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Os rodeios e a jurisprudência paulista sobre as práticas que submetem animais a crueldade

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19/05/2012 às 15:48

Resumo:


  • Os rodeios são práticas que submetem animais a crueldade, contrariando a Constituição Federal, que veda tais práticas e impõe ao Estado o dever de proteger a fauna.

  • Leis que "autorizam" ou "regulamentam" rodeios são inconstitucionais, pois não podem autorizar atividades que causem crueldade aos animais, e o Tribunal de Justiça de São Paulo tem decidido pela proibição total ou parcial das provas de rodeio.

  • Em casos de realização de rodeios, é possível recorrer a ações judiciais, como ações civis públicas ou ações populares, para coibir tais práticas, invocando o princípio da precaução e a vedação de crueldade contra animais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 -  Dos argumentos “econômicos” utilizados em defesa dos rodeios

Ainda no afã de buscar legitimar os rodeios, costumam seus defensores sustentar que seriam importantes eventos de movimentação de atividade econômica, bem como meio de sustento de milhares de famílias.

Por primeiro, de ressaltar que as “festas de peão” envolvem, além dos rodeios, inúmeras outras atividades: shows musicais, feiras agro-industriais e comerciais, parques de diversões, “barracas de prendas”, exposições de animais e casas noturnas, dentre outras. De tais atividades citadas, avultam em importância, no que diz respeito à captação de público, os shows musicais. As referidas festas, pois, podem plenamente se manter – com igual público – ainda que haja exclusão da “atração” rodeio. Em diversos Municípios há já a realização de festas congêneres sem rodeios e sem que isso tenha implicado em redução de público e prejuízos econômicos.

E, para se observar o quão frágil é o “argumento econômico” em defesa do rodeio como captador de público para a festa, basta verificar que, no próprio material oficial de divulgação dos eventos todo o destaque fica, em regra, por conta dos shows musicais, merecendo as “provas”, especificamente, nada mais que mera referência em letras bem diminutas.

Por outro lado, o fato de que diversas pessoas possam “ganhar a vida” ou retirar o sustento de rodeios não é hábil a convencer como “argumento econômico”.

No presente quadro nacional, significativa parcela da população “ganha a vida” e sustenta seus familiares com recursos advindos de meios ilícitos. E nem por isso a respectiva atividade se torna legítima.

Aliás, afastando também o “argumento econômico”, destaca-se outro trecho do já mencionado voto do Des. Lineu Peinado:

“Os argumentos econômicos também devem ser vistos com reservas, porque o tráfico de entorpecentes também se diz rentável e este motivo não é suficiente, aliás, no exemplo, é vil, para não combate-lo com absoluto rigor”. (TJSP, Agravo de Instrumento n. 77.320-5/7, Rel. Des. Lineu Peinado)

Na mesma linha, e em acórdão que também entendeu pela configuração de crueldade na prática dos rodeios, o voto condutor de lavra do Des. Renato Nalini:

“Por tudo isso, não há se argumentar que a decisão vulnera os valores da livre iniciativa e do livre trabalho, pois os particulares não dispõem dessa liberdade absoluta para se conduzir no mercado de produção de bens e serviços da forma que bem lhes aprouver. A Constituição Federal fundou a ordem econômica brasileira na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, mas impôs aos agentes econômicos a observância de várias diretivas, dentre as quais a defesa do meio ambiente não é menos importante - artigo 170, inciso VI, da CF. Isso quer dizer que o bem não pode ser produzido, o serviço não pode ser prestado, e a atividade não pode ser desenvolvida, sem a estrita observância da legislação ambiental”. (TJSP, Apelação Cível n. ° 9229895-64.2003.8.26.0000 -Rel. Des. Renato Nalini, j. 10.11.2011)


4 – Do “argumento social”

Além das ponderações já lançadas em relação à inaceitabilidade dos argumentos “histórico-cultural” e “econômico”, fato é que não raro se levanta, quando em discussões sobre a prática dos rodeios, a ideia de uma suposta “superficialidade” das preocupações com animais, num pais de gritantes desigualdades sociais.

Por sorte, este tema foi já abordado pela Corte Suprema, tendo o Ministro Francisco Rezek, ao apreciar recurso extraordinário relativo à “farra do boi”, ponderado que se devia afastar tentação de levar em consideração a “metajurídica das prioridades: por que, num país de dramas sociais tão pungentes, há pessoas preocupando-se com a integridade física ou a sensibilidade dos animais?”. E responde:

“Esse argumento é de uma inconsistência que rivaliza com sua impertinência. A ninguém é dado o direito de estatuir para outrem qual será sua linha de ação, qual será, dentro da Constituição da República, o dispositivo que, parecendo-lhe ultrajado, deva merecer seu interesse e sua busca de justiça. De resto, com a negligência no que se refere à sensibilidade dos animais anda-se meio caminho até a indiferença a quanto se faça a seres humanos. Essas duas formas de desídia são irmãs e quase sempre se reúnem, escalonadamente. Não nos é dado o direito de tentar ridicularizar o pedido, de amesquinhá-lo com esse argumento, sobretudo porque os sofrimentos que ainda hoje, para nosso pesar, em nossa sociedade se infligem a seres humanos, não são assumidos como institucionais: constituem algo de que todos se envergonham e que em muitos casos a lei qualifica como crime. Aqui estamos falando de outra coisa, de algo que é assumido e até chamado de ‘manifestação cultural’. Por isso, a ação não se dirige contra marginais, mas contra o poder público, no propósito de fazê-lo honrar a Constituição” (STF, RE 153.531-8/SC, rel. Min. Francisco Rezek, j. 03.07.1997)


5 – Da vedação à realização de rodeios em áreas urbanas no Estado de São Paulo

Há que se ponderar que, independente da compreensão que se der à temática da crueldade praticada contra animais nas denominadas “provas de rodeio”, tais eventos, por disposição expressa, não podem ser realizados em área urbana – o que parece não estar recebendo a devida atenção do Poder Público.

De fato, dispõe o artigo 23 da Norma Técnica Especial aprovada e anexa ao Decreto Estadual n. 40.400, de 24 de outubro de 1995, que “Artigo 23 – Os haras, os rodeios, os carrosséis-vivos, os hotéis-fazenda, as granjas de criação, as pocilgas, e congêneres não poderão localizar-se no perímetro urbano”.


6 – Da violação a interesses especialmente protegidos

Dispõe a Constituição Federal:

Artigo 23 – é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos  Municípios:

(...)

VI proteger o meio-ambiente (...);

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

Artigo 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações

Parágrafo 1º Para assegurar a efetividade deste direito, incumbe ao poder público:

(...) 

Inciso VII - proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade".

(...)

Na mesma linha, dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo:

Art. 193 - "O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada participação da coletividade, com o fim de:

 (...)

Inciso X - proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica e que provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade, e fiscalizando a extração, produção, criação, métodos, abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos".

Ressalte-se que maus-tratos e crueldade constituem, hoje, condutas tipificadas pela legislação penal (Lei nº 9.605/98). Ressalte-se, ainda, que o Brasil é signatário da “Declaração Universal dos Direitos dos Animais” (Bruxelas, 1978), que dispõe, em seu artigo 3º, que “nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis” e, em seu artigo 10, que “nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem”.


7 – Inconstitucionalidade das Leis Federais ns. 10.519/02 e 10.220/01 e da Lei Estadual n. 10.359/99

Na contramão da História e dos movimentos mundiais e nacionais de proteção ao ambiente e repúdio à submissão de animais a crueldade – com destaque para a recente vedação, para a partir de 1º de janeiro de 2012, de quaisquer touradas na região da Catalunha, Espanha[13] - houve por bem a União editar as Leis ns. 10.519/02 e 10.220/01, e o Estado de São Paulo editar a Lei n. 10.359/99 .

Trata a primeira de “regulamentar” a realização de rodeios de animais, traçando normas gerais de orientação para as práticas ora atacadas. Já a segunda, que a antecedeu, cuida de reconhecer como atleta profissional o peão de rodeio. O diploma estadual “regulamenta” a prática de rodeios em São Paulo.

Todas as três leis, pois, partem do pressuposto de que autorizada seria, por nosso sistema jurídico, a prática de rodeios, e, em última análise (levando em conta tudo quanto já relatado), autorizada seria a crueldade.

Ora, conforme já declinado, consagra a Constituição Federal como poder-dever do Estado (em todas as esferas de Administração) proteger o ambiente e preservar a fauna. Consagra, ainda, serem vedadas as práticas que submetam os animais a crueldade. E contempla como dever do Poder Público a proteção da fauna.

Assim, se é dever do Poder Público a preservação/proteção da fauna, não pode este tolerar (omissão) e, muito menos “autorizar” (ação), ainda que por lei, atividade atentatória à fauna.

Salta aos olhos que, se o Diploma organizador do Estado impõe a este um comando – proteger a fauna – não pode tal Estado, agindo em sentido diametralmente oposto e por diplomas infraconstitucionais, “autorizar” práticas contra ela (a fauna) atentatórias.

O recurso a exemplos torna a conclusão ainda mais inafastável.

O artigo 4º, inciso VIII da Constituição Federal estabelece ser princípio da República o repúdio ao racismo. Note-se que se fala em “princípio” (com uma séria de discussões quanto a se tratar de norma programática), e não ainda em dever. Mesmo assim, e mesmo antes da edição de lei estabelecendo punições para o crime de racismo, por óbvio sequer se poderia cogitar – por flagrante inconstitucionalidade – de edição de lei que autorizasse práticas ou atividades racistas.

O artigo 1º, inciso III, por sua vez, consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado. Ainda que revogadas fossem todas as normas incriminadoras de atentados à dignidade, nem por isso seria dado à União editar lei que “autorizasse” prática reconhecidamente degradante, que afrontasse a dignidade da pessoa humana.

O artigo 5º, inciso XLIII, delega à legislação ordinária considerar hediondo, dentre outros, o crime de tortura. Não há dúvidas de que, mesmo que inexistisse sanção penal para a prática de tortura, não poderia a legislação “regulamentar” a tortura, por exemplo, como procedimento policial investigatório legítimo para obtenção de confissão de crimes.

Mutatis mutandis, inegável que se a Constituição, em diversos pontos, estabelece ser dever do Estado a proteção à fauna, não pode a lei autorizar práticas cruéis contra animais.

O artigo 225, em seu parágrafo primeiro, inciso VII, veda a prática de submissão de animais a crueldade.

E não se diga, neste ponto, que o dispositivo não teria aplicação por delegar à lei a forma de tal vedação. Quis o Constituinte delegar – como não poderia deixar de ser – ao Legislador Ordinário, a forma de vedação das práticas cruéis, isto é, a delimitação de como se sancionaria o descumprimento do comando genérico proibitivo implícito (“é proibido submeter animais a crueldade”).

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Quis o Constituinte, portanto, delegar à legislação ordinária a forma de repressão às práticas cruéis: criminalização de atos, forma de imposição de multas em esfera administrativa, regulamentação quanto à concessão de autorizações de pesquisas científicas, etc. – e não a forma de autorização de tais práticas cruéis – como fazem as leis que “autorizam” rodeios.

Os comandos sancionatórios infraconstitucionais já foram, como relatado, editados, ressaltando-se, dentre outros, o que impõe penas criminais a quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (artigo 32 da Lei n. 9605/98).

Vedou a Constituição as práticas cruéis, delegando à lei ordinária a regulamentação de tal vedação. Em hipótese alguma, pois, autorizou práticas cruéis contra animais.

Neste ponto, oportuno rememorar o voto proferido pelo então Ministro Francisco Rezek no julgamento histórico, no Supremo Tribunal Federal, em que se considerou contrária à Constituição a prática da “farra do boi”, que ocorria no Estado de Santa Catarina (e que era, igualmente, defendida como “manifestação cultural”). Na oportunidade, tratando juntamente do significado da expressão “na forma da lei” no dispositivo em comento, ponderou:

“atentei, de início, na interpretação da regra constitucional, à qualificativa ‘na forma da lei’. Imaginei uma possível crítica à ação onde se dissesse que da própria Carta da República não se tira diretamente um comando que obrigue a autoridade catarinense a agir como pretendem as instituições recorrentes, porque isso deveria ser feito na forma da lei. Ora, a ação é dirigida ao Estado e, portanto, ao legislador também. Ao Estado como expressão do Poder Público. O que se quer é que o Estado, se necessário, produza, justamente para honrar esse ‘na forma da lei’, o regramento normativo capaz de coibir a prática considerada inconsistente com a norma constitucional. Não vi assim nenhuma espécie de falha no encadeamento normativo. Pode-se, efetivamente, invocar o inciso VII do §1º do era. 225 da Carta para, em ação civil pública, compelir o poder público a, legislando ou apenas agindo administrativamente, conforme lhe pareça apropriado, coibir toda prática que submeta animais a tratamento cruel” (STF, RE 153.531-8/SC, rel. Min. Francisco Rezek, j. 03.07.1997). [destaques no original].

Não poderia mesmo ser diferente - embora haja no Brasil, aparentemente, uma equivocada prática, por parte de alguns operadores do Direito, de interpretar a Constituição a partir da legislação infraconstitucional (quando, por óbvio, dever-se-ia proceder do modo inverso).

E aqui se torna aos exemplos. A Constituição Federal, ao determinar que a legislação consideraria hediondo o crime de tortura, e ao delegar também à lei a tipificação do crime de racismo, vedou tais práticas. Mesmo no vácuo legislativo ocorrido entre a promulgação da Carta e a edição das leis incriminadoras, não haveria possibilidade (juridicamente válida) de se editarem leis que incentivassem ou consagrassem práticas racistas, ou que considerassem legítima a tortura como meio de investigação.

Tratam tais casos, ontologicamente, de situações idênticas à ora discutida, exigindo idênticas soluções.

Aliás, oportuno transcrever o teor de decisão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que

"Um certo instrumento, ou uma determinada prova, não deixam de ser cruéis simplesmente porque o legislador assim dispôs. Não se desfaz a crueldade por expressa disposição de lei. Portanto, se demonstrado, em cada caso, que algum dos equipamentos legalmente permitidos no rodeio lesiona, física ou mentalmente, o animal, se impõe sua proibição, para que se cumpra fielmente a vedação à crueldade, assegurada nas Constituições Federal e Estadual. Evidente, em conseqüência, que os rodeios e festas de peão não podem incluir práticas e equipamentos cruéis, ainda que eventualmente permitidos na Lei Estadual 10.359/99, podendo ser assim considerados aqueles que causam lesão, consistente em ferimento, dor física ou sofrimento mental, aos animais." (TJSP, Apelação Cível 168.456- 5/5, j.24.10.2001, Re. Des. Teresa Ramos Marques, j. 24.10.2001).

Superados tais pontos, de ressaltar que, lição basilar de Direito, no ordenamento jurídico as normas infraconstitucionais buscam seu fundamento de validade na Constituição. Só são validas no mundo jurídico se de alguma forma respaldadas na Constituição ou, ao menos, se não conflitarem com as disposições constitucionais.

Assim, ao interpretar a legislação, impõe-se ao operador que perquira se tal conflita – ou não – com os comandos constitucionais. Em caso de conflito, a norma infraconstitucional é desprovida de validade. Trata-se do princípio da supremacia da Constituição, fundamental no Estado Democrático de Direito.

A isto se acrescente vigorar, ainda em sede de interpretação (constitucional), o princípio da efetividade ­– deve-se dar aos comandos positivados na Carta (in casu, imposição de dever ao Estado de proteger a fauna e, via de consequência, vedação a que compactue e autorize práticas atentatórias à fauna; vedação às práticas que submetam animais a crueldade) o sentido que lhes garanta maior efetividade. Neste sentido, aliás, a lição do mestre português José Joaquim Gomes Canotilho:

“Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia se lhê dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e, embora sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (THOMA) é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvida, deve preferir-se a interpretação que reconheça a maior eficácia aos direitos fundamentais).”[14]

Tal princípio – da efetividade – representa, aliás, nada mais que consagração, em sede de interpretação constitucional, do velho brocado commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat (“prefira-se a inteligência dos textos que torne viável seu objetivo, ao invés da que os reduz à inutilidade”).

Demonstrado, com fundamento em estudos técnico-científicos, que todas as modalidades compreendidas no rodeio consistem em submissão dos animais a crueldade.  

Demonstrado que pela Constituição Federal foram vedadas práticas que impliquem em crueldade contra animais, bem como que imposto ao Estado o dever de proteção a tais animais, não sendo dado a este (Estado) autorizar, ainda que por lei, práticas cruéis contra animais. Assim, inevitável reconhecer que inconstitucionais as Leis Federais e a Lei Estadual apontadas, “autorizadoras” da atividade do rodeio.

E, se inconstitucionais, são como que inexistentes, não produzindo qualquer efeito, quanto mais o de autorizar a prática de rodeios:

“Um ato ou uma lei inconstitucional é um ato ou uma lei inexistente; uma lei inconstitucional é lei aparente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou é para o Direito como se nunca houvesse existido”[15].

Aliás, em recente decisão, a Corte Paulista reconheceu, incidentalmente, a inconstitucionalidade das leis apontadas:

“A despeito da Lei Estadual 10.359/99 regulamentar a prática da atividade de rodeio e a Lei Federal 10.519/02, por sua vez, regular as provas de laço, é indubitável que tais atividades causam sofrimento aos animais que protagonizam as apresentações, considerando-se que utilizam o sedem e outros petrechos a fim de ‘estimular’  os animais. Dessa forma, estes diplomas legais são inconstitucionais”.(TJSP, Apelação n° 0006162-86.2009.8.26.0457, Rel. Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro, j. 28.04.2011) [destaquei].

E, apreciando caso semelhante, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade de leis estaduais dos Estados do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro que – à semelhança da legislação que “autoriza” os rodeios - “autorizava” as igualmente cruéis rinhas de galo:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. "Rinhas" ou "Brigas de galo". Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas "rinhas" ou "brigas de galo (STF, ADIN 3776/RN, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 14.06.2007)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MEIO-AMBIENTE. ANIMAIS: PROTEÇÃO: CRUELDADE. "BRIGA DE GALOS". I. - A Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre "galos combatentes", autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal não permite: C.F., art. 225, § 1º, VII. II. - Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro (STF, ADIN 1856 MC/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 03.09.1998).

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Sobre o autor
Fausto Luciano Panicacci

Promotor de Justiça no Estado de São Paulo Doutorando pela Escola de Direito da Universidade do Minho (PORTUGAL) Professor no Curso de Especialização em Direito Administrativo Contratual do GVLaw (Fundação Getúlio Vargas - FGV/SP) no ano de 2002 Palestrante

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANICACCI, Fausto Luciano. Os rodeios e a jurisprudência paulista sobre as práticas que submetem animais a crueldade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3244, 19 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21812. Acesso em: 27 dez. 2024.

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