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Aplicação do princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material nos crimes militares

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6. CRIMES MILITARES E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Como já mencionado, o princípio da significância, respeitado os quatro requisitos predito, segundo posicionamento da doutrina e da jurisprudência leva a atipicidade da conduta, por exclusão da tipicidade material, nas infrações penais comuns. Agora fica a pergunta: nos casos de crimes militares também é aplicado o princípio da insignificância?

Esse ponto também é polêmico no mundo jurídico, porque no mundo militar há um regramento diferenciado, pois estão presentes em seu contexto os pilares da hierárquica e disciplina previstos constitucionalmente, além de diversas outras peculiaridades que  fazem parte do cotidiano do militar, como combater o perigo até mesmo com o sacrifício da própria vida, bem jurídico mais relevante para o cidadão comum.

Devido a essas diferenças em que é submetido o militar, surgem posicionamentos divergentes, isto é, que o princípio da insignificância é plenamente aplicado na esfera militar e os que defendem que tal princípio não pode ser utilizado no âmbito da Justiça Militar.

Com relação aos que defendem a aplicação do princípio da insignificância aos crimes militares destacamos GOMES e ROTH que diz:

Não há dúvida que também no âmbito dos crimes militares é possível ter incidência o princípio da insignificância.(GOMES, 2009, p,130).

O princípio da insignificância é uma realidade no ordenamento jurídico pátrio e, no Direito Penal Militar vem expresso para os delitos de lesões corporais, quando forem de natureza levíssima, e nos crimes patrimoniais, quando a res for de tão ínfima natureza que não chegue a constituir o pequeno valor. (ROTH, 2011, p. 521). (Grifo nosso)

Roth frisa bem que no Código de Direito Penal Militar o princípio da insignificância é previsto expressamente, ao contrário da legislação comum, como por exemplo nos crimes de lesão corporal e contra o patrimônio como adiante se vê:

Art. 209 CPM - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.

(...) § 6º No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar.

Art. 240 CPM - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

(...) § 1º Se o agente é primária e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. (...)

No contexto da caracterização dos requisitos que configura o princípio da insignificância aplicado aos crimes militares em consonância com o Supremo Tribunal Federal enfatizamos os dizeres de ROTH (2011, p.528):

Dos requisitos para o reconhecimento da incidência do princípio da insignificância no caso concreto. A par do que a doutrina defende, é certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido o princípio da insignificância, inclusive nos crimes militares, tendo como base o caráter subsidiário do sistema penal e o princípio da intervenção mínima do Poder Público, aliado ao relevo material da tipicidade na presença de quatro vetores:

1- a mínima ofensividade da conduta do agente;

2- nenhuma periculosidade social da ação;

3- o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

4- a inexpressividade da lesão jurídica provocada. (Grifo nosso)

Também nessa mesma direção, tem-se os posicionamentos jurisprudenciais do STF HC 89104 MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO; HC 874789 PA, Rel. Min. EROS GRAU;  e HC 945830 Rel. Min. CEZAR PELUSO. Para melhor compreensão dos assuntos tratados nestas decisões foram elencadas as ementas de cada um respectivamente.

Ementa:  PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES. IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL. CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. DELITO DE FURTO. INSTAURAÇÃO DE "PERSECUTIO CRIMINIS" CONTRA MILITAR. "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 59,00 (EQUIVALENTE A 16,85% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR). DOUTRINA. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. C...

Ementa: HABEAS CORPUS. PECULATO PRATICADO POR MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONSEQÜÊNCIAS DA AÇÃO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar. 2. Hipótese em que o paciente não devolveu à Unidade Militar um fogão avaliado em R$ 455,00 (quatrocentos e cinqüenta e cinco) reais. Relevante, ...

Ementa: AÇÃO PENAL. Crime militar. Posse e uso de substância \\entorpecente. Art. 290 , cc. art. 59 , ambos do CPM . Maconha. Posse de pequena quantidade (8,24 gramas). Princípio da insignificância. Aplicação aos delitos militares. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim, vencida a Min. ELLEN GRACIE, rel. originária. Precedentes (HC nº 92.961, 87.478, 90.125 e 94.678, Rel. Min. EROS GRAU). Não constitui crime militar a posse de ínfima quantidade de substância entorpecente por militar, a que...(grifo nosso)

Observa-se que os três acórdãos citados envolvem bens jurídicos tutelados distintos, ou seja, patrimônio (furto), administração pública (peculato) e saúde pública (posse de substância entorpecente dentro do quartel). Em todos eles foi reconhecida a atipicidade da conduta com base no princípio da insignificância.

Em sentido contrário de não aplicação do princípio da insignificância tem-se o HC 917593-MG  Rel. Min. Menezes Direito.

Ementa: Habeas corpus. Constitucional. Penal Militar e Processual Penal Militar. Porte de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar (art. 290 do CPM). Não-aplicação do princípio da insignificância aos crimes relacionados a entorpecentes. Precedentes. Inconstitucionalidade e revogação tácita do art. 290 do Código Penal Militar. Não-ocorrência. Precedentes. Habeas corpus denegado. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte Suprema no sentido de não ser aplicável o princípio da insignificância ou bagatela aos crimes relacionados a entorpecentes, seja qual for a qualidade do condenado. 2. Não há relevância na argüição de inconstitucionalidade considerando o princípio da especialidade, aplicável, no caso, diante da jurisprudência da Corte. 3. Não houve revogação tácita do artigo 290 do Código Penal Militar pela Lei nº 11.343/06, que estabeleceu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, bem como normas de prevenção ao consumo e repressão à produção e ao tráfico de entorpecentes, com destaque para o art. 28, que afasta a imposição de pena privativa de liberdade ao usuário. Aplica-se à espécie o princípio da especialidade, não havendo razão para se cogitar de retroatividade da lei penal mais benéfica. 4. Habeas corpus denegado e liminar cassada. (grifo nosso).

Nesse julgado, bem como no HC 103684[10], que envolve a posse de substância entorpecente, não foi concebida a ordem para aplicação do princípio da insignificância. Percebe-se que os ministros além de destacarem os princípios da Hierarquia e Disciplina, enfatizam a circunstância do militar estar na posse de substância entorpecente e armamento, o que traz um risco para sociedade. Da mesma forma corroborou o Presidente do Superior Tribunal Militar ao ser entrevistado a respeito do HC em lide.

Dentro dessa ótica, observa-se que na verdade, nesses casos como há um perigo para sociedade a conduta não é considerada ínfima, porque não preenche os requisitos delineados para a configuração do princípio da insignificância.

Este também é o entendimento de ROTH (2011, 531p.):

A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que tange ao delito de tráfico de entorpecentes, tem afastado a incidência do princípio da insignificância tendo em vista que nessa infração penal estão ausentes os vetores capazes de descaracterizar, em seu aspecto material, a própria tipicidade penal e, assinalado, que a pequena quantidade de substância tóxica apreendida em poder do agente não afeta nem excluiu o relevo jurídico penal do comportamento transgressor do ordenamento jurídico. (Grifo nosso).


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após pesquisa aprofundada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e na doutrina, verifica-se que o princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material é aplicado tanto nos crimes comuns quanto nos delitos militares.

Para a aplicação desse princípio e a consequentemente caracterização da atipicidade da conduta, basta preencher os quatro requisitos definidos pela Suprema Corte que são: a mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta  e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

É importante frisar que no caso de uso de entorpecente na qual o Supremo Tribunal Federal não reconheceu o princípio da insignificância enfatizando o perigo de um militar usar, portar, ter em depósito dentre outros, a substância entorpecente em posse de um armamento, que pode trazer perigo para as pessoas que estão ao seu redor.

Nesse sentido, o Presidente do Superior Tribunal Militar, em seu discurso, também defende a não aplicação do princípio da insignificância.

Todavia, percebe-se que a conduta do militar que envolveu substância entorpecente na posse de armamento, traz perigo para a sociedade, de modo que não preenche os requisitos estipulados pela Corte Suprema. Logo não cabe o princípio da insignificância, o que não quer dizer que o referido princípio é inaplicável aos crimes militares.

De acordo com os vetores delineados, não importa o bem jurídico tutelado pela norma, nem mesmo as condições pessoais do agente como maus antecedentes ou reincidência, pois a exclusão do crime pela atipicidade em decorrência do princípio da insignificância não quer dizer que o autor do fato ficará imune. Ele estará sujeito a outros ramos do direito como o civil e, principalmente, o administrativo. Por isto, as Instituições Militares, devem ter um regulamento disciplinar para resolver estas condutas consideradas ínfimas pelo direito penal.

Nesse contexto destaca-se que diferentemente da legislação comum o Código Penal Militar prevê expressamente a aplicação do princípio da insignificância aos crimes militares nos delitos de lesão corporal levíssima e crimes patrimoniais, onde há previsão nos dispositivos que a conduta em tese criminal será convertida para analise da via administrativa, deixando então de aplicar o direito penal militar por considerar estas condutas insignificantes para serem tratadas na via do direito penal, que deve ser considerado em última ratio.

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Diante de todo o exposto verifica-se que o principio da insignificância deve ser aplicado nos crimes militares, sendo eles próprios ou impróprios, caso seja preenchidos os requisitos enfatizados pela Suprema Corte, ficando a esfera administrativa militar responsável pela aplicação das penalidades ao militar que cometer uma infração considerada atípica pelo princípio da insignificância.

O princípio da insignificância que é aplicado na legislação comum sem nenhuma previsão expressa, com mais razão deve ser aplicado frente à legislação militar que possui esta possibilidade de forma expressa. Porém vale mais uma vez relembrar que a aplicação do princípio da insignificância não quer dizer que o militar ficará sem nenhuma punição, porque será submetido a outros ramos do direito.


REFERÊNCIAS

ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: Comentário-Doutrina-Jurisprudência dos Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007.831p.

AZEVEDO, Marcelo; SALIM, Alexandre. COLEÇÃO OAB: Direito Penal. editora JusPODIVM, 2012. 338p.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte Geral. 8ª. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2005. 571p.

GIULIANI. Ricardo Henrique Alves. Direito Penal Militar. 2 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. 230.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Vol 1. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009. 204p.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 598p.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral Arts. 1º a 120 do CP. 22ª. ed. São Paulo: editora Altlas S.A, 2005. 457p.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral Parte Especial. 4ª. ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2008. 1072p.

ROTH, Ronaldo João. O Princípio da insignificância e o Direito Penal Militar: Drogas, Crimes patrimoniais, e Disciplina e Hierarquia. In: RAMOS, D. T.; ROTH, R.J.; COSTA, I.G. Direito Militar: Doutrina e Aplicações.Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 521-550.

Disponível em: <http://tv-justica.blogspot.com.br/2012/03/grandes-julgamentos-do-stf.html> Acesso em: 04abr2012. 

VADE MECUM – Acadêmico de Direito. Ed itor: Ítalo Amadio. Editora Assistente: Kátia F. Amadio. Coordenação: Anne Joyce Angher. Assistente da Coordenação: Adão Pavoni Rodrigues Jr. Modelos de Contratos e Petições: Janete de Carvalho Dantas. Entrevistadora: Gisele Pekelman. Programação Multimídia: Maria Laine. Produzido por NovoDisc Mídia Digital Ltda. Editora Rideel Ltda, 2009. VCD.


Notas

[1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral Arts. 1º a 120 do CP. 22ª. ed. São Paulo: editora Altlas S.A, 2005. 457p.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral Parte Especial. 4ª. ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2008. 1072p.

[3]AZEVEDO, Marcelo; SALIM, Alexandre. COLEÇÃO OAB: Direito Penal. editora JusPODIVM, 2012. 338p.

[4] LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 598p.

[5][5]ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: Comentário-Doutrina-Jurisprudência dos Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007.831p.

[6] GIULIANI. Ricardo Henrique Alves. Direito Penal Militar. 2 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. 230.

[7]ROTH, Ronaldo João. O Princípio da insignificância e o Direito Penal Militar: Drogas, Crimes patrimoniais, e Disciplina e Hierarquia. In: RAMOS, D. T.; ROTH, R.J.; COSTA, I.G. Direito Militar: Doutrina e Aplicações.Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 521-550.

[8] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte Geral. 8ª. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2005. 571p.

[9] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Vol 1. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009. 204p.

[10] Disponível em: <http://tv-justica.blogspot.com.br/2012/03/grandes-julgamentos-do-stf.html> Acesso em: 04abr2012. 


ABSTRACT

This paper deals with the principle of insignificance as exclusion of material with emphasis on military crimes. In this respect the research highlights the analytic concept of crime, definition of military crimes, requirements for application of the principle of insignificance according to the doctrine and jurisprudence of the Supreme Court, as well as its application in military crimes.

Keywords: military crimes; principle of insignificance; typicality material.

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Sobre o autor
Cláudio Moisés Rodrigues Pereira

Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais. Bacharel em direito pela Faminas-BH em 2012. Bacharel em Ciências Militares pela academia de Polícia Militar de Minas Gerais em 2007. Pós-Graduação em Direito Penal Militar, pela LFG - A Carvalho em 2010; Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal pelo Praetorium em 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Cláudio Moisés Rodrigues. Aplicação do princípio da insignificância como exclusão da tipicidade material nos crimes militares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21691. Acesso em: 23 dez. 2024.

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