individuais e coletivas, no sentido de resguardar a saúde e segurança dos trabalhadores. Ressalte-se ainda que, nos termos deste artigo, constitui contravenção penal deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
O artigo 20, por sua vez, estabelece que doenças profissionais e do trabalho equiparam-se, para todos os efeitos, ao acidente do trabalho. Segundo inteligência do § 2°, do mesmo artigo, o rol apresentado é exemplificativo, haja vista a previsão de que, em casos excepcionais, eventual perturbação da saúde não incluída na referida relação pode vir a ser considerada como acidente de trabalho, desde que relacionada diretamente com a atividade laboral e seja decorrente de condições especiais de sua execução.
Há ainda normas protetoras do ambiente do trabalho dispostas em Portarias do Ministério do Trabalho e Emprego, sendo de grande relevância à ambiência laboral a Portaria nº 3.214, de 1978, que aprova as Normas Regulamentadora – NR – relativas à Segurança e Medicina do Trabalho, preceitos também contidos, como já mencionado, na CLT, nos artigos 154 a 223.
Por fim, destacam-se as Convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT, reconhecendo a necessidade de combate aos inadequados meios de produção nocivos à saúde dos trabalhadores, exerce atividade normativa com a intenção de adequar o meio laboral às condições necessárias à segurança do trabalhador.
A atividade normativa da OIT concretiza-se por meio de suas Recomendações e Resoluções. Sandro Nahamias Melo distingue os dois institutos. Para o autor, enquanto Recomendações servem apenas como orientação para que o Estado-membro alcance determinada meta, as Convenções objetivam criar obrigações internacionais, permitindo, inclusive, a instauração de processo para a apuração de eventual inobservância de seus preceitos.48
Dentre as Convenções mais importantes acerca do Meio Ambiente do Trabalho, destaca-se a Convenção n. 155 que, em breve síntese, prevê o conceito de saúde como sendo não exclusivamente a ausência de doenças, mas que abrange, igualmente, fatores mentais e físicos danosos à saúde. Aborda também a questão da responsabilidade do empregador quanto à adoção de medidas protetoras do ambiente do trabalho, tema central do presente trabalho.
Outra Convenção de extrema relevância é a de n. 161, que estabelece que os Serviços de Saúde no Trabalho devam atuar preventivamente na busca da garantia de ambientes de trabalho hígidos e seguros, primando pelo ajuste da atividade laboral à capacidade mental e física de quem a executa, a exemplo do que preconiza a Convenção 155.
O que se verifica até aqui, é a vasta tutela do meio ambiente do trabalho, em sede legislativa. Do ponto de vista formal, o trabalhador encontra-se bastante protegido no seu direito ao ambiente laboral hígido e seguro. Contudo, a maior dificuldade está, justamente, em torná-los efetivamente protegidos.
Discorrendo sobre o tema, Julio César de Sá da Rocha conclui que:
Em suma, a tutela atual ao meio ambiente do trabalho, longe de ser uniforme, estabelece a compreensão de que ainda não existe um patamar universal que garanta efetivamente um padrão de salubridade em todos os quadrantes do globo; todavia, modelos mais inovadores têm respondido com mais precisão ao desafio da implantação de uma racionalidade diferenciada sobre a matéria.49
Com efeito, o direito fundamental dos trabalhadores de exercerem suas atividades de forma segura e protegida resta evidente. A dúvida que permeia é se, realmente, tais dispositivos legais são efetivamente cumpridos, a ponto de se falar que doenças ocupacionais são incidentes previstos apenas no plano abstrato.
1.7 Reflexos do Meio Ambiente do Trabalho na Qualidade de Vida do Trabalhador
Definir o que seja qualidade de vida é tarefa árdua diante da possibilidade de se deparar com conceitos múltiplos para a expressão, a depender da ótica escolhida para abordagem do tema.
Ademais, trata-se de um termo extremamente subjetivo, que comporta diferentes acepções, diante das diferentes opiniões que cada um de nós tem sobre a questão. O que pode ser qualidade de vida para um, pode não ser para outro.
Apesar de admitida a amplitude do termo e a diversidade de conotações possíveis à expressão, assinala-se irrefutável o entendimento de que há consistente relação entre qualidade de vida e o que se entende por bem-estar.
A Constituição Federal assegura uma série de direitos fundamentais, tidos como condições indispensáveis à qualidade de vida de qualquer cidadão. São eles a moradia, a saúde, a educação, o trabalho, o meio ambiente equilibrado e tantos outros direitos que prestigiam o princípio da dignidade da pessoa humana.
É verdade que o texto constitucional não declara expressamente como fundamental o direito à qualidade de vida. Contudo, tal garantia decorre do direito à vida, expressamente tutelado, haja vista que de nada adiantaria proteger nosso bem mais importante, a vida, se igualmente não fosse assegurada a sua qualidade.
Ao proteger o meio ambiente, nele compreendido o do trabalho50, o legislador, em última análise, pretendeu ainda garantir a qualidade de vida da população. Por isso, entende-se a tutela do meio ambiente laboral como um dos instrumentos necessários para viabilizar nosso bem jurídico maior, que é a qualidade de vida51. Indissociável, portanto, se mostra a relação entre o direito ao meio laboral equilibrado, analisado a seguir, e a qualidade de vida.
Fornecer ao empregado condições dignas de trabalho, é também proporcionar-lhe melhor qualidade de vida, tendo em vista os reflexos diretos de um sobre o outro. Aquela antiga ideia de que trabalho e prazer ou trabalho e lazer são institutos desvinculados, sendo o labor algo penoso, não mais prevalece em tempos atuais.
1.8 Meio Ambiente Equilibrado
A proteção dispensada pela Constituição Federal ao meio ambiente, em seu já citado artigo 225, que prescreve o equilíbrio do habitat como essencial à sadia qualidade de vida, o que inclui, como já visto, o respeito ao meio ambiente laboral, torna forçosa a conclusão de que a referida norma defende, ainda que de forma mediata, a humanização do trabalho.
O que se pretende declarar com o acima exposto é a impossibilidade de haver equilíbrio ambiental se o principal componente desse meio, o ser humano, não estiver sendo respeitado em seus direitos básicos.
Não há falar em meio ambiente laboral equilibrado se o trabalho não é humanizado, se não se constata a relação entre os meios de organização da produção e a reverência à dignidade da pessoa humana.
O princípio consagrado nas convenções internacionais, de que o trabalho deve adaptar-se ao homem, adquire lineamentos concretos com o aparecimento efetivo da ergonomia, a partir da segunda metade do século XX. Esta disciplina tem por objetivo o estudo científico das relações do homem com o seu ambiente de trabalho, conjugando conhecimentos multidisciplinares, com o propósito de promover melhorias contínuas nas condições de trabalho.
Para Antoine Laville, citado por Sebastião Geraldo de Oliveira, a ergonomia poderia ser definida como “o conjunto de conhecimentos a respeito do desempenho do homem em atividade, a fim de aplicá-los à concepção das tarefas, dos instrumentos, das máquinas e dos sistemas de produção”. 52
Para Murrel, citado pelo mesmo autor, ergonomia seria “o conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessário para os engenheiros conceberem ferramentas, máquinas e conjuntos de trabalho que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficiência”.53
O trabalho, portanto, deve ser adequado ao homem e não o contrário. Ao ser humano é assegurado o direito de laborar em meio hígido e seguro essencial à sadia qualidade de vida, livre do surgimento de doenças decorrentes do meio inadequado de produção.
Diante dessa situação, tem-se que o direito ao meio ambiente equilibrado é inerente ao próprio direito à vida, como já abordado, uma vez que este último não se restringe ao direito à sobrevivência, mais sim à garantia de vida saudável e de qualidade.