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Teoria da imputabilidade progressiva: a imputabilidade penal acompanhando a evolução biopsicológica do indivíduo

09/05/2012 às 17:01
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A teoria da imputabilidade progressiva foi elaborada no intuito de tentar harmonizar princípios basilares do direito tais como a isonomia e a proporcionalidade, e não tem a pretensão de solucionar a questão da criminalidade juvenil, mas tão somente tornar mais justa e equânime a progressividade do jus puniendi.

INTRODUÇÃO

A maioridade penal é um dos temas jurídicos com maior repercussão social, sendo que nos últimos 30 anos a sociedade brasileira tem observado a escalada dos crimes cometidos por menores de idade (atualmente considerados inimputáveis pela legislação). Os delitos praticados pelos menores têm chocado não só com relação ao número, mas também pela gravidade. A cada caso de grande repercussão e comoção reacende o debate acerca de quando deve ter início o jus puniendi estatal, sendo que a opinião pública tem cada vez mais encarado a inimputabilidade do menor como sinônimo para impunidade do criminoso juvenil, pois os menores começaram a ser inseridos no crime (inclusive o organizado desde tenra idade, sendo utilizados por estes grupos para o cometimento de crimes) principalmente em razão da atual inimputabilidade penal absoluta.

Para ilustrar um caso extremo de como é inadequado o atual conceito de imputabilidade penal imaginemos a seguinte situação... Duas pessoas cometem cada uma um delito, sob as mesmas circunstâncias, a mesma motivação, mesmo modus operandi, o mesmo resultado... Entretanto, entre os agentes um detalhe atualmente crucial os diferencia: uma diferença de idade de apenas um dia... Pois um deles possuiria dezoito anos exatos e o outro dezessete anos, onze meses e vinte e nove dias...

Teoricamente é a diferença entre cometer o crime como adulto ou como menor de idade... Mas na prática, qual a real diferença que apenas um dia a mais de idade terá na capacidade de um indivíduo entender o caráter ilícito de seus atos?

A lógica responde: não há diferença. Mas atualmente o período de reclusão para o maior de idade poderá ser de até trinta anos, enquanto que o menor de idade poderá ser internado por no máximo três... Isto significaria vinte e sete anos de diferença na punição por conta da diferença de apenas um dia na idade entre os agentes.

Atualmente isto não é apenas ilógico, mas também é a regra que vigora em nosso ordenamento jurídico.

No Brasil, a maioridade penal ocorre aos 18 anos, sendo que a principal base legal para a fixação desta idade é o artigo 228 da Constituição Federal, confirmada ainda no artigo 25 do Código Penal e o artigo 104 do Estatuto da Criança e do adolescente.

Há diversos países onde a maioridade penal inicia-se aos 16 anos (p. ex: Argentina, Espanha, Bélgica e Israel); em outros, aos 15 anos (Índia, Egito, Síria, Honduras, Guatemala, Paraguai, Líbano); na Alemanha e Haiti, aos 14 anos. Na Inglaterra, o indivíduo é considerado imputável a partir dos 10 anos.

O principal argumento para se fixar esta idade se baseia na crença de que o menor de 18 anos não possuiria capacidade para compreender o caráter ilícito de seus atos. A legislação brasileira adota assim, o critério biológico, que leva em consideração tão somente a idade do agente independente de sua capacidade psíquica.

Já houve uma tentativa de tratar de forma diferenciada os crimes cometidos por menores na Lei 6697/79 (código de menores), porém, nos onze anos em que esteve em vigor, a delinquência, ao invés de diminuir, só aumentou. Com a substituição em 1990 do Código de menores pelo Estatuto da Criança e do adolescente, esperava-se que uma legislação mais moderna seria a solução para coibir a criminalidade juvenil. Porém o ECA falhou igualmente neste objetivo. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por benevolente que é, não tem intimidado os menores. Como forma de ajustamento à realidade social e de criar meios para enfrentar a criminalidade com eficácia, impõe-se que seja considerado imputável qualquer homem ou mulher de forma progressiva na mesma medida em que este entendimento do caráter ilícito se consolidar na mente do jovem.

Em muitos aspectos a noção de certo e errado relativos às condutas penalmente reprováveis são intuitivas e não exigem um desenvolvimento psíquico tão desenvolvido para entender que certos tipos penais são absolutamente incompatíveis com a vida em sociedade. Estes entendimentos fazem parte do instinto de sobrevivência e incolumidade física, não exigindo um desenvolvimento mental completo para se compreender que o homicídio, o roubo, a lesão corporal, por exemplo, não são compatíveis com a vida em sociedade. O que se exige é tão somente a aplicação mínima de valores humanos que qualquer pessoa com desenvolvimento normal é ser dotada. Este é justamente o cerne deste debate centrado na capacidade do agente em compreender a ilicitude de sua conduta e agir de acordo com esse entendimento.

Diversos estudos foram realizados no intuito de determinar em que momento nasceria para o indivíduo a imputabilidade. Um dos mais reconhecidos foi realizado no campo da psicologia por Jean Piaget, que concluiu que o desenvolvimento do conceito do que é certo ou errado abrangeria três fases, nos quais:

- Crianças até 6 anos: não conseguem distinguir o certo do errado. A criança obedece às regras por condicionamento, pela insistência dos pais em fazer com que a criança tenha determinada atitude. A criança busca satisfação de suas necessidades e seu comportamento é moldado pela imposição dos pais. Ela pode até fazer o que os pais consideram como certo, mas ela não tem o discernimento do que é certo ou errado por ela própria, age por condicionamento ou adestramento.

- Dos 7 aos 10 anos, o certo para a criança é o cumprimento da regra que lhe foi ensinada e qualquer interpretação diferente do que lhe foi ensinado não corresponde a uma atitude correta.

- Após 10 anos a criança começa a pensar com autonomia, começa a pensar por si própria, começa a questionar o certo e o errado que lhe foi ensinado, busca a legitimação das regras. O respeito a regras nessa fase depende do dialogo e de acordos mútuos. Em muitas famílias começa aqui o conflito entre pais e filhos, o dito conflito de gerações.

Deste estudo podemos depreender que se a partir de 10 anos de idade o indivíduo começa a compreender se uma conduta é permitida ou não, se é condenável ou não, então, a partir deste momento nasceria a imputabilidade penal. Se na idade de 18 anos há um consenso de que o indivíduo já possui plena maturidade biopsíquica para entender o caráter ilícito de seus atos então nesta fase se completaria o processo de desenvolvimento mental que conferiria ao indivíduo a plena imputabilidade penal pelo igualmente pleno entendimento do caráter ilícito dos seus atos.

Se ao completar dez anos de idade se inicia o desenvolvimento da mentalidade do jovem em julgar seus próprios atos, poderíamos então considerar que neste mesmo momento o entendimento do caráter ilícito seria de 0% e aos 18 anos esse mesmo entendimento alcançaria 100%. Ou seja, estaria claro que esta capacidade de entendimento do caráter ilícito não nasceria imediatamente aos 18 anos de idade, mas sim seria o resultado de um lento processo que se iniciaria desde o fim da infância (cujas pesquisas apontam o entendimento do caráter ilícito se inicia aos 10 anos de idade), e cujo processo de desenvolvimento se estenderia por toda a adolescência, ao longo dos meses e anos, até completar este ciclo ao completar 18 anos de idade.

Assim, se observarmos que o período entre os 10 e os 18 anos de idade é composto por 96 meses, e, que neste período de tempo a imputabilidade dos indivíduos aumentaria de forma linear variando entre 0% a 100% (dos 10 aos 18 anos). Ou seja: a cada mês o indivíduo teria um incremento no seu entendimento na proporção de 1,0416% ao mês. Visto que:

     100 % de entendimento do caráter ilícito de seus atos   = 1,0416% ao mês

                                 96 meses

Esta constante linear e progressiva ocorreria na proporção do incremento de 1,0416% de imputabilidade a cada mês de vida completado ao agente, que este fator de imputabilidade incidiria a partir do 10º aniversário do agente menor de idade e atingindo sua plenitude no aniversário do 18º ano, no qual o mesmo alcançaria 100% da sua imputabilidade penal.

Sob esta ótica, se utilizarmos a hipótese relatada no segundo parágrafo da presente introdução, ao invés da atual inimputabilidade do agente com 17 anos, 11 meses e 29 dias, o mesmo seria julgado conforme seu desenvolvimento biopsicológico e seria imputável na proporção da seguinte equação (válida para o cálculo do fator de imputabilidade para menores de 18 anos):

{(idade do menor – 10 ) * 12 + número de meses completos) * 1,0416} = fator de imputabilidade do indivíduo menor de idade.

Assim, aplicando a equação ao caso hipotético teremos:

{(17-10) * 12 + 11} * 1,0416 = 98,952%

 Assim, o indivíduo que antes era considerado incapaz por conta de apenas um dia de diferença na idade em comparação com um indivíduo adulto com exatos 18 anos completos agora responderá com 98,952% da pena de um indivíduo adulto. O que é um valor muito mais próximo, justo e adequado do que o modelo de imputabilidade penal adotado atualmente pela legislação brasileira.

Outro exemplo de cálculo do fator de imputabilidade progressiva, agora aplicado a um indivíduo que cometeria um delito com exatos 15 anos:

{( idade do menor – 10 ) * 12 + número de meses completos)} * 1,0416= fator de imputabilidade do indivíduo menor de idade.

{(15-10) * 12 + 0 )} * 1,0416=62,496%

Ou seja, na aplicação ao caso concreto este indivíduo com idade de 15 anos ao invés da atual inimputabilidade o mesmo seria imputável na proporção de 62,496% da mesma pena aplicada ao indivíduo adulto se praticasse o crime em condições similares.

O discurso pela manutenção da regra atual pode ser politicamente defensável e até romântico, porém completamente divorciado da realidade, se considerarmos o atual nível de amadurecimento do jovem.

É necessário ainda ressaltar que a presente teoria não se resume a pura e simplesmente reduzir a maioridade penal, pois dar responsabilidade penal plena a um adolescente de 12, 13, 14 anos pelos seus atos, tal qual um adulto, é tão injusto quanto deixar o jovem completamente inimputável até completar 18 anos. O fator de imputabilidade progressiva tentar corrigir ambas as distorções, pois ao mesmo tempo em que reduz a idade no qual incidiria o poder de punir do Estado, só permite a imputabilidade do agente na medida proporcional ao seu desenvolvimento biopsíquico, de forma a equilibrar de forma mais adequada a equação “desenvolvimento biopsíquico X responsabilidade penal”.

É possível afirmar ainda que pela teoria ora defendida não há redução da maioridade penal, visto que o indivíduo somente responderá criminalmente de forma plena partir de 18 anos de idade, o que ainda conferiria um tratamento diferenciado por sua condição de menor de idade, ou seja, pelo seu desenvolvimento mental ainda não estar completo. A redução pura e simples da maioridade penal implicaria a conferir plena responsabilidade penal ao agente com desenvolvimento mental ainda não completamente desenvolvido.

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Também é correto afirmar que somente a medida de adequar a imputabilidade a presente proposta não solucionará o complexo fenômeno da criminalidade juvenil em nosso país, mas seria uma das medidas que resgatariam nos jovens o temor à aplicação das sanções da legislação penal e impediriam que menores infratores plenamente conscientes de seus atos utilizassem a lei contra a própria sociedade que tem entre seus objetivos garantir os direitos fundamentais a todos, e entres estes, proteger e recuperar o menor da criminalidade.

A aplicação justa do Direito Penal, sob o aspecto da idade do agente, não deveria depender de um momento mágico, o qual seria um divisor entre a imputabilidade ou inimputabilidade de pessoas com as mesmas condições de avaliar o caráter ilícito de seus atos (afinal qual a diferença na capacidade de avaliação entre um indivíduo com 17 anos e 11 meses e 29 dias e outro com 18 anos exatos? ). O desenvolvimento psíquico não se dá da noite para o dia... Assim, o direito deve acompanhar este crescimento e aplicar a proporcionalidade ao conceito de imputabilidade, inclusive em respeito ao princípio basilar e universal do direito: a igualdade. Este princípio que dá o justo tratamento isonômico não existe para que todos sejam tratados de forma idêntica, mas sim tratar igualmente pessoas em condições semelhantes e tratar de forma diferente pessoas sob circunstâncias diferentes. Esta é a pedra fundamental desta teoria da imputabilidade progressiva. Pois se os conceitos de certo e errado, justo e injusto, perdoável e condenável não dão saltos, porque a imputabilidade dos indivíduos deste mesmo povo daria um salto instantâneo da noite para o dia?

O Brasil é signatário de tratados internacionais consagrados e possui uma legislação avançada o suficiente para recuperar os menores infratores devidamente. Mas as leis isoladamente não vão modificar o atual panorama, mas sim sua efetiva implementação.

Esta teoria foi elaborada no intuito de tentar harmonizar a imputabilidade com princípios basilares do direito tais como a isonomia e a proporcionalidade, e não tem a pretensão de solucionar a questão da criminalidade juvenil, mas tão somente tornar mais justa e equânime a progressividade do jus puniendi do Estado, visto ainda existirem lacunas jurídicas e doutrinárias no tocante a adequação do crime a sua justa punição. Lacunas ainda maiores quando verificada a necessidade de implementação da avançada legislação brasileira no tocante a proteção ao menor, sua recuperação, seu tratamento e, nos casos em que seja necessário, a sua justa punição.


BIBLIOGRÁFIA

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ZAFFARONI, Raúl Eugênio, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direto Penal. 8ª ed. São Paulo:Revista dos Tribunais. 2009

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Sobre o autor
André Pereira da Rocha

Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, André Pereira. Teoria da imputabilidade progressiva: a imputabilidade penal acompanhando a evolução biopsicológica do indivíduo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21718. Acesso em: 22 nov. 2024.

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