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Contornos atuais e novas questões sobre a prova documental no processo civil brasileiro.

O anteprojeto de Código de Processo Civil

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09/04/2012 às 16:15
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PROVA DOCUMENTAL

LICITUDE E PRODUÇÃO

Prova, como visto acima, tem um conceito não unívoco, e, na acepção de meio de prova, não pode ser vista como um conceito absoluto, eis que, se de um lado, como demonstrado acima, podem ser produzidas pela iniciativa do juiz (artigo 131 do Código de Processo Civil), igualmente podem ser produzidas pelas partes, falando-se, assim, num direito à produção da prova20 (no caso, documental).

Não se pode esquecer, portanto, que o direito à produção de provas, se não é absoluto, acaba por encontrar limites devidamente estabelecidos no próprio ordenamento jurídico, isso porque “os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias”21.

No direito brasileiro, a Constituição Federal veda a proibição das provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5º. inciso LVI), ou seja, produzidas em contrariedade ao direito, não se admitindo, ainda, como pode ser extraído da orientação prevista pelo artigo 332 do Código de Processo Civil, os meios de prova que não sejam considerados moralmente legítimos, o que interessa diretamente à questão da produção da prova documental (no mesmo sentido a orientação contida no artigo 32 da Lei nº 9.099/95), onde “a referência a meios de provas moralmente legítimos deve ser lida como fontes de prova obtidas ou manipuladas por meios lícitos não importam ilicitude da prova, para os fins do preceito constitucional e consequente ineficácia probatória, os defeitos das próprias fontes, como a falsidade do documento trazido ao processo; ou eventuais vícios na produção da prova, como a inobservância do princípio do contraditório; ou ainda a mentira intencional da testemunha, esses desvios são sancionados pelo sistema processual por outros modos.”22.

Neste sentido, já se manifestou a jurisprudência dos Tribunais pátrios, em relação à questão da utilização de tais documentos em processos judiciais:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO RETIDO: PROVA TESTEMUNHAL - IRPJ - OMISSÃO DE RECEITA - INFORMAÇÃO SOBRE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - INFORMAÇÕES OBTIDAS PELA FAZENDA NACIONAL EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL ANTES DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001 - PROVA ILÍCITA - NULIDADE DO LANÇAMENTO. 1. A produção de prova testemunhal se mostra inócua diante da silhueta obtida com a prova pericial produzida, o que afasta a sua necessidade. 2. Não é admissível que ao Fisco sejam disponibilizados dados sobre a movimentação bancária do correntista sem a devida autorização judicial, em mero procedimento administrativo anterior à Lei Complementar nº 105/2001, regulamentada pelo Decreto nº 3.724/2001. 3. As instituições financeiras devem atender à solicitação de informação encaminhada pelo Fisco, cumprindo-lhe, porém, negar-se a fornecer qualquer espécie de notícia ou documento pertinente à movimentação ativa e passiva do correntista/contribuinte, bem como dos serviços a ele prestados (art. 38. da Lei nº 4.595/64). Precedente do STJ. 4. Os autos de infração impugnados e a decisão administrativa que confirmou a omissão de receita, ao se fundarem em prova ilícita, caracterizada pela quebra do sigilo bancário da apelante sem autorização do Poder Judiciário e sem o consentimento do contribuinte, são, portanto, nulos. 5. Agravo retido não provido. Apelação provida: pedido inicial parcialmente procedente. 6. Peças liberadas pelo Relator, em 07.08.2007, para publicação do acórdão.

TRF 1, Apelação Cível nº 2002.38.00.022461-4/MG, 7ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Luciano Tolentino Amaral, Rel. Convocado Rafael Paulo Soares Pinto. j. 07.08.2007, unânime, DJU 24.08.2007).23

Portanto, como premissa inicial para comentar a produção da prova documental, tem-se que esta peculiar espécie de meio probatório deve se dar com vedação das provas obtidas por meios ilícitos ou moralmente ilegítimos.

No anteprojeto de Código de Processo Civil, como se observa pelo contido no artigo 257 e seu parágrafo único, se mantém a orientação no sentido da vedação da produção de provas que não sejam legais ou moralmente legítimas.

O próprio Supremo Tribunal Federal, por precedentes recentes, tem se orientado no sentido de total vedação de admissão de documentos obtidos por meios ilícitos, nos processos em geral, neste sentido, poder-se-ia continuar a pedir vênia para destacar, dentre outros, o seguinte precedente, verificando em ação penal oriunda daquele E. Areópago:

PROVA - CRIMINAL – DOCUMENTOS - Papéis confidenciais pertencentes a empresa. Cópias obtidas sem autorização nem conhecimento desta, por ex-empregado. Juntada em autos de inquérito policial. Providência deferida em Mandado de Segurança impetrado por representante do Ministério Público. Inadmissibilidade. Prova ilícita. Ofensa ao art. 5º, inciso LVI, da CF, e aos arts. 152, parágrafo único, 153 e 154 do CP. Desentranhamento determinado. Habeas Corpus concedido para esse fim. Não se admite, sob nenhum pretexto ou fundamento, a juntada, em autos de inquérito policial ou de ação penal, de cópias ou originais de documentos confidenciais de empresa, obtidos, sem autorização nem conhecimento desta, por ex-empregado, ainda que autorizada aquela por sentença em Mandado de Segurança impetrado por representante do Ministério Público.

(STF - 2ª T.; HC nº 82.862-1-SP; Rel. Min. Cezar Peluso; j. 19/2/2008; v.u.). BAASP, 2584/4817-j, de 14.8.2008.

Referida tendência, aliás, já estaria sendo verificada há certo tempo, como o revela precedente anterior, da época das investigações do conhecido caso Collor e suas ramificações, como se observa, pelo presente Julgado que continuo a pedir vênia para destacar, a título meramente exemplificativo da questão a ser posta no cerne do presente estudo:

PROVA ILÍCITA – DESENTRANHAMENTO Julgando embargos declaratórios opostos ao acórdão que recebera denúncia ofertada contra a ex Ministra Zélia Cardoso de Mello, por crime de corrupção passiva, o Tribunal os acolheu para, suprindo a omissão apontada pelo embargante – o co-réu Paulo César Farias -, determinar o desentranhamento das provas resultantes da decodificação das informações encontradas na memória do computador apreendido nas dependências da empresa Verax, tidas por ilícitas no julgamento da Ação Penal 307, em que figurava como réu, entre outros, o ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Aplicação do disposto no artigo 5º, LVI, da CF.

Inq. 731-DF (EDcl), Rel. Min. Néri da Silveira, 22.05.96 (Informativo STF nº 32).

Aliás, neste caso específico, continuo a destacar o quanto asseverado no julgamento do próprio recurso de embargos declaratórios:

Ação Penal. Denúncia recebida. Prova ilícita. Embargos de Declaração pleiteando seu desentranhamento. Constituição, art. 5º, inciso LVI. Reconhecida a ilicitude da prova constante dos autos, conseqüência imediata é o direito da parte, à qual essa prova possa prejudicar, a vê-la desentranhada. Hipótese em que a prova questionada foi tida como ilícita, no julgamento da Ação Penal nº 307, fato já considerado no acórdão de recebimento da denúncia. Pedido de desentranhamento formulado na resposta oferecida pelo embargante e reiterado em outro instante processual. Embargos de Declaração recebidos, para determinar o desentranhamento dos autos, das peças concernentes à prova julgada ilícita nos termos discriminados no voto condutor do julgamento

INQ. 731. (EDcl) – Rel. Min. Néri da Silveira (Informativo STF nº 34).

Mas, mesmo assim, não se pode deixar de apontar que, ao menos nas situações de legítima defesa do produtor da prova ilícita, possa ocorrer o aproveitamento, como igualmente já frisado pelo mesmo E. Pretório Excelso, em hipótese que, acredita-se, a nota seja a da excepcionalidade, justamente para se conter excessos.

Neste sentido, sempre de se continuar a pedir vênia, desta feita, para destacar outro exemplo de precedente jurisprudencial a respeito do mesmo tema em comento:

Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal Federal HC 74.678, DJ 15.08.97

RE Nº 212.081 – REL. MIN. OCTÁVIO GALLOTTI (Informativo STF nº 104).

Essa interpretação excepcional, inclusive, parece despontar quando, em antinomias, o magistrado possa analisar a questão da ilicitude da prova, avaliando a natureza dos direitos envolvidos (sob uma perspectiva de proporcionalidade ou razoabilidade24), como se extrai (obviamente de lege ferenda) da orientação contida no parágrafo único do supramencionado artigo 257 do anteprojeto de novo Código de Processo Civil.

Tal produção deve se dar, ademais, quando de iniciativa das partes (o juiz pode requisitar a produção de documentos ex officio como decorre do artigo 130 do Código de Processo Civil) nos momentos processuais adequados, o que, em relação à prova documental deve ocorrer, em relação ao autor, com a distribuição ou despacho da petição inicial, em relação aos documentos indispensáveis à propositura da ação (como pode ser extraído da orientação contida nos artigos 263 e 283 do Código de Processo Civil), e, em relação ao réu, até por força dos princípios da eventualidade e da concentração dos atos de defesa (bem como pela própria redação dos artigos 300 e 302 do mesmo diploma processual civil) deve se dar com a apresentação da peça de resposta processual (seja exceção em relação ao que se pretender alegar, seja contestação ou reconvenção).

Aliás, a norma contida no artigo 396, do respectivo Código de Processo, estabelece como regra geral que a prova documental teria momentos próprios para a produção, mas, eventualmente, haveria a possibilidade de juntada de documentos novos, desde que garantido o direito de acesso ao contraditório, como pode ser extraído dos artigos 397 e 398 do mesmo diploma legal.25

Pertinente, aliás, a respeito da questão, as ponderações a respeito da flexibilização dessas regras referentes à produção de documentos novos fora dos momentos processuais adequados. Sobre o tema:

Além disso, a interpretação sistemática do art. 396. do Código de Processo Civil tem propociado uma flexibilização racional das exigências que contém, admitindo-se a exibição ulterior de documentos (a) sempre que o retardamento não seja fruto de um espírito de ocultação premeditada e do propósito de surpreender o juízo ou a parte contrária (STJ) e (b) desde que o estado do procedimento o permita. É excepcional a admissão de documentos novos com as razões ou contra-razões de recurso, seja porque o contraditório nesse momento já é bem mas restrito, seja porque não comete o error in procedendo ou in judicando o juiz que julga contrariamente à realidade dos fatos em virtude de omissões probatórias das próprias partes.26

Não se esqueça, ademais, que, em regra, o direito processual pátrio, não mais visto como um fim em si mesmo, mas como um verdadeiro instrumento processual, já permitiria a admissão de documentos novos, como provas judiciais, sob a perspectiva do advento da norma contida no artigo 130 do Código de Processo Civil, sendo certo que a maior preocupação em relação a tanto, deva ser a referente à efetiva garantia do contraditório.

Isso porque, como é cediço, na fase sincretista do processo civil, com grande importância da sua constitucionalização, a pedra de toque vem sendo a busca pela efetividade da jurisdição, que, ainda, deve ser obtida de forma tempestiva (nos estritos termos preconizados, aliás, pelo advento da norma contida no artigo 5º, inciso LXXVIII, CF, com redação dada pelo advento da EC nº 45/04, conferindo status de direito fundamental, ou, como preconizado por J. J. Canotilho, em seu conhecido Curso de Direito Constitucional, um verdadeiro fundamental right, ao tempo razoável de duração de um processo).

Nessas condições, tem-se que conferir efetividade ao brocardo de direito franco de acordo com o qual pas de nulité sans grief, o qual, em tradução literal e livre implica na ideia de acordo com a qual não haverá que se cogitar de reconhecimento de qualquer causa de nulidade, sem efetivo prejuízo processual.

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Tal ideia sofreu refinamento teórico e jurisprudencial, passando a ser entendida como um princípio instrumental, ou princípio da instrumentalidade das formas, o qual veio a ser expressamente previsto pelo processo civil pátrio, como se pode observar pelo advento das normas contidas nos artigos 244 e 249, parágrafo único do Código de Processo Civil.

Neste mesmo sentido, de se pedir vênia para ponderar a respeito do quanto apontado por Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, em seu clássico "Teoria Geral do Processo", a respeito do que, de forma expressa:

" O princípio da instrumentalidade das formas, de que já se falou, quer que só sejam anulados os atos imperfeitos se o objetivo não tiver sido atingido (o que interessa, afinal, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo). Várias são as suas manifestações na lei processual, e pode-se dizer que esse princípio coincide com a regra contida no brocardo "pas de nulité sans grief". Tal princípio, formulado legislativamente nesses mesmos termos no direito francês, está presente nos códigos brasileiros: a) mediante expressa referência ao prejuízo como requisito para a anulação (CPP, art. 563; CPC, art. 249, § 1º); b) estatuindo a lei que a consecução do objetivo visado pela determinação da forma processual faz com que o ato seja válido ainda se praticado contra a exigência legal (art. 244. CPC)27."

No âmbito do Juizado Especial Cível (a seara das assim chamadas causas cíveis de menor complexidade), a questão ganha contornos de flexibilização ainda mais ampla, posto que, nos estritos termos preconizados pelo advento da norma contida no artigo 2º da Lei nº 9.099/95, dentre os princípios norteadores deste Juizado, se insere um princípio de simplicidade de formas, autorizando, portanto, guardadas essas garantias de acesso ao contraditório, e com as ressalvas referentes à licitude da prova, como tecidas linhas acima, a juntada de documentos não indispensáveis à propositura da ação, em outras fases do processo, que não na fase postulatória.

Pelo óbvio que se deva esperar um minimum28 ético das partes em litígio (artigo 14, inciso II do Código de Processo Civil), que tem, ademais, que atuar com boa-fé no processo, de sorte tal que, sob tal perspectiva, se o magistrado perceber que a parte estivesse ocultando o documento para postergação ou outro fim ilícito, ao invés de desconsiderar o teor de um documento importante (como visto o artigo 130 do Código de Processo Civil possibilita ao magistrado mantê-lo no bojo dos autos, eis que meios de prova se prestariam, em ultima ratio à formação da convicção judicial a respeito da ocorrência de certo fato ou da comprovação da existência de algum direito), deverá aplicar o arcabouço próprio das situações de litigância de má-fé.

A produção da prova documental poderá ocorrer, ainda, de modo compulsório, se acaso se cuidar de documento comum que estiver em poder da parte contrária ou de terceiro, o que deverá ser obtido a partir da formação do incidente de exibição de documentos, a que aludem as normas contidas nos artigos 355 e seguintes úteis do Código de Processo Civil.

Em sede cautelar autônoma, inclusive, poderá haver propositura de ação cautelar autônoma para tal finalidade de exibição, como previsto pelos artigos 844 e 845 do mesmo diploma processual civil, nada impedindo, observadas as cautelas de cumulação do artigo 292 e consectários do caderno processual em questão, que se proceda ao cúmulo de pedidos, com a própria tutela principal, como se admissível pelo advento da norma contida no artigo 273, par. 7º do Código de Processo Civil.

Por fim, como incidente relevante, acerca da produção da prova documental seria de se realçar a existência do incidente de arguição de falsidade documental, que se refere não aos casos de falsidade de conteúdo (documentos falsos), mas, ao contrário, se presta à aferição de documentos falsificados (falsidade de suportes nos quais são plasmados os documentos).

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Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio Cesar Ballerini. Contornos atuais e novas questões sobre a prova documental no processo civil brasileiro.: O anteprojeto de Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3204, 9 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21453. Acesso em: 23 nov. 2024.

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