RESUMO
Este trabalho aborda o tema da cassação de mandato de vereador; analisa o contexto histórico e político da promulgação do Decreto-Lei Federal nº. 201/67 e reinterpreta essa norma jurídica à luz da ora vigente Constituição Federal de 1988; discorre sobre a importância e a função dos Regimentos Internos das Câmaras Municipais; estuda a jurisprudência pertinente ao assunto e busca oferecer aos trabalhadores do direito um roteiro seguro para a condução de um processo de cassação de mandato de vereador sem máculas ou vícios que comprometam a soberania das decisões dos parlamentares municipais.
Palavras-chave: Cassação de mandato de vereador. Regimento Interno. Decreto-Lei Federal nº. 201/67. Comissão especial processante.
1 INTRODUÇÃO
Quem já viu um vereador perder o mandato por decisão de seus próprios colegas de plenário? Muito embora essa não seja uma das coisas mais comuns de serem vistas cotidianamente, não se pode dizer ser algo absolutamente inexistente, ou mesmo impossível de acontecer, pois que esporadicamente a mídia relata alguns desses raros casos.
O grande problema é que, em boa parte das vezes em que um vereador chega a perder o mandato em processo político-administrativo instaurado e conduzido por seus pares, reunidos em comissão especial processante, ele obtém, do poder judiciário, uma decisão liminar que lhe garante a imediata reintegração ao parlamento municipal.[1]
Sim, isto é um problema, afinal pela atual redação da CF/88, essa seria uma decisão das Câmaras Municipais que, apesar de discutida, deveria ser respeitada e acatada, já que o poder legislativo municipal goza de ampla autonomia funcional e também organizacional.
O poder judiciário interferiria sem qualquer motivo nos assuntos interna corporis dos legislativos municipais? Obviamente que não e, na esmagadora maioria dos casos em que isso se verifica, existe uma suficiente razão para essa intervenção judicial, falha no procedimento.[2]
Ainda que se aceite que essas ingerências judiciais em assuntos internos das Câmaras Municipais tenham, muitas vezes, um notório cunho político, ou mesmo que se admita que um ou outro juiz possa ceder à tentação de se beneficiar política ou economicamente com isso; pois bem, mesmo nesses infelizes casos, a decisão judicial há de ter uma fundamentação jurídica válida, o que ocorre por imposição constitucional.
Destarte, ao final dos trabalhos de uma comissão especial processante, compulsando os autos, dificilmente não se observará violação de princípios constitucionais básicos, principalmente ao da ampla defesa e ao do contraditório.
Mas não adianta culpar as assessorias jurídicas das Câmaras Municipais por esse infortúnio, ou mesmo lamentar a falta de formação jurídica dos vereadores. O fato é que as normas existentes relativas a esse assunto são conflitantes, no mais das vezes, requerendo enorme esforço de interpretação por parte de seus aplicadores e dando azo a discussões pouco proveitosas e assaz protelatórias.
Portanto, frequentemente, ao vetusto Decreto-Lei Federal nº. 201/67 fazem oposição a Constituição Federal de 1988, as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas Municipais e os Regimentos Internos das mais de 5.500 (cinco mil e quinhentas) Câmaras Municipais de todo o Brasil. Trata-se de uma batalha inglória, que não sagra vencedor senão a impunidade. Porém, antes de tecer maiores comentários a esse respeito, convém proceder a um estudo detalhado dos aspectos inicialmente propostos, a começar pelo contexto histórico e político da promulgação do Decreto-Lei Federal nº. 201/67.
2 CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO DA PROMULGAÇÃO DO DECRETO-LEI FEDERAL Nº. 201/67
O Decreto-Lei Federal nº. 201/67, de 27 de fevereiro de 1967, dispõe sobre os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores. Estabelece, ainda, todo um procedimento a ser adotado e seguido nos processos político-administrativos que versam sobre a cassação de mandato eletivo, tanto de prefeito quanto de vereador.
Decretado no auge do período da ditadura militar, pelo então Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, o Decreto-Lei Federal nº. 201/67 tem sua gênese jurídica no famigerado Ato Institucional nº. 4, de 07 de dezembro de 1966, e certamente visava à centralização do poder, uma vez que não se limitava a traçar as diretrizes básicas do processo de cassação de mandato eletivo, mas regulava-lhe até os pormenores e os imprevistos.
Naquela época, o município não importava verdadeiramente em um ente federativo, senão apenas em uma subdivisão administrativa dos estados, razão pela qual se diz que gozava de pouca ou nenhuma autonomia administrativa.[3]
A primordial e essencial competência legislativa do município é a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica do município, diferentemente do que ocorria na vigência da constituição anterior; que afirmava competir aos Estados membros essa organização. A edição de sua própria Lei Orgânica caracteriza um dos aspectos de maior relevância da autonomia municipal [...].[4]
Contudo, apesar de ter cerceado a autonomia das Câmaras Municipais impondo-lhes determinado procedimento por ocasião da cassação de mandato eletivo, e muito embora o disparate relativo à possibilidade de voto pelo presidente da câmara nos casos em que este figure como denunciante,[5] o Decreto-Lei 201/67 teve o mérito de respeitar os princípios da ampla defesa e do contraditório, os quais vieram a ser definitivamente consagrados no texto da CF/88.
Por isso, não obstante a discussão existente em torno da vigência e da aplicabilidade do Decreto-Lei 201/67, convém aqui fazer uma breve reinterpretação deste à luz da vigente Constituição Democrática.
3 O DECRETO-LEI FEDERAL Nº. 201/67 REINTERPRETADO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Ainda há quem discuta se o Decreto-Lei 201/67 se encontra ou não em vigor. Mas não precisa pensar muito para saber que a resposta a essa pergunta é sim, o Decreto-Lei 201/67 ainda se encontra em vigor, muito embora não deva ser aplicado sempre.
O Supremo Tribunal Federal discutiu longamente a questão da vigência do Dec.-Lei 201/67 à luz da Constituição de 1988 e de sua recepção por ela. E concluiu pela compatibilidade de seu texto com a nova Carta Política. No HC 70.671, do Piauí, já aqui mencionado, tendo como relator o Min. Carlos Velloso, o debate sobre o tema foi amplo. [...] Válido em parte, dizemos nós, agora, em face da mesma Constituição que valorizou, ampliando-a, a autonomia municipal e, em razão dela, cabe ao Município a definição de infrações político-administrativas (art. 4º do Dec.-Lei 201/67), bem como sobre o processo de cassação de mandatos municipais (art. 5º). E, ainda, no tocante à extinção de mandatos de Prefeitos e Vereadores, matéria dos arts. 6º, 7º e 8º daquele diploma legal oriundo do chamado regime de exceção inaugurado no Brasil de 1964. Sua convivência com a Constituição de 88 será, pois, parcial, tendo em vista a mesma Constituição que entregou aos Municípios brasileiros a elaboração de suas cartas próprias com obediência aos princípios referidos nos art. 29, especialmente incisos IX, XI e XIV. [...]. Não será demais repetir: caso a Lei Orgânica não tenha tratado da matéria, especificamente, em seu texto, o Município pode adotar a aplicação subsidiária dos preceitos do Dec.-Lei 201/67, na sua totalidade ou não, assim o fazendo expressamente por meio de lei local, de conformidade com as regras do processo legislativo estabelecidas na sua Lei Orgânica.[6]
Contudo, embora seja esse o posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência referente à matéria em questão, não é sem resistência que tais argumentos são aceitos, pois que não raro ainda se encontram julgados como o seguinte:
Anulatória de processo político-administrativo - Alegado vício no processo de cassação de mandato de Vereador, acusado de falta de decoro parlamentar - DL n. 201/67, recepcionado pela CF de 88, sendo certa a sua aplicabilidade nos processos de cassação, uma vez que não cabe ao município legislar a respeito das infrações político-administrativas - Vício não comprovado - Denegação da Ordem - Decisão mantida. Nega-se provimento ao recurso interposto (Grifo Nosso).[7]
Na ficha técnica, no Decreto-Lei 201/67, no sítio do Palácio do Planalto, na internet “www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0201.htm” está escrito que “não consta revogação expressa” do referido dispositivo legal até esta data. Nessa mesma página ainda consta que o Decreto-Lei 201/67 foi o alvo de uma série de leis posteriores, quais sejam: Lei nº. 5659/71, Lei nº. 6793/80, Lei nº. 9504/97, Lei nº. 10.028/00 e Lei nº. 11.966/09, as quais tiveram por objetivo precípuo alterar-lhe a redação.
Qual seria então o motivo de tanta preocupação com o texto de um dispositivo legal que estaria revogado? Nenhum, logicamente. Na verdade, o Decreto-Lei 201/67 não foi revogado pela CF/88, mas sim recepcionado, ao menos em parte, como tantos outros diplomas legais também o foram.
Contudo, embora o Decreto-Lei 201/67 continue em vigor e apesar da insistência de muitos julgadores em aplicá-lo pura e simplesmente, o que fazem com absoluto desprezo ao espírito autonomista e democrático de que fora imbuído o legislador constitucional, não é sempre que tem lugar sua aplicação, pois que o § 1º, do art. 7º, do referido dispositivo legal admite que sua aplicação é subsidiária: “[...] § 1º O processo de cassação de mandato de Vereador é, no que couber, o estabelecido no art. 5º deste decreto-lei”.[8]
Muito embora a intenção do legislador contemporâneo fosse conferir primazia às normas estaduais que disciplinavam a matéria, conforme se observa na redação do caput, do art. 5º, do Decreto-Lei 201/67, hoje, segundo os ditames da CF/88, a preponderância é do disposto nas leis municipais.[9]
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
IX - proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembleia Legislativa [...].[10]
Outrossim, as Leis Orgânicas Municipais remetem às Câmaras Municipais a incumbência de se autoorganizarem, as quais para isso se valem dos Regimentos Internos.[11]
Todavia, não obstante o caráter subsidiário do Decreto-Lei 201/67, uma grande parte dos Regimentos Internos das Câmaras Municipais é omissa no que diz respeito ao procedimento a ser adotado e seguido nos processos que envolvem a cassação do mandato de vereadores.
Outros Regimentos Internos Camerais, por sua vez, ao disciplinarem o procedimento das comissões especiais processantes, fazem péssimo uso da prerrogativa que lhes é constitucionalmente conferida, vez que atentam contra princípios fundamentais consagrados pela própria CF/88, tais como o da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência, os quais são indissociáveis da noção de processo justo.
E isso explica, pelo menos em parte, por que se consegue, com relativa facilidade, obter a antecipação dos efeitos da tutela nos feitos em que se pretende a reintegração de vereadores aos legislativos municipais pelo país a fora.
4 A IMPORTÂNCIA E A FUNÇÃO DOS REGIMENTOS INTERNOS CAMERAIS
Os regimentos internos disciplinam o exercício das funções e das prerrogativas inerentes do órgão a que ele pertence, seja ele da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas Estaduais, dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Federais, dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais de Contas e, é claro, das Câmaras Municipais.
Portanto, se um órgão administrativo não dispuser de regimento interno, ou se este simplesmente não atender às suas necessidades, presume-se que haverá inevitável prejuízo ao regular desenvolvimento das atividades daquela repartição.
Também é por esse motivo que muitos municípios deixam de gozar plenamente da autonomia política, organizacional e administrativa que lhes assegura a CF/88,[12] pois que dependem de produção legislativa federal de outrora em assuntos que hoje são de sua privativa competência legislativa. A esse respeito, vale a pena lembrar os ensinamentos de Alexandre Martins:
Dessa forma, o município auto-organiza-se através de sua Lei Orgânica Municipal e, posteriormente, por meio da edição de leis municipais; autogoverna-se mediante a eleição direta de seu prefeito, Vice-prefeito e vereadores, sem qualquer ingerência dos Governos Federal e Estadual; e, finalmente, auto-administra-se, no exercício de suas competências administrativas, tributárias e legislativas, diretamente conferidas pela Constituição Federal.[13]
Seja por mera insegurança de seus legisladores ou por demasiado apego à lógica do sistema constitucional anterior, tais municípios deixam de avocar para si o status de ente federativo de primeira categoria, que lhes está disponível desde a fatídica data de 05 de outubro de 1988.
Existe uma inegável recalcitrância à nova classificação constitucional dos municípios, admita-se, e isso se torna ainda mais visível observado um importante detalhe: fala-se em Constituição Federal, no âmbito da União, em Constituição Estadual, no nível dos Estados, mas os Municípios são regidos por Lei Orgânica, tal qual e igual à Magistratura e ao Ministério Público; são estes entes federativos? Claro que não.
Destarte, um Regimento Interno Cameral inadequado às necessidades de uma Câmara Municipal, não somente causa embaraço ao seu regular funcionamento, como também deixa de dar o suficiente cumprimento às disposições da CF/88 concernentes ao assunto, bem como compromete a própria autonomia organizacional do município.
Portanto, passados mais de vinte anos da promulgação da CF/88, pode-se, parodiando Caetano Veloso, dizer que alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem constitucional. Aliás, o STF, Guardião da Constituição, bem poderia organizar algum esforço no sentido de se corrigirem essas distorções.
Essa antinomia entre os Regimentos Internos Camerais e o Decreto-Lei 201/67 serve a todo tipo de manobra político-jurídica quando se trata de cassar ou preservar mandato de vereador. Por isso, dificilmente se consegue conduzir um processo político-administrativo dessa natureza sem consulta ao repertório jurisprudencial. Por essa razão, necessário se faz um estudo, ainda que superficial, sobre a jurisprudência relativa à questão.
5 DESAFIOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS
A doutrina e os julgados dão conta de uma série de artifícios que, uma vez empregados, seja para condenar ou para absolver, lançam a questão da cassação de mandato na seara judicial. Os problemas começam logo na denúncia, pois que se esta:
[...] deve reunir em grupos distintos os fatos atinentes a diferentes infrações, indicando, para cada grupo de fatos, as provas que o denunciante pretende produzir. Isto por que, nos termos do inc. VI, deve haver tantas votações nominais quantas forem as infrações articuladas na denúncia. Se, por exemplo, o denunciante apontando fatos que constituem infrações diferentes, não o fizer com separação destes em função de cada infração autônoma, a denúncia será inepta por não permitir as necessárias votações isoladas e, ademais, por dificultar ou impossibilitar a defesa.[14]
A renúncia de denunciado para fugir dos efeitos da cassação sempre foi, de fato, uma autêntica tradição brasileira,[15] contudo a chamada Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar nº. 135, de 04 de junho de 2010, finalmente veio coibir essa prática.
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura [...].[16]
No entanto, o quorum de votação necessário à cassação de mandato eletivo constitui opção predileta daqueles que visam a impugnar o resultado do correspondente processo político-administrativo, pois que o Decreto-Lei 201/67 estabelece o quórum de 2/3 (dois terços) para que um vereador perca seu mandato, enquanto Leis Orgânicas Municipais, geralmente, o fixam na maioria absoluta dos parlamentares.
Logo, tenta-se desqualificar os Regimentos Internos Camerais, e até mesmo as Leis Orgânicas Municipais, com o objetivo de fazer valer as disposições constantes do Decreto-Lei Federal nº. 201/67 em relação ao quorum de votação.
agravo regimental - Mandado de segurança - Liminar concedida - Cassação de efeito suspensivo ativo emprestado a agravo de instrumento - Limites da discussão - Desprovimento. O agravo regimental arrostado contra liminar deferida em mandado de segurança; há que se limitar às matérias que, abrangidas na inicial, foram dirimidas na decisão ou cujo exame foi por ela preterido. No processo de cassação de mandatos de vereadores, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar e por atentado contra as instituições vigentes, prevalecem, sobre os ditames do Decreto-Lei n. 201/67, as regras previstas na Lei Orgânica Municipal, que estabelecem o quorum de 'maioria absoluta'. Mesmo porque, a Carta Magna de 1988 revogou, por incompatibilidade, as normas do Decreto-Lei n. 201, à exceção de seus arts. 1º a 3º (Grifo Nosso).[17]
Esquecem-se, contudo, do disposto nas Constituições Estaduais, que no mais das vezes, estabelecem esse quorum em maioria absoluta, e que o próprio Decreto-Lei 201/67 a elas faz referência expressa.
Outras vezes, buscam-se alternativas à contagem tradicional dos votos necessários à cassação do mandato de parlamentar. O julgado, a seguir, transcrito é um exemplo do espírito chicanista que invade as Câmaras Municipais nessas ocasiões.
ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE CASSAÇÃO DE VEREADOR. ART. 5º, VI, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. QUORUM MÍNIMO. EXCLUSÃO DOS VEREADORES IMPEDIDOS DE VOTAR. ILEGALIDADE. 1. Para a cassação de mandato eletivo de Vereador, o art. 5º, VI, do Decreto-Lei nº 201/67 exige o voto de pelo menos 2/3 dos componentes da Câmara Municipal, não dos membros remanescentes após a exclusão daqueles edis impedidos de participar do escrutínio, de forma que não é admissível o cálculo da fração mínima nos moldes delineados no acórdão recorrido. 2. O inciso I do art. 5º do Decreto-Lei nº 201/67 determina que "será convocado o suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão processante", o que, a toda evidência, desautoriza a redução da base numérica da qual se calculará o quorum mínimo de votação. Precedente desta Corte: REsp 406.907/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 01.07.02. 3. Recurso especial provido. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator (Grifo Nosso).[18]
Ou, então, procura-se fazer “um bom uso” do voto do presidente da casa, ainda que em manifesta violação às normas regimentais.
APELAÇÃO CÍVEL - MANDATO DE VEREADOR DO MUNICÍPIO - CASSAÇÃO - ATOS INCOMPATÍVEIS COM O DECORO PARLAMENTAR - NULIDADE DA VOTAÇÃO - INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES LEGAIS PREVISTAS NO REGIMENTO INTERNO RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. 1 - Inicialmente, destaca-se que o apelado MÁRIO SÉRGIO FRANÇA BRITO exercia o mandato de vereador do Município de Atílio Vivácqua, sendo denunciado pela prática de atos incompatíveis com o decoro parlamentar. 2 - Conforme norma regimental, para a perda do mandato municipal seria necessário o voto da maioria absoluta dos vereadores, que corresponde, exatamente, à quantia de 5 (cinco) votos. 3 - Até então, nenhum vício macularia a referida votação, uma vez que o número mínimo de votos legalmente exigidos para a cassação do mandato (cinco) teria sido alcançado na sessão realizada. 4 - Todavia, constata-se que um dos votos responsáveis pela cassação do apelado foi proferido pela então Presidente da Câmara Municipal, em desconformidade com o previsto no Diploma Regimental da Câmara Legislativa. 5 - Segundo o Regimento Interno, a Presidente da Casa Legislativa não deveria ter participado da referida votação, uma vez que a sua participação como votante fica restrita às seguintes hipóteses: a) quando se exigir quorum de 2⁄3 (dois terços), b) no caso de empate, c) eleição e destituição de membro da mesa e das comissões e d) em outros casos previstos em lei. 6 - Recurso conhecido, mas desprovido (Grifo Nosso).[19]
O voto do presidente da câmara municipal representa, ainda, outro perigo, pois que em sede de doutrina se discute:
Com efeito, se o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar e de integrar a Comissão processante. Seu voto será substituído pelo do suplente convocado. Se, no entanto, o denunciante for o Presidente da Câmara, transferirá a presidência para seu substituto, para a prática dos atos do processo, mas poderá votar para completar o quorum de julgamento. Será, nessa hipótese acusador e julgador, ao mesmo tempo, o que não se concebe, por isso que se trata de posições conflitantes. Entendemos que a garantia da ampla defesa envolve, necessariamente, o direito a uma consideração motivada e ponderada acerca dos argumentos expendidos pelo acusado, em sua defesa, e em seu favor. Ora, essa consideração relativamente à defesa será absolutamente impossível se o julgador for o denunciante.[20]
Portanto, melhor não contar com voto de presidente denunciante, pois que além da questão principiológica ora exposta, a maioria dos regimentos internos camerais prevê impedimento de votar àqueles que tenham interesse na questão apreciada.
Há ainda uma armadilha mortal no que se refere ao tipo de votação que decide pela condenação ou absolvição do denunciado, ou seja, se aberta ou secreta, pois que, estranhamente, a CF/88 estabeleceu que a votação referente à cassação de mandato eletivo de deputados federais e senadores bem como a de deputados estaduais seria mediante voto secreto, enquanto que em relação à votação relativa à perda de mandato de vereadores simplesmente nada disse.
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Art. 27. § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas (Grifo Nosso).[21]
Aliás, diga-se de passagem, enquanto ao mandato dos deputados estaduais, a CF/88 estabelece o dever de se “aplicar as regras desta Constituição”, concernente à organização dos municípios e, consequentemente, ao mandato de vereadores, a CF/88 determina apenas que devem ser “atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição”.
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
I - eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País [...] (Grifo Nosso).[22]
Ora, teria sido o desejo do legislador constituinte conferir uma maior autonomia aos Municípios do que aquela outorgada aos Estados Federados? Obviamente que não. Mas, por mais insano que possa parecer, a jurisprudência vem confirmando esse entendimento, que fere o princípio da simetria em nome de uma suposta legalidade.
Assim, enquanto o TJSP decide que a votação relativa à perda de mandato de vereador deve se realizar mediante voto aberto, conforme preceitua o Decreto-Lei 201/67; o STF resolve que é inconstitucional emenda constitucional estadual tendente a substituir o voto secreto pelo aberto nos processos de cassação de mandato de deputado estadual.
VEREADOR. CASSAÇÃO. VOTAÇÃO SECRETA. "De acordo com o previsto no art. 5º do Decreto-Lei 201/67 (que prevalece sobre eventual disposição normativa local em outro sentido), na sessão de julgamento da infração potítico-administrativa pela Casa Legislativa a votação deve ser nominal" (Min. Teori Albino Zavascki, STJ), vale por dizer, "aberta, não secreta" (Tito Costa), voto "pessoal, aberto e público" (Altamiro de Araújo Lima Filho). Provimento da apelação. 7379945200 SP, Relator: Ricardo Dip. Data de Julgamento: 01/09/2008, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 10/09/2008.[23]
Emenda constitucional estadual. Perda de mandato de parlamentar estadual mediante voto aberto. Inconstitucionalidade. Violação de limitação expressa ao poder constituinte decorrente dos Estados-membros (CF, art. 27, § 1º c/c art. 55, § 2º). (ADI 2.461, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12-5-2005, Plenário, DJ de 7-10-2005.) No mesmo sentido: ADI 3.208, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12-5-2005, Plenário, DJ de 7-10-2005.[24]
E como se não bastasse, resta ainda uma série de alegações de cunho técnico e procedimental que de todos é conhecida nas esferas do processo civil e do processo penal, tais como falta ou nulidade de citação, cerceamento de defesa, violação do contraditório, dentre outras muitas.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. CASSAÇÃO DE MANDATO DE VEREADOR. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA [ART. 5º, INC. IV] - APELO NÃO PROVIDO - I - A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA ASSEGURA AOS LITIGANTES, EM PROCESSO JUDICIAL OU ADMINISTRATIVO, O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA, COM OS MEIOS E RECURSOS A ELA INERENTES [ART. 5º, INC. IV]. II - A DEFESA, HOJE, E UMA INJUNÇÃO LEGAL. É UM ELEMENTO LÓGICO INDISPENSÁVEL DO PROCESSO. O CARÁTER PÚBLICO DA DEFESA ACENTUA SE MAIS AINDA, AO SE ATENTAR PARA A CIRCUNSTÂNCIA DE QUE O ATUAL SISTEMA LEGAL EXIGE SEJA ELA COMETIDA A QUEM TENHA HABILITAÇÃO TÉCNICA, SOB PENA DE SE DEGRADAR A TUTELA PROFISSIONAL. III - O CONTRADITÓRIO É A EXTERIORIZAÇÃO DA PRÓPRIA DEFESA. A TODO ATO PR... CONSTITUIÇÃO.[25]