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Direito judicial criativo: ativismo constitucional e Justiça instituinte.

Análise de perspectiva do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade

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18/03/2012 às 16:07
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Busca-se dar nova feição ao STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. Com isso, as decisões em âmbito de controle difuso passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo, e não ficar aguardando a boa vontade do enfermo Congresso Nacional.

RESUMO

Este trabalho tem como tema a nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal em face da jurisdição constitucional, onde se analisa o novel paradigma que pretende dar nova feição ao Supremo em sede de controle difuso de constitucionalidade. Com isso, as decisões em âmbito de controle difuso passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo, e não ficar aguardando a boa vontade do enfermo Congresso Nacional, fortalecendo-se, destarte, como Corte Constitucional. Uma nova concepção acerca do Controle de Constitucionalidade, do Poder Constituinte, do Equilíbrio entre os Poderes e do Sistema Federativo está surgindo, o que pode estabelecer uma ruptura paradigmática no plano da Jurisdição Constitucional no Brasil, fundamentando, ao final, um autêntico Direito Judicial Criativo, o qual traz concepções inovadoras, tais como Ativismo Constitucional e Justiça Instituinte.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade; Jurisdição Constitucional; Direito Judicial Criativo

ABSTRACT

This thesis has as its theme the new perspective of the Supreme Court in the face of constitutional jurisdiction, which analyzes the novel paradigm that intend to rehash the Supreme in office of diffuse control of constitutionality. Thus, decisions in the context of diffuse control would be the effects dictated by the Supreme, and will not be waiting for the good will of the ailing National Congress, strengthening, in this manner, as Constitutional Court. A new concept about the Judicial Review, the Constitutional Power, the Balance between the Powers and the Federal System is emerging, which may provide a paradigmatic rupture in terms of Constitutional Jurisdiction in Brazil, justifying, in the end, an authentic Creative Judicial Law, which brings innovative concepts such as Instituting Justice and Constitutional Activism.

KEYWORDS: Judicial Review; Constitutional Jurisdiction; Creative Judicial Law


A Constituição de 1988 foi feita com características de instrumento de transformação da realidade nacional. Será assim na medida em que se cumpra e se realize na vida prática. Uma Constituição que não se efetive não passa de uma folha de papel, tal como dissera Lassalle, porque nada terá a ver com a vida subjacente. As leis que ela postula serão as garras e as esponjas que a fazem grudar na realidade que ela visa a reger, ao mesmo tempo que se impregna dos valores enriquecedores que sobem do viver social às suas normas.

Que se cumpra para durar e perdurar, enriquecendo-se da seiva humana que nutre e imortaliza, se antes disso o processo de reformas neoliberais, de interesse dos detentores do poder, não a liquidar, pela desfiguração sistemática.

José Afonso da Silva

(Poder Constituinte e Poder Popular, 2000, p. 259)

Ao longo do trabalho jurídico, considera-se para estudo a relação entre a maior efetividade das normas constitucionais e a nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal em face da jurisdição constitucional, onde se analisa o novo paradigma que pretende inovar a feição do Supremo em sede de controle difuso de constitucionalidade, fundamentando um autêntico Direito Judicial Criativo, o qual traz concepções inovadoras, tais como Ativismo Constitucional e Justiça Instituinte.

Essa nova abordagem acerca dos limites da jurisdição constitucional no tocante ao controle difuso dá-se frente à inoperância do Poder Legislativo – recorde-se que o próprio Senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) afirma que “o Congresso está na UTI” –, ressurgindo o debate no Supremo Tribunal Federal sobre a sua possibilidade ou não. Leva-se em consideração, para tanto, a teoria da transcendência dos motivos determinantes e, especialmente, os estudos da Mutação Constitucional, que significa, consoante Uadi Lammêgo Bulos (1997, p. 57), um processo informal de mudança da Constituição, dando-lhe novos sentidos e conteúdos até então não alcançados pela sua simples letra, seja pela interpretação, seja por meio da construção (construction), ou mesmo dos usos e costumes constitucionais.

Tal discussão deve-se, principalmente (mas não somente), à Reclamação 4.335-5/AC, onde o Ministro Relator Gilmar Mendes, seguido de Eros Grau (hoje aposentado), impende uma mutação no sentido normativo do art. 52, X, CF/88, que deveria ser lido normativamente da seguinte maneira, a repúdio da atual redação e da norma derivada: “compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo”.

Sendo assim, em resumo, as decisões em âmbito de controle difuso passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo – com possibilidade de dar os mesmos efeitos de uma decisão proferida no controle concentrado (erga omnes e vinculante) –, e não ficar aguardando a boa vontade do enfermo Congresso Nacional para suspender a lei declarada inconstitucional. Os efeitos extraídos das discussões travadas nos votos dos Ministros já repercutem no mundo jurídico, com publicações de Teses e outros trabalhos científicos, como este, além de acirrados debates em palestras a respeito do tema.

Há, basicamente, que se discutir acerca de qual seria o sentido extraído da norma do art. 52, X, CF/88, que diz, textualmente, que “compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Nos referidos votos dos Ministros do STF permitiu-se, ao final, com base forte na hermenêutica constitucional, uma alteração no sentido normativo do dispositivo, como visto.

O problema, entretanto, forma-se à medida que se faz o questionamento sobre a legitimidade daquilo propugnado pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, ou seja, é necessário saber se esse novo quadro está condizente com o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

Poder-se-ia pensar, inicialmente, que toda abordagem estaria esgotada, de certo modo, em razão da adoção, pela Emenda Constitucional 45/04, da Súmula Vinculante (art. 103-A, CF/88) – sem falar nos outros instrumentos trazidos ultimamente para dar efetividade ao princípio constitucional da razoável duração do processo, instado no art. 5º, LXXVIII, CF/88, que foi acrescido também pela Emenda 45/04, tais como a Lei de Repercussão Geral (Lei 11.418/06), no âmbito do STF, a Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/08), no âmbito do STJ, e, mais recentemente, o II Pacto Republicano.

Quimera. Até porque muda a estrutura tradicional do controle difuso, argumentos de peso são colocados pelos que dizem ser subversor o posicionamento de mudança de sentido do art. 52, X, CF/88, dentre eles a violação do princípio da Separação dos Poderes, a fundamentação por uma Mutação Inconstitucional e a caracterização do Poder Judiciário como um poder constituinte permanente, ilegítimo e autoritário (“ditadura do Judiciário”), ao dar a função ao Senado Federal de mero chancelador das decisões do Supremo. Nesse sentido, pode-se citar Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (2007), além de Marcelo Novelino (2009), Pedro Lenza (2011), Wellington Márcio Kublisckas (2009), o professor da Universidade Católica de Petrópolis – UCP, Roberto Wagner Lima Nogueira (2008), e o professor Mestre da Universidade Federal de Sergipe – UFS, Carlos Augusto Alcântara Machado (informação verbal)[1]. Registre-se, ainda, que o Ministro Sepúlveda Pertence julgou improcedente a reclamação e o Ministro Joaquim Barbosa não a conheceu, mas ambos concederam habeas corpus de ofício.

De outro lado, afirmando ser autêntica a expendida Mutação Constitucional no dispositivo da Carta Maior, destacam-se Dirley da Cunha Júnior (2010) e os já referidos Ministros do Supremo, Gilmar Mendes e Eros Grau, podendo-se mencionar ainda, pelos estudos desenvolvidos, André Ramos Tavares (1998), além de Teori Albino Zavascki (2001, apud LENZA, 2011) e Lúcio Bittencourt (1968, apud LENZA, 2011).

Adotando uma posição de elasticidade da atuação do Excelso Pretório e do próprio Poder Judiciário, a alteração do sentido normativo seria uma das formas de garantir a autoridade das decisões do STF, transformando-o, assim se entende, em verdadeira Corte Constitucional. Outro ponto importante, destacado por Gilmar Mendes, passa pela questão da própria limitação natural do instituto da suspensão de execução da lei pelo próprio Senado, cuja eficácia não pode ser ampliada quando o caso assim requeira. Ademais, tema reflexo é a necessidade de o direito acompanhar as diretrizes sociais e a aclamação por soluções efetivas e céleres aos problemas concretamente postos.

Acaso prevaleça essa última posição, a depender da votação da Rcl. 4.335-5/AC, estabelecer-se-á um verdadeiro corte epistemológico, isto é, uma ruptura de paradigma da Jurisdição Constitucional no Brasil – que, repita-se, já está ocorrendo em virtude de outros fatores em tendência. Isso porque as decisões em âmbito de controle difuso passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo, fortalecendo-se, destarte, como Corte Constitucional.

Uma nova concepção acerca do Controle de Constitucionalidade, do Poder Constituinte, do Equilíbrio entre os Poderes e do Sistema Federativo está surgindo, o que pode estabelecer uma ruptura paradigmática no plano da Jurisdição Constitucional no Brasil, trazendo, como corolário, mais efetividade aos direitos e garantias consagrados na Carta Magna, em virtude da extensão dos efeitos das decisões para todos, mormente naquilo que diga respeito às liberdades individuais e à cidadania, pelo que se fortalece a segurança jurídica e a justiça, objetivos esses almejados tanto pelo Direito quanto pela Ética, como bem lembra o Doutor em Direito, Professor Osvaldo Ferreira de Melo (2005), aludindo-se a Miguel Reale.

Assim sendo, é objetivo do presente trabalho o estudo detido do complexo tema, mas que recai em assuntos conexos como, dentre vários outros, o fenômeno da jurisprudencialização e do ativismo judiciário, hoje deveras expandido.

Enfim, a tese a ser defendida, arremate-se, passa ao lado da maior garantia dos direitos fundamentais insculpidos na Constituição através da mudança de paradigma do controle difuso de constitucionalidade.

E é aqui que se inicia o estudo de instigante tema, núcleo da dissertação.

A Suprema Corte dos EUA, deparada numa situação de ter que afastar a 4ª emenda americana para não anular toda uma prova obtida ilegalmente, o que geraria problemas de administração de justiça, recorreu à sabedoria do Justice Holmes para indeferir o pedido que fora feito com base na referida emenda (mutação constitucional?): “na vida da lei não existe lógica; o que há é a experiência” (United State Reports, 381:629).

Essa sabedoria também se aplica aqui no Brasil, onde se entende que tal experiência (por certa, histórica e empírica, não obstante com inspirações doutrinárias) já está em plena ebulição através, principalmente, das práticas constitucionais, em detrimento da lógica fria das leis. Como a prática constitucional é toda desenvolvida mediante as decisões dos Tribunais Superiores, em especial o STF – o chamado direito constitucional jurisprudencial –, surge como corolário a necessidade de se sistematizar um direito próprio desse fenômeno: o Direito Judicial.

Como todo fenômeno, faz-se mister uma nomenclatura que simbolize, ou melhor, que traga a carga valorativa que ele quer passar. Assim é com o Direito Judicial, deveras, em formação, em melhoramento e, por isso, em Beta. Quando se fala que algo está em beta (β), principalmente no meio eletrônico (e.g. na internet, software), significa que a versão de um produto ainda se encontra em fase de desenvolvimento e testes, como a noção acima explicitada.

E o direito judicial está em beta como também está outra noção, que é a do constitucionalismo do futuro (por vir). Esta noção “do que podemos esperar”, de José Roberto Dromi, vem ligada à ideia de consolidação de todos os outros constitucionalismos pretéritos, mormente os direitos humanos de terceira dimensão, ao traçar um equilíbrio dos valores de cada geração (individual, social e fraternal-solidário). Da mesma forma, encarta uma série de valores novos, conforme síntese de Pedro Lenza (2011, p. 58):

a)                 Verdade: a constituição não pode mais gerar falsas expectativas; o constituinte só poderá “prometer” o que for viável cumprir, devendo ser transparente e ético [superação da classificação de normas constitucionais com eficácia limitada, pois toda a norma constitucional deve ter eficácia plena, sob pena de fazermos loas a um processo de constitucionalização simbólica];

b)                 Solidariedade: trata-se de nova perspectiva de igualdade, sedimentada na solidariedade dos povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social;

c)                  Consenso: a constituição do futuro deverá ser fruto de consenso democrático;

d)                 Continuidade: ao se reformar a constituição, a ruptura não pode deixar de levar em conta os avanços já conquistados [efeito cliquet – vedação ao retrocesso social];

e)                  Participação: refere-se à efetiva participação dos “corpos intermediários da sociedade”, consagrando-se a ideia de democracia participativa e de Estado de Direito Democrático [rectius: Estado Constitucional de Direito];

f)                  Integração: trata-se da previsão de órgãos supranacionais para a implementação de uma integração espiritual, moral, ética e institucional entre os povos [colabora nesse desiderato o conceito de transconstitucionalismo, em que o direito constitucional entra em contato com outros sistemas – relação transcendental permanente – em vista dos fatores, dentre outros, da expansão da jurisdição constitucional e fortalecimento dos direitos da pessoa humana ao longo do tempo][2];

g)                 Universalização: refere-se à consagração dos direitos fundamentais internacionais nas constituições futuras, fazendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana de maneira universal e afastando, assim, qualquer forma de desumanização [através dos Tribunais Internacionais, se for o caso].

Nesse diapasão é que se menciona um novo modo de ver o direito, voltado para a práxis dos Tribunais Superiores. Historicamente, a partir da sopa orgânica do constitucionalismo, assim podemos vê-lo de forma bastante resumida. No absolutismo vigorava a máxima da concentração de poder, motivo que fez surgir com os séculos e revoluções posteriores uma submissão à Lei do detentor do poder. Era a fase onde o judiciário era tão só a boca da lei, com forte presença, portanto, do Legislativo. Após principalmente a 2ª Grande Guerra com a constitucionalização dos direitos humanos, o Judiciário começou a se fazer mais e mais presente na vida da população, gerando a conhecida explosão de litigiosidade. Ocorre, porém, que na falta de como efetivar direitos garantidos na Constituição, passou o Poder Judiciário a ter papel mais ativo, desembocando no alarmado ativismo judicial. Agora, como uma previdência do futuro, concebe-se uma sedimentação dessa função ativa do Judiciário, superando a transição do ativismo para um próprio conceito mais elaborado de Direito Judicial. É assim que se olha essa evolução vinda e ainda por vir.

É bem verdade que tal tentativa de sistematização também foi lançada em artigo de conteúdo magnífico, da lavra de Emerson Garcia (2008), membro do Ministério Público do Rio de Janeiro, intitulado Direito Judicial e Teoria da Constituição, o qual pode ser facilmente obtido na internet (cf. referências – artigo também publicado pela editora Juspodivm em conjunto com outros colaboradores, in Leituras Complementares de Direito Constitucional - Teoria da Constituição, coord. Marcelo Novelino, 2009).

Por esse motivo, abaixo beber-se-á dessa boa fonte para se chegar, ao final, à conclusão pretendida.

Logo no resumo de seu artigo, Emerson Garcia (2008) já deixa claro o objetivo de seu texto:

O redimensionamento do papel desempenhado pelas distintas funções estatais, em especial do Poder Judiciário, fenômeno correlato às próprias mutações do Estado de Direito, terminou por aproximar os momentos de criação e de aplicação da norma. A importante atividade desenvolvida pelos órgãos jurisdicionais no processo de integração das normas, o controle de constitucionalidade, a posição do Judiciário perante as omissões legislativas e a força normativa dos precedentes exigem esforços no sentido de sistematizar o denominado Direito Judicial, delineando as potencialidades e os respectivos limites. (GARCIA, 2008)

Após breve andar histórico acerca do surgimento do Poder Judiciário, o autor mostra que o papel do Judiciário começou a se modificar de mera “boca da lei” (aplicação simples do silogismo das premissas maior e menor) de outrora em função, à primeira vista, da necessidade de se contrapor lei em face da Constituição (Kelsen) e, logo após, pela necessária atividade valorativa conducente à densificação dos princípios jurídicos, dotados, numa fase pós-positivista, de caráter normativo. Pulveriza-se parcela da função normativa entre os demais Poderes, mormente a intervenção final definitiva dos órgãos jurisdicionais (final enforcing power), o que permite se falar em atividade de produção normativa escalonada, em que a atuação normativa parte do direito posto pelo legislador e “sobe” ou se desenvolve através da interpretação ou integração.

Com isso, ele conceitua o Direito Judicial nos termos seguintes:

O Direito Judicial reflete a atividade de definição do Direito (juris dictio) pelos tribunais, podendo assumir perspectivas concretas (v.g.: na solução de litígios específicos) ou abstratas (v.g.: no controle de constitucionalidade das leis realizado pelos Tribunais Constitucionais). No primeiro caso, assumindo uma postura retrospectiva, voltada ao passado; no segundo, com uma postura prospectiva, direcionada ao futuro, à regulação de relações jurídicas vindouras. Além disso, quando em cotejo com a produção normativa de cunho legislado, pode mostrar-se corretor da lei, concorrente da lei, substitutivo da lei e supressivo da lei. (GARCIA, 2008)

E continua, delimitando seu trabalho:

Parece evidente não ser este o locus adequado a uma abordagem exauriente dos múltiplos aspectos mencionados, mas a sua mera indicação mostra-se suficiente ao propósito almejado: realçar a importância do Direito Judicial (Richterrecht) como normativa geral, que transcende o caso concreto. (GARCIA, 2008)

Passando, posteriormente, a analisar o próprio vocábulo Direito Judicial, observa que a nomenclatura tem a vantagem de “realçar a preeminência dos órgãos jurisdicionais na argumentação desenvolvida, indicando, de imediato, os objetivos pretendidos”.

Seguindo a sistematização proposta, depreende-se de cara que o sujeito desse Direito Judicial é o agente densificador do conteúdo normativo (os órgãos jurisdicionais, portanto) e o objeto é a norma geral maleável (seja princípio, seja regra), ou seja, com predisposição à moldagem face à realidade ou mesmo expurgação mediante o mecanismo de controle de constitucionalidade, este em si um instrumento próprio do Direito Judicial. A sua fonte é o processo de sedimentação da jurisprudência e o seu método é pela utilização da concepção forte dos princípios, dando-se a estes a mesma imperatividade das regras, embora se distingam qualitativamente (dimensão de validade das regras / operação de subsunção Vs. dimensão de peso dos princípios / operação de concreção e ponderação). É isso tudo que dá a individualidade existencial do Direito Judicial.

Desmistificando o debate acerca da legitimidade democrática, já trabalhado anteriormente, alega que o poder político também se projeta na função jurisdicional, embora na função legislativa tenha a sua natural expressão. Tal fato não significa, nunca, uma supremacia do Judiciário em relação aos outros Poderes, mas apenas que aquele tem vocação própria de manter a paz institucional e garantir o sistema jurídico, deveras com finco na Constituição. E arremata, citando Robert Alexy:

Segundo ele, “a chave para a resolução é a distinção entre a representação política e a argumentativa do cidadão”. Estando ambas submetidas ao princípio fundamental de que todo o poder emana do povo, é necessário compreender “não só o parlamento mas também o tribunal constitucional como representação do povo”. Essa representação, no entanto, se manifesta de modo distinto: “o parlamento representa o cidadão politicamente, o tribunal constitucional argumentativamente”, o que permite concluir que este, ao representar o povo, o faz de forma “mais idealística” que aquele. Ao final, realça que o cotidiano parlamentar oculta o perigo de que faltas graves sejam praticadas a partir da excessiva imposição das maiorias, da preeminência das emoções e das manobras do tráfico de influências, o que permite concluir que “um tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo, senão, em nome do povo, contra seus representantes políticos”.

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Conferindo-se à Constituição a condição de elemento polarizador das relações entre os poderes, torna-se evidente que os mecanismos de equilíbrio por ela estabelecidos não podem ser intitulados de antidemocráticos. Além disso, a ausência de responsabilidade política dos membros do Poder Judiciário não tem o condão de criar um apartheid em relação à vontade popular. Na linha de Bachof, o juiz não é menos órgão do povo que os demais, pois, mais importante que a condição de mandatário do povo é a função desempenhada “em nome do povo”,18 aqui residindo a força legitimante da Constituição. Essa fórmula, aliás, mereceu consagração expressa no art. 202, no 1, da Constituição portuguesa: “os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”. (GARCIA, 2008, grifo nosso, itálico do autor)

A interferência do Direito Judicial perpassa também por algo que no Brasil não é aceito, mas o é em países como Alemanha, Espanha e França. Ao se declarar a inconstitucionalidade de uma lei em sede de fiscalização abstrata, os efeitos dessa declaração são extensivos a todos os particulares e – aqui mora a ideia – a todas as autoridades e Poderes Públicos, vedando ao legislador reproduzir a mesma norma sem prévia alteração da norma inconstitucional com ela incompatível. Prestigia-se, portanto, o efeito erga omnes e a força de lei da decisão, assumindo o Direito Judicial feições supressivas e obstativas.

Mas é no problema das omissões (in)constitucionais que o Direito Judicial ganha potencialidade. A solução aqui é mais uma vez convergente ao intento da máxima efetividade das normas constitucionais: sob esse prisma, pode-se alcançar um resultado normante “não com a prolação de decisão substitutiva da própria lei, mas com uma reengenharia interpretativa das normas já existentes, nelas reconhecendo o potencial de integração da Constituição ou mesmo a sua aplicação direta” (GARCIA, 2008). É dizer: o Direito Judicial concorre com a normativa preexistente, pois faz a Constituição possuir sempre um conteúdo mínimo que não pode ser ignorado, dotando-a de eficácia plena a todo o momento e exigindo provimento jurisdicional que preserve, pelo menos enquanto não sobrevinda a legislação, seus valores essenciais, principalmente em se tratando de normas fundamentais.

É nesse ponto de preservação dos direitos fundamentais que o Direito Judicial autoriza aos órgãos jurisdicionais atuarem de forma a integrar a norma constitucional, numa ação substitutiva à lei, “o que redundará no redimensionamento da clássica divisão entre as funções estatais, tendo como desiderato final a preservação da própria razão de ser da organização estatal: o bem comum” (GARCIA, 2008).

Quanto à classificação, o Direito Judicial pode ser substitutivo, corretivo, concorrente ou ainda supressivo da lei. No direito judicial concorrente e supressivo, maiores problemas não há, pois se aceita pacificamente que possa haver a interpretação e aplicação da norma pelo legislador ou mesmo a interpretação mas não sua aplicação em vista da violação à Constituição. Já o direito judicial substitutivo da lei (não aplica a norma viciada, mas profere uma decisão que regula, sem violação ao princípio da igualdade, as situações por ela alcançadas) e o corretivo (aplica a norma viciada, ampliando o seu alcance às situações indevidamente excluídas) não têm essa aceitação unânime pela alegação de usurpação legislativa, o que não pode prevalecer, pois tais formas direcionam as normas constitucionais ao princípio da igualdade:

Soa absurdo imaginar que a Constituição, ao conferir liberdade ao legislador para delinear o conteúdo da norma e negar-lhe toda e qualquer liberdade para excluir alguns dos destinatários em potencial, não pudesse ser diretamente aplicada pelo Judiciário, que, longe de substituir-se ao legislador, aplicaria a norma sob uma perspectiva corretiva, compatibilizando-a com o seu fundamento de validade. (GARCIA, 2008)

Vale uma importante observação: até este momento, todo o estudo de Emerson Garcia (2008) estava voltado os olhos para o caso concreto na aplicação do direito judicial, mas como se disse no conceito inicial dado o Direito Judicial também alcança ares abstrato. Com base nisso é que se pode, conforme entendemos, dividir-se quanto a sua perspectiva em Direito Judicial em perspectiva concreta, preocupado com as decisões do caso a caso, e Direito Judicial em perspectiva abstrata, pelo que se fala em força normativa dos precedentes e generalização das individualidades, objetivo enlaçado ao longo de todo o presente trabalho.

Como já analisado, a força normativa dos precedentes se identifica com o princípio do stare decisis americano, sistema esse baseado no case law em que a elaboração da norma individual ao caso concreto transcenderá à norma geral. E nesse tear os precedentes podem assumir tanto contornos declarativos quanto criativos, nestes consubstanciando manifestação mais do Direito Judicial substitutivo e corretivo e naqueles, do Direito concorrente e supressivo. Paradoxalmente, contudo, parece que quanto mais o sistema jurídico é evoluído menos ele precisa de precedentes criativos, posto que os paradigmas já existentes são suficientes para a garantia dos direitos.

Emerson Garcia (2008) aponta vantagens e desvantagens em relação aos precedentes. De positivo, tem-se a uniformização da atividade interpretativa do Direito, a preservação da segurança jurídica nas relações sociais e a consequente manutenção do princípio da igualdade. De outro lado, de negativo, tem-se o comprometimento do envolver social, pois sendo as decisões tomadas de “cima” descarta-se os escalões inferiores, que são os que justamente possuem maior contato com a coletividade. Porém, o mesmo autor logo depois retranca: “essa linha argumentativa, no entanto, é diluída na medida em que os pronunciamentos dos tribunais superiores costumam ser antecedidos por uma longa maturação da questão nas esferas inferiores, isto sem olvidar a possibilidade de serem revistos sempre que a evolução social o justifique” (GARCIA, 2008).

Aponta, ainda, os contatos modernamente feitos entre o common law e o statute law, asseverando que naqueles, em especial o direito norte-americano, a importância do direito escrito vem crescendo, embora preeminente os precedentes. Quanto aos sistemas de raiz romano-germânica, a jurisprudência é considerada fonte formal do Direito, com certo valor normativo outrora negado pela Revolução francesa, mas sem divisar-lhe o seu caráter vinculativo, já que passa a ser nada mais que um vetor auxiliar na interpretação e integração das normas. Nesse sentido, “por privilegiarem o papel criativo da legislação, os sistemas de raiz romano-germânica não costumam tratar a jurisprudência como fonte de regras de direito, mas como fonte de Direito” (GARCIA, 2008).

Por fim, discorrendo sobre o Brasil, de raiz romano-germânica, adverte que a introdução da súmula vinculante pela EC 45/2004 de longe não ocupa um papel de destaque na criação da regra de direito, próprio da essência dos sistemas de common law, em vista de suas limitações inerentes (art. 103-A, caput e § 1º da CF/88). Esse instituto do enunciado de súmula com efeito vinculante, portanto, desempenha um papel essencialmente declarativo (fixação da interpretação das normas), referente a um Direito Judicial concorrente.

Nesse momento, já se pode sistematizar o espectro do aqui denominado Direito Judicial Criativo em perspectiva abstrata, e que se defende como necessário de aplicação também em nosso país em virtude de os paradigmas já existentes não serem suficientes para a garantia dos direitos fundamentais. A repúdio dos que dizem que as teorias vêm do estrangeiro com realidades diversas às nossas, firme-se que os pressupostos filosóficos tendem à universalização naquilo que se propõe, baseados na história e no mundo empírico e humano-científico, pelo que até em contornos diferentes há possibilidade de se acharem pontos em comum. Muitos pontos em comum, aliás.

a)                 Como dito, é um direito judicial ainda em formação, em versão beta, para o futuro, com base na própria noção de constitucionalismo por vir, que internaliza toda evolução no Direito Constitucional ao logo do tempo, cortando seus descomedimentos e mais apropriado para uma nação nível alfa, para se referir a um país de estágio constitucional avançado;

b)                 Jurisprudência como fonte imediata do direito, ao lado da Constituição Federal, leis e tratados internacionais de direitos humanos, o que leva à afirmação de que a jurisprudência também é a “lei” aplicada pelos juízes;

c)                  Supera-se a noção desgastada, e dotada de certo preconceito conceitual, de ativismo judicial, dando uma nova vida aos estudos ao seu redor, principalmente naquilo que toca ao direito constitucional jurisprudencial – muito embora se deva registrar que a expressão “direito judicial” foi utilizada inicialmente por Prieto Sanchís de modo negativo também;

d)                 Com a supressão da ideia de norma de eficácia limitada, devendo todas ser plenas, passa o Judiciário a ter relevante papel concretizador das normas fundamentais da Constituição, sendo importante nesse ponto a globalização e adaptação dos direitos fundamentais (cidadania) e da democracia – os superprincípios constitucionais – nela garantidos através de instrumentos como a mutação constitucional e a teoria transcendental dos motivos determinantes, ou mesmo pela aplicação da finalidade subjacente ao instituto com vista na expressão “a menos que”, derrotando-se um sentido nesse caso e fazendo nascer outro complementar;

e)                  Com isso, evita-se aquilo que Marcelo Neves (apud LENZA, 2011) chamou de constitucionalização simbólica em seu aspecto negativo e positivo, quando o texto constitucional ou “não é suficientemente concretizado normativo-juridicamente de forma generalizada” ou “a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um relevante papel político-ideológico”, servindo apenas para, nos traços da legislação simbólica, confirmar valores sociais sem fornecer eficácia normativa, demonstrar a capacidade de ação do Estado mascarando a realidade com formas ideológicas (constitucionalização-álibe) e adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios. Indo contra, portanto, ao valor verdade do constitucionalismo do futuro, sendo certo que obstrui as transformações efetivas da sociedade devido “à discrepância entre a função hipertroficamente simbólica e a insuficiente concretização jurídica de diplomas constitucionais”.

f)                  Tem-se como certo que a função normativa não é só do Legislativo. O aposentado Min. Eros Grau já dizia isso: “O Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas uma parcela dela, a função legislativa” (ADI 2.950-AgR, DJ 09/02/2007). Assim, ele possui parcela dela, a função legislativa, mas não o monopólio normativo, abrindo-se possibilidade de se dar efeitos normantes às decisões judiciais (produção normativa heterônoma), naquilo que falta para se garantir um direito constitucional fundamental, inclusive ampliando-o, nos casos de constitucionalidade ou inconstitucionalidade chapada;

g)                 Poder-se-ia falar até em uma Teoria Geral do Direito Judicial com fim mesmo de guiar o Judiciário nessa tarefa concretizadora, donde se beberia dos fundamentos da Teoria Geral do Direito Constitucional;

h)                 Entendimento a ser observado no sentido de a interpretação ser aberta à sociedade, pluralizando o debate e deixando-o mais democrático e justo, principalmente aos interessados e afetados pelas decisões judiciais. Os cidadãos são autores no seu direito, não mero destinatários. O art. 13, XVII, do RI/STF, traz algo nesse sentido, ao revelar a atribuição do Presidente do STF de convocar audiência pública para ouvir depoimento de pessoas com experiência e autoridade no assunto (argumentos de autoridade), não se resumindo ao âmbito abstrato do controle, seguramente, consoante se extrai da leitura do texto. Outro exemplo é a figura do amicus curiae;

i)                   Visão contemporânea da separação funcional de Poder, com a coordenação entre os Poderes para efetivação dos direitos constitucionais, interpenetrando-se uns aos outros e deixando de lado o complexo existencial de Poder. A preeminência da função do Poder Judiciário está no fato de a Corte e os órgãos jurisdicionais julgarem a constitucionalidade de uma norma em acordo com os direitos fundamentais, o que faz da Lei Maior não ser apenas um anseio sem força obrigatória (Kelsen). Note-se: tal preeminência, contudo, não é pelo fato em si do ser da instituição “Poder Judiciário”, mas da função a ele encarregada de controle da constitucionalidade (noção de guardião da Constituição – defensor: Hans Kelsen, no sentido de manutenção do Estado de Direito, o Rechtsstaat), que poderia muito bem ter sido também oferecida, por opção política preponderante, ao Presidente (Executivo – defensor: Schimtt, a fortalecer a unidade política alemã da época do Reich, e.g., numa visão autoritária de uma duvidosa democracia) ou ao Parlamento (Legislativo – supremacia parlamentar no Canadá, e.g.). Por isso, defende-se neste estudo a função do controle de constitucionalidade, no Brasil inerente ao Poder Judiciário, caindo por terra críticas ao ativismo judicial (do Poder Judiciário), que não passa mais, na verdade, que ativismo constitucional (da Constituição), este fidedigno à legitimidade e força, por derradeiro;

j)                   Quanto especificamente ao controle de constitucionalidade, devemos ficar com o modelo de filosofia constitucional substancialista de Ronald Dworkin em contraposição ao procedimentalismo de Jürgen Habermas. Este modelo procedimentalista habermeriano, em breves palavras, defende a participação da sociedade para determinação do direito e estruturação da democracia, porém fazendo pouco caso do Judiciário nessa trajetória, ou seja, como mero revisor dos atos com um mínimo de interferência. Tal modelo, todavia – e isso já é um avanço de paradigma –, não vem grandemente influenciando os sistemas políticos atuais, à exceção da Comunidade Britânica em geral e do Canadá, onde, como citado, a última palavra acerca da constitucionalidade cabe ao Legislativo (num diálogo de jurisdição constitucional entre este e o Judiciário), em virtude mesmo de sua tradição parlamentar e da necessidade histórica de se ter uma conciliação política para, enfim, erigir sua Carta Canadense de Direitos e Liberdades, desvinculando-se da legislação inglesa. Até por isso foi assim. O substancialismo de Dworkin, à sua maneira, bem compatível com o modelo americano, nasce de uma “leitura moral da Constituição”, que nada mais é que o neopositivismo da união indissolúvel entre o direito e a moral, juntamente com toda carga valorativa e principiológica subjacente à Constituição. Vê-se, através dessa lente de caráter discursivo, o texto e contexto da Lei Máxima de uma nação. “A Constituição, ainda para Dworkin, é tida com efeito vinculante [força normativa da Constituição], que guarda em si a conservação do Estado Democrático de direito [rectius: Estado Constitucional] e dos direitos e garantias fundamentais, historicamente garantidos” (FERREIRA, 2011, grifo nosso);

k)                 Distinção entre legitimidade popular formal e legitimidade popular substantiva (Democracia formal, fictícia, plebiscitária Vs. Democracia substantiva, substancialista): já se disse que os juízes, embora não tenham legitimidade de origem (própria do parlamentar pelo voto), o tem de exercício (adquirida, se preferir), pelo que controla a vontade do povo instada na lei pela própria vontade do povo instada na Constituição. De mais a mais, se disser que a legitimidade democrática popular vem somente do voto ter-se-á que repensar toda essa concepção, pois – e isso não é novidade – há enorme manipulação eleitoral, que inexoravelmente desvirtua a vontade popular. Ora, é uma falácia que mais está para o plano da teoria do que o da prática dizer que o povo é o titular do Poder e os seus representantes o exercem (democracia formal, fictícia, plebiscitária). Que democracia substantiva se poderia falar no caso brasileiro, onde apenas 11% da população confia em seus representantes?! Como haver democracia sem confiança, onde os ditos representantes ficam em última colocação [!] num ranking de credibilidade em que consta de sindicatos a bombeiros e o 2° grupo menos confiável (executivos de bancos) está 36 pontos à frente dos políticos?! Por causa desse divórcio consumado entre a vontade governada e a vontade governante (no plano mais da ficção de uma suposta paridade volitiva), como alternativa a evitar danos à cidadania preterida, Paulo Bonavides (2001, p. 277/280), citando Maria Arair Pinto Paiva, refere-se a espaços públicos, em contraposição ao estatal, como “auxiliar poderoso na construção dos sistemas participativos da democracia direta”, “[...] democracia que assume o status de direito da quarta geração, direito cuja universalidade e essencialidade compõem o novo ethos que o gênero humano, em sua irreprimível vocação para a liberdade, a igualdade e a justiça, toma por inspiração”. Assim sendo, “o teorema político da sociedade nacional contemporânea já não é tanto o da legalidade [...], senão o da constitucionalidade [...]”. Dar-se a marcha, a partir disso, para um grau superior de democracia e legitimidade cidadãs, passando-se de um direito estatal a um direito comunitário ou político-coletivo, em alternativa, como dito, à crise da representação política;

l)                   Ultrapassa-se, outrossim, a democracia da maioria, pois focando-se no controle de controle de constitucionalidade tem-se um meio de proteção eficaz da minoria contra os atropelos da maioria (Kelsen) – a decisão pretensamente democrática não pode tolher liberdades alheias. O guardião da Constituição garante o respeito, portanto, a todas as parcelas da sociedade e ainda fortifica a federação, ao ver inconstitucionalidades por usurpação de Poder, alcançando legitimidade democrática seja por plausíveis argumentações plurais e participativas, seja por ter como norte a conformidade constitucional valorativa e histórica. Se quiserem, até se compensando a falta formal do consagro popular através do voto;

m)               A democracia substantiva ou substancialista, a anos-luz de significar necessariamente voto ou princípio majoritário de representação, faz surgir o papel ativo do judiciário (rectius: papel ativo da Constituição, em última análise, na verdade). “[...] a garantia dos direitos através do judiciário [encorpando, numa dada solução política, a função de guardião da Constituição] reforça o conteúdo democrático do sistema constitucional” (HOMMERDING, 2006, p. 19, apud FERREIRA, 2011). Nesse eixo substancialista, “concede-se ao Poder Judiciário [e a ele por causa da função lhe dada, podendo ter sido a outro se a opção política também fosse outra] uma nova inserção no âmbito das relações entre os três poderes, levando-o a transcender as funções de checks and balances” (VIANA et. al. 1999, p. 37, apud FERREIRA, 2011);

n)                 Em vista do sobredito, falar em Ditadura do Judiciário é um contrassenso lógico-jurídico-político-social-filosófico-histórico-cultural..., pois o que se endeusa (se assim se fala) não é o Poder, mas a função que ele exerce de proteção à Constituição, necessária até para a sobrevivência da sociedade e que, repita-se sem cansar, por ser necessário, poderia ter sido atribuída (essa função) a outrem, por opção político-cultural. A atividade judicial-constitucional supre falhas de todos os Poderes e, de certa forma, também pode ser compartilhada, na medida em que os outros também podem, dentro das proposições clássicas para os quais foram criados tipicamente ou atipicamente (legislar, administrar e julgar, em concorrência recíproca), trazer esse papel fundamental aos valores constitucionais, disseminando-os responsavelmente;

o)                 Por isso, ganha sentido afirmar juntamente com Peter Häberle ([in: Zeit und Verfassung, p. 47/48] apud LENZA, 2011, p. 159) que “o direito processual constitucional torna-se parte do direito de participação democrática. A interpretação constitucional realizada pelos juízes pode-se tornar, correspondentemente, mais elástica e ampliativa sem que se deva ou possa chegar a uma identidade de posições com a interpretação do legislador”. A vontade objetiva da Constituição (Wille zur Verfassung) (que faz preponderar o poder judiciário) acaba por prevalecer sobre a vontade subjetiva do legislador (que faz preponderar o poder legislativo), esta mais próxima de uma vontade de poder (Wille zur Macht). Nesse contexto, a Justiça não é um mero Poder instituído (passivo, estático), senão instituinte (ativo, dinâmico), principalmente em relação aos direitos fundamentais – note-se, chamou-se de Justiça instituinte e não “Poder Judiciário instituinte”, sendo aquela a equação complexa entre este, a força normativo-vinculante da Constituição e a função encabeçada pelos superprincípios constitucionais – princípio da constitucionalidade (controle de constitucionalidade e de conformidade do sistema jurídico-normativo), princípio do Estado Constitucional de Direito (Verfassungsstaat) e princípio da proteção dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana;

p)                 O pensamento de Peter Häberle tem influenciado o desenvolvimento do Direito Constitucional, principalmente aqui no Brasil pelas decisões recentes encontradas na jurisprudência do STF, o que assaz sintoniza o país no âmbito do Direito Judicial: a) abertura do processo constitucional a uma maior pluralidade de sujeitos – os intérpretes em sentido amplo da Constituição numa “comunicação entre norma e fato” (Kommunikation zwischen Norm und Sachverhalt) –, através dos amici curiae (com possibilidade hoje de até fazerem sustentação oral) e das audiências públicas (art. 9º da Lei 9.868/99), propiciando maior legitimidade democrática às decisões proferidas, sendo relevante ainda destacar que tais audiências devem ser transmitidas pela TV Justiça e pela Rádio Justiça para conhecimento geral e imediato (art. 154 do RI/STF); b) o pensamento das possibilidades ou indagativo (fragendes Denken), pelo que se revela que a Constituição não é norma fechada, mas sim um projeto (Entwurf) em contínuo desenvolvimento, tornando-se visível, segundo Häberle, “uma teoria constitucional das alternativas” a converte-se também em uma “teoria constitucional da tolerância”. Isso permite a perspectivas de novas realidades, numa “adaptação às necessidades do tempo de uma visão normativa”. No âmbito do STF, vale citar a sua influência na ADI 1.289; c) dos seus estudos, retiram-se reflexões sobre a relação entre tempo e Constituição (Zeit und Verfassung) e, desse modo, sobre o fenômeno da mutação constitucional (Verfassungswandel). Afirma Häberle que não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada, colocando-a em seu devido tempo ou integrando-a na realidade pública. É o que ele passa a chamar conceitualmente de pós-compreensão (Nachverständnis), pelo que se compreende supervenientemente uma dada norma. Por outras palavras, é dizer que a norma, confrontada com novas experiências, transforma-se necessariamente em uma outra norma, por uma interpretação constitucional aberta situada num processo dialético, sendo mais defensável ainda que ocorra exatamente em matéria de defesa dos direitos fundamentais; d) em uma visão de Häberle de Estado Constitucional cooperativo, no contexto atual de abertura a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos e fundamentais, destaca-se sua influência no âmbito do Supremo a partir do julgamento dos Recursos Extraordinários 349.703 (relator para o acórdão ministro Gilmar Mendes) e 466.343 (relator ministro Cezar Peluso), defensável em conta do art. 4º, parágrafo único, e art. 5º, §§ 2º, 3º e 4º da CF/88, pelo que adotou-se a tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos com eficácia jurídica paralisante de disciplina normativa infraconstitucional conflitante (Cf. MENDES; VALE, 2009);

q)                 De mais a mais, a Constituição não é só de um país, mas de uma nação globalizada, mundializada, podendo sofrer, até mesmo, intervenções de Tribunais Internacionais em caso de violação a direitos humanos, modelo hoje desenvolvido na figura do transconstitucionalismo, em que o direito constitucional entra em contato com outros sistemas, numa relação transcendental permanente, contribuindo para tanto a expansão da jurisdição constitucional e o fortalecimento dos direitos da pessoa humana. A proposta que vem se afirmando é que as ordens estatais, internacionais e supranacionais dialoguem e entrosem-se.[3]

De tudo isso, observa-se que um novo modo de Direito mais cidadão e democrático surge: o Direito Judicial Criativo, focado que é na prática normativo-jurisprudencial criativa, por certo fortalecido no Brasil em sua perspectiva concreta e principalmente abstrata das novas tendências encampadas pelo STF em sede de controle difuso de constitucionalidade, com vistas na efetivação plena da Constituição.

É pelo Judiciário, nos moldes dworkiniano de proteção das liberdades, que se

põe em evidencia, inclusive contra as maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos principais selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do ocidente. (...). Nesse eixo, aquilo que pode ser entendido à semelhança da vontade geral rousseaniana, uma vez bloqueada pelas circunstancias próprias à sociabilidade e à vida política contemporâneas, acaba encontrando expressão, pragmaticamente, em personagens e instituições, cuja história particular se apresentaria como o resultado de conquistas da ideia do justo positivados no direito e enraizadas na cultura política (VIANA et. al. 1999, p. 38, apud FERREIRA, 2011).

Fiquemos, portanto, com o mesmo epílogo do texto de Emerson Garcia (2008):

Ainda que sejam tortuosos os percursos metodológicos conducentes à fundamentação do Direito Judicial, é inegável a influência projetada, no meio social, pelas decisões dos órgãos jurisdicionais, em especial dos tribunais superiores. Não é exagero afirmar que materializam o direito vivo, renovando sua essência a cada vaga de mutação social. O estudo do Direito Judicial estimula a identificação de suas virtualidades e permite a idealização de adequados mecanismos de controle, pois, na conhecida sentença de Lord Acton, “todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Um breve tracejar das potencialidades dessa temática, ainda que acompanhado de imperfeições e incontáveis omissões, foi o nosso objetivo.

Isso tudo, porém, pode liberar, como numa Caixa de Pandora, uma avalanche de repercussões negativas. É nesse sentido que Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (2007) põem o tema da mutação constitucional visada no dispositivo da Constituição (art. 52, X) e toda a sua consequência criativa do Poder Judiciário: caso prevaleçam os votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, a decisão do Supremo Tribunal Federal, por mais que seja pragmática e juridicamente científica, pode fazer com que, ao talante da mutação constitucional, sejam colhidos, daqui para frente, os mais diversos frutos de cariz discricionário, em detrimento, inclusive, da vontade da Constituição.

De outro lado, da mesma forma em que sobrou a esperança na Caixa de Pandora, é o idêntico sentimento que guia o presente texto, é dizer, embora se espraiam no universo jurídico argumentações contrárias à nova tendência do STF em sede de controle difuso, é, no fundo, a esperança, encontrada nos pontos positivos da tese defendida, de se fazerem mais efetivos e de se protegerem ainda mais os direitos fundamentais e a democracia que leva à conclusão de serem legítimos tais anseios mutacionais. Enfim, a Constituição como esperança de realização do Direito.

De fato, vários princípios/teorias dão o tom aos debates, inseridos no contexto da Nova Hermenêutica e do pós-positivismo: superprincípios da constitucionalidade ou da racionalidade constitucional (da conformidade), da democracia (do Estado Democrático de Direito – supercláusula pétrea, nas palavras de Carlos Britto, 1999) e da dignidade da pessoa humana e proteção aos direitos fundamentais, princípio da nulidade da lei inconstitucional, princípio da supremacia e rigidez constitucional, princípio da razoável duração do processo, da celeridade, da economia processual, princípio da separação funcional dos Poderes, princípio da proibição do retrocesso, princípio da interpretação conforme à Constituição, princípio da individualização da pena (em vista do caso concreto debatido na Rcl. 4.335-5/AC), princípio da igualdade, da legalidade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da concordância prática, da razoabilidade, da ponderação de interesses, da justiça, princípio da unidade da constituição, do efeito integrador, da máxima efetividade, da justeza ou da conformidade funcional, da concordância prática ou da harmonização, da força normativa da Constituição, princípio da segurança jurídica, da proteção da confiança, da precaução, princípio da universalidade da jurisdição, princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Desses princípios, argumenta-se que, principalmente, os princípios da rigidez da Constituição, separação funcional dos Poderes e o do devido processo legal, ampla defesa e contraditório dariam o norte à sucumbência das pretensões enlaçadas na Rcl. 4.335-5/AC. Sem razão, contudo.

O princípio da rigidez, longe de significar impermeabilidade conceitual, é amplamente assegurado pelos processos informais de modificação da Constituição – dos quais faz parte da teoria da Mutação Constitucional – na medida em que estes fazem da opção pelas emendas (processos formais de modificação constitucional) sempre uma ultima ratio, quando a Constituição já não cumpre a contento com o seu papel histórico e não consegue atualizar-se por via da interpretação doutrinária e jurisprudencial, ou mesmo por qualquer outra forma disposta pelo processo informal das mutações constitucionais.

Ademais, deve-se fazer uma releitura, em vista da superação histórica, de concepção vetusta da separação dos Poderes, no sentido de ela ser concebida atualmente dentro de um Estado Constitucional-Democrático-Social de Direito ou simplesmente Estado Constitucional (Verfassungsstaat), que visa à plena realização do princípio democrático e dos direitos fundamentais bem como a concretização do princípio da universalidade da jurisdição – finalidades essas que cabem ao Poder Judiciário, ao dar maior efetividade às decisões judiciais, mormente quando se observa a conjuntura atual de leniência, senão inércia, do Legislativo no Brasil.

Igualmente, as decisões judiciais não deixam de ser democráticas, posto que, ao adequar as premissas equivocadas estabelecidas pelo Legislativo, diretamente elas promovem a finalidade pública e os anseios sociais, controlando a “vontade do povo” (manifestada na lei) pela própria “vontade do povo” (manifestada na Constituição) – legitimidade democrático-popular de exercício (adquirida).

Quanto aos princípios do devido processo legal (due process of law), ampla defesa e contraditório, diga-se que eles hão de ser garantidos, sim, mas, alçado o entendimento da inconstitucionalidade da lei, esta é nula, e sendo nula, não mais deve pertencer ao ordenamento – teoria da nulidade da lei inconstitucional –, momento no qual todos os outros casos concretos devem ser submetidos, de imediato, à eficácia vinculante da decisão judicial do STF. Aqui, apenas no caso servido como paradigma, os referidos princípios deverão constar, sob pena de violar preceito constitucional.

Logo se percebe que os argumentos contrários à nova tendência do STF em sede de controle difuso soçobram (e até passam a fundamentar a legitimidade dessa nova concepção), principalmente quando se tem presente uma outra tendência fundamentadora da primeira citada: a tendência de abstrativização, objetivação ou verticalização do controle concreto, tipicamente difuso, em virtude da extensão dos efeitos do controle abstrato (erga omnes, ex tunc e vinculante) para o concreto (inter partes e ex nunc, caso não haja a suspensão pelo Senado), impondo-se a decisão de Tribunal Superior (rectius: Supremo) ao inferior, consoante demonstram os exemplos da legislação (e.g. Súmula Vinculante, Repercussão Geral, art. 481, parágrafo único, e art. 557, § 1º-A do CPC) e da jurisprudência do STF (e.g. RE 197.917/SP, HC 82.959/SP, Rcl. 4.335-5/AC, MI 670, 708 e 712).

Essa tendência de abstrativização também traz ao controle difuso a possibilidade de o STF, somente em determinadas circunstâncias, poder rever suas decisões – como no caso de declaração de constitucionalidade em que surjam mudanças das circunstâncias fáticas ou de relevante alteração das concepções jurídicas dominantes. Da mesma forma, não serão afetados pela declaração de inconstitucionalidade os atos não mais suscetíveis de revisão ou impugnação, tudo ao modo das decisões em controle abstrato. Além disso, a declaração de inconstitucionalidade in concreto também é passível de limitação de efeitos, como já vem, aliais, se decidindo (Cf., dentre outros julgados, Rcl. 2.391, Rel. Marco Aurélio, DJ 12/07/2007).

Ora, se a súmula vinculante foi implementada, apesar dos pesares, muitas discussões acerca da nova perspectiva do STF esvaem-se. Jogaram-se as primeiras pedras com EC 45/04, e isso faz com que outras sejam arremessadas, como o tema aqui proposto. Como dito em outra passagem, a destruição das janelas da “casa” (ou da própria casa, se o caso), antes de significar a destruição do núcleo essencial das competências dos Poderes, é, na verdade, uma tendência de efetivação da Constituição e da sua força normativa: destroem-se apenas, nessa visão, as janelas que impedem a reflexão da luz solar, clarão este que nos guiará rumo à segurança jurídica e à justiça (social) a serem implementadas pela Lei Maior.

Somem-se a essa tendência os fenômenos da jurisprudencialização/tribunalização da Constituição e do ativismo judiciário (rectius: ativismo constitucional), significando, em resumo, uma nova forma de ver a Constituição, ao ser revelada a criação jurisdicional em matéria constitucional e a autoridade da Jurisprudência (direito constitucional jurisprudencial), identificando-se, outrossim, em tempos de explosão de litigiosidade, a interpretação concretizante de certos conteúdos constitucionais, o que denota, certamente, uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais fundamentais (Justiça instituinte). Busca-se, dessa maneira, realizar a justiça social mesmo com maior interferência no invocado espaço de atuação dos outros dois Poderes (atividade normativa pulverizada e escalonada), mormente quando um deles está em crise, como é o caso do atual Congresso Nacional.

Deriva daí outro ponto importante, que é a superação da visão da função judicial de simples “legislador negativo”, dando-se um novo papel especial à Jurisdição Constitucional. Dessa forma, a função criadora do intérprete, concebida dentro de um processo hermenêutico produtivo, traz um modelo onde cabe ao Tribunal Constitucional extrair através da interpretação o sentido da norma que a coloque em consonância com o texto maior, excluindo-se os resultados dissonantes. É a força normativa das decisões judiciais do Supremo, mencionada por Eros Grau.

A teoria da Mutação Constitucional – ou ainda, com base firme em Peter Häberle, interpretação constitucional aberta com possibilidade de mutação normativa ou evolução na interpretação –, de mais a mais, fornece substrato às intenções modificativas do art. 52, X, CF/88. Isso porque revela-se como um processo informal de modificação constitucional “por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais”, consoante o conceito de Uadi Lammêgo Bulos (1997, p. 57).

Nesse processo de mutação, para o referido autor, haveria de ter somente limitações subjetivas – a consciência do intérprete, ou seja, a postura ética do aplicador em não desrespeitar a norma constitucional através de interpretações deformadoras dos princípios fundamentais que embasam o Documento Maior –, o que coaduna com os propósitos da tese aqui defendida, já que não traça como limite do fenômeno o texto da Constituição, senão a própria Constituição em sistema – um sistema constitucional mutante, complete-se.

Até mesmo Eros Grau confirma o sobredito, ao ressaltar, em seu voto quando Ministro em atividade do STF, que “na mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma [processo esse de interpretação, que seria um minus em relação ao processo de mutação constitucional], porém de um texto a outro texto, que substitui o primeiro”, ou seja, “na mutação constitucional há mais [o plus]. Nela não apenas a norma é outra, mas o próprio enunciado normativo é alterado”. Alterado pelo próprio resultado da mutação normativa (“resultado normante”), que dá nova vida ao texto (“resultado normado”).

Além disso, lembre-se que a postura a ser alcançada pela Rcl. 4.335-5/AC respeita, como visto, os princípios fundamentais que norteiam a Carta Maior de 1988, além de prestigiar o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo. De outro lado, não adotar tal postura significa condescender-se com o vazio, a omissão, a inércia legislativa, que, como bem apontou Carlos Augusto Alcântara Machado (1999, p. 135), promove, aí sim, uma mutação inconstitucional.

Se mesmo assim teoricamente a pretensão de dar nova feição ao controle difuso de constitucionalidade não satisfaz, tem-se que pragmaticamente o STF pede socorro, para o fim de fazer valer o art. 5º, LXXVIII, CF/88, em face dos 90.607 processos que julgou somente no ano de 2011 (dados atualizados até novembro), sendo que estrondosos 86,5% deles (78.383) se referiam apenas a Agravo de Instrumento e Recurso Extraordinário! Enquanto isso, tem-se registrado que a Suprema Corte americana julga anualmente uma média de apenas 100 processos.

Por certo, o novel paradigma que se está formando com mais força na Rcl. 4.335-5/AC tende a amenizar a repetição de processos, a demora das decisões constitucionais sobre importantes controvérsias e o chamado fenômeno das “guerras de liminares”.

Com base em toda a análise feita do instituto jurídico da suspensão do Senado de lei declarada inconstitucional pelo Supremo, entende-se, nos passos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, que a norma estabelecida no art. 52, X, CF/88, deve sofrer a mutação constitucional precisada e ser lida da seguinte maneira: “compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo”.

De outro modo, poder-se-ia acrescer a expressão subjacente “a menos que” no dispositivo citado, promovendo toda a finalidade subjacente à regra constitucional, que é, dentre outras, dar efetividade às normas e comandos fundamentais da Constituição, derrotando-se um sentido e fazendo nascer outro complementar: “Compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a menos que, em matérias fundamentais e para dar efetividade plena às normas constitucionais, o próprio Supremo Tribunal Federal o faça”. Aqui, nem o texto é modificado, senão a sua norma complementada hermeneuticamente, fazendo-se loas à dicotomia texto e norma.

Ou mesmo, ainda, deve-se seguir o caminho teórico da transcendência dos motivos determinantes, onde o efeito vinculante emerge da própria ratio decidendi da decisão, logo, irradiando o seu conteúdo essencial. Ou seja, o dispositivo deve ser lido, numa perspectiva moderna, à luz da fundamentação.

Outrossim, nos trilhos da teoria da nulidade (“the inconstitutional statute is not law at all”), estender a todos (efeito erga omnes), desde sempre (efeito ex tunc) e com efeitos vinculantes o entendimento extraído da declaração incidental pelo STF da inconstitucionalidade de uma lei é prestigiar, antes de tudo, a “vontade da Constituição” (Wille zur Verfassung) e a sua força normativa (Die normative Kraft der Verfassung), além do respeito principalmente à legalidade, igualdade e imparcialidade, trazendo, por fim, segurança jurídica com justiça social, objetivos esses que resguardam o comprometimento da norma jurídica com os valores éticos.

Deveras, a Constituição Federal brasileira (como outras) nasceu para ser instrumento da cidadania, ao defender e garantir preponderantemente a dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de Direito ou, modernamente como se tem dito, o Estado Constitucional (Verfassungsstaat), estendendo a todos.

É o reforço, assim, do caráter democrático do sistema constitucional, onde o controle de constitucionalidade ganha ares especiais para assegurar a efetivação plena da Constituição e a manutenção da Democracia e Cidadania, num aspecto substancialista. Nasce, como uma fênix potencializada a partir do desenvolvimento da noção de Direito Judicial Criativo, novas concepções as quais oxigenam temas há muito criticados: o Ativismo Constitucional e a Justiça Instituinte dos direitos fundamentais, num tempo de transição do ativismo judicial e superação, de uma vez por todas, da ideia de Poder Judiciário meramente instituído.

E não poderia ser de outra forma, já que, nas palavras do sempre lembrado Pontes de Miranda, “contra a Constituição nada prospera, tudo fenece”. Isso porque o Direito, antes de tudo, é achado na Constituição.

* Salus popopuli supreme lex esta [4]

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Sobre o autor
Ricardo Diego Nunes Pereira

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduado em Direito do Estado (Constitucional, Administrativo e Tributário). Foi secretário-geral da Comissão de Combate ao Aviltamento de Honorários Advocatícios da OAB/SE. Autor de artigos e livros de interesse jurídico. Autor do livro “Direito Judicial Criativo: ativismo constitucional e justiça instituinte”, com menção no Library of Congress, nos EUA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Direito judicial criativo: ativismo constitucional e Justiça instituinte.: Análise de perspectiva do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3182, 18 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21310. Acesso em: 21 nov. 2024.

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