Que vantagem o Estado retira de todo o imenso montante das receitas obtidas? A finalidade da atividade financeira estatal não se traduz na arrecadação como um fim em si mesmo, e sim no efetivo atendimento das necessidades públicas.
RESUMO: O presente artigo busca, sem a pretensão de esgotar o tema, analisar o instituto da receita pública, considerando a sua importância como peça chave dentro do planejamento orçamentário, bem como verificar o seu disciplinamento no contexto da responsabilidade na gestão fiscal.
Palavras-chave: orçamento público; receita pública; responsabilidade fiscal.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Do Instituto da Receita Pública Orçamentária – 2.1. Do Conceito de Receita Pública – 2.2. Das Categorias Econômicas da Receita Pública – 3. Da Responsabilização Fiscal no Manejo da Receita Pública – 3.1. Da Máxima Utilização da Capacidade Arrecadatória – 3.2. Da Precisa Estimativa da Receita – 3.3. Do Controle da Realização da Receita – 3.4. Dos Limites para as Receitas geradoras de Dívidas – 3.5. Das Restrições à Renúncia de Receita – 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Desde sempre o estudo das receitas públicas assumiu papel de destaque no campo doutrinário. Por decorrência natural, seria bem mais interessante ao Estado preocupar-se em legitimar a obtenção dos recursos do que disciplinar o controle dos seus gastos. Não é por outro motivo que, após a sistematização e autonomia das disciplinas do direito tributário e financeiro, observou-se um gradativo progresso da importância acadêmica do direito tributário, em paralelo à redução do interesse no tratamento das questões financeiras. Talvez porque o foco daquele sempre esteve relacionado à obtenção das receitas pelo Estado, ao passo que este inclui também o disciplinamento dos gastos.
De toda sorte, com o passar do tempo, cada vez mais vem ganhando importância o estudo não apenas das fontes de recursos, mas também a boa aplicação destes, dentro de uma atividade financeira economicamente sustentável. Atualmente, é notória a relevância do estudo de temas relacionados ao direito financeiro, incluindo a disciplina das receitas públicas, sobretudo diante da irreversível tendência de maior controle e transperância no uso do dinheiro público. Disto resulta que o estudo da receita pública, sobretudo no que diz respeito às normas de responsabilização fiscal, é imperativo no cenário jurídico hodierno.
Para a discussão do presente tema, inicialmente são tecidas considerações a respeito do instituto da receita pública, conforme as disposições presentes na Lei nº. 4320/64, que estabelece as normas gerais de direito financeiro. Após, procura-se identificar os principais comandos trazidos na Lei de Responsabilidade Fiscal referentes ao instituto da receita pública, observando as determinações legais que condicionam a sua boa aplicação.
2. DO INSTITUTO DA RECEITA PUBLICA ORÇAMENTÁRIA
2.1. DO CONCEITO DE RECEITA PÚBLICA
Para fazer face às suas obrigações, o Estado necessita de recursos, sobretudo para o atendimento das necessidades públicas. O conjunto desses recursos, então, é chamado de receita pública. É através dessas receitas que o Estado poderá atender às demandas diversas da sociedade. De forma ampla, então, podemos dizer que receita pública é o conjunto de valores recebidos pelo Estado destinados a fazer frente às suas obrigações.
Para tanto, o Estado pode obter esses recursos de forma originária, a partir da exploração do seu próprio patrimônio, ou de modo derivado, a partir da exploração do patrimônio de terceiros, quando utiliza-se do seu poder de império para sociabilizar coercitivamente o patrimônio particular por meio da tributação. Assim, no que se refere à origem das entradas, isto é, a forma de obtenção dos recursos pelo Estado, classificam-se as receitas públicas em originárias e derivadas.
As receitas originárias, chamadas também de receitas de economia privada, tem origem no próprio patrimônio público, através de atividades de economia privada. O Estado, como pessoa jurídica pública responsável pelo bem estar social, pode, para a consecução dos seus fins, participar da atividade econômica e obter receitas. As receitas originárias, portanto, são aquelas provenientes da exploração pelo Estado do seu próprio patrimônio e, nesse caso, aqueles que remunerarem o ente público o farão de sua própria vontade, como contraprestação volitiva e espontânea, sem o exercício pelo Estado do seu poder coercitivo, o qual atua, nessa espécie, como agente particular na economia privada, estabelecendo uma relação horizontal com particulares.
As receitas derivadas, por seu turno, também chamadas de receitas de economia pública, representam a entrada de recursos de forma impositiva pelo Estado. Trata-se, portanto, de ato compulsório, pelo qual o poder público obriga o repasse de recursos dos particulares como forma de viabilizar a atividade estatal. Daí se percebe que, nesse caso, a origem dos recursos não surge mais a partir de alguma atividade própria do Estado, mas origina-se diretamente de terceiros, compelidos ao repasse. Tais recursos, então, são tomados dos particulares sem atividade de exploração econômica anterior do Estado, por isso chamadas de receitas derivadas, ou de economia pública, porque captadas coercitivamente, agora em relação vertical de subordinação.
Além das receitas originárias e as derivadas, vale mencionar, ainda, as chamadas receitas transferidas, as quais nem decorrem da exploração do patrimônio estatal (originárias), nem da imposição coercitiva pelo Estado (derivadas). Tratam-se das receitas provenientes de transferências de recursos, sejam resultantes de mandamento constitucional ou legal (transferências obrigatórias), sejam por mera liberalidade (transferências voluntárias). Nesse caso, diferente do que ocorre com as receitas originárias e as derivadas, esses recursos não decorrem de uma relação que se estabelece entre Estado e particulares.
Independente da origem dos recursos, é possível que a entrada tenha caráter definitivo ou provisório. De fato, existem aqueles recursos que se referem a simples ingresso de valores que, por força de lei ou contrato estabelecido, não permanecerão em definitivo. Nesse ponto, vale destacar que parcela significativa da doutrina possui um conceito mais restritivo de receita pública, excluindo os simples ingressos, que são as entradas provisórias. A rigor, essas entradas apenas passam pelo fluxo de caixa, sendo retiradas do ente público em algum momento posterior. É o caso, por exemplo, das operações de crédito, que são empréstimos com a obrigação da devolução da quantia recebida.
A partir desse conceito mais restritivo, a doutrina vem entendendo que, por serem fatos contábeis que geram, ao lado da entrada dos recursos, também uma contrapartida no passivo, tais entradas compensatórias não seriam propriamente receitas, porquanto não ingressam nos cofres públicos com permanência definitiva, isto é, não se constituem em elemento novo a proporcionar efetivos recursos para cobrir as despesas. Nesse contexto, receitas públicas seriam tão somente aquelas que, integrando-se aos cofres públicos com ânimo definitivo, vem acrescer o patrimônio estatal para fazer frente às despesas públicas. Nesse sentido, esclarecedora a doutrina de Ricardo Lobo Torres:
“Assim sendo, o conceito de receita, embora fundamentalmente baseado no de ingresso, dele se estrema, pois o ingresso corresponde também à entrada de dinheiro que ulteriormente será restituído, como ocorre no empréstimo e nos depósitos. Por isso mesmo Aliomar Baleeiro definiu: "receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo" (op. cit., p. 116).” (TORRES, 2011)
Impende salientar, ainda, que há uma diferenciação doutrinária referente às receitas efetivas e não-efetivas, que pode, a princípio, confundir-se com o conceito de receita pública e simples ingresso. Em rápida análise, poder-se-ia cogitar que receita pública, com entrada definitiva, seria o mesmo que receita efetiva, enquanto o mero ingresso, com entrada provisória, seria o mesmo que receita não-efetiva. Isso, porém, não é verdadeiro, sendo conceitos distintos, embora guardem alguma semelhança. É que, em certas situações, embora não haja contrapartida no passivo, isto é, sejam entradas definitivas sem a necessidade de devolução posterior e, portanto, encaixem-se no conceito restritivo de receita pública, tais entradas não geram acréscimo patrimonial, daí porque, mesmo sendo receita, não podem ser consideradas efetivas.
É o caso, por exemplo, da alienação de bens, quando, nesse caso, haverá receita pública, por ser entrada definitiva e não gerar contrapartida no passivo, contudo, a receita originada com a operação, em tese, não irá representar alteração patrimonial, pois trata-se de mera conversão em espécie do valor que antes estava imobilizado, sendo fato contábil meramente permutativo, constituindo-se em receita não-efetiva. Ou seja, haverá receita pública, porque os recursos advindos da alienação do bem entram em caráter definitivo, sem gerar obrigação de devolução posterior, mas não haverá receita efetiva, já que se trata de mera troca de ativos que não repercutem em acréscimo patrimonial.
Na verdade, a diferença é que, enquanto o conceito de receita pública e ingresso referem-se, especificamente, ao caráter definitivo ou provisório da entrada do recurso nos cofres públicos, o conceito de receita efetiva e não-efetiva, por sua vez, diz respeito à ocorrência ou não de alteração patrimonial provocada pela entrada do recurso. É possível, portanto, que uma entrada seja definitiva (receita pública) mas não represente alteração patrimonial (receita não-efetiva), dai porque as receitas públicas não-efetivas também são denominadas receitas por mutações patrimoniais, porque resultam de fatos contábeis mermente permutativos, ao passo que as receitas públicas efetivas decorrem de fatos contábeis modificativos aumentativos.
Em suma, portanto, podemos sintetizar dizendo que o mero ingresso é receita não-efetiva, porque gera contrapartida no passivo, enquanto a receita pública pode ser receita efetiva ou não-efetiva, conforme resulte, respectivamente, em alteração ou não do patrimônio estatal. Em outros termos, apesar de toda receita efetiva ser receita pública, o inverso não ocorre, isto é, nem toda receita pública é receita efetiva.
De todo modo, vale assinalar que apesar da doutrina fazer as distinções entre entradas provisórias (meramente compensatórias) e entradas definitivas (sem correspondência no passivo), o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente a Lei nº. 4320/64, não faz tal distinção, entendendo como receita pública todo e qualquer ingresso de recursos, tenham característica provisória ou definitiva, resultando ou não em alteração patrimonial. Assim, por conceituação legal, são receitas também os ingressos provisórios e as receitas não-efetivas. As normas de escrituração pública dos fatos contábeis não seguem a distinção da doutrina, a perceber, inclusive, pelo princípio do orçamento bruto [1], que determina a presença de todas as receitas e despesas no orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções, daí porque eventual receita que possua contrapartida no passivo deve ser contabilizada integralmente.
Ademais, as únicas categorias econômicas das receitas são as correntes e de capital, não havendo distinção quanto aos meros ingressos, mas a classificação trazida pela Lei nº. 4320/64 trata todas as entradas com nomenclatura de receita, correntes ou de capital, mas sempre receitas. Portanto, apesar da doutrina majoritária reconhecer como receita pública apenas as entradas definitivas, sem contraprestação no passivo, sendo as entradas provisórias denominadas meros ingressos, para o legislador, contudo, não há tal distinção, o que significa que, pela conceituação legal, entradas provisórias e definitivas são todas receitas públicas.
2.2. DAS CATEGORIAS ECONÔMICAS DA RECEITA PÚBLICA
Nos termos Lei nº. 4320/64, as receitas públicas classificam-se, de acordo com a sua categoria econômica em: receitas correntes e receitas de capital [2]. Na verdade, esse critério adotado é utilizado não só para as receitas, mas também para as despesas públicas. O termo "corrente" dá idéia daquilo que corre normalmente, isto é, daquilo que é corriqueiro; já o termo "de capital", dá a idéia de capitalização, ou seja, aquilo que busca o incremento patrimonial.
Para o caso das despesas, a classificação em correntes e de capital é entendida sob o ponto de vista do destino. Assim, os recursos aplicados para as atividades correntes, cotidianas, corriqueiras, relacionadas à manutenção e funcionamento do Estado, serão despesas correntes, enquanto aquelas alocadas em investimentos e alavancagem patrimonial, serão, por sua vez, despesas de capital. Ou seja, no contexto das despesas, a classificação econômica varia em decorrência da aplicação dos recursos.
Já sob o ponto de vista das receitas, os termos "correntes" e "de capital", embora tenham o mesmo sentido de indicar, respectivamente, por um lado o cotidiano, e por outro lado, o aspecto patrimonial, agora passam a ser analisadas sob o enfoque da sua forma de obtenção (entrada), e não o seu destino (saída). Assim, são correntes as receitas que se encaixam dentro da atividade estatal corriqueira, cotidiana, de obtenção de recursos, por isso chamadas receitas correntes, enquanto as receitas de capital são aquelas que, por exclusão, estão à margem das atividades ordinárias do Estado, sendo resultantes das operações nas quais o Estado busca a captação de recursos em outras fontes, principalmente externas. Vejamos, nesse sentido, o que dispõe o art. 11, §§ 1º e 2º, da Lei nº. 4320/64:
"§ 1º - São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.939, de 20.5.1982)"
"§ 2º - São Receitas de Capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas; da conversão, em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital e, ainda, o superávit do Orçamento Corrente. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.939, de 20.5.1982)"
Pelo que se percebe, as fontes naturais de obtenção de recursos, de fato, referem-se às receitas correntes, que são resultantes das atividades próprias do Estado, relacionando-se às suas operações regulares e cotidianas, decorrentes da exploração do seu próprio patrimônio (receita originária) ou da exploração do patrimônio de terceiros (receita derivada), sendo captadas no âmbito interno do próprio ente federado, no curso das suas formas precípuas de obtenção de receitas. A definição das receitas decorre, portanto, da exata aferição quanto ao recurso estar ou não inserido nas atividades corriqueiras de obtenção de renda pelo Estado: se forem atividades regulares e rotineiras, as receitas serão correntes; se forem atividades esporádicas e fontes alternativas, as receitas serão de capital.
Fora do contexto das atividades ordinárias do Estado, as receitas de capital, por sua vez, são resultantes das operações nas quais o Estado busca a captação externa de recursos. De fato, é possível que o Estado entenda ser necessário obter fontes alternativas para financiar os seus investimentos, como forma de acelerar o ritmo de crescimento e alavancagem patrimonial, nesse caso utiliza-se das receitas de capital. Ora, se todos os investimentos do país ficassem na dependência exclusiva das receitas correntes, ou o Estado iria se desenvolver a passos letárgicos, ou seria necessário aumentar absurdamente a carga tributária do país, que já é excessiva ao extremo. Obviamente, nenhuma dessas saídas sería razoável. Logo, é necessário, e até saudável do ponto de vista econômico, para fins de aceleração do crescimento, que o Estado realize parceiras e captações externas, como fontes alternativas de renda para a consecução dos seus objetivos e metas.
Obviamente, a captação externa de recursos é solução secundária, a ser realizada sempre dentro dos limites de endividamento aceitáveis. A situação econômica ideal pressupõe que as receitas correntes sejem suficientes para custear as despesas correntes e ainda sobrem para serem aplicadas em investimentos, juntamente com as receitas de capital, as quais ficariam, nessa hipótese, adstritas à alavancagem patrimonial, mantendo-se níveis de endividamento prudentes. O equilíbrio econômico ideal exige que o Estado tenha uma atividade financeira na qual as receitas correntes sejam suficientes para custear as despesas correntes, não se admitindo que as receitas de capital venham cobrir eventual furo orçamentário.
Quando as receitas de capital são menores do que as despesas de capital, nessa situação as receitas correntes estão financiando parte das despesas de capital, sendo o déficit de capital coberto pelo superávit do orçamento corrente [3]. Essa situação é denominada de capitalização. Ao contrário, quando as receitas de capital são maiores do que as despesas de capital, estará ocorrendo o superávit de capital. Nessa situação não recomendável, as receitas de capital estão financiando também as despesas correntes, e o déficit corrente estará sendo coberto pelo superávit de capital. Ao contrário da situação anterior, esta agora é denominada de descapitalização ou aumento do endividamento, extremamente perigosa para a sustentabilidade das contas públicas.
À luz do princípio do equilíbrio orçamentário, é necessário que o Estado desenvolva uma atividade financeira cujas receitas correntes sejam suficientes para garantir o funcionamento da máquina estatal, cobrindo as despesas correntes sem a necessidade de se recorrer a receitas eventuais, como as receitas de capital. Proíbe-se, assim, que o endividamento público venha custear despesas de custeio/manutenção do Estado. Destarte, se o ente público vier recorrer a endividamento, que seja para aplicar em despesas de capital, que contribuem diretamente para o desenvolvimento do país. O contrário indicaria a captação externa de recursos para financiar despesas correntes, em situação de claro de descontrole orçamentário.
3. DA RESPONSABILIZAÇÃO FISCAL NO MANEJO DA RECEITA PÚBLICA
3.1. DA MÁXIMA UTILIZAÇÃO DA CAPACIDADE ARRECADATÓRIA
A Lei de Responsabilidade Fiscal, no desígnio de garantir o equilíbrio orçamentário e a responsabilidade na gestão, traz inúmeras medidas para se previnir riscos capazes de afetar a sustentabilidade das contas públicas, seja através do controle e restrição da expansão dos gastos públicos e do endividamento estatal, seja em relação à garantia da efetiva entrada das receitas necessárias ao desenvolvimento da atividade estatal. Neste ponto, a referida lei traz alguns comandos que regulam a forma responsável de utilização da receita pública, sobre os quais passaremos a dispor agora. O primeiro deles, refere-se à utilização pelo Estado de toda a sua capacidade de arrecadação tributária, nos termos do art. 11, da LRF, in verbis:
"Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos."
De fato, é verdade que, no regular exercício do seu mister, o Estado precisa dos recursos necessários ao suprimento das necessidades públicas, daí porque a gestão responsável exige toda a capacidade arrecadadora que estiver ao alcance dos entes federados. Por isso, é requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. É preciso, então, arrecadar com responsabilidade.
Logo, o ente público que deixar de criar ou disciplinar um tributo para o qual a Constituição lhe confere competência, estará agindo em ofensa ao princípio da responsabilidade no manejo das verbas públicas, na medida em que, de forma voluntária, opta por não captar receitas tributárias de sua alçada. Nesse caso, o ente da Federação que assim proceder, ficará impedido de receber transferências voluntárias, que refere-se a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira. Tal sanção institucional, contudo, aplica-se somente em relação ao não exercício da competência tributária no caso específico de impostos.
Veja-se que, com este inovador dispositivo legal, os entes federados não têriam, a princípio, a opção de criar ou não tributos. Contudo, tal determinação difere do que se vê nos delineamentos do direito tributário, onde se sabe que a competência tributária é facultativa. Ou seja, se um ente federado não quiser instituir um determinado tributo, ele não é obrigado, nos termos da Constituição Federal. Na verdade, a competência tributária é a aptidão para criar tributos em abstrato, dentre outras atividades relacionadas, mas nela não se inclui a obrigatoriedade do exercício dessa aptidão, sendo poder que a Constituição faculta aos entes da Federação. De fato, a Carta Magna não criou nenhum tributo, apenas estabeleceu competência em regra matriz de cada tributo para que as pessoas políticas os criassem através de lei, mas ao mesmo tempo em que confere tal competência, não exigiu dos entes federados a obrigatoriedade dessa criação.
Por outro lado, nos termos do Código Tributário Nacional, precisamente no seu art 8º, o não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído [4]. Quer dizer, não é porque deixou-se de criar tributo que outro ente público pode tratar do assunto para evitar eventual desfalque na arrecadação. Ora, daí se retira claramente a possibilidade do não-exercício da competência tributária. Deduz-se, então, que a competência tributária é de exercício facultativo, isto é, o ente público não é obrigado a exaurí-la de forma plena. A rigor, portanto, não há qualquer dispositivo, seja na Constituição Federal, seja no Código Tributário Nacional, que preveja expressamente a obrigatoriedade de efetiva instituição de tributo.
Por tal razão, para alguns, o art. 11 da LRF revela-se insconstitucional, na medida em que exige a instituição de todos os tributos previstos na CF/88. Nesse sentido, vale destacar que o referido dispositivo já foi atacado nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.238-5 [5], oportunidade na qual o Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela constitucionalidade do aludido comando. Na ocasião, a Corte Suprema afirmou que a restrição ao recebimento de transferências voluntárias aos entes beneficiários que se revelem negligentes na instituição, previsão e arrecadação de seus próprios tributos, não seria incompatível com a Constituição Federal, sobretudo porque o dispositivo não trata de transferências obrigatórias, mas refere-se tão somente às transferências voluntárias.
Pelo que se percebe, não há mal, do ponto de vista da responsabilidade na gestão fiscal, em se estabelecer penalidade institucional para o ente que deixou de acumular recursos para os cofres públicos. É importante perceber, na verdade, que o fato da Lei de Responsabilidade Fiscal trazer a obrigatoriedade do ente federativo instituir, prever e arrecadar todos os tributos de sua competência, estabelecendo penalidade pelo descumprimento no caso dos impostos, em nada altera, e nem poderia alterar, a natureza da competência tributária, a qual, por mandamento constitucional e determinação legislativa específica, continua a ter sempre essência facultativa.
Ao Estado, contudo, é perfeitamente admissível, para fins de equilíbrio orçamentário, e especificamente sob a ótica da responsabilidade na gestão fiscal, estabelecer a imprescindibilidade dos entes federativos exercerem a sua máxima capacidade arrecadatória. Ao fim e ao cabo, funciona como uma espécie de convite forçado: o ente público tem a liberdade constitucional de instituir ou não determinado tributo, contudo, apesar da facultatividade da competência tributária, caso não exerça esta atribuição para os impostos, sobre ele recairá sanção institucional, ficando impedido de receber transferências voluntárias.
3.2. DA PRECISA ESTIMATIVA DA RECEITA
Na elaboração da proposta orçamentária, a receita é prevista. Obviamente, não há como saber antecipadamente e de forma exata qual o valor será recolhido aos cofres públicos no exercício, trata-se, portanto, de estimativa. Essa previsão da receita é uma parte extremamente importante e sensível no planejamento orçamentário, a exigir o cuidado necessário a fim de que sejam evitados furos na estimativa que comprometam o orçamento. Isto porque, quando o ente prevê a entrada de determinado valor como receita, implicitamente estará determinando o nível das despesas, porquanto estas variam de acordo com o que se espera receber, daí porque é necessário estudo criterioso. É nesse sentido, então, que a Lei de Responsabilidade Fiscal traz outra disposição a ser observada no manejo das receitas públicas, concernente à busca pela precisão na sua estimativa, conforme pressupõe o art. 12 da LRF, a seguir:
"Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.
§ 1o Reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será admitida se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal."
Daí se retira que a estimativa não pode ser baseada em mero chute de forma irresponsável ou aleatória, mas é necessária análise técnica minunciosa, para isso existem os normativos técnicos e legais a serem observados, inclusive atentando-se para as suas alterações posteriores. Essa previsão deverá considerar, ainda, as variações que repercutam no índice de preços, crescimento econômico ou qualquer outro fator relevante. O que importa é garantir que o montante da receita prevista nas leis orçamentárias guarde forte conexão com elementos que justifiquem a estimativa apontada, porque dependendo do que for estimado de receitas, resultará na decisão acerca daquilo que vai ser gasto, conforme ordena o princípio basilar do equilíbrio orçamentário: "gastar, no máximo, aquilo que se arrecada".
Portanto, todo zelo se faz pequeno diante da responsabilidade na estimativa das receitas. Exatamente por tal motivo, a lei determina, ainda, que as previsões de receita devem ser necessariamente acompanhadas de demonstrativos de sua evolução nos últimos três anos, bem como de sua projeção para os dois anos seguintes. De fato, o orçamento não é um instrumento que fica parado no tempo, mas trata-se de peça programática dinâmica. A evolução passada certamente serve de subsídios para se aferir a previsão futura, assim como a previsão futura serve para nortear as decisões presentes.
Ademais, em decorência do princípio da separação dos poderes, o Legislativo não pode, quando estiver apreciando, votando ou emendando o projeto orçamentário, alterar a previsão da receita, a não ser que haja fundado motivo, se constatado erro ou omissão de ordem técnica ou legal. Na verdade, a estimativa da receita é tarefa do Executivo, só a este cabendo a atribuição de calcular e estimar as receitas, justamente porque possui os dados necessários para tanto, sobretudo junto aos seus Ministérios e corpo técnico, que o auxiliam diretamente na elaboração do projeto orçamentário. Não caberia a outra instância de poder, portanto, usurpar tal competência e intervir na previsão da receita sem justo motivo.
Certamente, se na apreciação do orçamento pelo Legislativo for verificada a presença de erro ou omissão de ordem técnica ou legal, será possível haver reestimativa de receita, para fins de corrigir o equívoco. Não é possível, contudo, alteração fundamentada em discordância subjetiva quanto aos valores estimados pelo Executivo, adentrando-se no mérito da previsão. Eis, portanto, mais um motivo para que o estudo técnico da estimativa das receitas seja realizado com a máxima precisão possível, até porque, via de regra, não há reexame do cálculo. Se assim não fosse, haveria insegurança extrema, sendo possível haver alterações a qualquer momento. Aliás, mesmo na hipótese de reestimativa da receita, corrige-se o vício respeitando a previsão inicial, o que significa que, a rigor, não chega a haver alteração material da estimativa inicial, mas apenas eliminação de eventual equívoco posteriormente detectado.
3.3. DO CONTROLE DA REALIZAÇÃO DA RECEITA
Não basta apenas estimar as receitas e utilizar-se da capácidade máxima arrecadatória, mas é necessário o periódico acompanhamento da sua realização, para fins de verificação se o montante arrecadado está correspondendo ao planejado. A preocupação primeira, portanto, é manter um Estado com as contas equilibradas, raz`ao pela qual se faz necessário o acompanhamento permanente da execução orçamentária, sobretudo no que tange às metas e resultados traçados para o exercício.
Nesse sentido, buscando viabilizar a aferição das receitas, a lei prevê a necessidade do Executivo desdobrar a estimativa das receitas em metas bimestrais de arrecadação, acompanhado com a especificação em separado, e quando cabível, das medidas de combate à evasão e à sonegação. A medida visa assegurar, portanto, que a receita seja realizada tal como prevista. E na hipótese de ser verificada a impossibilidade da realização da receita como previsto, com indícios de que os resultados previstos possam vir a ser comprometidos, deverá o Estado, com urgência, promover medidas para redução dos gastos, ajustando-os às receitas. A referida contenção, chamada limitação de empenho, é tratada no art. 9º da LRF. Vejamos:
“Art. 9º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”
A rigor, a limitação de empenho é medida de controle de gastos que pode ser aplicada para reduzir as despesas que estão em excesso ou para ajustá-las ao nível das receitas na hipótese destas terem fugido ao estimado. No caso em comento, a ação de controle refere-se especialmente à limitação de empenho quando a receita não acompanha ao montante planejado. É para esse caso, então, que o referido dispositivo traz a postura que o gestor público deve tomar diante do risco das receitas não comportarem as metas fiscais. Se as receitas estão a menor, coloca-se também as despesas a menor, trazendo as despesas para níveis compatíveis com as receitas e, com isso, reequilibra-se o orçamento.
Assim, iniciada a execução do orçamento, deve o administrador ficar atento à arrecadação das receitas públicas e ao devido cumprimento dos resultados previstos no planejamento orçamentário. Sendo verificado que a realização da receita poderá não comportar as metas fixadas, cada um dos Poderes deverá proceder à limitação de empenho dentro dos trinta dias subseqüentes ao término do referido período no qual foi diagnosticado o risco de deficiência nas receitas.
Vale observar que, nesse caso, a limitação de empenhio é realizada em caráter preventivo, ou seja, quando verificado que a receita poderá não comportar o cumprimento dos resultados esperados. Não é necessário que as receitas estejam, de fato, descumprindo as metas fiscais, mas basta que haja o eminente risco para justificar a limitação de empenho. Logo, antecipa-se eventual desequilíbrio e procede-se à limitação de empenho, porque há fundado risco para as receitas não atingirem o montante previsto.
Ressalte-se, ainda, que tal contenção de despesas não é realizada em montante totalmente arbitrário, mas aqui também está vinculado o administrador, devendo a limitação de empenho ser realizada segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias, nos montantes estritamente necessários ao retorno da normalidade. Havendo restabelecimento da receita, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional, conforme tenham sido efetuadas as reduções com aquela medida preventiva.
Importante salientar, também, que é dever de cada um dos Poderes, por ato próprio, promover a limitação de empenho em caso de ser verificada a subsunção da hipótese em comento. Nesse ponto, vale destacar que o §3º do art. 9º da LRF trazia disposição no sentido de que, no caso dos demais Poderes não promoverem a limitação de empenho, ficaria o Executivo autorizado a limitar os valores. Contudo, o aludido dispositivo também foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2238-5 e, conforme decidido pela Corte Suprema, o dispositivo teve seus efeitos suspensos, por ser hipótese de interferência indevida e ofensa ao princípio da separação dos poderes. Assim, a limitação de empenho na hipótese de receita arrecadada a menor que a estimada, far-se-á por ato próprio de cada respectivo Poder, em cuja esfera de atuação a receita não vem acompanhando o orçado.
3.4. DOS LIMITES PARA AS RECEITAS GERADORAS DE DÍVIDAS
O moderno conceito de princípio do equilíbrio orçamentário admite, em certas situações, orçamentos deficitários e com excesso de despesa, possibilitando-se trabalhar com receitas financiadas por operações de créditos, isto é, recursos provenientes de empréstimos que geram dívidas a médio/longo prazo. De fato, em certas conjunturas, pode ser interessante para o Estado alavancar determinado setor ou combater períodos de recessão. Para se permitir tal liberdade político-econômica e, ao mesmo tempo, garantir o equilíbrio nas financas públicas, coube ao legislador, então, trazer a chamada "Regra de Ouro", que estabelece um freio para essa liberdade, impondo um limite para as receitas decorrentes de operações de crédito, sempre mantendo o endividamento em níveis aceitáveis. A referida regra está prevista tanto no art. 167, III, da CF/88, como no art. 12, §2º, da LRF, transcritos a seguir:
"CF/88, Art. 167: São vedados:
III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;"
"LRF, Art. 12, § 2º: O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária. (Vide ADIN 2.238-5)"
A chamada "Regra de Ouro" estabelece um princípio básico: as receitas de operações de crédito não poderão superar as despesas de capital. Em outras palavras, essa regra estabelece uma proibição do Estado obter receitas por meio de empréstimos para custear também as despesas correntes. Assim, o montante de operações de crédito em cada exercício deve ficar adstrito ao montante da despesa de capital. Trata-se de garantir que as receitas provenientes de endividamento não ultrapassem os dispêndos cujo foco seja o aumento do patrimônio do Estado. Com isso, as despesas correntes não são financiadas por receitas geradoras de dívidas, que já vimos ser prejudicial para a sustentabilidade das contas públicas.
Há, contudo, uma exceção expressa no final do próprio art. 167, III, da CF/88, qual seja, a possibilidade das operações de crédito excederem as despesas de capital. Nesse caso, o Poder Legislativo poderá autorizar a realização da receita de capital de operação de crédito (empréstimos e financiamentos), com finalidade estritamente precisa, em valor superior às despesas de capital fixadas na Lei Orçamentária Anual, desde que a operação de crédito tenha sido autorizada em lei de crédito adicional suplementar ou especial, sendo necessária aprovação por maioria absoluta.
Vale ressaltar certa divergência existente entre o comando inserto no art. 167, III, da CF/88, e o art. 12, §2º, da LRF. De fato, a Lei de Responsabilidade Fiscal, no referido dispositivo, não repete aquela previsão constitucional da hipótese de exceção à Regra de Ouro, sendo, portanto, ainda mais restritiva que o texto da Carta Magna. Isto é, enquanto o art. 167, III, da CF/88, abre uma exceção referentea à possibilidade das operações de crédito excederem as despesas de capital quando por autorização mediante créditos suplementares ou especiais, o art. 12, §2º, da LRF, por sua vez, não repete tal previsão, limitando-se a invocar a regra geral e, por isso, acabou por extrapolar o texto constitucional.
Por tal motivo, o presente §2º do art. 12 da LRF foi arguido na precitada Ação Direta de Inconstuticionalidade nº. 2238-5, hipótese em que, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, foi deferido o pedido em sede de liminar, ficando suspensos os efeitos do art. 12, §2º da LRF naquilo que contrariar o art 167, III, da CF/88, com o fundamento de que a presente norma teria sido mais restritiva do que a Constituição, a qual prevê exceção não reproduzida pela LRF. Assim, a LRF extrapola a regra constitucional justamente porque não inseriu a ressalva prevista pelo art. 167, III, da CF/88. A rigor, permanece válida e vigente a regra do § 2º do art. 12 da LRF, mas o STF conferiu ao dispositivo interpretação conforme à Constituição, de forma a interpretá-lo com respeito ao inciso III do art. 167 da Constituição Federal, em ordem a explicitar que a proibição não abrange operações de crédito autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais por maioria absoluta do Legislativo.
Ressalte-se, por fim, que conforme se extrai do art. 14 da Lei nº 4320/64, as Operações de Crédito são espécie do gênero Receitas de Capital, nelas incluindo-se, ainda, a Alienação de Bens, Amortização de Empréstimos, Transferências de Capital, e Outras Receitas de Capital. De fato, a "Regra de Ouro", encampada no art. 167, III, da CF/88, bem como no art. 12, §2º, da LRF, trata exclusivamente da vedação quanto às operações de crédito, para que estas não venham custear as despesas correntes. Contudo, o equilíbro econômico ideal, como já visto, exige que o Estado tenha uma atividade financeira na qual as receitas correntes sejam suficientes para custear todas as despesas correntes, não se admitindo que as receitas de capital venham assumir essa função. Portanto, embora o presente art. 12, §2º, da LRF, bem como o art. 167, III, da CF/88, se refiram especificamente às operações de crédito, podemos entender que a finalidade maior, à luz do princípio do equilíbrio orçamentário, bem como dos propósitos da LRF, está em evitar que as despesas correntes sejam custeadas por receitas outras que não as correntes, embora a regra refira-se especificamente às operações de crédito.
Aliás, o art. 44 da Lei de Responsabilidade Fiscal traz proibição que reforça o exposto, estabelecendo que é vedada a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para o financiamento de despesa corrente, salvo se destinada por lei aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos [6]. A vedação decorre justamente do princípio básico da impossibilidade de se utilizar receitas de capital para financiar despesas correntes, pois o lógico é financiar despesa corrente (contínua) com receita corrente (contínua), e não se valer de receitas eventuais (receitas de capital) para cobrir gastos habituais (despesas correntes).
As únicas exceções a esse princípio, portanto, são: (a) operações de crédito que ultrapassem o montante das despesas de capital se autorizadas por créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa e aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta (art. 167, III, CF); (b) receita de alienação de bens que podem financiar despesas correntes quando destinada por lei aos regimes de previdência social (art. 44, LRF). Afora esses casos excepcionalíssimos, seguimos a regra geral de que receita de capital não deve financiar despesa corrente, princípio de observância obrigatória no manejo da receita pública.
3.5. DAS RESTRIÇÕES À RENÚNCIA DE RECEITA
Na medida em que a renúncia de receita importa na diminuição da entrada de recursos nos cofres públicos, acaba se equiparando, do ponto de vista dos efeitos econômicos, a uma despesa. Por essa razão, a expressão "renúncia de receita" também é chamada pela doutrina de "gasto tributário", por tratar-se de mecanismo financeiro referente a benefício tributário que produz os mesmos resultados econômicos da despesa pública. Logo, para o equilíbrio orçamentário, torna-se necessário não só controlar as despesas públicas, mas também evitar as renúncias de receitas, chamados gastos tributários.
Não seria admissível, pois, permitir livremente que ocorressem renúncias de receitas sem que antes fosse verificado como tal medida iria se comportar no orçamento, até porque a previsão de receitas inicial contava com as receitas que estarão sendo renunciadas. Por isso, a Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu art. 14, estabelece regras a serem observadas na hipótese, nos termos abaixo:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
Quando se fala em renúncia de receitas, leia-se, renúncia de receita tributária, referente à concessão de algum benefício do qual resulte em diminuição do previsto. Isto porque, no caso de receita originária, não há, de fato, renúncia. A ausência de receita originária significa que o Estado apenas deixou de explorar o seu patrimônio, mas não se trata de renúncia porque não era uma receita já determinada por lei que sabidamente deveria entrar nos cofres públicos. Por isso, o art. 14 da LRF, ao iniciar seção sobre renúncia de receita, fala em "concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária", ou seja, renúncia de receita significa deixar de arrecadar um valor de natureza tributária que é devido por lei, por isso também chamada de gasto tributário.
Haverá renúncia de receita sempre que se fizer presente algum benefício de natureza fiscal ou tributária cujo resultado seja a redução dos ingressos nos cofres públicos. É, portanto, um conceito amplo, que inclui toda e qualquer ação, em caráter geral ou específico, que importe em redução da arrecadação tributária. Nesse ponto, vale notar que não só medidas como isenção, remissão e anistia, são consideradas como renúncia de receita, mas até mesmo a alteração de alíquota ou a modificação da base de cálculo, a concessão de crédito presumido, subsídios, ou quaisquer outros benefícios específicos que impliquem em redução de tributo, enfim, todas estas ações são consideradas renúncia de receita. E ainda, não só a concessão inicial de benefício, mas também a ampliação deste constitui-se em renúncia de receita, medida que equipara-se à nova renúncia.
Se o ente federado quer renunciar determinada receita, isto é, se quer ter gasto tributário por liberalidade própria, será possível, contudo, esta admissibilidade está condicionada ao necessário atendimento de três requisitos: (i) realização prévia da análise do impacto dessa renúncia, com o exame da sua repercussão no orçamento, verificando se a renúncia da receita poderá ou não afetar os resultados fiscais previstos; (ii) estrita observância da renúncia de receita à lei de diretrizes orçamentárias, seguindo as determinações nela contidas; (iii) demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa das receitas da lei orçamentária anual e que não afetará as metas constantes na lei de diretrizes orçamentárias, ou, caso isso não seja possível, deverá, então, ser acompanhada de medida de compensação que represente aumento de receita, contrabalanciando o efeito financeiro provocado pela renúncia.
Neste último caso, sendo necessário o implemento de medida de compensação, vale observar que a renúncia da receita ficará condicionada à efetiva realização daquela medida. Com isso, evita-se que a Administração apenas assuma a criação de medidas no plano teórico. Para fins de compensação, não se fala de medidas indiretas, como o combate a sonegação ou outras soluções administrativas que repercutam de modo reflexo no aumento da arrecadação, mas a renúncia de receita exige medida compensatória imediata, por meio da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, e instituição ou majoração de tributo.
Por fim, vale asseverar que é possível duas situações excepcionais em que não há a necessidade do atendimento dos três pressupostos presentes no art. 14 da LRF para a realização da renúncia da receita. São as duas situações excepcionais: (a) alterações das alíquotas dos impostos de importação, exportação, produtos industrializados, e operações financeiras, que são os chamados tributos extra-fiscais, cuja função está muito mais relacionada à política econômica do que propriamente a arrecadacão tributária; (b) cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança, justificando-se a renúncia da receita pelo princípio da economicidade, porque não faria sentido a movimentação da máquina administrativa, com os ônus inerentes à estrutura de fiscalização estatal, quando se sabe que o valor a ser recolhido será inferior aos custos decorrentes da arrecadação. Nessas duas circunstâncias excepcionais, a receita correspondente poderá, então, ser renunciada livremente.