É até admissível que o Poder Judiciário possa cometer erros em algumas decisões, pois se trata de uma instituição formada por seres humanos suscetíveis a isso. Porém, existem erros que se tornam verdadeiras aberrações jurídicas, sendo até transformadas em súmulas, que são utilizadas em julgamentos em todo território nacional.
Vamos analisar o disparate contido na Súmula 385 do STJ, que diz: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.”
Vamos fazer esta análise por partes para que possamos ver o absurdo contido neste verbete, bem como a afronta a dispositivos legais. Diz a primeira parte da súmula: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito”
Traduzindo de forma bem singela e didática: de um ato ilícito cometido por alguém (ou alguma instituição) – isso mesmo, ato ilícito, pois se a anotação é irregular, significa que a vítima, no caso, teve uma inserção de seu nome nos cadastros de restrição ao crédito sem nada dever ao ofensor.
Continua o verbete: “não cabe indenização por dano moral”. Unindo as duas partes já contraria o disposto no artigo 927 do Código Civil, cumulado com os artigos 186 e 187 do mesmo Codex.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (grifei)
Ora, pensamos, deve haver alguma excludente desta ilicitude, pois um julgador não seria capaz de contrariar a lei desta forma. Pois é. Existe. Pelo menos é o que pensam os ministros do STJ. Qual seria esta excludente? É “quando preexistente legítima inscrição”.
Isso mesmo: se o sujeito deve ou já deveu a alguém e teve seu nome inscrito nos cadastros de restrição ao crédito, pronto. Daí pra frente, qualquer um está autorizado a incluir o nome dele indevidamente, e não precisará responder pecuniariamente por isso.
A existência de débitos anteriores funciona como uma bonificação ao ofensor. Este se aproveita de uma relação jurídica da qual não fazia parte para não arcar com o ônus de sua irresponsabilidade.
Essa súmula, editada e publicada pelo STJ, está servindo de deleite para os bancos e para prestadores de serviços públicos, que têm por hábito realizar esse tipo de atitude. Se antes, com fixação de indenizações, eles não paravam de reiterar tais atos ilícitos, imaginem agora que caso a vítima já tenha tido alguma outra restrição, tem o aval do poder judiciário para cometer os ilícitos.
Para agravar ainda mais a situação em que a justiça colocou seus jurisdicionados, estas instituições que cometem os atos ilícitos, quando são acionadas judicialmente pela ocorrência do fato ilegal, correm, antes mesmo de negar o fato, atrás da chamada lista negra existente entre as instituições e juntam aos autos.
Esta situação está se tornando uma verdadeira barbárie jurídica. Punem duas vezes aquele que já foi vítima destas empresas. Primeiro, por não fixar valor de indenização pela existência de débitos anteriores. Segundo, por aceitar que divulguem dados sigilosos em processo que é público.
O absurdo é ainda mais gritante quando aquele que já tenha tido problema financeiro em determinado momento de sua vida, porém conseguiu quitar seus débitos e não deve mais nada a ninguém, vê sua vida ser remexida e vasculhada indevidamente. Colacionam aos autos uma lista dos últimos 5 anos de restrições, mesmo que você já tenha quitado todas.
A súmula 385 está servindo de amparo para o cometimento de descumprimento da orientação constitucional contida no artigo 5º, inciso X. Estão violando nossa intimidade e vida privada, estão denegrindo a imagem e a honra das pessoas. Tudo isso amparado em uma súmula absurdamente seguida por quase todos os Tribunais do país, se não por todos.
Precisam saber, o STJ e os Tribunais, que dever não é crime hediondo. Dever envolve muitas circunstâncias da vida. Todos estão sujeitos a isso algum dia, inclusive magistrados e ministros. E as pessoas, vítimas de conglomerados abastados financeiramente, estão sendo massacradas por isso. Cadê a justiça?
Aceitar a divulgação destas listas em processos e ainda utilizá-las para punir aquele que já é a vítima do sistema não é justiça. O dano, ilustres, ocorre quando se comete o ato ilícito e, dever para outro fora desta relação jurídica, não pode servir de escusa para o ofensor pagar pelo seu desvio de conduta.
Inserir o nome de alguém nos cadastros de inadimplentes indevidamente é ATO ILICITO e quem o fez deve arcar com suas consequências.