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Comentários à Lei de Acesso à Informação

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04/04/2012 às 15:07
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5. TEORIA DO SIGILO DA INFORMAÇÃO

Não obstante as hipóteses de classificação de sigilo do art. 23 da LAI, há outros casos em que pode haver restrição de acesso a informações em poder do Estado. Uma delas, prevista na própria LAI, refere-se às informações pessoais. Vejamos o que diz a lei:

Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:

I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e

II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

Assim, as informações pessoais podem ser consideradas informações sigilosas não classificadas, inclusive com prazo muito superior aos prazos previstos para as informações classificadas.

A LAI também afasta do direito de acesso às informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 7º, § 1º). Saliente-se que tal hipótese não se confunde com a do art. 23, VI. Nesta, trata-se apenas de restrição temporária de acesso a informação que possa “prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico”, havendo prazo para a sua restrição, isto é, o direito de acesso fica sob condição suspensiva; na outra hipótese, simplesmente não há direito de acesso à informação, sendo a “restrição” por prazo indefinido, e com objeto diferente: informações necessariamente referentes a projetos cujo sigilo seja imprescindível à sociedade e ao Estado. Na hipótese do art. 23, VI, trata-se de informação, referente ou não a projetos, e cujo sigilo seja imprescindível à segurança do próprio projeto, e não da sociedade e do Estado diretamente, como no caso do art. 7º, § 1º. Abaixo exponho quadro comparativo, a fim de deixar a questão mais fácil de ser entendida:

Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:

(...)

§ 1º O acesso à informação previsto no caput não compreende as informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:

(...)

VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;

Em outras palavras, no art. 23, VI, se tratam de informações cuja divulgação possa pôr em risco certos projetos, e por isso são considerados imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado; enquanto que o art. 7º, § 1º, trata de informações sobre certos projetos cuja divulgação possa pôr em risco a sociedade e o Estado diretamente. Um exemplo do primeiro caso, do art. 23, VI, seria a informação da visita do ministro da Defesa a uma empresa para a aquisição de um avião para o projeto de manutenção da defesa aérea que, caso divulgada, poderia frustrar a negociação com outras empresas. A divulgação dessa informação, que não trata diretamente do projeto, pode pôr em risco o próprio projeto, e só indiretamente afetaria a segurança da sociedade ou do Estado.

Já no caso do art. 7º, § 1º, podemos dar como exemplo a divulgação de segredos nucleares a terroristas, em que a preocupação imediata não é a segurança do programa nuclear brasileiro, mas, sim, a segurança da própria sociedade e do Estado, que podem sofrer ataques de explosivos construídos com base na informação divulgada. Em razão da gravidade da segunda hipótese, a LAI lhe conferiu o sigilo perene, enquanto que a outra fica sujeita aos prazos máximos do art. 24 (5, 15 ou 25 anos, este último prorrogável uma única vez por igual período).

O dispositivo do art. 7º, § 1º, abrange as patentes de interesse da Defesa Nacional, de que trata o art. 75 da Lei Federal nº. 9.279/1996 – regulamentado pelo Decreto Presidencial nº. 2.553/1998 –, mas não se cinge a elas. A norma da LAI refere-se a quaisquer informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. As patentes, por sua vez, dizem respeito apenas às informações relativas às invenções e aos modelos de utilidade.

Entendo, ainda, que o art. 7º, § 1º, deve ser interpretado ampliativamente, de modo a conferir aos demais projetos de planos estratégicos estatais cuja divulgação possa comprometer a segurança da sociedade e do Estado. Tomemos de exemplo um plano de guerra das Forças Armadas. É comum, em todos os países, que suas FFAA elaborem planos de guerra com base em situações hipotéticas de agressão externa, mas com base em agentes reais. Tais planos, se revelados, podem gerar graves conflitos internacionais desnecessários, além de poderem fragilizar profundamente a defesa do país, e sua divulgação não atende a nenhum interesse particular ou coletivo defensável. Ademais, esse tipo de plano costuma conter técnicas de combate, que são expressão do conhecimento militar criado e estudado nas academias militares. Desse modo, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e numa interpretação conforme a Constituição, naquilo que diz respeito ao sigilo das informações imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII), entendo que se deva conferir uma interpretação complacente ao art. 7º, § 1º. Ressalte-se, por fim, que essa hipótese não se confunde com a do art. 23, V, segundo a qual são passíveis de classificação as informações cuja divulgação possa “prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas”. Nesse caso, assim como no dos projetos técnico-científicos, os objetos em perigo são os próprios planos ou operações estratégicas, ao passo que, no exemplo anteriormente dado, o fundamento do sigilo é a própria segurança da sociedade e do Estado, diretamente.

Ademais de dispor sobre o sigilo nos arts. 7º, §1º; 23 e 31, a LAI ressalva demais hipóteses legais de sigilo, a ver:

Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.

A CRFB e as leis trazem inúmeros casos em que as informações devem ser resguardadas. Podemos citar alguns deles: o sigilo das comunicações (art. 5º, XII, CRFB); o sigilo de dados (art. 5º, X e XII, CRFB); o sigilo da fonte (art. 5º, XIV, CRFB); sigilo das votações (art. 5º, XXXVIII, ‘b’; 14; 52, III, IV e XI; art. 55, § 2º; 66, § 4º; 119, I; 120, § 1º, I; e 130-A, §3º); sigilo profissional (art. 154 do CP e art. 230 do CPM); o segredo particular (art. 153 do CP e art. 228 do CPM); o sigilo fiscal (art. 198 do CTN); o sigilo dos atos da ABIN (art. 9º, da Lei 9.883/1999); o sigilo industrial (art. 195 da Lei 9.279/1996); sigilo de operação ou serviço prestado por instituição financeira (Lei Complementar 105/2001 e art. 18 da Lei 7.492/1986); o sigilo da proposta apresentada em procedimento licitatório (art. 3º, § 3º, da Lei 8.666/1993). Diante de tantos tipos de sigilo, resta-nos ordená-los e categorizá-los, a fim de que se possa compreendê-los melhor.

5.1. Taxonomia

Em primeiro lugar, cumpre distinguirmos as informações quanto ao seu conteúdo: as de caráter estatal5 e as de caráter privado. Por exemplo: informações sobre um contrato de concessão de linhas de transporte público são informações de caráter estatal; ao passo que dados sobre movimentação bancária de um indivíduo são de caráter privado.

As informações de caráter privado podem estar em poder ou sob custódia do Estado ou do particular, e esta é outra classificação: quanto ao seu detentor. As informações de caráter privado, tanto sob custódia do particular quanto em poder do Estado, só podem ser divulgadas quando a lei assim o exigir. Em outras palavras, o sigilo das informações de caráter privado é a regra, mesmo que elas estejam em poder do Estado, enquanto que, para as informações de caráter estatal, o sigilo é a exceção. Outrossim, o princípio da observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção, insculpido no art. 3º, I, da LAI, diz respeito apenas às informações de caráter estatal.

As informações de natureza estatal são, por óbvio, de conhecimento do próprio Estado, isto é, estão sob sua custódia. Contudo, embora as informações de natureza estatal sejam a princípio de livre acesso, há casos em que o acesso a elas deve ser restringido. As regras constitucionais de publicidade das informações estatais estão nos arts. 5º, XXXIII, 37, § 3º, II, e 216, § 2º, da CRFB, transcritos alhures. A exceção da publicidade das informações de caráter estatal está na parte final do inciso XXXIII do art. 5º da CRFB. Assim, somos conduzidos a mais uma classificação: quanto à publicidade, havendo as informações de acesso restrito e as informações de livre acesso. Tal classificação também se aplica às informações de caráter privado, como se verá a seguir. Não obstante, em ambas as hipóteses estaremos diante de informações sob custódia do Estado.

Quando a LAI veio instrumentalizar o direito constitucional de acesso à informação, focou, por óbvio, nas informações de caráter estatal. E como em regra essas informações estão sob custódia do Estado, o dever de divulgação correspondente ao direito de acesso recai sobre a Administração Pública.

A LAI, no entanto, também dispõe sobre informações de caráter privado em poder do Estado, ao tratar, em seu art. 31, de informações pessoais. Estas também têm seu acesso restrito, de forma até mais acentuada do que em relação às informações com classificação sigilosa. O prazo máximo de restrição das informações pessoais é de 100 anos, o dobro do máximo admitido para as informações de natureza estatal, consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado. E as regras de controle da restrição do acesso à informação de caráter estatal são bem mais numerosas e rígidas do que as regras de controle da restrição de acesso a informações de caráter privado em poder do Estado.

A restrição ao acesso das informações, sejam elas de caráter privado ou estatal, sob custódia do Estado pode ser temporária ou permanente. Já as informações de caráter privado em poder do particular – chamadas pela legislação penal de “segredo particular” – têm seu acesso restrito indefinidamente. Chegamos, pois, às seguintes classificações das informações:

5.2 Sigilo permanente

Exemplos de informações de acesso permanentemente restrito são as hipóteses do art. 7º, § 1º, da LAI, as votações sigilosas, as informações sobre a atividade de inteligência e as informações sobre fontes, embora em alguns casos eu entenda que a perenidade deva ser mitigada. O sigilo do art. 7º, § 1º, da LAI já foi tratado aqui. O sigilo das votações é assegurado pelos arts. 5º, XXXVIII, ‘b’6; 147; art. 52, III8, IV9 e XI10; art. 55, § 2º11; art. 66, § 4º12; art. 119, I13; art. 120, § 1º, I14; e art. 130-A, §3º15, todos da CRFB. Nessas hipóteses, não há dever de divulgação após o decurso de prazo. Penso, contudo, que devamos aplicar a algumas dessas hipóteses, por analogia, as disposições sobre informações pessoais, pois pode haver interesse histórico relevante em votações secretas realizadas em órgãos de grande relevância política (art. 31, § 4º), desde que respeitado o prazo de sigilo de 100 anos.

Cabem considerações específicas quanto ao sigilo dos atos da ABIN e ao uso de meios e técnicas sigilosos na atividade de inteligência. A Lei Federal nº. 9.883/1999, que cria a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e institui o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) dispõe o seguinte:

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Art. 3º Fica criada a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, órgão da Presidência da República, que, na posição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, obedecidas à política e às diretrizes superiormente traçadas nos termos desta Lei.

Parágrafo único. As atividades de inteligência serão desenvolvidas, no que se refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado.

Art. 4º À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete:

I - planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República;

Art. 9º Os atos da ABIN, cuja publicidade possa comprometer o êxito de suas atividades sigilosas, deverão ser publicados em extrato.

§ 1º Incluem-se entre os atos objeto deste artigo os referentes ao seu peculiar funcionamento, como às atribuições, à atuação e às especificações dos respectivos cargos, e à movimentação dos seus titulares.

§ 2º A obrigatoriedade de publicação dos atos em extrato independe de serem de caráter ostensivo ou sigiloso os recursos utilizados, em cada caso.

A ABIN, por ser órgão de inteligência de Estado, goza de um estatuto diferenciado em relação aos outros órgãos e entidades da Administração e o sigilo de seus atos encontra guarida na parte final do inciso XXXIII do art. 5º, da CRFB. Não é preciso dizer que, para a ABIN, o princípio da excepcionalidade do sigilo não se aplica. Sua atividade é por natureza sigilosa. Isso não quer dizer que a ABIN esteja livre da prestação de contas ou de qualquer tipo de divulgação de informações.

Quando o § 2º do art. 9º da Lei do SISBIN, acima transcrito, dispôs que a publicação dos atos da ABIN em extrato independe de serem eles de caráter sigiloso, quis referir-se ao sigilo classificado. A publicação em extrato é a publicação resumida, sem o conteúdo da informação. Assim, mesmo que não seja cabível a classificação de sigilo, a ABIN deve restringir o acesso a informações que possam comprometer o êxito de suas atividades sigilosas. O § 1º do mesmo artigo dá como exemplos de atos a serem publicados em extrato aqueles referentes a atribuições, atuação e especificações dos respectivos cargos e movimentação dos seus titulares. O rol, contudo, não é exaustivo, não se cingindo a questões administrativas e funcionais.

A própria Lei 9.883 fala em “ações sigilosas” da ABIN e “uso de meios e técnicas sigilosos” na atividade de inteligência, atividade que não se limita à ABIN, mas compreende também todo o SISBIN. Informações dessa natureza no âmbito da ABIN, quando não forem classificadas como reservadas, secretas ou ultrassecretas devem seguir o regramento do art. 9º, isto é, da publicação por extrato.

A LAI dispõe que devem ser classificadas informações cuja divulgação possa comprometer atividades de inteligência, mas essa disposição tem de ser lida cum grano salis, pois o sigilo de certas informações não pode ficar sujeito aos prazos do art. 24. Nesses casos, deve-se aplicar o princípio da especialidade, garantindo-se o sigilo a despeito de classificação, como autorizado pelo art. 9º, §2º, da Lei do SISBIN. Além disso, valem aqui as considerações feitas acima no tocante aos planos estratégicos do Estado e o art. 7º, § 1º, da LAI. Tais informações, entretanto, não ficam livres de controle democrático, pois a própria Lei 9.883 prevê a criação de uma comissão mista do Congresso Nacional para fiscalizar a atividade de inteligência, com poderes para requerer todas as informações que reputar necessárias (art. 6º da Lei 9.883).

Não pretendo, contudo, afirmar nenhuma das informações em poder da ABIN seja passível de classificação: ao contrário, muitas o serão, mas somente aquelas cujo sigilo possa ser submetido aos prazos do art. 24 da LAI (5, 15 e 25 anos, este último prorrogável por igual período). Seu art. 23, VIII, prevê a possibilidade de classificação de informações cuja divulgação possa “comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações”. Cotejando-se as disposições da LAI com as da Lei do SISBIN, conclui-se que o regramento da LAI aplica-se a investigações específicas, casos concretos, ao passo que a Lei do SISBIN parece referir-se ao funcionamento da atividade. Desse modo, uma investigação conduzida pela ABIN, no tocante aos seus meios, deverá ser sigilosa independentemente de classificação, isto é, por prazo indefinido; já as informações sobre resultado das investigações – as informações obtidas e as conclusões tiradas – devem ser classificadas nos graus reservado, secreto ou ultrassecreto, devendo ser disponibilizadas ao público após o decurso do respectivo prazo de restrição de acesso.

O sigilo da fonte está previsto no art. 5º, XIV, da CRFB e constitui tema bastante controvertido. Não cabe adentrar aqui na discussão sobre sigilo da fonte versus direito à informação. Trata-se de princípios constitucionais que devem ser sopesados à luz do caso concreto. O que interessa dizer no momento é que, originalmente, o dispositivo foi concebido para proteger a atividade jornalística. Todavia, entendo que tal proteção se aplica também à atividade policial e de inteligência, de um modo geral, pois estas se valem desse tipo meio para obter informações cruciais ao exercício de seu mister. No jargão policial, a fonte é chamada de “X9”. Imagine que, após a conclusão das investigações, o policial seja obrigado a revelar a identidade do delator: simplesmente não haveria mais nenhum candidato a X9 e a polícia seria privada de valiosíssimas informações. Tal situação não se confunde com a denúncia anônima, pois o relato de fonte jamais pode ser utilizado como fundamento de um procedimento administrativo ou judicial.

Tanto para o jornalista quanto para o policial ou agente de inteligência, qual seria o prazo de manutenção do sigilo de sua fonte? A princípio, eterno, mas creio que, assim como no caso das votações sigilosas altamente relevantes e nas quais há interesse histórico, podemos aplicar analogicamente o prazo de 100 anos das informações pessoais. Nos demais casos, teremos o sigilo perene, que se imporá até mesmo pelo esquecimento.

5.3 Sigilo temporário

As hipóteses de informação de acesso temporariamente restrito são várias: as informações classificadas – reservadas, secretas, ultrassecretas e reservadas especiais –, as informações pessoais, os segredos industriais e o segredo de justiça, entre outros. As hipóteses de informações classificadas já foram apreciadas acima. A seguir abordo alguns tipos de sigilo temporário de informações em poder do Estado.

O segredo de justiça encontra amparo no art. 5º, LX, da CRFB e é regulado pelo art. 155 do Código de Processo Civil (CPC). Essa modalidade de sigilo tem de ser analisada à parte, pois pode ter naturezas distintas. De acordo com o CPC, o segredo de justiça pode ser decretado com base no interesse público (art. 155, I) ou na intimidade (art. 155, II). No primeiro caso, estaremos diante de informações de caráter estatal, como a indiciamento de alguém, a decretação de interceptação telefônica, etc. No segundo, tratar-se-á de informações de caráter privado, como ações de divórcio, guarda de menores, etc. Assim, entendo que o segredo de justiça fundado no inciso II do art. 155 do CPC refere-se a informações pessoais, do contrário, criar-se-ia mais uma hipótese de sigilo eterno. Tanto é assim que o inciso I do art. 31 da LAI utiliza a mais abrangente expressão agentes públicos, ao se referir àqueles que terão acesso às informações pessoais, compreendendo servidores de todos os poderes da República, dentre os quais se incluiriam magistrados e serventuários da Justiça.

Já no caso do segredo de justiça fundado no interesse público, a prática tem sido a restrição do acesso pelo período necessário para a execução de medidas. Dessa forma, após a conclusão do inquérito em segredo de justiça ou da interceptação telefônica, cessa-se a restrição ao acesso, até porque o indivíduo alvo das medidas deve poder contraditá-las posteriormente. Nesses casos, a restrição ao acesso está sujeita a termo, que, no entanto, não se consubstanciará numa data previamente estabelecida, mas na ocorrência de fato futuro e certo, geralmente a conclusão das diligências do inquérito ou da interceptação.

As informações pessoais, já tratadas acima, abrangem os dados bancários, fiscais, telefônicos e cadastrais de um modo geral. A LAI tem como objetivo garantir o acesso às informações pessoais quando ele é devido e, quando necessário, protegê-las, a fim de garantir a intimidade/privacidade do indivíduo. A base constitucional para o acesso a esse tipo de informações repousa sobre o art. 5º, XXXIII, primeira parte, art. 37, § 3º, II, e art. 216, § 2º, enquanto que a restrição a elas é garantida pelo art. 5º, X, todos da CRFB. Ressalte-se que, quanto ao acesso às informações pessoais pelo interessado, não houve derrogação da Lei 9.507/1997, que dispõe sobre o habeas data. Esse diploma destina-se aos meios judiciais de obter informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, quando o acesso a elas lhe foi negado administrativamente. A LAI não prevê procedimentos judiciais de acesso à informação, mas tão-somente procedimentos administrativos, já tratados aqui.

Temos ainda outras hipóteses de sigilo temporário de informações sob custódia do Estado, como o das propostas feitas em procedimentos licitatórios, previsto no art. 3º, §3º, da Lei Federal nº. 8.666/1993, e que perdura até o ato público de abertura de envelopes (art. 43, §1º). A sua violação enseja a aplicação das penas do art. 94 da mesma lei. Poderíamos ainda citar outros exemplos, como o sigilo de provas de concursos públicos até a sua realização ou de atos da Administração remetidos à Imprensa Oficial até o momento de sua publicação. O raciocínio será sempre o mesmo: mantém-se o sigilo pelo período em que ele se faz necessário.

5.4 Natureza e gênese do direito de acesso à informação

O direito de acesso à informação é direito público subjetivo. Há hipóteses em que o direito de acesso à informação simplesmente não existe, mas, no caso das informações em poder do Estado de acesso temporariamente restrito, o direito de acesso é limitado por causa suspensiva sujeita a termo. Mas quando nasce o direito ao acesso? O art. 7º, §3º, da LAI dispõe o seguinte:

Art. 7º (...)

§ 3º O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.

O dispositivo conflita com o disposto no art. 24, § 1º, da mesma lei, ao estabelecer que a restrição ao acesso inicia-se da produção da informação, senão vejamos:

Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.

§ 1º Os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes:

Os dispositivos conflitam porque se supõe que a produção da informação é anterior ao ato decisório nela fundado. Se o direito de acesso só surge com este, como pode haver restrição do direito no momento da produção da informação, se o direito sequer existe ainda? Trata-se de inconsistência da Lei 12.527, que precisa ser corrigida pelo intérprete.

Toda informação destina-se a um ato decisório. Isso quer dizer que, antes da edição do ato decisório, não há direito à informação. Todavia, há circunstâncias em que a decisão consiste justamente em não tomar decisão. É nesses casos que, a meu ver, o termo a quo do art. 24, § 1º, deve prevalecer. Há casos em que a produção de informação é feita em nível de assessoramento, apenas, e não como parte de uma atividade executiva. O próprio SISBIN destina-se primordialmente a essa tarefa. Os ministérios, o Conselho de Defesa Nacional (CDN), o Conselho da República, todos esses órgãos prestam assessoramento. Quando então surgiria o direito de acesso a informações produzidas nessas circunstâncias?

Suponhamos que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) informe o presidente da República das intenções de determinado país de boicotar a exportação de uma certa commodity brasileira. Nesse caso, a decisão fundada na informação pode consistir numa abstenção do presidente da República em firmar acordos comerciais com aquele país. Diante disso, quando nasceria o direito de acesso dos cidadãos a essa informação, uma vez que não há edição de ato decisório? Creio que, se se tratar de informação passível de classificação (art. 23, II), o direito de acesso surgirá com a produção da informação, que, contudo, ficará obstado durante o prazo de restrição de acesso previsto no art. 24 (5, 15 ou 25 anos, este último prorrogável por igual período). E se a informação não for passível de classificação? Entendo que se deve aplicar o termo a quo do art. 24 mesmo assim, na falta de norma específica para a situação. Do contrário, seríamos obrigados a admitir que o direito de acesso a informações de mera assessoria, quando não passíveis estas de classificação, jamais chegaria a se consubstanciar. Isso implicaria tornar as informações de livre acesso mais restritas do que as classificadas!

E quando seria precisamente a data de produção da informação? Abstraindo-se questões conceituais da teoria da informação, podemos dizer que a data da produção da informação é a data da produção do documento final destinado a prestar assessoria. Assim, todos os documentos intermediários e preliminares são partes do processo de produção da informação, não podendo eles próprios ser considerados informações sujeitas ao direito de acesso. Do contrário, teríamos que reconhecer o direito de acesso a cada memorando, ofício, mensagens eletrônicas de e-mail, etc., no âmbito interno das repartições públicas. É impossível catalogar toda essa massa de documentos para disponibilizá-lo ao público, muito menos da maneira como preconiza a LAI.

Desse modo, nos casos em que há ato decisório, como, por exemplo, em processos de licitação, o direito ao acesso só surgirá após o ato final do processo, sem prejuízo das publicações dos editais e demais atos já ocorridas no curso do certame. E, nos casos em que não há tal ato ou em que é impossível determiná-lo, fica valendo como marco inicial do direito de acesso a produção do documento final contendo a informação de interesse, ainda que, em alguns casos, esse direito já surja com a restrição temporária da classificação sigilosa.

Quanto às informações transmitidas oralmente, entendo que, por razões práticas, não há direito à informação, do contrário teríamos de gravar todas as conversações travadas por agentes públicos.


6. CONCLUSÃO

Vimos, portanto, que a LAI se mostra como um grande desafio a ser enfrentado pela comunidade jurídica brasileira, que talvez não tenha percebido ainda a profundidade das mudanças que esse diploma legal trará ao ordenamento jurídico pátrio. A regulamentação, a ser editada quando da entrada em vigor da LAI, certamente ajudará a guiar o intérprete. De todo modo, tenho consciência de que a regulamentação não esgotará o tema e que este continuará a demandar atenção e criatividade dos juristas brasileiros.


Notas

1 Portaria nº. 5-GSIPR, de 13 de janeiro de 2012, publicada no Diário Oficial da União de 20 de janeiro de 2012, Seção II.

2 Discordo dessa distinção doutrinária porquanto baseada numa compreensão equivocada da expressão “federal”. Entende-se federal como tudo aquilo referente à esfera federal de governo, o que é impreciso, pois o termo remete a federação, que é todo o Estado brasileiro. Mais considerações poderiam ser feitas a esse respeito, mas entendo que este não é o espaço adequado para isso.

3 Notícia disponível em https://www.lanacion.com.ar/1302710-senado-impulso-unanime-al-acceso-a-la-informacion-publica, acesso em 28 de março de 2012.

4 O Ministério Público é considerado, para fins administrativos, parte integrante do Poder Executivo, mas a doutrina jurídica brasileira costuma dissociá-lo deste, classificando-o ora como poder autônomo.

5 Adotei o termo estatais, em lugar de público, para não dar margem à confusão com as informações de acesso público.

6 Sigilo das votações do Tribunal do Júri.

7 Sigilo do sufrágio universal nas eleições, referendos e plebiscitos.

8 Sigilo das votações do Senado Federal para a sabatina de autoridades.

9 Sigilo das votações do Senado Federal para a escolha de chefes de missões diplomáticas permanentes.

10 Sigilo das votações do Senado Federal para a exoneração de ofício do Procurador-Geral da República.

11 Sigilo das votações da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a cassação de mandato de seus membros.

12 Sigilo das votações da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a rejeição de veto presidencial.

13 Sigilo das votações para a eleição de membros do Tribunal Superior Eleitoral.

14 Sigilo das votações para a eleição de membros dos tribunais regionais eleitorais.

15 Sigilo das votações para a eleição do corregedor nacional do CNMP.

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Sobre o autor
Fábio Condeixa

É bacharel em Direito e mestre em Ciência Política pela UFRJ, autor dos livros Princípio da Simetria na Federação Brasileira (Lumen Juris, 2011) e Direito Constitucional Brasileiro (Lumen Juris, 2014).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONDEIXA, Fábio. Comentários à Lei de Acesso à Informação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3199, 4 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21436. Acesso em: 23 nov. 2024.

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