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A vinculação do orçamento federal como meio otimizador da eficiência na segurança pública

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31/03/2012 às 10:37
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6. CONCLUSÕES

Admitindo-se que a Constituição Federal de 1988 é a norma cogente superior vigente no ordenamento jurídico brasileiro é que se sustenta que instituições e administradores públicos estão compelidos a atuar na concretização dos direitos dos cidadãos, notadamente os reconhecidos como fundamentais. Tendo em vista que as inversões públicas possuem limitações orçamentárias, a Constituição fixa para toda a administração pública o respeito ao princípio da eficiência. Desse modo, os órgãos responsáveis pela segurança pública necessitam de adequados e suficientes recursos humanos e materiais para a satisfatória prevenção e repressão da criminalidade, a fim de evitar que o próprio Estado brasileiro viole sua Constituição, especificamente os artigos 37 e 144.

Embora não se possa olvidar que sempre existirá uma limitação orçamentária para qualquer atividade estatal, caso haja uma insuficiência de recursos que comprometa o exercício de direitos essenciais ao equânime convívio humano, tal insuficiência deve ser comprovada e não apenas alegada, como é recorrente no discurso político pátrio. Por isso se entende inaceitável que a não obediência aos ditames constitucionais se dê pela simples alegação governamental de que não há uma conjuntura econômica favorável e, exatamente por ser a segurança um direito realizador de outros direitos fundamentais, sua prestação insatisfatória representaria a permissão do Estado para que os direitos constitucionais fundamentais à vida, à liberdade e à propriedade de seus cidadãos sejam indevidamente (inconstitucionalmente) expostos a riscos desnecessários.

A Constituição delega à lei complementar a regulamentação da limitação ao poder de tributar, entretanto, como não há lei complementar que se manifeste contra a possibilidade da instituição de imposto ou taxa para manutenção da segurança pública, é juridicamente lícito que o governo federal, caso ele reconheça a real importância da pacificação social para o seu desenvolvimento, vincule uma parcela do seu orçamento em favor da segurança pública.

Dentre os direitos sociais de maior repercussão política e social está a segurança, ao lado dos direitos à saúde e à educação. Contudo, o direito à segurança é o único dos três que não possui qualquer garantia orçamentária constitucional. De tal sorte, embora a educação e a saúde já possuam uma proteção nesse sentido, a situação delas é calamitosa, o que leva a imaginar o quão pior seria se essas áreas não dispusessem desse mínimo orçamentário para investimento. Frisa-se que, mesmo se constitucionalizando o dever da União de investir uma parte de seu orçamento na segurança pública, não se resolverá o complexo problema que a criminalidade atual representa, mas autorizaria que se exigisse dos gestores públicos um melhor desempenho na execução desse serviço.

Percebe-se que o intuito do Estado brasileiro tem sido direcionado na responsabilização do administrador público que se exceder no gasto das verbas públicas (cita-se a Lei de Responsabilidade Fiscal), todavia, o mesmo rigor não se inflige ao gestor público que não investe o mínimo legalmente exigido em benefício daqueles que lhe remuneram. As manifestas aspirações políticas que operam no Brasil podem ser confirmadas com a E.C. nº 56/2007, que aprovou a desvinculação de 20% dos impostos arrecadados pela União, evidenciando-se que no Brasil os interesses estatais têm preponderado sobre os humanos.

Visto que já foram apresentadas propostas vinculativas de uma parcela do orçamento federal para a segurança pública, como a E.C. nº 502/2010, que impõe que a União invista no mínimo 6% de seu orçamento por um período de 10 anos e a E.C. nº 21/2005, que foi arquivada e que propunha vincular 5% da receita dos impostos da União à segurança pública. Isso demonstra que é mínima a vontade política voltada à proteção constitucional do direito à segurança. Porém, independente do percentual ou do período durante o qual seria investido, o óbvio é que qualquer proposta nesse sentido contribuiria com a segurança dos cidadãos, pois, o intolerável é o que se passa com a saúde pública, pois, mesmo contando com expressa constitucionalização do dever da União de aplicar um quantum mínimo de seu orçamento, aguarda há mais de 10 anos a regulamentação desse percentual.

Por sua vez, aceitando-se a vigência do princípio da não supremacia valorativa entre direitos fundamentais no sistema constitucional nacional, argumenta-se a favor da razoabilidade da instituição, para fins de preservação da vida humana, da obrigação da União de investir em segurança pública o mesmo percentual orçamentário que os estados federados devem aplicar em saúde. Tal posicionamento se plausibiliza porque em muitas situações a falta de segurança pública prejudica a saúde física dos indivíduos e financeira do Estado, como ocorre pela falta de segurança viária, que tem levado milhares de pessoas à morte e, ainda, ajudado a sobrecarregar as despesas públicas com hospitais e benefícios previdenciários.

Portanto, em razão da importância que a segurança pública representa para o progresso social, principalmente porque sua ineficiência reflete direta e negativamente no direito à saúde dos cidadãos, é que se entende justo atribuir a União a obrigação de aplicar na área da segurança pública um percentual mínimo de 12% do que arrecadar com impostos. Além disso, sustentando-se a prevalência do princípio da isonomia na promoção de direitos, o fato da União poder intervir nos estados federados caso eles não apliquem em saúde o mínimo de 12% dos seus impostos (e os estados nada poderem fazer frente à inércia federal), reforça-se a justiça da idéia de impelir que o governo federal aplique na segurança pública semelhante percentual que os estados devem empenhar na saúde pública. Acrescenta-se que, na tentativa de evitar qualquer retrocesso em políticas sociais públicas, quando for editada a lei complementar definidora do percentual que a União deverá investir em saúde, semelhante índice deverá ser vinculado à segurança pública.

E, a fim de valorizar e fazer cumprir os mandamentos constitucionais, só resta aumentar a responsabilidade, inclusive penal, dos gestores da coisa pública caso eles não promovam as mínimas inversões orçamentárias constitucionalmente impostas em prol dos direitos fundamentais. Ademais, o gestor público tão-somente justifica sua existência se trabalhar para melhorar as condições de vida da população pagadora de impostos.


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Sobre o autor
Fabio Trevisan Moraes

Policial Rodoviário Federal. Doutorando em Direito Penal. Mestre em Direito. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Fabio Trevisan. A vinculação do orçamento federal como meio otimizador da eficiência na segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3195, 31 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21397. Acesso em: 28 mar. 2024.

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