O presente artigo foi elaborado a partir de estudos desenvolvidos pela coordenação do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH), projeto de pesquisa financiado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) com apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), Sub-Secretaria da Gestão da Política de Direitos Humanos, através do convênio nº 739180/2010 (UNEB/SDH/PR), vinculado ao Grupo de Pesquisa em Gestão, Educação e Direitos Humanos (GEDH) e aos Programas de Pós-Graduação Doutorado Multidisciplinar e Multi-Institucional em Difusão do Conhecimento (DMMDC) e Mestrado Profissional em Gestão e Tecnologia Aplicada à Educação (GESTEC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Esses estudos estão sendo realizados no CRDH, que tem como um dos seus objetivos investigar novas formas de se educar em direitos humanos, através de metodologias participativas e interativas voltadas para uma educação em valores democráticos, atitudes e práticas coletivas que promovam a cultura de respeito e promoção dos direitos humanos.
Com base epistemológica na teoria da complexidade, na transdisciplinaridade e na teoria do desenvolvimento humano, o CRDH vem adotando uma metodologia de pesquisa aplicada intitulada “Abordagem Baseada em Direitos” ou em inglês Right-Based Approach (RBA). Essa metodologia parte de uma concepção de participação cidadã em que os Estados Democráticos devem reconhecer os membros da comunidade como sujeitos de direitos, protegendo a sociedade de eventuais excessos da máquina pública estatal, através da divisão e funções entre os poderes e de mecanismos recíprocos de controle em nome da sociedade.
Nessa perspectiva, no trabalho do CRDH a comunidade é orientada para reivindicar seus direitos junto aos agentes do Estado, responsáveis pela prestação dos serviços públicos, partindo-se do pressuposto que a educação deve promover a emancipação individual e coletiva das pessoas.
O presente artigo analisa, portanto, um problema que preocupa instituições e pessoas que participam das redes e cursos de educação jurídica popular no Brasil que diz respeito à avaliação, certificação e profissionalização dos integrantes desses programas de formação em Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades, e/ou Secretarias de Estado, também chamados de agente de cidadania e direitos humanos. A questão central aqui colocada é como aproveitar o conhecimento produzido nesses programas de educação não formal, tendo em vista a inclusão desses atores no mercado de trabalho e na educação formal.
Com a reabertura política no Brasil e a consolidação da democracia através da promulgação da Constituição Federal de 1988, o terceiro setor no Brasil ganhou força com a presença de um conjunto de ONGs que passaram a investir significativamente no campo social, principalmente, em programa de formação para a classe trabalhadora. Multiplicam-se no Brasil iniciativas como, por exemplo, o Programa Promotoras Legais populares (PLPs), que tem como objetivo oferecer formação política ao cidadão e a cidadã para atuação em espaços públicos constituídos a partir de um modelo de democracia participativa introduzido com a Carta Constitucional de 1988. No início, a formação política e técnica era um fim em si mesmo, mas, como o passar do tempo, em uma sociedade em que se valoriza mais a “titulação” do que a “trajetória” das pessoas, os integrantes desses programas de formação passaram a reivindicar a profissionalização dessa atividade, como aconteceu com os agentes comunitários de saúde no Brasil.
Na atualidade, essa situação fica ainda mais forte diante dos grandes investimentos que, principalmente, o governo federal vem fazendo dentro de uma proposta de formação continuada dos trabalhadores e trabalhadoras do país. Quanto maior for o número de iniciativas, mais essa questão é debatida entre os participantes das atividades.
Tanto isso é verdade que, no mês de março 2012, no Encontro Anual da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), na cidade de São Paulo, a preocupação com a profissionalização esteve na ordem do dia. Cresce no país o número de pessoas que atuam como captadores de recursos para trabalhos sociais em fundos nacionais e internacionais e a profissionalização desse segmento é uma condição colocada como indispensável ao fortalecimento dessa categoria.
Para o governo brasileiro a preocupação com a certificação profissional passa pela criação do Sistema Nacional de Certificação de Competências Profissionais no Brasil. Em documento produzido por uma comissão interministerial presidida pelo Ministério do Trabalho, o governo brasileiro posiciona-se da seguinte forma:
[...] A certificação profissional pode ser entendida como o reconhecimento formal dos saberes e práticas do/a trabalhador/a, desenvolvidos na experiência de vida, de trabalho, na escola ou em programas de qualificação social e profissional. Seu sentido consiste em tornar-se uma estratégia para promover a formação continuada e ao longo da vida e para ampliar as oportunidades de acesso do/a trabalhador/a brasileiro/a ao mundo do trabalho.
Trata-se de uma forma de reconhecimento da igual dignidade do outro, intimamente vinculada com processos de fortalecimento da cidadania e da integração social. Nesse sentido, é responsabilidade do Estado brasileiro articular ou desenvolver procedimentos que viabilizem o reconhecimento desses saberes e práticas. As condições jurídicas para a certificação profissional foram abertas de modo pioneiro pela Lei n.º 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), ao garantir, em seu artigo 41, que “o conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos (BRASIL, 2005)”.
Para o SENAI, instituição que atua no campo da certificação profissional, a certificação pode ser compreendida como: “o processo de reconhecimento formal das competências que o trabalhador possui, independentemente da forma como foram adquiridas, é a comprovação de que possui a qualificação necessária para o exercício profissional em determinado campo de atividade (SENAI, 2012).
Segundo pesquisa realizada pelo Institute Data Corporation Brasil (IDC), as chances do profissional certificado conseguir um emprego aumentam em 53%, em relação a profissionais que não possuem este título, podendo esse índice ser ainda mais elevado de acordo com a categoria de certificação possuída. Os salários são de 10 a 100% superiores à média que o mercado paga a profissionais sem certificação que ocupam as mesmas funções. A certificação também é importante para o mercado de trabalho porque proporciona informação objetiva e oportuna sobre o candidato a emprego, facilitando e reduzindo custos do processo de recrutamento e seleção (IDC, 2012).
No que diz respeito à educação jurídica popular no Brasil, além das preocupações com os aspectos metodológicos, existe uma forte preocupação com a profissionalização dos “cursistas” em suas várias modalidades. Sem dúvida, a qualificação e profissionalização é uma antiga reivindicação das pessoas e organizações que participam desse tipo de formação. O interesse parte, principalmente, daqueles que não tiveram oportunidades de progresso na educação formal e que gostariam de ter reconhecidas às competências adquiridas em sua prática social e política. É importante, todavia, destacar que essa questão não se limita às organizações do terceiro setor, a preocupação com a regulamentação do trabalho de pessoas que atuam de forma auxiliar e/ou complementar ao trabalho dos operadores do direito tem chamado a atenção de especialistas no mundo inteiro.
Torna-se necessário, portanto, construir um conceito que abrigue esses profissionais, cujo poder de generalização se sobreponha a barreiras culturais, nacionais e geopolíticas, e buscar sua legitimação junto ao Código Brasileiro de Ocupações (CBO). A primeira razão que destacamos é o fato de existirem milhares de pessoas realizando esse tipo de trabalho, dando sua contribuição ao Estado sem a devida regulamentação. Para essas pessoas a profissionalização com a inclusão da atividade no CBO poderá significar a inclusão no mercado de trabalho, na previdência social, no sistema regular de ensino, na remuneração profissional e na formação continuada. A profissionalização poderá ainda ajudar a sociedade civil e o Estado a identificar, sistematizar, reconhecer e valorizar conhecimentos populares dispersos gerados na prática social e política, legitimando a atuação desses sujeitos frente a órgãos públicos.
Ante o exposto, considerando as questões aqui levantadas entendemos que o Estado deve o mais rápido possível retomar essa discussão sobre a certificação e profissionalização de agentes comunitários de cidadania e direitos humanos, como estratégia de apoio ao fortalecimento da democracia e cidadania em nosso país. Com isso, apresentamos 10 razões podem ser levantadas para justificar o processo de reconhecimento e certificação dos agentes de direitos humanos e cidadania:
1) o reconhecimento de que as discussões sobre qualificação e profissionalização de agentes de Direitos Humanos e cidadania vem acontecendo dentro do aparato estatal e de que esse processo é inexorável, cabendo, então, a sociedade civil decidir se vai participar de forma qualificada desse processo ou ficará a reboque das decisões tomadas pelos governos;
2) o reconhecimento de que é possível se construir um sistema público, não estatal, para reconhecimento profissional desses agentes, com a efetiva participação dos trabalhadores no processo;
3) o reconhecimento de que a profissionalização desses agentes pode significar uma maior legitimidade dessas pessoas frente aos órgãos públicos favorecendo a superação de obstáculos culturais históricos ao exercício da cidadania e acesso à justiça;
4) Facilitar o acesso aos trabalhadores a aquisição de competências que lhe permitam elevar o nível de desempenho em distintas funções dentro dos níveis de qualidade e eficiência requeridas aumentando as possibilidades de inclusão no mercado de trabalho;
5) Reconhecer certificar as competências dos trabalhadores adquiridas mediante capacitação, pela experiência na vida profissional ou combinação de ambas;
6) Otimizar os processos formativos e reduzir os custos da capacitação e do processo de seleção;
7) criar condições e possibilidades de elevação da qualidade da força de trabalho do país, um dos elementos fundamentais para elevação da produtividade e estimulo aos investimentos externos;
8) estabelecer uma linguagem comum entre os diversos atores interessados e envolvidos no processo; empregadores, empregados, estudantes, entidades de formação;
9) possibilitar referenciais aplicáveis em diferentes mercados de trabalho e compatibilizar para as diversas regiões do território brasileiro, considerando inclusive ainda a questão do Mercosul que remete a modelos institucionais de referencia dos sistemas de certificação em funcionamento, entre outras.
10) identificar, sistematizar, reconhecer e valorizar conhecimentos e práticas populares, dando prioridade às competências críticas e éticas no processo de formação.
Referências Bibliográficas
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br acesso em 27 de abril de 2012.
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9. 394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em https://www.portal.mec.gov.br acesso em 27.04.2012.
BRASIL, Ministério do Trabalho. Sistema Nacional de Certificação Profissional: Proposta governamental. Disponível em https://www.portal.mte.gov.br acesso em 28.04.2012.
IDC Brasil. Disponível em https://www.idclatim.com. Acesso em 27.04.2012.
ROCHA, José Cláudio. Contribuição do Projeto Unicidadania ao parecer sobre a profissionalização e certificação profissional baseada em competências de agentes de direitos humanos e cidadania. Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Disponível em https://www.fundaj.gov.br. Acesso em 29.04.2012.
SENAC. Disponível em https://www.senac.br. Acesso em 28.04.2012.
SENAI. Disponível em https://www.senai.br. Acesso em 28.04.2012.