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Breve ensaio sobre a investigação criminal presidida pelo Ministério Público

29/04/2012 às 16:02
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O Ministério Público não possui corpo auxiliar organizado em carreira e com vocação à investigação criminal. Além disso, a possibilidade do MP presidir investigação afeta o sistema de controle acima deduzido e retira, ao meu ver, a independência e a imparcialidade na colheita da prova.

Tema bastante espinhoso em todas as discussões que envolvem a investigação pré-processual é possibilidade de atuação do Ministério Público como presidente de procedimento apuratório instaurado no âmbito da sua instituição, com o objetivo de coligir elementos de convicção para subsidiar manejo de ação penal pública.

Importante, antes de adentrar no âmago da questão, conceituar o inquérito policial. Trata-se de procedimento administrativo, inquisitivo, sigiloso, escrito, presidido por delegado de polícia, no âmbito da polícia judiciária, que tem por objeto a colheita de elementos que possibilitem a propositura de ação penal. É o procedimento investigativo por excelência, definido e delimitado no bojo do CPP.

A participação ativa do MP no curso do inquérito policial é admitida pacificamente. O órgão acusador pode requestar a materialização de diligências e delas participar (acompanhar oitivas, reprodução simulada dos fatos, dentre outras). Importante deixar claro que tal participação não inviabiliza que o mesmo órgão oferte denúncia, inteligência da Súmula 234 do Superior Tribunal de Justiça.

Voltemos ao tema tratado no primeiro parágrafo e objeto deste ensaio. Vários são os doutrinadores que entendem possível a investigação direta de fato delituoso pelo MP no bojo de procedimento investigativo por ele presidido. Nesse sentido Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar[1], para quem “é perfeitamente possível ao Ministério Público a realização de investigações no âmbito criminal”. Os doutrinadores arrematam deixando claro que “poderia assim o promotor de justiça instaurar procedimento administrativo investigatório (inquérito ministerial), e colher os elementos que repute indispensáveis, dentro de suas atribuições, para viabilizar a propositura de ação penal”. Fernando Capez[2], também filiado à possibilidade de investigação direita pelo MP, aduz que “o art. 129, I, da CF confere-lhe (ao MP) a tarefa de promover privativamente a ação penal pública, à qual se destina a prova produzida no curso da investigação. Ora, quem pode o mais, que é oferecer a própria acuação formal em juízo, decerto pode o menos, que é obter os dados indiciários que subsidiem tal propositura”.

O alicerce que sustenta o entendimento de quem defende esta tese se funda nas seguintes premissas: a) teoria dos poderes implícitos (que, em análise feita a voo de pássaro, preceitua que o rol de atribuições do prescrito no artigo 129, da Lei Maior, é exemplificativo); b) a ideia de que quem pode o mais (oferecer denúncia e seguir no processo como parte) pode o menos (investigar para lastrear o oferecimento da exordial acusatória).

Os que refutam tal possibilidade (MP investigando diretamente) apontam os seguintes argumentos: a) inexistência desta atribuição expressa no mesmo artigo 129, da Carta da República; b) evitar a concentração excessiva e perniciosa de poderes em uma mesma instituição (cumular, por exemplo, as funções de investigar e acusar); c) desequilíbrio futuro na paridade de armas (já que o MP seria o responsável pela produção direta de provas não repetíveis).

Guilherme de Souza Nucci[3] é dos que refutam a condução direta de investigação criminal pelo Ministério Público. Segundo o mestre:

Enfim, ao Ministério Público cabe, tomando ciência da prática de um delito, requisitar a instauração da investigação pela polícia judiciária, controlar todo o desenvolvimento da persecução investigatória, requisitar diligências e, ao final, formar sua opinião, optando por denunciar ou não eventual pessoa apontada como autora. O que não lhe é constitucionalmente assegurado é produzir, sozinho, a investigação, denunciando a seguir quem considerar autor de infração penal, excluindo, integralmente, a polícia judiciária e, consequentemente, a fiscalização salutar do juiz.

Com o fito de regulamentar a deflagração de procedimento investigatório presidido por órgão do MP, foi editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público a Resolução 13, em 02 de outubro de 2006. Com algumas pequenas diferenças do tratamento legal dado ao inquérito policial pelo CPP, findou regulamentada a investigação direta de fato criminoso no âmbito do Ministério Público.

Ao meu ver, existem críticas de ordem pragmática e jurídica à possibilidade de investigação direta de crime pelo MP.

A de ordem pragmática: o órgão citado não possui corpo auxiliar organizado em carreira e com vocação à investigação criminal. Investigar não é somente requestar documentos e ouvir pessoas. Há que se realizar vigilâncias, fotografar e filmar encontros e entregas ilícitas, analisar ligações fruto de interceptação telefônica, dentre outras diligências que são umbilicalmente ligadas ao aparelho policial (e a agentes públicos que fizeram concurso e foram treinados pelo Estado para o desempenho destas funções). Haveria que se aparelhar o MP com estrutura humana capaz de investigar (o que demanda criação de cargos específicos semelhantes ao de agente de polícia – inclusive com direito a porte de arma – e posterior realização de concurso público), dotar o órgão de viaturas caracterizadas e descaracterizadas para fins de investigação, criação de setores de inteligência com servidores aptos a analisar dados, dentre outros aspectos. É isso ou transformar a polícia judiciária em polícia ministerial (caso o procedimento seja dirigido pelo MP e as diligências efetivas de investigação sejam materializadas pelas polícias civis ou federal) ou, pior, transmudar a polícia militar ou a polícia rodoviária federal, ostensivas por determinação constitucional e destinadas a prevenir o fenômeno delitógeno, em aparelhos investigativos auxiliares do MP (subversão da ordem jurídica, ao meu ver).

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Vamos ao argumento jurídico. O sistema processual brasileiro, em que pese ser passível de ajustes, é, na essência, bom. Desde a fase pré-processual até a judicial, temos a participação de pelo menos três órgãos estatais (em caso de indiciado/réu pobre, há possibilidade de participação de um quarto, a Defensoria Pública, órgão incumbido da defesa de réus hipossuficientes) – a polícia (Estado-investigação), o Ministério Público (Estado-acusação) e o Poder Judiciário (Estado-juiz), sendo que a atuação destes é bem delimitada pela Constituição Federal e pelo CPP. Esclareço. O trabalho investigativo da polícia é acompanhado de perto pelo MP, destinatário imediato do inquérito, e pelo juiz (em caso de representação por medida cautelar); a atuação do MP enquanto parte é avaliada pelo juiz e pela defesa; e as eventuais falhas do Estado-juiz podem ser corrigidas pelo manejo de recursos interpostos pelas partes.

A possibilidade do MP presidir investigação afeta o sistema de controle acima deduzido e retira, ao meu ver,  a independência e a imparcialidade na colheita da prova, vez que esta terá como destinatário o próprio MP. A polícia judiciária não é personagem do processo penal isso dá a ela um maior grau de isenção, vez que mais adiante não terá que defender no processo o resultado de sua investigação, como parte.

Há no Superior Tribunal de Justiça[4] resistência à possibilidade da direção de procedimento investigativo pré-processual pelo Ministério Público. Vejamos aresto elucidativo:

Em regra, não encontra respaldo legal a investigação criminal produzida diretamente pelo Ministério Público. Entendimento minoritário da Relatora. A atuação ministerial se justifica, em circunstâncias excepcionais, quando representantes da própria polícia são investigados, não se podendo esperar a isenção necessária para a apuração de seus próprios crimes, autorizando-se, nessas hipóteses, a direta atuação do Parquet na condução da colheita de elementos para o fim de embasar a opinio delicti.

É de se anotar que a constitucionalidade da resolução acima mencionada será decidida pelo Supremo Tribunal Federal quando da análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3836 (sob relatoria do Min. Ricardo Lewandowski) e 3806 (também sob relatoria do Min. Ricardo Lewandowski). É de se anotar que o Superior Tribunal de Justiça e o próprio Supremo Tribunal Federal já firmaram posições favoráveis e contrárias à investigação direta por membro do MP.

Com o fito de por fim à discussão jurídica acerca do tema, tramita no Congresso Nacional a PEC 37/2011, de autoria do Deputado Lourival Mendes do PTdoB/MA. A proposta tem em mira acrescentar no artigo 144, da Constituição Federal o § 10, com a seguinte redação:

§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às policias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.

É de se sublinhar que o que se critica neste ensaio é a instauração de procedimento investigativo no âmbito do MP, presidido por um de seus membros. A requisição de informações e documentos com o fito de auxiliar ou complementar o trabalho investigativo levado a efeito pela polícia judiciária é plenamente possível (inteligência do inciso VI, do artigo 129, da CF) e, como dito supra salutar. O que a sociedade deseja, afinal, é a integração das instituições (MP e polícia) com vistas a identificar, investigar, processar e buscar a punição de criminosos.


Notas

[1]Curso de Direito Processual Penal, Podivm, 2010, página 89.

[2]Curso de Processo Penal. Saraiva, 2010, página 147.

[3]Manual de Processo Penal e Execução Penal. Revista dos Tribunais, 2006. páginas 130 e 131.

[4] STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE 19/10/09.

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Sobre o autor
Márcio Alberto Gomes Silva

Delegado de Polícia Federal, Professor do CERS, do Supremo TV, do Gran Cursos On Line, do CICLO, da Escola Nacional dos Delegados de Polícia Federal, da Faculdade Pio X, Mestrando em Direito Público pela UFS, Especialista em Ciências Criminais pela UNAMA/UVB, Especialista em Inteligência Policial pela ESP/ANP/PF, autor dos livros Inquérito Policial – Uma análise jurídica e prática da fase pré-processual, Prática Penal para Delegado de Polícia e Organizações Criminosas – Uma análise jurídica e pragmática da Lei 12.850/13.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Márcio Alberto Gomes. Breve ensaio sobre a investigação criminal presidida pelo Ministério Público . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3224, 29 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21645. Acesso em: 23 dez. 2024.

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