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Direito ao adicional de insalubridade nas atividades a céu aberto com exposição aos raios solares

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2 ASPECTOS PROCESSUAIS DA POSTULAÇÃO DO DIREITO AO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE NAS ATIVIDADES A CÉU ABERTO

2.1 Análise e reflexões sobre os obstáculos ao conhecimento do Recurso de Revista interposto com escopo de reformar acórdão regional prolatado em consonância com a O.J. n.º 173 da SDI-1 do TST

  Se o Recurso de Revista é interposto com alegação de divergência jurisprudencial (CLT, art. 896, alínea a), o seu seguimento é obstado pelo disposto no § 4.º do art. 896 da CLT (com redação dada pela Lei n.º 9.756/1998). Transcrevamos o dispositivo:

Art. 896. [omissis]

[omissis]

§ 4.º A divergência apta a ensejar o Recurso de Revista deve ser atual, não se considerando como tal a ultrapassada por súmula, ou superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.

  Quando o Tribunal Regional do Trabalho encampa o entendimento constante da O.J. 173 da SDI-1 do TST, o seguimento do Recurso de Revista, interposto com fulcro na alínea a do art. 896 da CLT, torna-se impossível, diante do dispositivo transcrito, bem como das restrições impostas pelo disposto na Súmula 296 do TST[34]. Isto porque a orientação jurisprudencial da SDI-1 do TST caracteriza uma “iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho”, como consta do dispositivo legal transcrito. Portanto, qualquer divergência jurisprudencial que venha a se chocar com o entendimento inserto na O.J. n.º 173 da SDI-1 do TST – neste caso,adotado pelo Tribunal Regional do Trabalho de cujo acórdão se recorre –, não será considerada “apta a ensejar o Recurso de Revista”.

  Diferentemente, se o Recurso de Revista é interposto sob alegação de violação literal de disposição de lei federal (neste caso, dosarts. 189e 192 da CLT e/ou do Anexo 7 da NR-15), o obstáculo deixa de ser o § 4.º do art. 896 da CLT e passa a ser, além das próprias restrições (que analisaremos a seguir) da alínea c do art. 896 da CLT,a “praticamente vinculante” e defasada[35] Súmula 333 do TST, ou, ainda, o fato de que a decisão recorrida violaria a literalidade de uma portaria ministerial (Portaria 3214/1978 do MTE, NR-15, Anexo 7) e não de lei. Analisemos.

  A Súmula 333 do TST traz a seguinte redação:

333 – RECURSO DE REVISTA – CONHECIMENTO

Não ensejam recurso de revista decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. (Alterada na sessão do Tribunal Pleno do TST realizada em 18.2.2009, Resol. N. 155, do TST, DEJT 26, 27 e 02.03.2009).

  Note-se, ab initio, que o texto da súmula transcrita não se refere a Recurso de Revista interposto por divergência jurisprudencial ou porviolação literal de disposição de lei federal. Por outras palavras, em tese, a súmula é aplicável a ambas as hipóteses (assim, como à hipótese de afronta direta e literal à Constituição Federal). Não obstante a recente revisão da redação da referida súmula, a mesma guarda conexão com a antiga redação do art. 896, letra a, da CLT, dada pela Lei n.º 7.701 de 21.12.1988, que negava conhecimento ao Recurso de Revista, caso a decisão recorrida estivesse “... em consonância com enunciado da Súmula de Jurisprudência Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho”, segundo informação de Raymundo Antonio Carneiro Pinto[36]. Ora, esta não é mais a redação do art. 896 da CLT, que, atualmente, permite o manejo do Recurso de Revista em caso de violação literal de disposição e lei federal (além de violação direta e literal da Constituição Federal). Assim, o Recurso de Revista interposto contra decisão que viole a literalidade de disposição de lei federal, ainda que a referida decisão recorrida esteja em consonância com súmula de jurisprudência uniforme do TST, deve ser conhecido – de maneira que a nova redação da Súmula 333 do TST encontra-se, igualmente, equivocada (já que acaba por negar o que permite a lei)[37].

  No tocante à expressão legal “violação literal de disposição de lei federal”, é imperioso examinar os seus contornos. O art. 896, caput, alínea c, da CLT, exige, para o cabimento do Recurso de Revista, a existência, no acórdão regional recorrido, de violação literal a disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal, nos seguintes termos:

Art. 896. Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:

[omissis]

c) proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal.

  Primeiramente, devemos indagar sobreo sentido da “violação literal” a que se refere a norma. O inolvidável jurista paranaense, Manoel Antonio Teixeira Filho, apresenta uma resposta a tal indagação:

A violação à letra da lei, para ensejar a interposição do recurso, deve, pois, ser manifesta, inequívoca, perceptível à primeira vista; não autorizam a admissão da revista, por esse motivo, aqueles textos legais de interpretação largamente controvertida.[38]

  De tal opinião doutrinária, é possível fazer algumas reflexões. O que se quer dizer com “manifesta, inequívoca, perceptível a primeira vista”? A O.J. n.º 173 da SDI-1 do TST não traz uma violação literal, nestes moldes, dos arts. 189e 192 da CLT, mesmo que após realizadas as simples considerações tecidas nos itens 1.1 a 1.3 do presente trabalho?Afinal, não haverá controvérsia alguma (nem muito menos “interpretação largamente controvertida”), se identificada a correta extensão dos dispositivos celetistas, informados pela norma técnica do Ministério do Trabalho e Emprego. Assim, podemos elucubrar: haverá violação literal de dispositivo de lei federal, quando a interpretação depende do conhecimento do real conteúdo da norma federal,que somente é corretamente compreendido, após conhecida a sua regulamentação trazida por decreto, regulamento ou portaria ministerial? Parece-nos que sim, pois, do contrário, seria negar a condição de dispositivo de lei federal àquele cujo conteúdo está parcialmente elíptico, posto que previsto em outra norma, seja decreto ou portaria ministerial. Este entendimento possibilitaria o conhecimento do Recurso de Revista fulcrado na alínea c do art. 896 da CLT, ainda que a literalidade do dispositivo de lei federal restasse violada, tão logo compreendido o seu teor através da interpretação da norma hierarquicamente inferior que lhe garante os contornos do conteúdo a que ela mesma se refere[39]. Retomaremos este enfoque mais à frente.

  Acerca do mesmo problema, cabe analisar o significado da expressão “violação literal”, segundo a interpretação que lhe empresta a Súmula 221, inciso II, do TST, à qual Manoel AntonioTeixeira Filho dirige elogios[40]. Reproduzamos a referida súmula na íntegra:

221RECURSO DE REVISTA. VIOLAÇÃO DE LEI. INDICAÇÃO DE PRECEITO. INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL. (alterada em decorrência do inciso II do art. 894 da CLT, incluído pela Lei nº 11.496/2007)

I - A admissibilidade do recurso de revista por violação tem como pressuposto a indicação expressa do dispositivo de lei ou da Constituição tido como violado. (ex-OJ nº 94 da SBDI-1 - inserida em 30.05.1997)

II - Interpretação razoável de preceito de lei, ainda que não seja a melhor, não dá ensejo à admissibilidade ou ao conhecimento de recurso de revista com base na alínea "c" do art. 896, da CLT. A violação há de estar ligada à literalidade do preceito. (ex-Súmula nº 221 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

  A exigência do inciso I, supra, é clara, razoável e correta. Por sua vez, o que vem a ser a “interpretação razoável” referida pelo inciso II? E como é possível contentar-se com uma interpretação que“não seja a melhor”? Não poderá, aí, estar a diferença entre atingir ou não a Justiça esperada pelas partes? Neste caso, não seria o TST o órgão do Poder Judiciário responsável pelo esclarecimento da ocorrência ou não de violação literal ao dispositivo de lei federal e que, neste caso, deixa de analisar a eventual violação, porquanto já realizada uma interpretação razoável e que possivelmente não é a melhor? Fiquemos por aqui.

  Importa-nos, a esta altura, perquirir sobre o que deve ser entendido por “disposição de lei federal”. Quanto a“disposição”, é indene de dúvidas de que se trata de dispositivo ou norma.No que se refere a “lei federal”,o seu sentido é amplo, como atesta o jurista capixaba Carlos Henrique Bezerra Leite:

A expressão “lei federal” comporta, a nosso ver, interpretação ampliativa. Noutro falar, deve abranger não apenas a lei federal em sentido estrito, isto é, aquela editada pelo Congresso Nacional (lei complementar, lei ordinária, decreto legislativo e resoluções do congresso nacional), mas também os atos normativos com força de lei, como o antigo decreto-lei, a medida provisória e o decreto.[41]

O ilustre processualista restringe a abrangência da expressão lei federal, para abarcar apenas a lei complementar, a lei ordinária, o decreto legislativo, as resoluções do congresso nacional, o antigo decreto-lei, a medida provisória e o decreto. Note-se que Bezerra Leite exclui da relação do art. 59 da Constituição da República Federativa do Brasil, não só a emenda constitucional (que, por óbvio, não se enquadra na definição de lei federal), mas também a lei delegada[42], embora inclua o antigo decreto-lei[43] (equivalente à atual medida provisória) e o decreto presidencial (previsto no art. 84, VI, da CRFB). Por outro lado, excluia portaria ministerial (como é o caso da Portaria 3214/1978, que aprovou a NR-15), a instrução e a ordem de serviço, com apoio em aresto do TST, cuja relatoria é do então Ministro Milton de Moura França:

Já a portaria ministerial, a instrução e a ordem de serviço não empolgam o cabimento da revista. É o que se deduz do seguinte julgado:

“EMBARGOS À SDI – PORTARIA N. 3214/1978 – RECURSO DE REVISTA NÃO CONHECIDO – AFRONTA AO ART. 896, ‘C’, DA CLT NÃO CONFIGURADA – Portaria, que não deixa de ser ‘ato normativo’, não viabiliza processamento de recurso de revista, dado que o legislador optou pela locução ‘lei federal’ (art. 896, letra ‘c’, da CLT), que tem campo de abrangência restrito, natureza específica e que é fruto de processo de elaboração, formal e material, privativo do Poder Legislativo. Recurso de embargos não conhecido” (TST – ERR 302806/1996 – SBDI 1 – Rel. Min. Milton de Moura França, DJU 8.10.1999, p.59).[44]

Oargumento do Ministro-Relator Milton de Moura França (de que a locução lei federalé fruto de processo de elaboração privativo do Poder Legislativo), aceito por Carlos Henrique Bezerra Leite, é flagrantemente contrário ao argumento que o próprio processualista capixaba desenvolve para dar interpretação extensiva ao termo lei federal. Em nota de rodapé, o insigne jurista transcreve ementa do TST, com a exposição de fundamento para a interpretação extensiva da locução lei federal(possibilitando o englobamento do decreto):

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – DECRETO N. 74.431/74 – VIOLAÇÃO DO ARTIGO 896 DA CLT – Tendo em vista que o Decreto n. 74.431/74 goza de hierarquia de Lei Federal, cuja aplicação transpõe a área de jurisdição do TRT da 9.ª Região, alcançando inclusive território internacional, afasta-se o óbice do artigo 896, alínea ‘c’, da CLT – Resta, assim, caracterizada a ofensa ao artigo 896 da CLT, impondo-se o retorno dos autos à Turma de origem para exame da apontada violação ao referido Decreto. Embargos providos (TST – ERR 240971 – SBDI I – Rel. Min. Rider Nogueira de Brito – DJU 25.02.2000 – p. 54)

Tal interpretação, talvez de forma um pouco mais estendida,mutatis mutandis,poderia referir-se à Portaria 3214/1978, do Ministério do Trabalho e Emprego. Afinal, aportaria ministerial citada gozaria de “hierarquia de lei federal”, posto que a sua aplicaçãoabrange todo o território nacional, transpondo os limites da jurisdição de cada TRT brasileiro. Por outro lado, a portaria ministerial está em pé de igualdade com o antigo decreto-lei, a medida provisória e o decreto (reconhecidos como abrangidos pela locução lei federal, na interpretação do jurista capixaba), porquanto todos não são“fruto de processo de elaboração, formal e material, privativo do Poder Legislativo”, como decidiu o Ministro Milton de Moura França na ementa transcrita acima – o que, a contrario sensu, garantiria à portaria ministerial o status de lei federal. Há, como se vê, na interpretação doutrinária de Carlos Henrique Bezerra Leite, falta de coerência.

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  Além dos motivos supra,talvez pudéssemos acrescentar inquirindo: a portaria ministerial referida, que aprovou as normas regulamentadoras do MTE, não tem a mesma relevância e urgência que as medidas provisórias e o antigo decreto-lei? E, da mesma forma, não possui mesma hierarquia que os decretos e regulamentos presidenciais, considerando que os Ministros de Estado (neste caso, o Ministro do Trabalho) são “meros auxiliares do Presidente, que os pode livremente nomear e demitir”[45], como os define o constitucionalista Alexandre de Moraes? Presumindo-se afirmativas as respostas às duas indagações, porque não admitir a possibilidade de conhecimento do Recurso de Revista quando há violação literal à portaria ministerial examinada?

  Como se pode concluir, diante das controvérsias na doutrina e na jurisprudência, acerca da extensão da expressão “violação literal a disposição de lei federal”, a possibilidade de conhecimento do Recurso de Revista interposto, com fulcro na alínea c do art. 896 da CLT, com escopo dedemonstrar o equívoco da O.J. n.º 173 da SDI-1 do TST, é pequena (para não dizer mínima). Relativamente às chances de conhecimento do Recurso de Revista interposto por divergência jurisprudencial, como já vimos, são efetivamente nulas.

2.2 Superação do problema

  Algumas são as alternativas possíveis para a superação do problema causado pela edição da Orientação Jurisprudencial n.º 173 da SDI-1 do TST. A mais perfeita delas seria o imediato cancelamento da aludida O.J. pelo TST. Entretanto, como não é sempre que milagres acontecem, urge que procuremos outra solução[46].

  Pensamos que o principal instrumento para neutralizar a injustiça cometida pela edição da O.J.citada, é a ostensiva postulação do direito ao adicional de insalubridade, em Juízo, consoante a argumentação largamente desenvolvida no presente trabalho. Não é impertinente relembrar que o Juiz, sem provocação, nada pode fazer[47]. Através do aumento do número de Reclamações Trabalhistas demonstrando o equívoco do entendimento jurisprudencial do TST citado, será possível o acesso ao direito, já a partir da 1.ª Instância[48].

  Para além disso (e da alternativa delineada no item anterior[49]), o caminho para o acesso ao TST – a quem caberá desobstruir a aquisição judicial do direito ao adicional de insalubridade para os trabalhadores em atividades a céu aberto[50] – restaria mais livre, caso os Tribunais Regionais do Trabalho passassem, em função dos Recursos Ordinários e dos argumentos neles contidos, a decidir contra o entendimento veiculado na O.J. 173 referida. Isto porque, se os acórdãos regionais “derem ao mesmo dispositivo de lei federal [in casu, o art. 192 da CLT, já informado pela correta interpretação do Anexo 7 da NR-15 da Portaria 3.214/1978 do MTE] interpretação diversa da que lhe houver dado [...] a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho”, certamente darão ensejo ao conhecimento do Recurso de Revista, desta vez interposto pela Reclamada, com fulcro na letra a do art. 896 da CLT, para denunciar a inobservância, pelo TRT, do disposto na O.J.n.º 173 da SDI-1 do TST. Neste contexto, o disposto no § 4.º do art. 896 da CLT não obstará o conhecimento do recurso, já que a alegada divergência jurisprudencial será definitivamenteatual. Afinal, a decisão regional não estará “superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho”, posto que, muito ao contrário, superará, pela sua correção e atualidade,o entendimento constante da vetusta O.J. n.º 173 da SDI-1 do TST.

  Este, s.m.j., é o melhor dos itinerários para provocar o Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de sanar este atual e histórico equívoco – talvez com o eventual cancelamento da O.J. n.º 173 da SDI-1.

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Sobre o autor
Rony Emerson Ayres Aguirra Zanini

Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Especialista em Direito Público. Bacharel em Filosofia. Advogado Trabalhista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANINI, Rony Emerson Ayres Aguirra. Direito ao adicional de insalubridade nas atividades a céu aberto com exposição aos raios solares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3222, 27 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21611. Acesso em: 19 abr. 2024.

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