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SOPA, PIPA e a nova-velha discussão sobre Direitos Autorais e a Internet

12/04/2012 às 09:43
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As recentes propostas de legislação para controlar o tráfego de dados na rede mundial, nos Estados Unidos, escondem interesses econômicos poderosos e ressuscitam o antigo embate entre liberdade de expressão e a defesa dos direitos autorais na era da informação digital.

As recentes propostas de legislação para controlar o tráfego de dados na rede mundial, nos Estados Unidos, escondem interesses econômicos poderosos e ressuscitam o antigo embate entre liberdade de expressão e a defesa dos direitos autorais na era da informação digital.

Já não era de se espantar: as consideráveis perdas de receita da indústria fonográfica e audiovisual, verificadas ano a ano, estimularam, nos Estados Unidos, um contra-ataque legal - algo que, como mostraremos aqui, renova-se de tempos em tempos. Associações como a MPAA (Motion Picture Association of America) estimam que a pirataria digital (aquilo que legalmente chamamos de contrafação, também na modalidade de downloads não autorizados) custe à economia norte-americana o equivalente a US$ 58 bilhões em divisas por ano e mais 19 milhões de postos de trabalho potencialmente ceifados. Sensibilizados por essa retórica, senadores e deputados, como o conservador texano Lamar Smith, compraram a ideia de recrudescer a luta para caçar “pirateiros”, “traficantes de conteúdo digital ilícito” ou gente que, de algum modo, contribui para o trânsito de dados como músicas, vídeos e livros por dispositivos ligados à rede mundial, sem a devida autorização e distribuição de royalties a seus titulares.

Sob o pomposo argumento de “promover a prosperidade, defender a criatividade e o empreendedorismo, a inovação e combater o ‘furto’ de propriedade intelectual americana”, dois projetos de lei foram apresentados no Congresso dos EUA: o SoPA, acrônimo de Stop Online Piracy Act, originário da Câmara dos Deputados e o PiPa, sigla para Protect iP Act, de iniciativa do Senado. Os textos bases para as duas leis são autocomplementares e podem ser encontradas, na versão integral, em https://www.opencongress.org/bill/112-h3261/show (no caso do Stop Online Piracy Act) e https://www.opencongress.org/bill/112-s968/show (tratando-se do Protect iP Act).

A combinação dos dois projetos busca uma forma de tratar com mais severidade toda e qualquer pessoa que compartilha, baixa, “ripa” ou facilita a troca de filmes, músicas, livros e outros conteúdos protegidos pelas diversas disposições sobre direitos autorais nos EUA. Entre as medidas duras estão a possibilidade de quebrar o sigilo dos internautas, bloquear serviços “suspeitos” de promoverem a pirataria, aplicar pesadas multas e penas que vão até cinco anos de prisão.


A reação fulminante

Em questão de dias, as oito letrinhas tornaram-se um mantra da intervenção governamental na Internet e incitaram uma cruzada daqueles que defendem a livre expressão outras liberdades individuais. O campo de guerra se abriu para apaixonados pelos temas polêmicos, que envolvem o direito à propriedade, democracia, direito à privacidade e função social da propriedade intelectual.

Em pouco mais de uma semana, mais de 100 mil usuários da rede social Tumblr telefonaram ou lotaram as caixas postais de e-mail dos membros do Congresso americano, enquanto mais de 3 milhões e meio de usuários subscreveram um abaixo-assinado online em https://www.avaaz.org/en/save_the_internet , pedindo que os congressistas americanos votem contra ambos os projetos de lei, ressaltando o fato de que “a Internet é uma ferramenta crucial para troca de idéias e desenvolvimento comunitário, sustentada pelo pilar da democracia”. Outro documento do mesmo teor, organizado pelo Google, já reúne mais de 7 milhões de assinaturas.

No Twitter, a hashtag #stopSOPA ficou dias entre os principais trending topics, numa campanha capaz de mobilizar até mesmo empresas como a Google, Inc. e a fundação mantenedora da Wikipédia, que ficou um dia inteiro fora do ar, como forma de protesto. Até a rede Wal-Mart de supermercados engrossou o coro!

Os queixosos inspiram sua indignação digital, ainda, em eventos recentes da chamada “Primavera Árabe”, a onda de protestos em países como Egito, Tunísia, Emirados Árabes Unidos e Líbia, que, organizados anarquicamente pelas redes sociais, protagonizaram reformas políticas profundas nesses países e, em alguns casos, a queda de ditaduras seculares.


Inconstitucionalidade e caça às bruxas

Para o professor de Direito da Faculdade de Harvard, Laurence Tribe, o projeto de lei é inconstitucional, porque restringe o tráfego livre de comunicação pela Internet, estabelecendo nada menos que uma censura ao acesso da informação, o que é vedado pela Primeira Emenda da Constituição estadunidense. Ou seja, confere aos burocratas estatais amplos poderes para determinar que informação deve ou não ser acessada, afrontando princípios básicos da legislação de lá, em especial o free speech e o due process of Law (devido processo legal).

Um dos primeiros alvos do FBI e do Departamento de Justiça Americano foi Kim Schmitz, o “Dotcom”, um empresário de 38 anos responsável pelo serviço de compartilhamento e hospedagem de dados “MegaUpload”. O gordinho excêntrico e milionário foi preso numa megaoperação policial arquitetada na Nova Zelândia, tendo sido capturado após esconder-se na “sala do pânico” de sua mansão.

Após obter a liberdade provisória, numa batalha árdua, Kim “Dotcom” será levado a julgamento nos Estados Unidos, acusado de patrocinar, por meio do MegaUpload, milhares de infrações aos direitos autorais de terceiros, incitação ao crime, formação de quadrilha, uso de identidade falsa e lavagem de dinheiro. O FBI trata “Dotcom” como um verdadeiro mafioso e ressente-se, especialmente, pelo fato dos seus empreendimentos remunerarem usuários para linkar conteúdo ilegal. Ainda segundo o órgão federal americano, a má vontade de Kim e seus executivos sempre foi descarada: mesmo notificados, não apagavam as contas com o conteúdo ilegal; em vez de colaborar, eles espelhavam a conta “criminosa” e apagavam a principal, apenas amplificando o problema que o FBI tentava evitar.

Com problemas legais também na Índia, Malásia e Hong Kong, “Dotcom” viu seu mundo desmoronar, com a retirada de seus servidores do ar. Mas isso não foi suficiente para deter os serviços de armazenamento de arquivos e download que pipocam na Internet. Com a versatilidade única dos meios digitais, conforme noticiou o site Telemoveis.com, os usuários já haviam encontrado alternativas para o MegaUpload, na mesma semana em que o serviço tinha sido retirado do ar. O mais provável é que os 50 milhões de usuários do MegaUpload tenham migrado para alternativas que incluem os também conhecidos 4Share, RapidShare e FileSonic, pois todos esses contabilizaram um brutal aumento de tráfego. Já o website TorrentFreak divulgou um gráfico que exibe um aumento exponencial de tráfego online em quatro alternativas ao Megaupload: Hotfile, DepositFiles, Rapidshare e Uploaded.to.

O grupo hacker Anonymous derrubou, em represália, o site do Departamento de Justiça dos EUA e prometeu outros danos aos websites oficiais do governo.


Os precedentes

A contenda envolvendo os defensores dos direitos autorais e internautas ou empresas que operam na linha tênue entre o legal e o ilícito não é nova. Nos anos 90, três casos foram emblemáticos sobre esse tema: o primeiro envolvia o hacker russo Ivanopulo e sua briga contra a Microsoft, a Macromedia e a Adobe. Ivanopulo, um hábil programador, fazia engenharia reversa nos programas dessas empresas, permitindo que usuários pudessem usá-los burlando o código de ativação ou o número de série (ou seja, sem pagar pela licença). As pitorescas trocas de e-mail entre o departamento jurídico de tais empresas e o hacker são um clássico da Internet: Ivanopulo alegava que, pela legislação da Rússia, nada fazia de ilegal, e chegou a implorar para ser processado, o que nunca aconteceu.

Depois, tivemos Shawn Fanning e seu Napster. O rapaz de Massachusetts criou uma rede de servidores e uma interface que permitia o intercâmbio e o download de músicas no formato MP3; logo, arrumou briga com ninguém menos que a banda Metallica. Após processos e audiências, Fanning decidiu recuar: vendeu o Napster para a Roxio, em 2002, que passou a ser um canal legalizado de venda de música online, a exemplo do que o iTunes é hoje.

Ainda, na virada do milênio, Jon Johansen, um norueguês de 16 anos, despertou a ira da indústria cinematográfica e fonográfica quando programou e publicou o DeCSS, um programa capaz de decodificar o algoritmo de proteção de região dos DVD Players, permitindo, inclusive, que o usuário pudesse tocar o DVD em qualquer parte do mundo, além de extrair o conteúdo do DVD para gravá-lo posteriormente em outra mídia. Primeiramente condenado pela Justiça norueguesa a dois anos de prisão, mais multas, o rapaz foi absolvido de todas as acusações na instância superior de seu país, em 2003, por falta de tipicidade da conduta.

O curioso é que a intensidade do fluxo de mudança do ambiente digital quase sempre supera as tentativas da lei em coibir ou mesmo tratar sobre determinados assuntos peculiares do meio. Quando a questão do Napster já estava resolvida na Justiça, apareceu a tecnologia dos torrents, que já não possuíam uma base centralizada de servidores para a troca dos arquivos em MP3, praticamente impossibilitando uma ação policial contra um alvo fixo.

Na Suécia, um site chamado “The Pirate Bay” (O Bazar Pirata) funciona, há anos, como uma espécie de indexador para a busca e seleção de arquivos de músicas, filmes, programas e outros em trânsito na Internet (torrents). Com um navio corsário como ícone representativo do serviço, o site escora-se na legislação de seu país natal, que não os impede de linkar conteúdo disponível na Internet. Inclusive, os proprietários do serviço publicam com orgulho uma seção chamada “Ameaças Legais”, em que hostilizam e ridicularizam notificações de departamentos jurídicos enviadas em nome de gente como Warner Bros., SEGA, Electronic Arts, Apple, Microsoft, entre outras gigantes.


A Defesa dos Direitos Autorais no Brasil e o Marco Civil da Internet

A proteção aos direitos autorais existe como uma consequência óbvia do direito da propriedade, dos valores do trabalho e da livre iniciativa, todos tópicos tratados nos primeiros artigos da Constituição Federal. Ela prestigia a inventividade, a originalidade e a função econômica do trabalho intelectual, sobretudo se levarmos em conta tais bens intangíveis numa sociedade onde a informação não vale pouco. Tem sua função social e econômica justificada na medida em que gera empregos e investimentos, permite a circulação de riqueza e, não raro, é instrumentos de inclusão ou de promoção social.

No Brasil, a lei 9.610/98 estipula o alcance da proteção às obras intelectuais (definindo-as como criação do espírito, passíveis de representação em qualquer suporte) e as exceções para a defesa dos direitos autorais. No seu artigo 7º., ela enumera as hipóteses protegidas: textos de obras literárias, artísticas e científicas; conferências, obras dramáticas e coreográficas; composições musicais e audiovisuais em geral, desenhos, pinturas, gravuras e esculturas; adaptações e traduções dos originais; as antologias e seleções de caráter enciclopédico; e, por fim, os programas de computador, que são objeto de legislação específica (lei 9.609/98).

Ao autor e/ou titular dessas obras, a lei prevê direitos de cunho patrimonial (exploração comercial da obra, cobrança de royalties, contratação de edição...) e morais (incolumidade da obra produzida, a identificação de autoria, a escolha de colocar ou retirar a obra do mercado).

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O Código Penal tipifica como crime a violação de direitos autorais no artigo 184, estipulando pena de reclusão de 3 meses a 1 ano, ou multa, no caso da violação com fim pessoal, e de reclusão de 2 a 4 anos quando a finalidade é comercial, mais multa.

O problema é que a lei deve ser interpretada de maneira sistemática e às vezes alguns veículos de comunicação, ao tomar nas mãos apenas trechos da lei, desinformam a população. No mesmo artigo 184 do CP, por exemplo, o § 4º. exclui o crime se o direito do autor está limitado por uma das exceções da lei 9.610 ou quando se faz apenas uma cópia de qualquer obra para uso privado do copista, sem intuito de lucro (backup).

Na lei 9.610, existem várias limitações aos direitos autorais, a começar pelo artigo 8º., que enumera, por exemplo, aquelas hipóteses de obra intelectual não defendidas pela lei, como as idéias, procedimentos normativos, sistemas e conceitos matemáticos; regras de jogos; textos de leis, decretos, tratados e decisões judiciais; e informações de uso comum, como calendários, agendas e legendas.

Mais adiante, nos artigos 43 a 45, a lei estipula um limite temporal para a proteção aos direitos patrimoniais do autor: até setenta anos contados do ano subsequente de sua morte, isso se ele possuir sucessores (no caso de programas de computador, o prazo é 50 anos); caso contrário, entra automaticamente no domínio público, bem como aquelas obras de autor desconhecido. Tanto é uma realidade que o próprio governo estimula a disseminação de conteúdo em domínio público gratuitamente, por meio do site www.dominiopublico.gov.br

O artigo 46 é um capítulo inteiro sobre aquilo que não constitui ofensa aos direitos autorais: por exemplo, a reprodução, na imprensa diária ou periódica, de notícia ou artigo informativo, com menção do autor, se houver; a citação em livros, jornais e revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida para alcançar esse fim; a reprodução musical ou teatral de obras nos estabelecimentos de ensino para fins didáticos, sem intuito de lucro, entre muitas outras.

Ainda que bem redigida, a lei dá margem a interpretações dissonantes. Por exemplo, duas editoras divulgaram, no CD-ROM de suas publicações, um joguinho de RPG publicado como freeware (portanto, gratuito) no site do Superdownloads. O autor, indignado com a reprodução sem sua autorização, processou ambas as empresas para haver uma indenização por danos morais e materiais, na Justiça paulista. Uma editora foi condenada, pelo entendimento do juiz que negócios envolvendo direitos autorais interpretam-se de maneira restritiva, carecendo de autorização expressa; no outro caso, o Tribunal de Justiça decidiu não haver nenhum dano a indenizar, nem qualquer contrafação a direitos autorais, posto que o material já era distribuído pelo autor gratuitamente na Internet, valendo isso como uma licença tácita de reprodução.

Há algum tempo, já existe um projeto para atualização de lei de proteção aos direitos autorais (ver o site https://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/consulta/), que prevê novas situações, como a legalização do uso do serviço de reprografia (xérox) nas instituições de ensino e uma maior flexibilidade à proteção dos direitos autorais em relação à função educativa e didática das obras, quando não houver objetivo comercial. Outra novidade interessante é a incorporação do “notice and breakdown” na lei, um dispositivo típico do direito americano que permite aos autores a retirada do ar de blogs e sites contendo partes não autorizadas de suas obras, sem a interferência direta do Judiciário (o que para alguns comentaristas, é um retrocesso e remete à velha censura).

De qualquer forma, as perspectivas legais para o controle e gerenciamento dos direitos autorais e do uso do conteúdo digital, no Brasil, estão tomando um caráter mais liberal do que a legislação que se tenta implantar nos EUA. O PL 2.126/2011, por exemplo, trata do Marco Civil da Internet, e seu objetivo é traçar diretrizes e princípios para o uso da rede e para a proteção do internauta. Entre outras disposições, visa a assegurar a pluralidade, a diversidade de opiniões e a abertura à colaboração, a proteção da privacidade online e a garantia de neutralidade da rede, especialmente como ferramenta promotora da educação (leia o texto integral do projeto em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2011/msg326-24ago2011.htm).

Já nos Estados Unidos, a votação dos projetos SoPA e PiPA foram suspensos. O presidente Obama, aproveitando o episódio para agradar ao eleitorado, veio a público com a retórica de que a "liberdade não pode ser cerceada" e coisas do gênero. Paralelamente, começam a surgir alternativas mais amenas dos projetos SoPA e PiPA: uma delas é o OPEN (Online Protection and Enforcement of Digital Trade), que tem uma proposta menos invasiva, com foco maior na educação, na restituição do dano e no desestímulo a atos de contrafação, em vez da mera repressão criminal.

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Sobre o autor
Guilherme Gouvêa Pícolo

Advogado. Editor. Analista de Sistemas em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. SOPA, PIPA e a nova-velha discussão sobre Direitos Autorais e a Internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3207, 12 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21488. Acesso em: 24 nov. 2024.

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